Filosofia do Direito

Anticrítica: Uma Desconstrução da Teoria Crítica

Anticrítica: Uma Desconstrução da Teoria Crítica

 

 

Marcel Belli e Roberta Besouchet*

 

 

Resumo: Sabe-se que a base do Direito é de fundamento dogmático-científico. Através dos tempos, inúmeros autores tiveram como função autoimposta a crítica a esses fundamentos e consolidações, aclamando-se pregadores de um sistema mais flexível, que não leva em conta verdades absolutas, mas sim o constante e cíclico questionamento das bases assumidas para esta ciência humana. Tratamos de como essa Teoria Crítica deixa de ser a crítica como motivo de renovação, passando a ser um outro dogma, a contrapor o já aceito.

 

Palavras-chave: Dogma, Dogmática, Teoria Crítica.

 

 

 

1 A Instituição do Direito

 

Quem detém o poder, cria a verdade através do Direito, um sistema produzido para a verificação e legitimação desta verdade, natural e originalmente imposta por quem detém tal poder.

 

A verdade, relativa por definição – em especial para os ditos sofistas – é imposta pelo detentor da força, mas a mera imposição dela não é satisfatória: não basta apenas a palavra do Soberano – imperadores, monarcas, conselhos, Igreja, Estado etc – que, embora, em si, já seja mais confiável, pois o relativismo da opinião não a torna absolutamente permeante.

 

É necessário um instrumento dotado de um labeling imparcial, algo com fundamentos sólidos e inquestionáveis naturalmente, em si, não tendenciosos, uma ferramenta para tornar a verdade verdadeira e aceitável.

 

Surge, eis, o Direito, dotado de princípios, meios, processos e instrumentos inquestionáveis. “Criamos o supremo instrumento de verificação da verdade. Ela não mais deriva de mim, mas do instrumento: eu não mais sou responsável pelo proferimento dela”, diria um Soberano. Embora o verdadeiro agora derive do Direito, do meio inquestionável, e não mais da palavra desse líder absoluto, aquele não deixa de ser um subproduto da vontade deste.

 

 

2 Meios para a inserção de verdade

 

2.1 A Idéia do Panopticon

 

Tornar idéias mais permeantes pode provir de torná-las uma derivação de uma verdade inquestionável, tornando-se inquestionável também, ou tornando-a mais persuasiva. A persuasão só é perfeitamente alcançada quando se conhece perfeitamente quem se quer persuadir. O convencimento é o ponto de chegada e a verdade é o melhor caminho, embora não exista apenas um – como dito, a natureza relativa da verdade a torna múltipla em acepção.

 

No intento de se conhecer bem aqueles a serem “atacados” pela persuasão, deve-se saber como e com que instrumentos se deve abrir um caminho para alcançar o ponto de chegada. Nota-se que “abrir um caminho” traz inúmeras implicações, sendo a principal de que a verdade não é estática e limitada; pode-se criar quantas se deseja, basta se ter os intrumentos corretos, o “método”.

Surge, eis, um instrumento quase perfeito, de origens historicamente inexatas e remotas. A vigília, a onipresença e o oniconhecimento por parte do Soberano ou de alguém diretamente subligado a ele traz à tona a idéia do panopticon, sistema flawless e infalível para o conhecimento e dominância de todos os aspectos sociais. Sabe-se tudo sobre todos, então basta saber utilizar esta informação. O povo deixa de ser aquela massa de manobra historicamente instável e, através deste banco de dados que é o panopticon, estabiliza-se, concretiza-se e determina-se o comportamento ao se criar a verdade mais permeante através de um sistema de Direito mais agressivo.

 

 

2.2 O Cientificismo

 

O Cientificismo no Direito é outro meio de legitimação da verdade. O método científico é um processo aceito mundialmente como melhor forma de abordagem e possível descoberta da verdade que permeia algo. Apresentar a verdade proveniente de um metódo universalmente inquestionável por ser livre e inadulterado pela política das opiniões é algo de extremo poder permeante.

