Filosofia do Direito

O discurso jurídico como um caso especial do discurso prático geral: uma análise da teoria discursiva do Direito de Robert Alexy

O discurso jurídico como um caso especial do discurso prático geral: uma análise da teoria discursiva do Direito de Robert Alexy

 

 

Eduardo Augusto Pohlmann *

 

 

1 Introdução

 

 A popularidade de Robert Alexy, nos últimos tempos, deveu-se, em grande parte, à sua conhecida teoria dos princípios, na qual o jusfilósofo alemão faz uma análise detalhada da distinção entre regras e princípios e elabora regras e critérios para lidar com esses. Sem negar a importância e relevância atual deste tema, este artigo, contudo, procura tratar de outra importante teoria de Alexy, mais especificamente, a chamada tese do caso especial, que se situa no centro de sua teoria discursiva do Direito.

 

Tal teoria encontra seu fundamento principalmente na ética do discurso desenvolvida por Jürgen Habermas, cujas premissas servem de suporte para Alexy desenvolver uma teoria do Direito centrada na argumentação. Mais do que o alicerce de uma teoria da argumentação erigida sob a idéia de discurso, a tese do caso especial possui importantes implicações para temas centrais da filosofia do Direito, nomeadamente: a relação entre Direito e moral; a relação entre Direito e razão prática; e a relação entre argumentação jurídica e argumentação prática.

 

O fio condutor da análise, portanto, será a tese do caso especial, segundo a qual o discurso jurídico é um caso especial do discurso prático geral. Segundo ela, o discurso jurídico é um caso especial do discurso prático geral porque compartilha com ele de certas semelhanças (ambos lidam com questões práticas e erigem uma pretensão de correção), ao mesmo tempo em que se diferencia do mesmo em um aspecto crucial: a pretensão de correção levantada no Direito é restringida por uma série de condições limitadoras, como leis, precedentes e dogmática.

 

Primeiramente, será feita uma exposição daqueles que são os fundamentos da tese do caso especial: a teoria do discurso, o conceito de Alexy de discurso prático geral e a pretensão de correção como um elemento necessário do Direito. Aqui a preocupação será fixar o paradigma dentro do qual se procurará refletir sobre as questões acima assinaladas. Obviamente, essas mesmas questões podem ser respondidas de formas extremamente díspares em outras tradições filosóficas. No entanto, a fim de poder abordá-las de maneira mais profunda, a análise será restrita à visão de Alexy da teoria do discurso.

 

Posteriormente, será analisada a tese do caso especial em si, e o que ela traz de inovador com relação à teoria do Direito. Nesta parte será demonstrado que ela está substancialmente correta, e que as críticas a ela dirigidas não se sustentam. Por fim, serão abordadas as conseqüências, tanto da tese do caso especial como de seu principal elemento, a pretensão de correção. Dentre as principais conseqüências, está não só um ataque à principal tese positivista (separação conceitual entre Direito e moral) como também o desenvolvimento de uma nova teoria do Direito fundada sob a idéia de que este é a institucionalização da razão prática e que, por isso, não só ele deve ser concebido como um sistema de regras, princípios e procedimentos, como também a argumentação prática geral deve ser integrada na argumentação jurídica e ser utilizada a todo o momento.

 

 

2 Fundamentos da tese do caso especial

 

Alexy recolheu influências de diversas origens a fim de sustentar seu projeto discursivo do Direito. No entanto, embora Hare, Baier, a Escola de Erlangen, Perelman, entre outros, tenham importância nesse projeto, é inegável que a maior contribuição surgiu da teoria do discurso.[1] Na primeira parte do capítulo serão expostos, em linhas gerais, os seus principais conceitos, a fim de tornar mais compreensível a própria teoria de Alexy, que faz uso desses termos constantemente. A abordagem dos princípios e regras do discurso prático geral é imprescindível para se entender satisfatoriamente o discurso jurídico e verificar se a tese do caso especial está correta e se este é um caso especial daquele.

 

Na segunda parte serão abordados alguns aspectos distintivos da teoria de Alexy com relação à teoria do discurso, como os conceitos de “discurso prático geral” e “unidade da razão prática”, que servem para fundamentar a tese do caso especial, que será o principal objeto de análise desse artigo.

 

Já na terceira parte o foco será naquele que é o cerne da tese do caso especial, e o principal elemento que liga o discurso jurídico ao discurso prático geral, qual seja, a pretensão de correção. Com estes três alicerces, a tese do caso especial se estrutura não só como uma sistematização e reinterpretação da teoria do discurso prático habermasiana, mas também como uma extensão dessa tese para o campo específico do Direito.[2]

 

 

2.1 Teoria do discurso

 

A teoria do discurso é uma teoria kantiana da racionalidade prática. A ética kantiana possui um caráter deontológico, cognitivista, formalista e universalista.[3] A teoria do discurso compartilha da maior parte dessas características, embora entre ambas haja algumas diferenças.[4] Uma das principais é que a ética do discurso faz derivar os conteúdos de uma moral universalista a partir dos pressupostos gerais da argumentação, pois quem empreende a tentativa de participar numa argumentação, “admite implicitamente pressupostos pragmáticos gerais de teor normativo; é, então, possível abstrair o princípio moral a partir do teor destes pressupostos argumentativos.”[5] Assim, segundo Habermas:

 

Na ética do discurso, o método da argumentação moral substitui o imperativo categórico. É ela que formula o princípio ‘D’:

-as únicas normas que têm o direito a reclamar validade são aquelas que podem obter a anuência de todos os participantes envolvidos num discurso prático.

O imperativo categórico desce ao mesmo tempo na escala, transformando-se num princípio de universalização ‘U’, que nos discursos práticos assume o papel de uma regra de argumentação:

-no caso das normas em vigor, os resultados e as conseqüências secundárias, provavelmente decorrentes de um cumprimento geral dessas mesmas normas e a favor da satisfação dos interesses de cada um, terão de poder ser aceites voluntariamente por todos.[6]

 

O princípio da ética do discurso, portanto, assenta neste fato pragmático-universal: apenas as regras morais que podem obter a anuência de todos os indivíduos em causa, na qualidade de participantes num discurso prático, podem reclamar validade.[7]

 

E muito embora, no dia-a-dia, as pretensões de validade que se ligam a cada ato de fala são aceitas de modo mais ou menos ingênuo, essas pretensões podem ser problematizadas. Quando o que se problematiza são as pretensões de verdade ou de correção, ocorre a passagem da ação comunicativa[8] para o discurso. Um discurso é uma série de ações interligadas devotadas a testar a verdade de asserções (caso se trate de um discurso teórico) ou a correção de afirmações normativas (caso se trate de um discurso prático).[9]

 

Feita essa distinção, deve-se analisar agora de que forma Alexy procura fundamentar racionalmente os juízos práticos ou morais em geral com a teoria do discurso. Para isso, ele procura fugir de dois extremos: de um lado, as posições subjetivistas, relativistas, decisionistas ou irracionalistas; de outro, as objetivistas, absolutistas ou racionalistas. Assim, acaba aderindo a uma teoria moral procedimental,[10] como o é a teoria do discurso, que formula regras ou condições da argumentação ou decisão prática racional: “la pieza nuclear de la teoría del discurso está formada por un sistema de reglas del discurso y de principios del discurso, cuya observancia asegura la racionalidad de la argumentación y de sus resultados.”[11]

 

Segundo todas as teorias procedimentais, a adequação de uma norma ou a verdade de uma proposição depende de se a norma ou a proposição é ou pode ser o resultado de um procedimento determinado.[12] Dito de outra forma, uma norma ou diretriz isolada que satisfaça os critérios determinados pelas regras do discurso pode ser considerada justa ou correta.

