Judiciário

A necessidade de escolhermos os dirigentes dos tribunais

 

(Luiz Guilherme Marques, Juiz de Direito da 2ª Vara Cível de Juiz de Fora – MG)

 

            Numa conversa informal entre os juízes da região de Juiz de Fora e o Presidente do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, Desembargador SÉRGIO ANTÔNIO DE RESENDE, perguntei-lhe se os problemas mais graves do Judiciário mineiro não seriam solucionados se adotássemos o sistema de eleições diretas para os cargos de direção do Tribunal.

 

            Ele manifestou-se contrariamente, afirmando que haveria um “racha” na instituição além dos eleitos ficarem comprometidos com seus eleitores a ponto de gerar a impunidade em casos de desvio de conduta da parte daqueles.

 

            Com todo o respeito que tenho pelo ilustre, inovador e democrático colega e amigo de todos (o qual seria um dos eleitos), tenho para mim que enquanto a escolha couber apenas aos Desembargadores – que optam geralmente pelos mais antigos – teremos mudanças internas em progressão aritmética enquanto que os demais segmentos da sociedade modificam-se em escala geométrica.

 

            As experiências do passado são suficientes para mostrar-nos que nem todos os escolhidos têm o perfil de administradores e que algumas atuações foram insatisfatórios, apesar de serem todas bem intencionadas e idealistas.

 

            Um senso especial se exige desses dirigentes, muito diferente da inteligência de jurista, mais precisamente um dom para enxergar o Futuro e ousar mudanças de profundidade.

 

            CARLOS ANTÔNIO LEITE BRANDÃO, Diretor do Instituto de Estudos Avançados Transdisciplinares da Universidade Federal de Minas Gerais, fala na necessidade de se “especular o futuro” e se “engravidar o presente”. A única forma de termos um Judiciário melhor, mais moderno, democrático e que atenda aos anseios da população é termos no comando da nossa Instituição colegas dotados de grande capacidade para a função de Gestão.

 

            Não se pode impunemente correr o risco dos altos e baixos das sucessões baseadas na mera antiguidade.

 

            Os cargos de direção no TJMG são os de Presidente e seus 3 Vices, além de Corregedor-geral e seu Vice.

 

            Cada um desses cargos exige um tipo específico de competência. Não há como as escolhas deixarem de ser sempre acertadas, perfeitas.

 

            Dois anos – se ocorrer uma atuação deficiente – representam um prejuízo enorme e muitas vezes insanável. Nesse ponto não pode haver meio termo entre a competência comprovada e o amadorismo.

 

            Não se pode imaginar que uma classe inteira de pessoas esclarecidas venha a ser ludibriada por líderes desonestos ou demagogos.

 

            É mais provável que toda a classe de Magistrados (Juízes e Desembargadores) escolha melhor do que sua cúpula, composta pelos Desembargadores. Vale a regra de que “duas cabeças pensam melhor do que uma”: centenas de magistrados (inclusive os do 1º grau) podem escolher melhor do que uma centena. O fato de um Magistrado estar mais graduado na carreira pode ser traduzido por maior competência como técnico no ofício jurisdicional, mas não significa que os colegas do 1º grau não tenham condições de identificar e bem escolher os bons dirigentes. Se assim fosse, não faria sentido o sufrágio universal nas eleições para os cargos do Executivo e Legislativo: os eleitores seriam apenas umas poucas pessoas, membros das elites intelectual e financeira…

 

            A experiência do Ministério Público na escolha pela classe inteira   serve de referencial e mostrou como bom resultado, no mínimo, a democratização da instituição, realidade da qual o Judiciário está distante.

 

            Lembro-me de ter conhecido em 1986 – quando eu ainda era Promotor de Justiça – o Procurador-geral de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, eleito pela integralidade da classe, o qual era um membro da 1ª Instância. Nesse caso, havia um paradigma ainda mais avançado, ou seja, o dirigente da Instituição sequer necessitava de pertencer ao quadro da 2ª Instância para poder ser eleito.

 

            Num Serviço Público exageradamente hierarquizado o distanciamento entre a base e a cúpula traz como consequência a tendência para o autoritarismo. Em Minas Gerais, felizmente, não é comum nossos superiores hierárquicos assumirem o perfil ditatorial, mas é preferível uma garantia contra o risco a dependermos da índole democrática dos eventuais eleitos. 

 

            O Ministério Público tem lavrado mais pontos do que nós frente à opinião pública justamente pela democratização da sua instituição, enquanto que muitos de nós apegam-se a padrões insatisfatórios das tradições. Esse apego nada tem a ver com a idade dos nossos colegas, mas sim à própria índole individual, que distingue os progressistas dos passadistas.

 

            Já é tempo de adotarmos novos paradigmas. Não devemos ser “militares sem farda”, amantes da hierarquização excessiva, padrão idealizado por NAPOLEÃO BONAPARTE no final do século XVIII justamente para melhor dominar o Judiciário do seu país.