Embora critique-se que o Direito, por ser uma ciência inerentemente humana, não possa aceitar algo como a ciência para ser sua base principal, por ser ela extremamente mutável e instável – argumento mais encontrado – não se pode tomar algo diferente. A ciência é mutável e instável na esfera de sua própria incerteza, assim como qualquer outro âmbito: quando não se sabe, não se tem como definir com certeza algo, não se pode afirmar e certamente não se pode tomar por verdadeiro – ela é instável pois as respostas devem ser encontradas. A formação de uma fortíssima insegurança jurídica em torno de algo que não é fundamentado cientificamente, hoje, é uma das maiores críticas tecidas ao cientificismo.

 

A verdade, no discurso, fundamentada ou não pelo cientificismo, tem um poder de persuasão incomensurável, ela “entra no discurso persuasivo como instrumento de motivação” (Tércio Sampaio Ferraz Jr. – “Função Social da Dogmática Jurídica”, 205 págs., São Paulo, Editora Max Limonard, 1998;). A relação de simbiose encontrada entre a dogmática e a ciência é inquestionável, e essa verdade absoluta, provada de uma maneira em si livre de adulteração e de corrupção é outro meio de facílima inserção da verdade.

 

 

3 A TEORIA CRÍTICA

 

Kant inaugurou o termo “crítica” no pensamento filosófico moderno, que representava, inicialmente, a maneira de se trabalhar o pensamento. Posteriormente, Karl Marx dota a palavra “crítica” de outro sentido, qual seja a representação de um discurso revelador e desmistificador das ideologias ocultadas que projetam os fenômenos de forma distorcida. No entanto, quem melhor desenvolveu idéias acerca de uma Teoria Crítica foi a Escola de Frankfurt que, de inspiração neomarxista, alvejava o positivismo jurídico, principalmente. Buscavam os pensadores da Escola de Frankfurt questionar a legalidade dogmática tradicional e aproximar o direito às ideologias e práticas sociais.

 

Segundo Wolkmer (2001, p.5), podemos conceituar a Teoria Crítica como “o instrumental pedagógico operante (teórico-prático) que permite a sujeitos inertes e mitificados uma tomada de consciência, desencadeando processos que conduzem à formação de agentes sociais possuidores de uma concepção de mundo racionalizada, antidogmática, participativa e transformadora”. Trata-se de proposta que não parte de abstrações, da elaboração mental pura e simples, mas da experiência histórico-concreta, da prática cotidiana insurgente, dos conflitos e das interações sociais e das necessidades humanas essenciais: não há pré-conceituação.

 

 

3.1 A Teoria Crítica no Direito

 

O pensamento crítico no direito surgiu no final dos anos 60, através de pensadores europeus. Nos anos 70, o movimento se concentrou na França e na Itália, respectivamente através de professores e magistrados que buscavam o “uso alternativo do direito”.  Já na década de 80 esse movimento atingiu a América Latina e, no Brasil, as discussões se intensificaram a partir da metade dos anos 80, com a influência de professores como Roberto Lyra Filho, Tércio Sampaio Ferraz Jr. e Luiz Alberto Warat.

 

Wolkmer (2001, p. 18) afirma que a teoria jurídica crítica representa a formulação teórico-prática que se revela sob a forma do exercício reflexivo capaz de questionar e de romper com o que está disciplinarmente ordenado e oficialmente consagrado (no conhecimento, no discurso e no comportamento) em dada formação social e a possibilidade de conceber e operacionalizar outras formas diferenciadas, não repressivas e emancipadoras, de prática jurídica.

 

As correntes da teoria jurídica crítica vêm a necessidade de se resgatar a justiça através de uma concepção dialética de direito, discutem a origem histórica do direito contemporâneo como ciência dogmática, a crise do ensino jurídico e, principalmente, acreditam na necessidade do surgimento de uma “teoria jurídica da libertação”.