 

Obviamente, o fato de uma norma ter passado por um teste discursivo não lhe garante algo como um selo de racionalidade absoluta. No entanto, a investigação discursiva, ainda que não leve à certeza, leva pelo menos a sair do campo da mera opinião e da crença subjetiva,[13] já que “mais do que isso não é possível em questões práticas.”[14] Uma das tarefas da teoria do discurso é precisamente a de criar normas que, por um lado, sejam suficientemente fracas, portanto, de pouco conteúdo normativo, o que permite que indivíduos com opiniões normativas muito diferentes possam concordar com elas –e, por outro lado, sejam tão fortes, que qualquer discussão feita com base nelas seja designada como ‘racional’.[15] Embora as regras de racionalidade deixem um amplo espaço para diversas normas contraditórias serem consideradas racionais (discursivamente possíveis), igualmente elas definem algumas como discursivamente necessárias e outras como discursivamente impossíveis. “As regras de racionalidade já excluem certos resultados. Com elas, não é compatível que um indivíduo, mesmo um que consinta, aceite um estado duradouro sem direitos, ou seja, o estado de escravo.”[16] Apesar do espaço do discursivamente possível ser muito grande e o do discursivamente impossível muito pequeno, essas regras não são inúteis nem triviais. Sua principal função seria a de formular o que Alexy chama de um código de razão prática, que “no sólo complementa las reglas específicas del discurso jurídico, sino que constituye también la base para su justificación y crítica, en el marco de una justificación y crítica del sistema jurídico en su conjunto.”[17]

 

Agora, se uma norma, segundo uma teoria procedimental como o é a teoria do discurso, pode ser considerada correta ao passar por um determinado procedimento, ou seja, obedecer a certas regras, como, por sua vez, fundamentar essas regras? Pois uma coisa é fundamentar uma norma aludindo a sua capacidade de passar por um teste discursivo, outra é fundamentar as regras que devem formar esse teste. A fim de fazer isso, deve-se entrar num outro nível: o do discurso sobre as regras do discurso.[18]

 

Segundo a ética do discurso, as regras do discurso não podem ser questionadas porque subjazem à estrutura da linguagem e expressam a existência de uma moral correta enraizada nela. Quem negar validez a essas regras incorrerá necessariamente em uma contradição performativa.[19] Pois essas regras estão implícitas em todo processo de argumentação, já que todo falante une a suas manifestações pretensões de inteligibilidade, veracidade, correção e verdade. E quem emite um juízo de valor ou de dever necessariamente erige uma pretensão de correção. Essas condições são constitutivas de toda prática argumentativa. Essa maneira de fundamentar as regras do discurso é denominada fundamentação pragmática universal (ou pragmática transcendental, para Alexy). A pragmática universal tem por objeto a reconstrução da base universal de validez da fala,[20] e como tarefa identificar e reconstruir as condições universais do entendimento possível.[21]

 

Alexy não aceita totalmente tal método, e procura fundamentar a validez universal das regras do discurso com um argumento constituído de três partes. A primeira consiste em uma versão muito fraca de um argumento pragmático-transcendental. O segundo elemento parcial aponta para a maximização individual de utilidades. E esta vinculação pressupõe, como terceiro elemento, uma premissa empírica. Dito mais detalhadamente:

 

Las reglas del discurso expresan, primero, una competencia que pertenece a la forma más universal de vida de la persona. Todo el que participa en ella expresa alguna vez frente a alguien una aseveración, plantea a alguien la pregunta ‘por qué?’ y aduce alguna vez frente a alguien una razón. Al hacerlo, ejerce aquella competencia, aunque más no sea rudimentariamente. Segundo, todo aquel que tenga un interés en la corrección tiene que hacer uso de aquella competencia. Tercero, para quien no tiene ningún interés en la corrección, la observancia objetiva de las reglas del discurso es, desde el punto de vista de la maximización individual de utilidades, ventajosa al menos a largo plazo.[22]

 

Esses fundamentos, no entanto, não são suficientes para sustentar a tese do caso especial. A fim de fazer isso, Alexy precisa diferenciar-se da visão de Habermas em alguns pontos, principalmente no conceito de discurso prático geral.

 

 

2.2 Discurso prático geral e unidade da razão prática

 

Embora Alexy nunca tenha sido suficientemente claro na explicitação do conceito de discurso prático geral,[23] é esse conceito uma das principais linhas diferenciadoras entre ele e Habermas, se constituindo num dos principais fundamentos da tese do caso especial.

 

 A idéia de discurso prático geral ganhou importância na tese de Alexy ao surgir como resposta à crítica de Habermas, que afirmava não ser possível o discurso jurídico ser um caso especial do discurso prático moral,[24] já que o discurso moral, no sentido de Habermas,[25] se refere à universalização e somente à universalização de normas, enquanto o discurso jurídico “precisa manter-se aberto a argumentos de outras procedências, especialmente a argumentos pragmáticos, éticos e morais.”[26]

 

No entanto, como esclarece Alexy, o genus proximum do discurso jurídico não é o discurso moral, mas o discurso prático geral. Por discurso prático geral Alexy entende exatamente um discurso em que participam argumentos relativos a questões pragmáticas, éticas e morais. A distinção entre esses três tipos de argumentos ele extrai igualmente de Habermas. Segundo esse: “somos assaltados por vários problemas práticos em diferentes situações. Estes ‘têm’ de ser dominados, caso contrário podem surgir conseqüências, no mínimo, importunas.”[27] Dessa forma a questão “O que devo fazer?” ganha um significado pragmático, ético ou moral, consoante a forma como o problema é apresentado. Em todos os casos se está perante a fundamentação de decisões tomadas entre possibilidades alternativas de conduta, mas cada tarefa reclama um tipo de conduta e cada questão correspondente reclama um tipo de resposta.[28]  “O terminus ad quem do respectivo discurso pragmático é a recomendação de uma tecnologia adequada ou de um programa exequível.”[29] Já o terminus ad quem do respectivo discurso ético-existencial “é um conselho sobre a correcta orientação na vida e sobre a realização de uma forma de vida individual.”[30] E o terminus ad quem do discurso prático-moral “é um acordo acerca da solução justa para um conflito no âmbito da acção regulada por normas.”[31]

 

Assim, o discurso prático geral é mais complexo do que o discurso moral, e enfeixa argumentos de diversos tipos, os quais têm peso igualmente na argumentação especificamente jurídica. Para Habermas, tal visão:

 

is not sufficiently sensitive for the desired separation of powers. Once the judge is allowed to move in the unrestrained space of reasons that such a “general practical discourse” offers, a “red line” that marks the division of powers between courts and legislation becomes blurred.[32]

 

Embora Alexy ofereça argumentos para defender princípios formais como a separação de poderes,[33] sua visão de discurso prático geral como fundamento do discurso jurídico não afeta tal separação substancialmente. A sua preocupação, diferentemente de Habermas, é não insular os argumentos morais dos argumentos jurídicos no raciocínio dos juízes,[34] já que um dos pontos de partida mais importantes da argumentação jurídica são as leis que resultam do processo legislativo, e “si la argumentación jurídica debe someterse a lo que ha sido decidido en el proceso democrático tiene que tomar en consideración los tres tipos de razones presupuestas por, o conectadas con, sus resultados.”[35]

 

Uma última questão deve ser vista. Foi abordado anteriormente que o discurso prático geral combina questões pragmáticas, éticas e morais num único discurso, e que os argumentos práticos gerais, portanto, podem ser definidos no mesmo sentido. Porém, de que forma tais elementos se harmonizam? Segundo Alexy há uma relação de prioridade e permeabilidade entre o adequado (discurso pragmático), o bom (discurso ético) e o justo (discurso moral).

