Judiciário

Luiz Fux e a Injustiça Da Lei


03/03/2011

Nivlado Cordeiro

www.nivaldocordeiro.net

Quando eu produzi meu comentário em vídeo
abordando o discurso de Luiz Fux no Senado Federal, ele que havia
sido recém nomeado para o cargo de ministro do Supremo Tribunal Federal – STF (Luiz Fux rasga
a Constituição), em face do conjunto de manifestações que recebi, com opiniões
a favor e contra ao que eu disse, fiquei em duvida se eu havia feito
o certo ao levar a público mais amplo a minha modesta opinião e se,
eventualmente, eu poderia ter cometido uma injustiça com aquele alto
magistrado. Minha opinião é, para dizer o mínimo, forte, isso porque vi no
ministro o representante de certas correntes do Direito que querem fazer do
Poder Judiciário um instrumento de igualdade social, com cada juiz legislando
segundo sua idiossincrasia igualitarista a partir do caso em
julgamento. Essas correntes não querem mais a igualdade de todos perante a lei,
mas sim, a igualdade por força do Judiciário, à espera que o sistema jurídico
seja devidamente moldado para que a lei determine, por sua própria força, a
igualdade de fato.

Enquanto a lei não muda, mudaram os juízes,
que a ignoram solenemente.

Essa visão contraria tudo que a tradição
consagrou em matéria de lei e de Justiça. Vemos agora no mundo árabe os
estertores de um sistema que anseia por aquilo que ansiava o Ocidente antes de
Platão e de Aristóteles e da consagração da visão cristã como verdade
universal. A maior conquista da civilização – a igualdade de todos perante a
lei – precisou de milênios para ser implantada e o marco constitucional foi o
primeiro passo para isso. Basta lembrar que, na esteira dessa
suprema conquista, que ressoa as palavras do Apóstolo Paulo ao dizer
que “Deus não faz acepção das pessoas”, é que o Ocidente se livrou da
escravidão e de outras odiosas desigualdades instituídas juridicamente pelo
nascimento. Os sofridos povos árabes ora em convulsão lutam ainda por uma mísera
constituição, que separe as funções do chefe de Estado e da religião, fazendo
assim imperar a lei. O morticínio da Líbia faz-nos lembrar que no Ocidente
muito sangue foi também derramado para essa que essa excelsa conquista
finalmente viesse moldar as instituições.

A igualdade de todos diante da lei não é
nenhuma ninharia e reflete a expressão jurídica que tem base teológica e
filosófica do mais alto vigor. Essa visão, que terá tido no século XIX o
seu ponto mais elevado de respeito e aplicação, foi pouco a pouco se
deteriorando com a infiltração marxista, levada a cabo mediante autores
comoGrasmsci, Rawls e Bobbio (o primeiro contido nos dois
últimos), marcando profundamente o Direito da segunda metade do século XX para
cá. Abandonou-se paulatinamente a tradição greco-cristã em matéria
jurídica e se transformou o Poder Judiciário em instrumento da luta de classes,
como se fosse um mero aparelho ideológico. Ao juiz, agora tornado comissário
militante, caberia supostamente corrigir as desigualdades naturais e
interpretar e aplicar a lei não de acordo com sua letra, abandonando o
princípio da igualdade, mas dando peso diferente às partes, de acordo com os
princípios marxistas. A magistratura virou instrumento para transformar os
naturalmente desiguais em iguais por força de decisão judicial, deixando de
lado o princípio constitucional mais precioso.  A praga esparramou-se
no Brasil, mas de forma alguma está restrita ao nosso país. É universal.

Na prática, essa visão da magistratura
restaura o roubo estatal, a rapina injusta nas sentenças exaradas, o
favorecimento injustificado de demandantes contra o espírito igualitário da
Constituição. Voltamos ao ponto de partida, em que o perigo da escravidão
forçada pelo arbítrio, não apenas contra a propriedade privada, esteio da
liberdade, mas também contra a liberdade enquanto tal. Quantos injustamente
pagam sem dever, tendo sido apenados por força da ignorância e da má fé de
juízes militantes?