 

Basicamente, tem-se dois posicionamentos básicos acerca do pensamento jurídico, os quais servem de base para quaisquer outros que venham a existir: o jusnaturalismo e o juspositivismo. O primeiro, teoria de natureza ideológica, pressupõe a existência de um ideal jurídico superior, um sistema de princípios válidos universalmente os quais deveriam servir de pressuposto ao direito positivo, levando-lhe a justiça e resolvendo os problemas de conflitos de classes. O segundo, o juspositivismo, neutro aos valores, tem a norma como algo que surge de um ato decisório de poder, de forma que a lei é a expressão dos interesses das classes socialmente dominantes. O que existe, para os críticos, portanto é um posicionamento – o jusnaturalismo – o qual é difícil reconhecer a utilidade prática e outro, – o juspositivismo-, o qual, ao promover um distanciamento entre norma e realidade social, acaba por não atingir os fins de realização de justiça e promoção de paz.

 

Surge, aqui, a teoria crítica que, diante dessa problemática, ressalta a necessidade de se fundamentar a existência das normas não em uma ou em outra corrente, mas sim em uma concepção dialética, na qual o direito surge como um instrumento de libertação e se configura como processo e não como algo estagnado. Assim, tem-se a eficácia das normas atrelada ao processo de evolução da sociedade, de forma que o fenômeno jurídico se torna completo. Nas palavras de Maria Eliane Menezes de Farias “A dialeticidade do direito torna saliente a estrutura e o dinamismo do fenômeno jurídico, inter-relacionando fato, norma e valor”. Os críticos acreditam que a dogmática não permite que os juristas consigam assumir posturas diferentes diante dos conflitos sociais, o que acaba por prejudicar a busca pela justiça e pela paz.

 

Ainda com a visão dos críticos na questão do dogma, é importante ressaltar que, por  ser uma verdade absoluta, sem qualquer apoio em experimento ou demonstração, à qual não se pode contestar ou propor alternativa,  acaba-se gerando o problema de “cristalizar ideologias” de forma que os grupos que participam do controle social têm dificuldade de ditar normas em seu próprio benefício.

 

 

4 ANTICRÍTICA

 

Encontram-se inúmeras críticas ao Dogma no mundo jurídico do século XXI. O Direito Achado na Rua, a Teoria Crítica, o Antidogmatismo, o Pluralismo… Todos elas críticas, mais leves ou mais pesadas, à aceitação do dogma, à aceitação do arcabouço de verdades universais que ele traz consigo. São inúmeros os argumentos que intentam a desafirmação do dogma como sistemática de conhecimento jurídico, como a inflexibilidade, a desatualização, a distanciação da realidade social, daí afora.

 

No entanto, a arumentação que inicialmente tencionava a flexibilização de um sistema por demais inflexível, que criticava as verdades absolutas, começou por si própria a se tornar, para aqueles que criticam o dogmatismo, uma verdade absoluta, um apanhado gigantesco de acepções e predeterminações trans-sistêmicas e deontológicas, de proposições e críticas – muitas vezes inconstrutivas – que acabaram por se tornar um segundo dogma, uma contraposição de um dogma a outro, um tomado como verdade e como base para todo um sistema, enquanto o outro é tido como verdade para um grupo alternativo de estudiosos críticos e, muitas vezes, até certo ponto fánáticos.

 

Não mais se critica, pois não mais se há crítica (“exame racional, indiferente a preconceitos, convenções ou dogmas, tendo em vista algum juízo de valor” – Dicionário Houaiss, 2001) já que ela está totalmente embuída de preconceitos contra sistemas sócio-políticos. Comunistas criticam a inerência capitalista do sistema, fundamentada por um dogma de proteção à propriedade privada; Anarquistas criticam o demasiado afogamento do povo frente ao poder do Estado, um desfacelamento do Soberano que, no entanto, em conjunto, ainda mantém basicamente as mesmas propriedades; Antipenalistas criticam o eficientismo e o excesso de força com que o Dogma fundamenta a força com que o Estado reprime as manifestações criminais da sociedade, colocando como sacramentais a defesa da propriedade privada, por exemplo, muito mais extensamente discorrida do que outros âmbitos igualmente importantes em nossos códigos penais.