 

El discurso práctico general sería, dicho brevemente, un discurso que combinara los puntos de partida de la adecuación o utilidad, del valor o identidad y de la moralidad o justicia. Existiría tanto un orden prioritario como una relación de permeabilidad entre lo adecuado, lo bueno y lo justo.[36]

 

Há uma prioridade do justo sobre o bom nas questões mais elementares concernentes aos direitos humanos como, por exemplo, a escravidão, tortura e tratamento degradante. Tais questões de justiça, que podem ser deduzidas da argumentação pragmático-transcendental, são objetivas e independentes de qualquer concepção de bem.[37] Embora essa prioridade seja algo simples quando o que se ordena está claramente deslindado entre si, como quando falamos de direitos humanos elementares, não o é se se concebe a justiça como um compromisso entre todas as questões de distribuição e retribuição, pois:

 

los argumentos relativos a cómo comprenderse a uno mismo y a la comunidad en la que se vive desempeñan un papel esencial. Por ello, lo justo depende de lo bueno. Un cambio en la autocomprensión o la interpretación de la tradición en la que alguien ha sido educado puede implicar un cambio en su concepción de la justicia. Todo esto muestra que el discurso práctico general no es una simple mezcla o combinación, sino una conexión sistemáticamente necesaria que expresa la unidad sustancial de la razón práctica.[38] Éste es el fundamento de la tesis del caso especial.[39]     

 

 

2.3 Pretensão de correção

 

O terceiro fundamento da tese do caso especial poderia ser rastreado a partir de perguntas cotidianas que freqüentemente surgem quando se discute sobre o valor das sentenças e a legitimidade do juiz em proferi-las. Assim, indaga-se se serão as sentenças (ou proposições jurídicas em geral) arbitrárias, subjetivas ou refletindo somente emoções do juiz ou do falante; se pode o juiz dar uma sentença sem afirmar, mesmo que implicitamente, que ela é correta; se teriam as discussões em torno de controvérsias jurídicas algum significado se elas fossem consideradas como somente uma opinião subjetiva, sem fundamentos que poderiam ser aceitos por todos, entre outras. Segundo Alexy, a resposta para as três indagações seria a mesma: não. Isso porque toda proposição jurídica erige necessariamente uma pretensão de correção. Correção significa aceitabilidade racional, apoiada em argumentos.[40] Uma proposição que se pretende correta nada mais é do que uma proposição que pode ser justificada racionalmente através de uma argumentação racional, e não arbitrária e despojada de valor, ou seja, meramente subjetiva.

 

Implícita na afirmação de que toda proposição jurídica necessariamente erige uma pretensão de correção está algo mais além de uma disputa acerca do caráter científico da jurisprudência. É a própria legitimidade do judiciário como instância de julgamento que está em jogo. Se a sentença deve ser vista como refletindo valores subjetivos do juiz ou ela é conseqüência, como afirmava um dos grandes realistas americanos, “do que o juiz tomou no café da manhã”, por que haver um corpo constituído de juízes para tomar decisões? Em que sentido a legitimidade deles seria maior do que a de qualquer outro cidadão? E por que a argumentação jurídica (que, por essa visão, não seria nada além de uma retórica para disfarçar a verdadeira intenção do julgador) não poderia ser substituída por um método mais rápido e barato de decisão como, por exemplo, jogar uma moeda?[41]

 

Evidentemente, Alexy não acredita que o juiz possa se despojar de toda a carga pessoal na fundamentação. Há, por certo, na tomada de decisão, uma mistura entre a sua impressão inicial com a necessidade de justificar a decisão. Mas essa justificação não se reduz a um esclarecimento da psique do juiz. Ela deve ser feita à luz do ordenamento jurídico vigente, e vista como uma tentativa de ser a resposta mais adequada ao caso.[42] Num outro sentido, a pretensão de correção que necessariamente todo ato de fala normativo erige visa mais criar um critério ideal de verdade prática que, embora não possa ser alcançado, deve ser incessantemente buscado a fim de que os atos dos participantes tenham sentido. É por isso que Alexy não abandona por completo a tese de Dworkin da única resposta correta:

 

la idea regulativa de la única respuesta correcta no presupone que exista para cada caso una única respuesta correcta. Sólo presupone que en algunos casos se puede dar una única respuesta correcta y que no se sabe en qué casos es así, de manera que vale la pena procurar encontrar en cada caso la única respuesta correcta.[43]

 

Mas nenhum desses argumentos prova a existência de uma pretensão de correção enraizada nas proposições jurídicas. Pode-se vislumbrá-la como um elemento necessário do Direito pelo método da contradição performativa. Seu argumento pode ser reconstruído sinteticamente por dois exemplos: imagine-se a redação do artigo primeiro de uma nova Constituição para o Estado X, no qual a minoria oprime a maioria. A minoria deseja seguir desfrutando das vantagens da opressão, mas também ser honesta. Sua assembléia constituinte, então, aprova como artigo primeiro da Constituição o seguinte:

 

X é uma república federal, soberana e injusta

 

Esse artigo evidentemente é falho, mas em que sentido reside sua falha? Não se trata somente de uma falha técnica, moral ou convencional: [44] a falha nesse artigo é, mais do que tudo, uma falha conceitual. No ato de fazer uma constituição, uma pretensão de correção está necessariamente conectada, nesse caso uma pretensão de justiça. O autor de uma constituição comete uma contradição performativa se o conteúdo de seu ato constitucional nega essa pretensão, enquanto ele a erige com a execução desse ato.[45]

 

Da mesma forma, um juiz que sentenciasse o réu da seguinte maneira:

 

O acusado é condenado, em virtude de uma falsa interpretação do direito vigente, à prisão perpétua.

 

O que se tem aqui é mais do que uma irregularidade social ou jurídica.[46] O juiz comete uma contradição performativa e, nesse sentido, um erro conceitual. Uma decisão judicial sempre pretende que se esteja aplicando o Direito corretamente. O conteúdo do veredicto contradiz a pretensão feita pelo ato institucional de anunciar a sentença.

