Filosofia do Direito

A Personificação do Direito: Uma Abordagem Sócio-Lingüística

A Personificação do Direito: Uma Abordagem Sócio-Lingüística

 

 

Anna Carolina Ferreira

Hugo Hollanda Soares

Igor Rodrigues

Loreta Carius

 

 

RESUMO

 

Este artigo opera na interface direito e linguagem, analisando a expressão mais significativa do meio jurídico. Convida o leitor a entrar no mundo das letras e mergulhar em suas veias, neste caso na personificação, passando e perpassando por obras e grandes expressões literárias, com o objetivo de expor com maior clareza os símbolos que representam o direito e os institutos atinentes a esse, analisando cada um e sua representatividade: a balança como símbolo de equidade, a espada representando a força para defender o direito e a venda nos olhos de Diké demonstrando a imparcialidade da justiça. Traz, literalmente, um retrato do que seria – na verdade é – a concepção abstrata da justiça, que ultrapassa a visão ortodoxo-positivista, abarcando o imo do mundo jurídico e a sua razão de ser, retratando justiça como o elemento capaz de promover a paz e assegurar o direito.         

 

 

ABSTRACT

 

This interface operates in law and language, analyzing the most significant legal means. Invites the reader to enter the world of letters and delve into their veins, in this case in the embodiment, and now exists in literary works and major terms, aiming to expose more clearly the symbols that represent the law and institutions pertaining to this, analyzing each and they are: the balance of equity as a symbol, the sword represents the power to defend the right eye and the sale of Diké demonstrating impartiality. Brings, literally, a picture of it – the truth is – the abstract concept of justice, a vision that goes beyond the orthodox, positivist, which includes essence the world and their legal right to be, portraying justice as the element capable of promoting peace and ensure the right.

 

 

“A justiça tem numa das mãos a balança em que pesa o direito, e na outra a espada de que se serve para o defender. A espada sem a balança é a força brutal, a balança sem a espada é a impotência do direito” – Rudolf Von Ihering.

 

 

INTRODUÇÃO

 

 

A língua de um povo é mais que um meio de comunicação, na verdade a língua é a expressão da cultura, é o instrumento que permite a existência de várias relações, graças ao qual se influencia e se é influenciado, se convence e se é convencido, ou seja, a língua e aí dizemos o processo cognitivo e não, puramente, o fonético, permite a relação sócio-cultural, relação essa só encontrada entre os humanos, daí porque a linguagem, a interpretação de símbolos, a intelecção, o processo de construção e organização das idéias são exclusividades desses. Não se pode confundir, de modo algum, o processo cognitivo com o fonético, o segundo não é somente façanha do homem, sendo encontrados animais que reproduzem, similarmente, os sons da fala humana, o que não permite uma organização sócio-cultural.

 

A língua é morada do conhecimento e a exterioridade do que se tem por pensar, traduz o passado e o presente de uma nação, a linguagem é a veste da sociedade ou mesmo um determinado grupo social, de modo que, é possível definir somente a partir dessa, sem conhecer o reprodutor, o falante, características particulares de quem a linguagem diz respeito, ou seja, através da linguagem de um advogado é possível dizê-lo tal sem conhecer sua titulação, mais do que isso, através da linguagem é possível identificar e diferenciar os bons operadores do direito dos operadores ruins. No atual momento epistemológico do direito, a interação do direito/linguagem é uma relação intensa, uma ferramenta de operação inquestionável, que se expressa no próprio símbolo do objetivo da carreira: a justiça. Segundo Sócrates, o maior filósofo do mundo grego, a expressão, lê-se linguagem, é a maior ferramenta de convencimento, daí a importância do operador do direito conhecer, profundamente, tanto a linguagem quanto a língua.

 

A linguagem é fator determinante no meio jurídico – na verdade em qualquer outro lugar, porém especialmente nesse meio, isso porque na casa jurídica utiliza-se de um vocábulo peculiar, um linguajar muito específico abarrotado de termos em latim e expressões técnicas, “La evolución del lenguaje jurídico a través del tiempo se justifica en la medida que el Derecho es un lenguaje propio para algunos autores y para otros es una aplicación del lenguaje” (Grizzuti) – aí a razão pela qual a linguagem torna-se tão importante e tão importante quanto à linguagem torna-se o conhecimento dela. No mundo jurídico uma afirmação incorreta pode implicar grandes consequências, uma expressão equivocada pode causar perdas irreparáveis. Destarte, o operador do direito deve ser um grande conhecedor de sua língua pátria e, até mesmo, das línguas estrangeiras, daí porque a própria operação requer essa qualificação.

 

A língua e os instrumentos dessa são mote deste estudo, que opera na interface Direito e Linguagem, uma interdisciplinaridade crescente em vários países do mundo, não obstante da realidade brasileira. O presente artigo entra casa jurídica com o olhar das letras, atestando para a vital necessidade de coligar o conhecimento linguístico ao conhecimento jurídico, centralizando a relação direito/língua na figura de Diké: a expressão máxima dessa relação, pois é a justiça: objetivo macro do direito, e a personificação: figura de linguagem ávida no mundo das letras.