 

Autores já sacramentados por sua posição e argumentação crítica como Karl Marx, Antonio Gramsci, Alessandro Baratta, dentre muitos outros, tiveram sua exposições fixadas na “calçada da fama crítica” e formaram uma biblioteca de argumentações plausíveis e inquestionáveis – ninguém mas tem seu próprio argumento; todos devem embasar tudo que escrevem no que outra pessoa escreveu: não se pode mais efetuar uma produção própria, pois se você não fundamenta o que escreve em Rousseau, Kant, Kelsen, Schmidt, Agamben, Pufendorf, Bobbio ou outros autores consagrados, não há valor no que escreveu. Essa argumentação é acessada como uma biblioteca e reproduzida a esmo, sempre no mesmo conteúdo e com a mesma função – partes dessa argumentação já são conhecidas, se nota o autor na primeira linha, como os reprodutores de Marx, com “superestrutura”, “opressão”, “oprimidos”, “luta de classes”, “tomada do poder”, daí afora – não mais exercendo o pensamento de forma livre e dirigido a um problema específico, mas agora forma toda uma consolidação inrandômica de pensamentos famosos por seu conteúdo.

 

Deste acesso randômico e desordenado dessa “biblioteca” de argumentações contra dogmática surge esse já citado segundo dogma, que ergue-se como um castelo de cartas: equilibrando uma peça sobre a outra, de forma extremamente cuidadosa e, no entanto, aindamais frágil, passível de um desmoronamento gigantesco frente à mais fraca das brisas; sua função é contrapor o dogma presentemente formador, um dogma destruidor, não reformador, um sistema extremamente impaupável e incerto no que prega para a substituição, mas muito contundente no que prega como remoção; é o clássico improdutivo: não sabe o que quer, apenas o que não quer.

 

 

4.1 A Crítica ao Dogma Penal

 

Vemos uma expansão do pensamento abolicionista, ou mesmo reducionista, no âmbito dos críticos do Penalismo, impulsionados por autores como Hulsmann, Baratta, o brasileiro Lyra Filho, e muitos outros que encontram no Direito um instrumento de repressão, cuja intenção de vigiar e punir se expressa de vários modos (Foucault discorre em sua obra supracitada como, nos períodos da idade média, o corpo do súdito era o alvo da repressão do Soberano e como, atualmente, passa-se a punir a liberdade, pois a expansão do pensamento humanitário, causado principalmente pelo iluminismo, colocou a punição física como uma atrocidade incomensurável).

 

Por mais desnecessário que seja o penalismo e a intenção inegável de punir que o Estado tenha tomado, mesmo que doutrinariamente se coloque a intenção do Direito penal como a ressocialização, a qual Edílson Mougenot Bonfim classifica como “uma teoria bastante romântica, que fez o encantamento da geração penal que nos antecede”, não se pode esquecer que se tem um bem jurídico a ser zelado.

 

Embora, para Jean-Jacques Rouseau, a função do “contrato social” seja garatir a liberdade que é parte inerente da natureza humana, há uma grande aceitação quanto à teoria Lockeana, que diz que o homem é naturalmente livre, e abdica de parte desta liberdade em nome da segurança e da defesa de interesses que a comunidade lhe proporcionará. Interesses esses podem ser a manutenção da integridade de seus bens, de sua saúde, de várias outras coisas, mas, fundamentalmente, o que Hobbes colocou como “a defesa de uma morte violenta” e “uma vida boa”. Se há uma ofensa à função da sociedade, não existe melhor resposta que uma rápida, definitiva e agressiva do Estado contra o ofensor que repudia o contrato, coloca-se contra o agrupamento social, volta-se contra quem o compõe e decide viver por suas próprias normas (Rousseau).

 

Negar que o Direito Penal seja legítimo, que não há função no movimento de Lei & Ordem, além da de clinicamente reprimir o povo que compõe o próprio contrato é uma incomentável falácia. Como citado, de acordo com Rousseau, quem se coloca contra a ordem do contrato não se inclui nele, então o Direito Penal não ofende os integrantes daquele instrumento; segundo que manter o contrato é a sua principal função – se houvesse outra intenção mais importante ao próprio contrato do que se manter, haveria o momento em que ele teria de “escolher” se desfazer para poder manter a diretriz mais importante. Surge, então, toda a teoria do estado de excessão, discorrida atualmente de forma mais respeitada por Agamben.