 

A pretensão de correção, entretanto, possui características diferentes numa norma individual ou no sistema jurídico como um todo. Embora tanto um como outro necessariamente levantem uma pretensão de correção, a ausência dessa terá conseqüências diversas caso se trate de um sistema jurídico ou uma norma jurídica:

 

Los sistemas normativos que no formulan explícita o implícitamente esta pretensión no son sistemas jurídicos. En este sentido, la pretensión de corrección tiene relevancia clasificatoria. Los sistemas jurídicos que formulan esta pretensión pero no la satisfacen son sistemas jurídicos jurídicamente deficientes. En este sentido, la pretensión de corrección tiene una relevancia cualificante. En el caso de las normas aisladas y de las decisiones judiciales aisladas, la pretensión de corrección tiene una relevancia exclusivamente cualificante. Son jurídicamente deficientes si no formulan o no satisfacen la pretensión de corrección.[47]

 

O fato de uma sentença explicitamente não possuir uma pretensão de correção, como uma sentença de morte que fosse pronunciada somente para satisfazer um tirano, não refuta a tese de que o Direito necessariamente erige uma pretensão de correção. Da mesma forma que anteriormente, é necessário distinguir entre uma pretensão de correção erigida subjetivamente e outra objetivamente. Pois embora o tirano possa subjetivamente não ter levantado a pretensão na sua sentença, devido a ele agir como uma autoridade jurídica tal pretensão está objetivamente ligada a seu cargo. Em segundo lugar, deve-se ater ao fato de que decisões individuais, bem como normas, estão imersas num sistema jurídico. Esse necessariamente erige uma pretensão de correção, caso contrário, não pode ser considerado um sistema jurídico.[48] Sistemas jurídicos só perdem seu caráter jurídico no caso de uma grande quantidade de decisões e normas seguirem esse padrão de injustiça, quando então poderia se dizer que o sistema como um todo abandonou a pretensão de correção.[49]

 

A pretensão de correção, portanto, é uma necessidade resultante da própria estrutura dos atos jurídicos e do raciocínio jurídico.[50] Como afirma Alexy, “this claim necessarily connects the correctness as an ideal dimension and milestone of criticism with the law. The faultiness is therefore more than a merely deplorable negative property. It is something that according to the concept of law should not be there.”[51] E se o Direito está necessariamente conectado com uma pretensão de correção, ele consiste em mais do que puro poder, ordens fundadas em ameaças ou uma espécie de “coerção organizada”.[52] Sua natureza compreende não só um lado real, mas também um crítico, ou ideal.[53] Esta conexão, além do mais, é o principal fundamento tanto para um ataque àquele que é o principal alicerce do positivismo, a separação conceitual entre Direito e moral, como também é o principal argumento de Alexy para estabelecer uma ligação entre discurso jurídico e discurso prático geral. Isso realiza a transição para o próximo capítulo.

 

 

3 A tese do caso especial

 

A tese do caso especial advoga que o discurso jurídico é um caso especial do discurso prático geral. Como já foi ressaltado, isso ocorre porque o discurso jurídico compartilha com o discurso prático geral de certas semelhanças, ao mesmo tempo em que se diferencia do mesmo em alguns aspectos cruciais. As semelhanças residem no fato de tanto um quanto outro lidarem com questões práticas e suas proposições erigirem uma pretensão de correção. A diferença crucial é a de que a pretensão de correção erigida por uma proposição jurídica é limitada, no sentido de que ela deve ser considerada correta dentro do ordenamento jurídico vigente e suas condições limitadoras (basicamente a lei, os precedentes e a dogmática).

 

Alexy em nenhum momento é claro quanto ao que ele entende por discurso jurídico. Em um nível mais amplo ele seria um discurso prático geral operando sob condições limitadoras. Em um nível mais estrito, ele seria um procedimento intermédio entre a criação estatal do Direito e o processo judicial.[54] Isso não é de todo relevante, já que:

 

la tesis del caso especial puede ser relativa tanto a los procedimientos judiciales como a la argumentación jurídica en cuanto tal, esto es, la argumentación jurídica tal como tiene lugar, por ejemplo, en los libros, artículos o discusiones académicas. La primera se encuentra institucionalizada, mientras que la segunda no.[55]

 

Dessa forma, embora haja diversos tipos de discurso jurídico, desde aquele que se desenrola na dogmática como os que se desenvolvem no tribunal ou numa sala de aula, todos eles, ao mesmo tempo em que se diferenciam em vários pontos, como as restrições institucionais a que alguns estão submetidos, compartilham de dois pontos essenciais: em todas as formas de argumentação o argumento é, ao menos em parte, jurídico, e em todos eles nem todas as questões estão abertas ao debate.

 

Assim, como há diversos tipos de discurso jurídico, também haverá diferenças entre eles concernentes à extensão e aos tipos de limitações. Uma discussão acadêmica é mais livre, enquanto num processo os limites são maiores. A cada nível as restrições e, conseqüentemente, a diferenciação e o afastamento do discurso jurídico com relação ao discurso prático geral aumentam, embora nunca se rompa o vínculo estabelecido entre os dois pela pretensão de correção que ambos possuem.

 

O conceito central da tese do caso especial, portanto, é que as afirmações jurídicas, em todo e qualquer nível, sempre erigem uma pretensão de correção. A pretensão de correção implícita nas proposições jurídicas é tornada explícita pela institucionalização do dever dos juízes de justificarem suas decisões.[56] Mas, diferentemente da pretensão de correção do discurso prático geral, a pretensão de correção jurídica reivindica que, mesmo sujeita às limitações estabelecidas por essas condições limitadoras, a afirmação é racionalmente justificável. Um juiz deverá, portanto, de uma forma ou outra, demonstrar que sua sentença não se baseia em convicções pessoais, mas que pode ser racionalmente justificada no contexto da ordem vigente. E, embora a pretensão de correção se manifeste de maneira mais explícita nas discussões travadas num tribunal, já que ali se desenvolvem longas e intensas discussões sobre a correção de uma decisão (que são, além disso, entendidas pelos participantes como uma busca pela decisão correta),[57] os argumentos justificativos são apresentados em todas as formas de discurso jurídico.

 

A tese do caso especial, dessa forma, estaria errada caso se comprovasse que o discurso jurídico não lida com questões práticas ou que os limites que regem as discussões jurídicas tornam injustificável designá-las como discursos. Eles seriam algo qualitativamente diferente de um discurso prático geral.

 

Quanto ao primeiro argumento, de que o discurso jurídico não trata de questões práticas, é bastante óbvio que, embora em algumas matérias seu conteúdo é teórico e descritivo, na maioria das vezes ele é orientado para a resolução de questões práticas. O problema, obviamente, não é tão simples. No entanto, não será debatido aqui.[58] Para os objetivos do artigo basta a consideração, bastante genérica, de que sempre que uma norma jurídica é desafiada, é conceitualmente necessário entrar num discurso prático.[59]

 

Já o argumento de que o discurso jurídico é algo qualitativamente diferente de um discurso prático geral se assenta, basicamente, sob três pressupostos: 1) o de que as discussões jurídicas ocorrem sob limitações muito fortes; 2) o de que as partes num processo buscam mais a vantagem própria do que a correção da decisão; e 3) o fato de muitas decisões terem de ser tomadas com base numa lei injusta ou irracional.