 

 A obra diz respeito ao processamento figurativo da linguagem que concretiza o abstrato, um recurso estilístico que permite materializar concepções, denominado personificação, uma figura de linguagem através da qual o não-material é expresso na forma objetiva – no sentido de concretizado.

 

Trata-se de um artigo produzido mediante analise em corpus escrito, principalmente, da obra A luta pelo Direito. Uma contribuição filo e sociológica para a academia de direito, para a compreensão de um objeto, na verdade, de um símbolo grandioso.

 

 

REVISÃO DA LITERATURA

 

 

“A fascinação que as palavras exercem no artista criador explica o hábito de as personificar e visualizar como […] seres humanos”

Stephen Ullmann

 

A personificação, fictio personae, como indica o próprio termo da figura de linguagem, permite que sentimentos, ideologias e concepções adquiram uma personalidade física ou até mesmo sentimental, adquirindo vícios e virtudes humanas, ou seja, que o inanimado se torne animado, por mais paradoxal que seja a personificação permite criar sentimentos dos sentimentos, neste caso, o segundo materializado. A característica da respectiva figura de linguagem é a incorporação – aqui se aplica o sentido frio da palavra – do não-corpóreo, daí é possível acender através dessa, os sentimentos implícitos na forma material.

 

A personificação é uma figura de pensamento frequente na literatura, se refere, fundamentalmente, a um desvio que incide, sobretudo na forma e no significante e não no significado, pois a característica do personificado é conservada. Um grande número de expressões da linguagem corrente tiveram na sua origem uma perspectiva animista da realidade não humana sem vida. É o caso de expressões como “garras da morte” e “boca do inferno”.

 

Para explicar a personificação peguemos o exemplo “garras da morte”:

 

Garrasunhas curvas e afiadas presentes em muitos animais vertebrados. Faz-se necessário destacar a função das garras, tanto a de agarrar uma superfície ou uma presa quanto a função de aumentar a aderência das patas sobre o solo durante a corrida.

 

Morte óbito; é um fenômeno natural. É o término da vida de um organismo.

 

Na respectiva expressão se atribui a um evento natural uma característica comum aos vertebrados: a garra. A frase associa a morte, enquanto fenômeno natural, a um animal que possua tais características, formando-se uma imagem que coliga a ferocidade, a bestialidade de um animal com garras e os sentimentos de dor, angústia e medo causados pela morte. Traduz também a idéia de que a morte utiliza-se da garra para capturar e atacar a presa, causando grande temor.       

 

 Em vários textos poéticos, encontramos muitos exemplos de personificação dentre os seguintes: “A água não para de chorar.” (“Dentro da Noite” in Manuel Bandeira, Obras Poéticas, Livraria Bertrand, Lisboa, 1956, p.64); “Os cacos da vida, colados, formam uma estranha xícara./ Sem uso,/ Ela nos espia do aparador.” (“Cerâmica” in Carlos Drummond de Andrade, Antologia Poética, Editora do Autor, Rio de Janeiro, 1963, p.217).

 

 

1.1 Arquétipo

 

Como visto anteriormente, várias referências artísticas são exemplos do recurso estilístico em questão: o mais celebre de todos, óleo de Eugène Delacroix, A Liberdade guiando o povo, quadro no qual a liberdade é materializada em uma mulher, com seios sujos e despidos, expressando tanto a coragem quanto o próprio sentimento metaforizado, além disso, através da roupa utilizada infere-se que liberdade emanava do povo, assim porque o vestido esfarrapado e o chapéu utilizado remetem à miséria e momento infortúnio pelo qual o povo passava.

 

 

Delacroix se reporta a tais acontecimentos, condensando-os em uma cena de batalha através da qual não só exalta a bravura dos combatentes, mas também caracteriza, através de detalhes significativos, a origem de cada personagem, como um ilustrador atento que captasse os aspectos mais relevantes do fato presenciado.  É certo que na figura feminina, representando a Liberdade e que domina a composição, ainda há vestígios dos modelos gregos tão caros à arte praticada na França, como também é inequívoco o seu caráter alegórico. Entretanto, com igual ênfase, há traços que revelam sua condição de mulher do povo, como os seios sujos de pólvora… Sua mão direita, resolutamente erguida, empunha a bandeira tricolor transformada em símbolo de sublevação na Revolução Francesa (1789).  Na mão esquerda segura um fuzil com baioneta no cano, o que significa estar preparada para a batalha corpo a corpo.  A cabeça é coberta por um gorro frígio, chapéu originário da antiga Pérsia e usado em Roma por escravos sublevados que, ao ser adotado durante a Revolução Francesa, converteu-se em um dos símbolos da República. (SILVA, 2005)

 

 

O quadro da Delacroix por traduzir o profundo sentimento ancorado em raízes de ordem social e política, se tornou estereótipo da Revolução Francesa. A liberdade do título da obra se compreende dentro dois sentidos possíveis: a liberdade, enquanto anseio, conduzia e liderava o povo na forma sentimental; a liberdade material comandava fisicamente.