 

De acordo com Thomas Hobbes, a função do Estado é, de forma coercitiva, manter os homens em respeito a seus contratos. Evidentemente não somos inocentes o suciente para dizer que contratos são meramente o instrumento contratual, mas sim toda e qualquer acordo que homens fazem entre si. Quando o “contrato social” é firmado, naturalmente se espera que haja, junto com ele, um acordo de boa convivência, de mútuo respeito, de não-agressão entre os homens e várias outras formas de defesa de uma mútua boa convivência. O Direito Penal é a defesa dessas premissas já estanques n’”o contrato” – negar o DP, é negar o próprio contrato, é querer anular o Estado, destruir as bases da própria função do poder sobeano dele.

 

Os movimentos de mudança de sistemática social que pregavam a inexistência do Estado como poder controlador, como poder Soberano, são conhecidos através da história como Comunismo (há outras implicações mais sérias, evidentemente, do que a mera desconstrução do intrumento do estado), Anarquismo, dentre outros. Não se pode deixar de pensar que autores como Vera Regina Pereira de Andrade são, em seu fulcro, anarquistas, pois tentam anular a própria função do Estado, um retorno ao estado de natureza Hobbesiano (ou o estado do “homem natural sem Deus” – Calvin), onde os homens por si mesmos tereiam de procurar a solução para os “conflitos” – não se pode esquecer que na Criminologia Crítica não há crimes, mas sim “conflitos de ordem social”, já que, de acordo com a “teoria da reação social”, os crimes são resultado do sistema social que é, intrinsecamente, desigual e opressor.

 

 

5 Dogma por dogma: a mudança não é tão grande

 

No entanto, quando se busca a crítica de um sistema por ele ser um dogma, por ele ser estático, por ele ser imutável e por lidar com verdades que quando se determinam passam a nortear ininpterruptamente toda a produção depois de seu estabelecimento, não há grande mudança quando se troca um dogma por outro. Como dito, a argumentação de contraposição encontrada naqueles que procuram o esfacelamento do dogma em uso não provém do pensamento livre, mas sim de um segundo dogma, formado pelo pensamento de todos aqueles que uma vez buscaram a queda do dogma já colocado, agora utilizado pelos que buscam a mesma coisa, mas não pensam mais, não renovam, não criam, não inovam, apenas reutilizam o que já foi dito e não tomam mais isso como argumentação, mas como fim em si.

 

Se a maior crítica ao dogma é a estabilidade imutável dele, não se pode mais utilizar este argumento. Diariamente vemos entendimentos sendo mudados, um STF que renova e altera a forma como se faz o direito. O código de processo penal sendo autalizado e renovado, as novas leis serem produzidas, medidas provisórias serem aprovadas e sancionadas, súmulas passarem a vincular e decisões erga omnes passarem a vigorar. O sistema judiciário e legislativo estão cada vez mais renovando o que se encontrava estático, cada vez mais alterando o que já estava inalterado então, por favor, o discurso de que o dogma lida apenas com coisas absolutas imutáveis não mais vale. Na verdade, a renovação chegou ao ponto de se criar insegurança jurídica.

 

A ampliação da penalização, por sua vez, demonstra a maior flexibilidade do dogma jurídico de que o penalismo não deveria transpor suas prórias barreiras e, agora, passa a adotar princípios como norteadores dos sistemas de produção legislativo-judiciária. A razão disso, evidentemente, provém da desvalorização da lei como norteadora do regulamento. Hannah Arendt em Eichmann em Jerusalém discorreu sobre o assunto como ela mesma colocou pela primeira vez como “banalização do mal”, como encontrado no excerto do texto de Kant:

 

A banalização do mal, ao longo da primeira metade do século XX e a constatação, sobretudo após as experiências do fascismo e do nazismo, de que a legalidade poderia encobrir a barbárie levaram à superação do positivismo estrito e ao desenvolvimento de uma dogmática principialista, também identificada como pós-positivismo (Kant, texto 4).