 

Quanto à primeira questão, deve-se admitir que há limitações,[60] como as impostas pelas regras processuais, prazos, o fato de não serem as partes a participarem, mas sim seus representantes legais, entre outras, que em princípio nos inclinariam a considerar o discurso jurídico como algo completamente distinto do discurso prático geral. Quanto a isso pode se levantar que, embora as condições a que estão submetidas as partes fazem do discurso que elas estão empreendendo algo inequivocamente diferente do que ocorre no âmbito de um discurso prático geral, é nisso que consiste a tese do caso especial. Ela nem afirma que o discurso jurídico está dissolvido em um discurso prático geral, e nem que ele é totalmente independente do mesmo, mas sim que, juntamente com semelhanças, há peculiaridades, como as condições limitadoras citadas, que lhe dão um caráter distinto.[61]

 

Quanto à segunda questão, se parece quase indiscutível que no âmbito da doutrina ou até mesmo da sala de aula a pretensão de correção está sempre presente, no caso de um litígio envolvendo partes e seus respectivos advogados a questão é mais complicada. É bastante óbvio que geralmente (se não sempre) as partes num processo buscam o próprio interesse. O processo, ao menos da perspectiva dos litigantes, não é um processo de busca cooperativa pela solução mais justa, mas sim um conflito em que cada parte quer sair vitoriosa. Isso, entretanto, não afeta a tese do caso especial por uma série de razões.

 

Em primeiro lugar, como salienta o próprio Alexy:

 

This claim to correctness is not rendered invalid by the fact that the person justifying some position is only following his or her subjective interests. What holds true here is similar to the case of promising. The fact that in making a promise I may secretly intend not to keep it, in no way affects the obligation which has objectively come into existence as a result of the promise.[62]

 

Embora subjetivamente a parte busque seu próprio interesse e o advogado freqüentemente faça uso de figuras retóricas para influenciar o juiz a seu favor, isso não elimina o caráter objetivo da pretensão de correção. A subjetividade das partes não é argumento para eliminar a pretensão de correção; embora elas não desejem convencer uma à outra,  pretendem falar de um modo que toda pessoa racional teria de concordar com seu ponto de vista. “Elas ao menos pretendem estar apresentando argumentos tais que obteriam concordância em condições ideais.”[63] Uma argumentação num tribunal é fundamentalmente diferente daquela que acontece numa negociação que visa um acordo. Mesmo que, no fundo, estejam perseguindo seus interesses, a forma da argumentação utilizada explicita que as razões que são apresentadas a favor de certa decisão poderiam, ao menos em princípio, ser incluídas, por exemplo, num tratado jurídico-científico. O fato de muitos argumentos utilizados pelas partes serem utilizados inclusive em decisões posteriores deixa mais explícito o caráter discursivo mesmo de uma discussão que ocorre no âmbito de um processo.

 

Em último caso, igualmente, contribuem a um discurso que da perspectiva do juiz serve à obtenção de um juízo imparcial. Isso não reduz os participantes a meras fontes de informação. Pois se o tribunal quer decidir corretamente, deve ouvir todos argumentos, e se a correção da sua decisão está sujeita a controle, o tribunal deverá justificar seu juízo ante os participantes e ante o público geral e jurídico. Por isso, está submetido aos discursos frente aos tribunais superiores, à profissão jurídica e ao público.[64]

 

Se as partes, no entanto, devem ao menos fingir que seus argumentos estão construídos de maneira tal que, sob condições ideais, poderiam encontrar o acordo de todos,[65] não seria isso mais uma condição para realizar uma ação estratégica bem sucedida, ao invés de ser uma condição para a existência de um discurso? Nesse sentido, a pretensão de correção seria mais uma pretensão de seriedade, isto é, um “jogo” onde “as partes – ou seus representantes – propõem seus argumentos levando a sério as regras do ‘jogo’ e seu papel nele.”[66]

 

A pretensão de correção, no entanto, não é uma mera condição de sucesso, porém uma condição do jogo.[67] Num processo em que as partes argumentassem procurando convencer o juiz a proferir uma decisão que lhes fosse favorável, mas não utilizassem para isso argumentos que visassem que essa decisão fosse correta ou justa, e o juiz desse uma sentença do tipo: “Dou uma vantagem ao Sr. N, porque ele me deixou mais bem disposto a seu favor”, o jogo que foi feito não poderia ser caracterizado como uma negociação jurídica, mesmo que aconteça no contexto de um sistema jurídico.[68]

 

Por fim, resta analisar o terceiro argumento contra a tese do caso especial, qual seja, o que afirma que uma discussão jurídica não pode ser entendida como um discurso, principalmente pela vinculação da argumentação jurídica com a lei. Essa conclusão seria facilmente demonstrável quando uma sentença tem que se basear numa lei injusta ou irracional. Nesse caso, não haveria pretensão de correção, desaparecendo, portanto, o principal elemento da conexão entre o discurso jurídico e o discurso prático geral. Caso esse argumento esteja correto, aquele seria algo distinto deste, já que a racionalidade de uma argumentação baseada numa lei irracional não seria algo menos, mas algo diferente do que a racionalidade substantiva que tem lugar de acordo com as regras do discurso racional prático.

Esse argumento falha,[69] contudo, por compreender somente de maneira parcial a pretensão de correção. Pois deve-se distinguir entre dois aspectos da pretensão de correção levantada pelas decisões jurídicas. O primeiro aspecto se refere ao fato de a decisão ser corretamente justificada, quando se parte do Direito vigente. O segundo aspecto se relaciona com o fato de o Direito válido ser racional ou justo. A pretensão de correção levantada pelas decisões judiciais contém ambos aspectos.[70]

 

Muitas vezes, devido a princípios formais como segurança jurídica e separação dos poderes, é necessário basear a decisão numa lei desse tipo. No entanto, isso de forma alguma altera seus defeitos. Apesar da falta de uma pretensão de correção com respeito a certa decisão não tirar dessa decisão seu caráter como decisão válida, ela sempre será defeituosa em mais do que um sentido moral relevante.[71] Se essa decisão deve ser tomada com base nessa lei, isso não ocorre por força da pretensão de correção, mas apesar da pretensão de correção.

 

Essa limitação também não leva a conclusão de que a tese do caso especial pressupõe a justiça do Direito positivo, como Atienza aponta.[72] Pois embora quando uma decisão deve se basear numa lei injusta seja impossível satisfazer os dois aspectos da pretensão de correção, a única conclusão que podemos tirar é que não é possível argumentar racionalmente com base numa lei irracional. Mas isso não retira o caráter ideal da pretensão de correção, pois, embora o espaço para o discurso jurídico seja reduzido quase a zero no âmbito de utilização dessa lei, o inter-relacionamento entre a racionalidade discursiva e o Direito não se rompe. “A racionalidade discursiva não pode mais estabelecer o conteúdo da decisão, porém forma a razão para sua falibilidade e a medida para sua crítica.”[73]

 

Com isso foi feito um avanço importante, e deve-se agora vislumbrar a integração da argumentação jurídica no inter-relacionamento da racionalidade de um sistema jurídico mais abrangente. Esse tema será abordado a seguir.