 

 

 

 

 

1.2 Objeto de estudo

 

Dentro do mesmo campo, Thémis e sua filha Diké, objetos de estudo deste artigo produzido perante a interdisciplinaridade, são duas personificações famosas ambas traduzem o sentimento, a qualidade de Justiça e a lei. A primeira segurava somente a balança, na mão direita; a segunda tinha a balança na mão esquerda e a espada na direita. Existe uma polêmica acerca da verdadeira Deusa da Justiça, a maior parte atribui a representação a Thémis; outra registra que o verdadeiro papel é representado por sua filha Diké; usa-se muito a figura de Diké com nome Thémis. Nessa abordagem o estudo se voltará para a imagem de Diké, pois abarcará a espada como elemento da personificação.   

 

Diké, filha de Thémis e Zeus, é a deusa que representa a justiça, o direito e a lei. As imagens anteriores ao século XVI representavam Diké com uma balança na mão esquerda, uma espada na direita, na maioria das vezes levantada, e com olhos abertos. Posterior a essa data, Diké ganhou dos artistas alemães uma venda nos olhos e teve a espada abaixada:

 

                                               

 

1.2.1 A venda nos olhos como metáfora da imparcialidade

 

“A justiça é uma mulher com os olhos vendados”

 

A priori, faz-se mister um conceito genérico de metáfora, essa tem sido compreendida, ultimamente, como um fenômeno global – no sentido de abrangente – afetando no somente a linguagem, mas o próprio sistema de pensamento. Uma aplicação prática desse conceito é que quando se fala em justiça, o pensamento se volta para a imagem de Diké.

 

A venda cobrindo os olhos de Diké significa imparcialidade, no sentido de que não faz distinção das partes em litígio, não favorece o grande ou pequeno; o forte ou fraco; ricos ou pobres, em todos os casos aplicam-se o direito, considerando o caso concreto, promovendo assim, a verdadeira justiça: aquela que dá ao homem o que é do homem, ou seja, concede a cada um o que é seu sem conhecer o litigante. Suas decisões são justas. Desde o século XVI é representada com uma venda nos olhos, para demonstrar sua imparcialidade. Existe, porém, uma visão em que Diké é representada sem as vendas, retomando a imagem original, simbolizando a Justiça Social, onde o meio em que se insere o indivíduo é tido como agravante ou atenuante de suas responsabilidades.

 

 

1.2.2 A Espada como metáfora da força

 

“Possui uma espada na mão que garante seu próprio nome”

 

A espada simboliza dentro da personificação da justiça, mais do que a força, representa o espírito guerreiro na defesa da balança, daí porque o direito necessita da proteção tanto das prerrogativas postas quanto do cumprimento das decisões. Parafraseando Ihering, o direito sem força imperativa que faça seu cumprimento está fadado a não-realização, a ineficácia, a falta de efetividade de suas decisões, por outro lado, o exercício da força imperativa sem o direito é força selvagem e bestial, simplesmente desperdiçada. A espada pode ser compreendida como o poder de fazer cumprir da Justiça, o jus puniendi, o direito de garantir o direito.             

 

1.2.3 Balança como metáfora de equilíbrio

 

“Uma balança que pondera milimetricamente”

 

A balança resume, inicialmente, a ideia de isonomia, de igualdade e equilíbrio processual conferidos às partes envolvidas em um processo, isso porque “botar o direito na balança” significa colocá-lo sob os parâmetros da equidade, pesar o direito e avaliá-lo, de modo que são dois pesos, mas uma só medida.  Posteriormente, a balança representa, dentro do contexto, a precisão da justiça, sua exatidão ao julgar – ao menos em tese – a perfeição com que os pesos estabelecem a própria condição implicando resultado da ponderação da justiça, ou seja, os pesos – podendo aí o termo peso ser compreendido como qualquer ato fisicamente possível, que tenha valor jurídico – já definem suas posições, a decisão da justiça depende da intensidade desses, deve ser analisado o conjunto, o caso concreto e a dialética das partes.     

 

 

BIBLIOGRAFIA

 

RAWLS, John. Uma Teoria da Justiça. Martins. Biblioteca Uniube, 2003 .

 

SILVA, José Marcos Romão da. Consciência social e revolução artística na pintura de Delacroix. Bauru: VII Jornada Multidisciplinar: Humanidades em Comunicação FAAC/UNESP. 2005

 

ULLMANN, Stephen. Semântica, Fundação. Lisboa: Calouste Gulbenkian. 1987.

 

VON JHERING. Rudolf. A Luta Pelo Direito. 23. [s.l.]: Lumen Juris.2004.

 

GRIZZUTI, Gustavo Félix. A função social da linguagem jurídica através dos tempos. Espéculo. Revista de estudios literários: Universidad Complutense de Madrid, 2006.

 

 

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Como citar e referenciar este artigo:
FERREIRA, Anna Carolina; SOARES, Hugo Hollanda; RODRIGUES, Igor; CARIUS, Loreta. A Personificação do Direito: Uma Abordagem Sócio-Lingüística. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2009. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/filosofiadodireito/a-personificacao-do-direito-uma-abordagem-socio-lingueistica/ Acesso em: 28 mar. 2024