Vi que não fugi à verdade e nem fui injusto
com Luiz Fux no vídeo citado. Na edição de hoje da Folha de São Paulo
o nobre magistrado reafirmou a sua visão de mundo (Nós, os juízes), em texto
que é um misto de auto-elogio biográfico e de chamamento aos pares magistrados,
de todos os níveis, para essa ação deletéria de quebrar o princípio da
igualdade diante da lei. A surpresa não é que a ação aconteça – bem sabemos que
ela ocorre cotidianamente nos tribunais, com o consentimento tácito da mais
alta hierarquia; a surpresa é um ministro do STF colocar a tese com todas as letras
em um jornal de grande circulação, contrariando formalmente a Constituição
Federal.

Luiz Fux escreveu:  “Os
juízes têm amor à justiça: enfrentam diuturnamente com a espada da
deusa Têmis o conflito entre a lei e o justo, tratam os opulentos com
altivez e os indigentes com caridade
”. Reconheço haver um conflito
entre a lei e o justo, pois nas últimas décadas nosso marco jurídico tem sido
violentado pela sanha igualitaristados marxistas, que dominaram o
Congresso Nacional, mas, ainda assim, não é da competência do Poder Judiciário
não reconhecer uma lei legitimamente aprovada de acordo com os ritos
constitucionais. Se há injustiça não é por causa do princípio da igualdade, mas
porque os legisladores abandonaram o Direito Natural no momento da feitura do marco
legal. Com qualquer que seja o vício, se a lei é constitucional e considerada
apta, compete ao magistrado exclusivamente a sua aplicação. Eles não podem
selecionar aquilo que é matéria para o caso apenas para supostamente favorecer
a parte tida como mais fraca. Discutir o processo legislativo e a equidade da
lei é assunto privativo de outros poderes.

Criar antinomias entre a lei e o justo é
flertar perigosamente com o relativismo jurídico nefasto, que pode levar à
insegurança dos contratos e das relações cotidianas entre as
pessoas. É fazer das sentenças múltiplas expressões de
arbitrariedades e de preconceitos. É transformar os tribunais em antros
fabricadores de hediondas injustiças. A administração ordinária da Justiça
torna-se assim uma loteria diabólica.

A fé marxista e igualitarista de
Luiz Fux está plenamente expressa nas seguintes palavras: “Nesse
mister, assemelhado às atividades sacras, cumpre ao juiz substituir o falso
pelo verdadeiro, combater o farisaísmo, desmascarar a impostura, proteger os
que padecem e reclamar a herança dos deserdados pela pátria
.” O
sagrado, para LuizFux, é o revolucionário. A negação de qualquer sacralidade do
Direito, portanto, exatamente o contrário do que canta a sua retórica. Definir
quem são os deserdados pela pátria será tarefa de um magistrado? Vê-se o perigo
da elasticidade desses conceitos arbitrários.

O fecho do artigo é a convocação dos
“companheiros” magistrados para a ação direta (termo de triste memória para
quem se lembra da história do século XX, que teve no povo judeu suas vítimas
superlativas): “Senhores juízes brasileiros! Lutem incessantemente pelos
seus ideais, porque eu, nessas horas que antecedem a minha posse, acredito que
a vida é feita de heroísmos
”. Tremo de pensar nas ações heróicas de justiceiros
judiciais.

* José Nivaldo Cordeiro, Executivo, nascido no Ceará. Reside atualmente
em São Paulo. Declaradamente liberal, é um respeitado crítico das idéias
coletivistas. É um dos mais relevantes articulistas nacionais do momento,
escrevendo artigos diários para diversos jornais e sites nacionais. É Diretor
da ANL – Associação Nacional de Livrarias.

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Como citar e referenciar este artigo:
, Nivaldo Cordeiro. Luiz Fux e a Injustiça Da Lei. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2011. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/judiciario/luiz-fux-e-a-injustica-da-lei/ Acesso em: 25 abr. 2024