 

 

4 Conseqüências da tese do caso especial

 

Neste capítulo serão diferenciadas tanto as conseqüências da tese do caso especial como de seu principal elemento, a pretensão de correção. A pretensão de correção que está conectada ao Direito não só faz dele um caso especial do discurso prático geral como também, segundo Alexy, estabelece uma conexão conceitualmente necessária entre Direito e moral, no que sua teoria se torna essencialmente não-positivista, pois o positivismo jurídico tem na separação conceitual entre Direito e moral (além de na tese das fontes sociais) um de seus principais alicerces.  Por ela, o Direito é visto como um conjunto de normas não necessariamente justas, mas, como obra de homens que podem errar, falíveis.[74]

 

A partir disso será feita uma análise da maneira como a pretensão de correção conduz a uma conexão entre Direito e moral,[75] e de que forma a tese do caso especial leva à conclusão de que tal moral deve ser concebida como universalista.

 

Num segundo e terceiro momento, será tratado tanto a necessidade do discurso jurídico do ponto de vista do discurso prático geral, como a necessidade do discurso prático geral do ponto de vista do discurso jurídico. Essa dupla necessidade, será visto, é conseqüência de uma dupla vulnerabilidade (ou limitação) constitutiva tanto de um como de outro, e são facilmente deduzidas da própria estrutura da tese do caso especial que, se por um lado deixa manifesto que argumentos  práticos gerais são necessários na argumentação jurídica, por outro evidencia a própria necessidade de argumentos jurídicos (e, portanto, da instituição “Direito”) a fim de resolver questões práticas surgidas na sociedade (no contexto do discurso prático geral, portanto). Assim, será demonstrado que o Direito deve ser visto como a institucionalização da razão prática, e, a fim de que ele não perca suas raízes nesta, os argumentos práticos gerais devem ser integrados aos argumentos jurídicos a todo o momento.

 

 

4.1 Conexão conceitualmente necessária entre Direito e moral

 

A pretensão de correção implica uma pretensão de justificação, ou fundamentabilidade. Apesar de diversas justificações serem possíveis, a essência de todas elas é a mesma, já que, quem justifica algo:

 

at least pretends that he accepts the other person as an equal partner, at least in discourse and that he neither exercises coercion himself nor is supported by coercion exercised by others. He furthermore claims to be able to defend his thesis not only against his partner in discourse but against everyone. These claims to equality and universality form the basis of a procedural ethic built on the idea of generalizability. This is the discourse-ethic.[76]

 

A conexão que a teoria do discurso cria entre correção, justificação e generalizabilidade é transferida para o Direito pela tese do caso especial. Dessa forma, é estabelecida uma conexão necessária entre o Direito e uma moralidade universalista. O argumento, dessa forma, pode ser sintetizado da seguinte maneira: quem afirma que algo é correto implicitamente aceita que pode justificar isso; quem pretende justificar algo deve aceitar diversas premissas inerentes ao processo de justificação, como a aceitação do outro como um parceiro de discurso;  essas premissas ligam o ato de justificar a uma moralidade universalista construída sob a idéia de generalizabilidade e universalizabilidade; como, da mesma forma que no discurso prático, no discurso jurídico está necessariamente presente uma pretensão de correção, o Direito está necessariamente ligado, ao menos idealmente, a essa moralidade universalista.

 

A conexão que Alexy estabeleceu entre Direito e moral foi criticada severamente.

Uma das críticas veio de Habermas,[77] que afirmou que a tese do caso especial assumia que havia de fato sempre uma consonância entre moral e Direito. Mas a tese de Alexy assume, entretanto, somente que tal consonância está sempre implícita nas pretensões do Direito. A conexão entre Direito e moral é só uma pretensão, não é exigido que essa conexão sempre se cumpra.

 

A principal crítica dirigida à conexão entre Direito e moral é que Alexy, ao idealizar demasiadamente as categorias jurídicas do Estado contemporâneo, estendeu a moralidade implícita nesse para todos os demais sistemas jurídicos. Essa crítica foi expressa da seguinte maneira por Bulygin:

 

The thesis of the necessary connection between law and morality implies that there is a conceptual link between any legal system, on the one hand, and one and the same morality, not just any moral system, on the other. In the case of Alexy it is the universalistic morality, based on a procedural discourse ethics.[78]

 

Parece bastante óbvio, no entanto, que a maioria dos sistemas jurídicos historicamente existentes não compartilham dessa moralidade. Se essa crítica estivesse correta, então ou a tese da conexão entre Direito e moral estaria equivocada, ou bem o que Alexy entende por Direito é um fenômeno que só ocorreu na modernidade. A crítica de Bulygin, entretanto, equivoca-se num ponto chave. A fim de provar isso, o argumento da conexão deve ser refinado: em primeiro lugar, é um erro conceder que o Direito está conectado com uma moralidade concreta, determinada; em segundo lugar, é igualmente um erro afirmar-se que o Direito está conectado com uma moral, qualquer que ela seja. A fim de restringir o campo de qual moralidade deve estar conectada ao Direito, deve-se interpretar a pretensão de correção moral que uma proposição jurídica levanta num sentido forte. Interpretada nesse sentido, ela pode ser preenchida somente se o julgamento é justificável sob a base de uma moralidade correta, de uma moralidade que é justificável. A idéia de correção demanda a interpretação forte. Um julgamento moral que é justificável sob a base de uma moralidade que não é ela mesma justificável não é correto. Dessa maneira, a conexão necessária entre o Direito e a moral correta é criada no sentido de que a pretensão de correção inclui uma pretensão de correção moral que se estende também aos princípios subjacentes.[79] Como esclarece Alexy, portanto, “a necessary connection between law and morality does not presuppose a morality actually shared by all. It is compatible with moral dispute.”[80]

 

A fim de se obter uma conexão entre Direito e moralidade, portanto, não é necessário que haja uma mesma moralidade, objetiva, compartilhada por todos. A idéia de moralidade correta, a prática de uma argumentação racional sobre o que é moralmente correto, e a possibilidade de construir uma racionalidade prática basta.[81] Se o Direito é constituído por uma pretensão de correção, e essa implica uma pretensão de justificação, quem justifica algo necessariamente terá que aceitar a generalizabilidade e universalizabilidade como padrão de argumentação. Nesse sentido, uma moralidade correta pode abarcar várias moralidades e ser, portanto, compatível com ordenamentos jurídicos que possuam moralidades diversas. Essa conexão qualificatória não conduz, portanto, a uma conexão necessária do Direito com uma determinada moral concreta designada como correta, mas sim a uma conexão necessária do Direito com a idéia de uma moral correta no sentido de uma moral fundamentada. Esta idéia não é, de modo algum, vazia. Sua vinculação com o Direito significa que a ele pertence não só as regras especiais da fundamentação jurídica, como também as regras gerais da argumentação prática geral. Além disso, a idéia de uma moral correta, da mesma forma que a única resposta correta, tem o caráter de uma idéia regulativa no sentido de um objetivo a aspirar. Nessa medida, a pretensão de correção conduz a uma dimensão ideal necessariamente vinculada com o Direito.[82]

A tese de Alexy, portanto, leva à conclusão de que o Direito não poder ser corretamente entendido sem referências à correção de suas decisões. Um sistema jurídico possui uma dimensão ideal que o liga à idéia de justiça,[83] pois, como inclusive Radbruch já havia assinalado nos seus últimos escritos, é simplesmente impossível “definir el derecho, inclusive el derecho positivo, de otra manera que como un orden y estatuto, que de acuerdo con su sentido están determinados a servir a la justicia.”[84]

 

 

4.2 Direito como um sistema de regras, princípios e procedimentos

 

A teoria de Alexy pretende lançar bases sólidas para uma teoria não positivista do Direito. Isso é feito basicamente pela já vista conexão conceitualmente necessária entre Direito e moral. Porém, essa conexão demonstra somente que o positivismo falha em sua tentativa de compreender a natureza do Direito, mas ainda não oferece um novo projeto para substituí-lo. Em grande parte, uma nova teoria do Direito já se fazia necessária após a “Teoria da Argumentação Jurídica”, cujos fundamentos não poderiam ser encontrados numa teoria positivista do Direito,[85] como a teoria da argumentação de MacCormick, por ele considerada um complemento à teoria de Hart.[86] Essa teoria, ao mesmo tempo que parte da distinção entre regras e princípios de Dworkin,[87] a aprofunda, adicionando um novo nível a esses dois. Assim, o Direito, para Alexy, deve ser visto como um sistema de regras, princípios e procedimentos.