 

            A diferença entre a 1ª e a 2ª Instâncias deveria ser mínima, inclusive não fazendo sentido a diferença de denominação dos cargos: Juiz e Desembargador.

 

            Votemos para escolher nossos dirigentes e, por via de consequência, teremos a evolução mais rápida da nossa valorosa Instituição.

 

            O objetivo maior do nosso trabalho é resolver rápida e atenciosamente os processos, o que se consegue melhor com um diálogo melhor entre partes, Advogados, Ministério Público e membros do Judiciário de todas as Instâncias.

 

            O jornal Estado de Minas publicou, em 08/03/2010, no caderno Direito & Justiça, meu artigo intitulado A Necessidade de Escolhermos os Dirigentes dos Tribunais. Complemento-o com estas novas reflexões:

 

            O perfil absolutista de LUÍS XIV, da França, acabou instigando a burguesia a derrubar a nobreza e o clero durante o governo fraco de LUÍS XVI, sucessor do também fraco LUÍS XV.

 

            O espírito dominador do czar NICOLAU II, da Rússia, revoltou os camponeses, soldados e operários a tal ponto que estes retiraram todo o poder das mãos da nobreza e do clero ortodoxo, implantando o governo dos sovietes (deputados por eles eleitos).

 

            A intransigência do governo absolutista da Inglaterra deu argumentos aos americanos para lutarem pela independência das 13 colônias, surgindo daí uma nova nação, os Estados Unidos.

 

            Os abusos cometidos por Roma contra os povos vizinhos levaram os mais ousados a arrasar aquele país, que se enfraquecia cada vez mais pelo luxo e os despautérios.

 

            No Brasil também se vêm alternando no poder a direita e a esquerda, desde a proclamação da república.

 

            PIETRO UBALDI (1886 – 1972), em Princípios de uma Nova Ética, mostra como se sucedem a esquerda e a direita, o povo e as elites, o masculino e o feminino, a democracia e a ditadura etc.

 

            As duas metades se completam. Os excessos praticados por um lado o enfraquecem e induzem o fortalecimento do outro, que, por sua vez, acaba se perdendo em exageros e possibilita o crescimento daquele outro e assim por diante.

 

            Sem querer fazer propaganda de quem quer que seja ou desmerecer quem quer que seja, é de se refletir sobre a veracidade da tese ubaldiana, para que se entenda como natural esse fenômeno social, necessário para o desenvolvimento tanto individual quanto coletivo.

 

            Inclusive no mundo jurídico tal fenômeno também ocorre, tanto é que, depois da vigência de uma legislação do inquilinato que privilegia os  locadores, vem outra que beneficia ou inquilinos; em seguida a uma legislação excessivamente benévola aos empregadores deve sugir outra em favor dos empregados; sucede a um Direito Penal do inimigo um Direito Penal humanitário e assim por diante.

 

            Nosso atual Código de Processo Civil é excessivamente formalista e teórico, o que gerou o emperramento da Justiça Cível. Agora, a Comissão presidida por LUIZ FUX pretende reduzi-lo à metade e transformá-lo numa ferramenta de grande praticidade e simplicidade.

 

            O Judiciário brasileiro esteve ajoelhado frente ao Executivo durante séculos, pôs-se de pé depois da Constituição de 1988 e está vivendo atualmente um ativismo nunca visto.

 

            A sabedoria consiste em saber até onde se deve ir e quando chegou a hora de mudar de rumo.

 

            A lucidez dos dirigentes das instituições representa uma de suas maiores virtudes, sem a qual estamos sujeitos a sucessivas revoluções, retaliações, perseguições e eternos recomeços.

 

            A eleição dos dirigentes dos Tribunais por toda a categoria e não apenas pelos magistrados mais graduados representará um contrapeso à excessiva hierarquização e espírito antidemocrático que tem vigorado.

 

            Como tal mudança exige mudança legislativa de vulto, enquanto tal não ocorre, se pode dar o primeiro passo nesse processo democratizante ouvindo as Associações de Magistrados nas suas sugestões e reivindicações.

 

Em tempos passados, houve dirigentes que nenhuma abertura concediam a essas entidades de classe, com prejuízo para a evolução do Judiciário.

 

            Felizmente, os dirigentes recém eleitos do TJMG – Desembargadores CLÁUDIO COSTA, CARREIRA MACHADO, JOAQUIM HERCULANO, MÁRCIA MILANEZ, ALVIM SOARES e AUDEBERT DELAGE – são simpáticos ao associativismo e, por isso, espera-se muito do seu espírito democrático.

Como citar e referenciar este artigo:
MARQUES, Luiz Guilherme. A necessidade de escolhermos os dirigentes dos tribunais. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2010. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/judiciario/a-necessidade-de-escolhermos-os-dirigentes-dos-tribunais/ Acesso em: 29 mar. 2024