 

Diferentemente do que colocam Kelsen como – o fundamentador da teoria puramente formal e livre de conteúdo –, não foi ele que fundamentou o nazismo e a Teoria Pura do Direito nunca teria capacidade de gerar tal atrocidade. Mesmo quando dizem que se você atentar ao meio de produção da norma você poderá inserir qualquer conteúdo, isso nunca foi dito na teoria Kelseniana. O conteúdo da norma é livre pois ele está inserido em um contexto político; ele é livre da política pois ele está inserido dentro de um contexto político. A teoria de Hans Kelsen nunca admitiria a anulação do estado de direito pois seria a própria anulação da norma e anular a própria constituição seria o maior caminho para a desfiguração da norma fundamental, o princípio de tudo que forma o direito.

 

A dogmática principialista, o pós-positivismo, como traça Kant, tem em seu fulcro uma maior flexibilidade. Por se tratar tudo em princípios, a interpretação deles é mais ampla, mesmo que não livre. O próprio sistema da common law assim o é – flexível por se lidar em princípios.

 

A criação de um segundo dogma que tenciona a destruição do principialismo é algo por demais preocupante, pois princípios como o da legalidade, da liberdade de cometimento criminoso, de liberdade de ir e vir, de liberdade de expressão e muitos outros que foram conquistados e sacramentados como universais e muitas vezes expressados até mesmo como naturais é, definitivamente preocupante.

 

 

6 CONCLUSÃO

 

Não procuro, definitivamente não procuro a extirpação de um pensamento crítico. O que foi exposto aqui foi a visão de que a crítica deixou de ser crítica; de que os pensadores deixaram de pensar; que os criadores deixaram de criar e agora meramente se remetem a um pensamento tão consolidado como é o que criticam.

 

Não se pode colocar o dogma como algo absurdo no mundo do direito porque qualquer ciência que deve lidar com a vida das pessoas, que deve lidar com um conceito tão abstrato como justiça, deve ter seu contrapeso em algo palpável e sólido como a ciência e certezas que dificilmente são mudadas.

 

A grande questão é essa: deve-se oferecer segurança jurídica, e por isso não se pode esperar que o Direito mude e aceite a mudança de todos seus princípios e acepções mais fortes – eles devem ser a base, a estaca, o pilar de tudo aquilo que nele vai procurar apoio. Embora tudo isso mude, não se pode esperar que mudem diariamente ou quando cada teórico resolver que acha o movimento eficientista penal algo ruim.

Tragam de volta os críticos os pensadores que muito aceitarei sua produção, mas enquanto estivermos rodeados por pessoas que meramente exibem um currículo muitas vezes pífio e se sentam em suas salas-de-estar com o cachimbo na boca para apontar o dedo e mostrar defeitos em sistemas que claramente nunca alcançarão a perfeição – admitamos, um sistema operado por humanos nunca será perfeito – sem mesmo proporem algo para ir ao lugar, não estaremos munidos de conhecimento para a mudança: não é preciso ser um gênio para se fazer uma pergunta e se saber o que está errado, mas precisa-se de um para determinar a solução.

 

 

REFERÊNCIAS

 

WOLKMER, Antonio Carlos. Introdução ao Pensamento Jurídico Crítico. 3.ed. São Paulo: Saraiva, 2001. p. 5.

 

JÚNIOR, Tércio Sampaio Ferraz. Função Social da Dogmática Jurídica. São Paulo: Max Limonard, 1998.

 

http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=7503

http://www.tribunadodireito.com.br/2005/fevereiro/pg_entrevista.htm

 

 

 

* Acadêmicos de Direito da UFSC

 

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Como citar e referenciar este artigo:
BESOUCHET, Marcel Belli e Roberta. Anticrítica: Uma Desconstrução da Teoria Crítica. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2009. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/filosofiadodireito/anticritica-uma-desconstrucao-da-teoria-critica/ Acesso em: 28 mar. 2024