 

Aqui, é importante somente uma breve síntese sobre o conceito de regra e princípio.[88] Tanto regras como princípios são espécies de um gênero maior, normas, e “ambos pueden ser formulados con la ayuda de las expresiones deónticas básicas del mandato, la permisión y la prohibición.”[89] A diferença fundamental é que, para Alexy, os princípios são normas que ordenam que algo seja realizado na maior medida possível, dentro das possibilidades jurídicas e reais existentes. Portanto, os princípios são mandatos de otimização. Já as regras são normas que só podem ser cumpridas ou não. Se uma regra é válida, então deve ser feito exatamente o que ela exige, nem mais nem menos. Nesse sentido, as regras contêm determinações no âmbito do fática e juridicamente possível.

 

Agora, o Direito não pode ser concebido de forma estática, somente como um conjunto de normas.[90] A esse lado passivo, deve ser adicionado um lado ativo: o dos procedimentos.[91] Este lado surge da necessidade de fornecer uma resposta à uma indagação prática bastante simples: com relação a um problema prático, como chegar a uma única resposta correta que seja, além do mais, vinculante? No âmbito do discurso prático geral isso não é possível basicamente por dois motivos: as regras do discurso não garantem que se possa alcançar uma única solução correta para cada questão prática (problema do conteúdo), nem tampouco que, caso se alcançasse esse acordo, todo o mundo estaria disposto a segui-lo (problema da imposição). As razões para o primeiro ponto são basicamente três: as regras do discurso só podem ser cumpridas de modo aproximado; nem todos os passos da argumentação estão determinados; todo discurso deve começar a partir das convicções normativas dos participantes, que estão determinadas historicamente e são, além do mais, variáveis. A razão para o segundo ponto reside numa distinção, que Alexy toma de Kant, entre o principium diudicationis e o principium executionis, isto é, entre a formação do juízo e a formação da vontade: saber o que é certo não significa necessariamente agir nesse sentido.

 

O problema da imposição faz surgir a necessidade do Direito, ou seja, de um sistema coercitivo que estabeleça regras dotadas de sanção para quem não estiver disposto a segui-las de bom grado.[92] Já a resolução do problema do conteúdo passa, em primeiro lugar, pelo estabelecimento de alguns resultados discursivamente necessários e outros discursivamente impossíveis. Os mais importantes dentre os primeiros são os direitos humanos, os quais Alexy procura fundamentar sobre a base da teoria do discurso.[93] No entanto, o espaço do discursivamente possível continua demasiado grande, e nem tudo que pode ser justificado discursivamente pode valer juridicamente. Isso levanta a necessidade de procedimentos jurídicos que garantam, ao final, somente um resultado definitivo e obrigatório.[94] Alexy distingue três tipos de procedimentos que seria preciso acrescentar ao procedimento do discurso prático geral: a criação estatal do Direito, o discurso jurídico e o processo judicial.

 

A passagem do primeiro para o segundo ocorre devido a ampla gama de soluções para uma questão prática que podem ser consideradas discursivamente possíveis. Assim, através da criação estatal de normas, certos padrões são firmados em detrimento de outros. Porém, também as normas não especificam suficientemente qual seria a solução obrigatória, seja pelo aspecto vago da linguagem jurídica, a imprecisão das regras do método jurídico ou a impossibilidade de prever todos as constelações possíveis de casos. O terceiro procedimento é o discurso jurídico,[95] marcado pelas condições limitadoras já referidas. Aqui o grau do discursivamente possível é consideravelmente menor, mas a grande controvérsia doutrinária, empiricamente verificável, demonstra que ainda é necessário um quarto procedimento, em que o elemento decisório novamente está ao lado da argumentação: o procedimento judicial. Findo todo esse processo, só restará uma resposta para ser considerada obrigatória.

 

Nesse sistema de quatro procedimentos, dois são institucionalizados, e dois não. O discurso prático geral e a argumentação dogmática em geral pertencem ao grupo dos não institucionalizados, e a criação legislativa e o processo, aos institucionalizados. A principal diferença entre um e outro é que nos procedimentos institucionalizados, que surgem para resolver o problema dos debates potencialmente intermináveis que ocorrem nos momentos anteriores, é necessário se chegar a uma resposta: neles não só se argumenta, também se decide.[96] A fim de que isso ocorra, regras e limitações são impostas aos participantes, como as regras legislativas e as regras processuais. [97] 

 

É importante ressaltar que a passagem de um nível para o outro não deve ser considerada como um abandono dos princípios do discurso e seus ideais: eles devem ser considerados, muito mais, como necessários para a realização destes e justificados com referência a eles. O nível seguinte surge não só para sanar falhas do anterior, mas é exigido por ele por poder chegar a resultados que o outro não conseguiria.[98] Por exemplo, no âmbito do discurso prático geral tanto o alcance do que é discursivamente possível, que é muito amplo, como também a necessidade de resolver muitas questões práticas num curto espaço de tempo constituem bons motivos para a inserção de limitações. Assim, a necessidade de decisão, a correção relativa, o respeito à lei e aos precedentes e a consideração pelos dogmas jurídicos (no sentido de verdades provisórias) fazem com que uma decisão possa ser alcançada mesmo havendo divergências, o que não aconteceria num discurso prático geral, onde a discussão poderia se tornar infindável. Todavia, como já foi salientado, essas limitações devem ser entendidas no sentido de assegurar a possibilidade do discurso prático geral.[99]

 

É por esse lado ativo do Direito que fica clara a ligação entre discurso prático geral e discurso jurídico. Concebê-lo também dessa forma dinâmica é essencial para traçarmos tanto sua origem como também a sua necessidade. A tese do caso especial, entendida por esse ponto de vista, é a afirmação desse seu aspecto dinâmico. É nessa linha que tem sentido afirmar que o Direito não só é a institucionalização da razão prática, como também um meio necessário para a realização dessa na sociedade. Como o discurso jurídico é concebido como conectado ao discurso prático geral, conseqüência e afirmação de seus princípios, também o Direito não pode ser concebido de forma autônoma. Isso não é nada mais do que outra forma de expressar a unidade da razão prática.[100]

Portanto, visto por esse prisma, tanto como regra e princípio (no âmbito passivo) e como institucionalização e argumentação livre (no âmbito ativo), o Direito pode ser visto como possuindo uma dupla vertente real e uma dupla vertente ideal.

 

La double dimension idéale se montre au niveau des procédures dans la “réalisabilté” seulement approximative des règles du discours et au niveau des principes dans leur caractère de depassement. La double dimension réelle correspond, au niveau procédural à la nécessité des institutions, et au niveau des normes au fait que les règles sont indispensables.[101]

 

Na sua dupla vertente real está implícita a necessidade de ordem, seu caráter dogmático e a necessidade de certeza do Direito; na sua dupla vertente ideal, seu aspecto dinâmico, o caráter argumentável e provisório de toda proposição jurídica.[102] É nesta “dialética da ordem e da liberdade”[103] que a tese do caso especial busca se inserir, procurando estabelecer uma ligação entre esses dois aspectos sem cair num extremo ou em outro. Não procura nem sobrevalorizar o aspecto real, caindo num legalismo rígido em que o juiz é a boca da lei, nem o aspecto ideal, caindo num principialismo arbitrário em que o juiz toma o lugar do legislador.[104] A análise de qual deve prevalecer sobre qual será feita no próximo ponto.

 

 

4.3 Tese da integração

 

O discurso jurídico, portanto, é necessário do ponto de vista do discurso prático geral, e é exigido por motivos práticos gerais a fim de realizar o princípio da racionalidade discursiva. Entretanto, seria um erro pensar que o discurso jurídico acaba com todas as incertezas existentes no discurso prático geral e se torna independente dele. Muito pelo contrário, o discurso jurídico, apesar de reduzir o campo do discursivamente possível sensivelmente, dificilmente produz, se operando somente por seus termos, uma única resposta. É dessa limitação que emerge a necessidade de integração de argumentos práticos gerais na argumentação jurídica.

A questão que se analisará agora é sob que forma esses argumentos práticos gerais[105] entram na argumentação jurídica e em que sentido eles se harmonizam com os argumentos especificamente jurídicos. Segundo Alexy existem, basicamente, três teorias diferentes para responder essa questão. Pela tese da subordinação, sempre que houver casos em que a solução não possa ser derivada conclusivamente da lei, o discurso jurídico não passa de um discurso prático geral por trás de uma fachada jurídica. Já a tese da suplementação afirma que a argumentação jurídica só pode ir até uma parte do caminho, chegando a um ponto em que os argumentos especificamente jurídicos não estão mais disponíveis. É aqui que deve intervir a argumentação prática geral. A teoria adotada por Alexy, entretanto, afirma que argumentos especificamente jurídicos e argumentos práticos gerais devem ser combinados em todos os níveis e aplicados conjuntamente.[106] Essa é a tese da integração.[107] Segundo essa tese, no entanto, apesar de argumentos práticos gerais serem utilizados conjuntamente com argumentos jurídicos, eles só entram na argumentação sob condições e formas especiais, que aumentam consideravelmente sua capacidade de determinação, devido, principalmente, à natureza institucionalizada do discurso jurídico.

 

A necessidade de argumentos práticos gerais decorre igualmente da incapacidade do discurso jurídico de resolver todos os problemas que lhe são propostos a partir de seu próprio universo. Os chamados “casos difíceis” constituem um bom exemplo de como muitas vezes é necessário chegar a uma conclusão que não pode ser derivada logicamente do conjunto de normas ou princípios. Nesses casos, o discurso jurídico cede espaço ao discurso prático geral e seus princípios.[108] Isso não transforma a tese da integração na tese da suplementação: o discurso prático, do ponto de vista da primeira, é necessário não somente quando o discurso jurídico não consegue fornecer uma resposta, mas em todos os momentos da argumentação.

Da mesma forma, a pretensão de justificação no Direito, além de o conectar com a moral, cria uma dimensão crítica que lhe dá um caráter ideal. Quem justifica algo, mesmo no contexto de um discurso jurídico, da mesma forma que pretende que sua afirmação seja correta dentro desse contexto, igualmente espera, como já foi visto, que o próprio Direito seja racional. Embora isso nem sempre possa acontecer, o fato de interpretações da lei há muito tempo mantidas serem modificadas, decisões serem revistas, leis criticadas, e mesmo algumas decisões serem proferidas contra legem, denunciam o fato evidente da falibilidade,[109] e, portanto, da mutabilidade das interpretações. Essa dimensão de justificação leva a novos níveis, mais elevados, de justificação, embora a provisoriedade das decisões sempre seja um componente constitutivo das mesmas. Isso não significa, obviamente, que as decisões devem ser incessantemente revistas a fim de serem alçadas a graus de justificação mais elevados. O importante, aqui, é que através dessa pretensão é criada a possibilidade de surgirem contra-argumentos que podem ser melhores e eventualmente mudarem a prática de justificação: “con ello se vuelve posible una crítica de la praxis de las decisiones desde el punto de vista del derecho.”[110]

Isso só evidencia o que já foi ressaltado e constitui um dos pilares da tese do caso especial: o Direito é dinâmico. Esse dinamismo reflete-se na tese da integração de maneira clara. Porém, esse mesmo dinamismo, advindo do caráter argumentável e livre do Direito, entra em conflito com a necessidade de segurança e certeza jurídica.[111] É necessário que haja, portanto, no Direito, alguns elementos estabilizadores, que nem sejam rígidos o suficiente a ponto de impedirem mudanças, nem flexíveis demais a ponto de comprometerem a estabilidade do ordenamento: esse é, em grande parte, um dos papéis da dogmática.

Dogmatismo, no Direito, é mais do que “the inclination to identify the goal of our thinking with the point at which we have become tired of thinking”.[112] Embora uma investigação mais detalhada já tenha sido feita em outro lugar,[113] é importante ressaltar que conceitos da dogmática jurídica não são onde a discussão necessariamente termina, mas onde ela começa; eles fixam pontos de partida a partir do qual avançamos, sem a necessidade de reabrir a discussão desde o início a todo momento.[114] E, apesar de que em algum momento, a fim de se alcançar uma decisão, a discussão terá que parar, isso não torna os dogmas em proposições irrefutáveis.[115] A dogmática possui esse duplo viés: por um lado, uma vez aceita uma proposição, ela não precisa ser retida por um período ilimitado; por outro, ela cria uma presunção a seu favor que pelo menos exclui o seu simples abandono sem nenhuma razão: “a razão para a nova solução tem de ser suficientemente forte para justificar não só a nova solução, mas também o rompimento da tradição.”[116]

 

Voltando ao ponto inicial, se argumentos práticos gerais são necessários em todos os momentos da argumentação jurídica, isso não levaria a tese do caso especial a enfrentar uma contradição? Pois a necessidade do discurso jurídico é derivada exatamente da limitação do discurso prático geral, que não oferece pautas definitivas de conduta. Argumentos práticos gerais, ao serem inseridos na argumentação jurídica, realmente levam com eles toda a carga de incerteza presente no discurso prático geral, mas esse paradoxo é, no entanto, aparente. Isso tanto pelo fato de que o discurso jurídico não se reduz ao discurso prático geral como também à verdade clara e evidente de que o Direito nunca pode oferecer uma resposta definitiva e cabal na resolução de conflitos práticos. Isso não o torna menos racional, pois:

 

si la racionalidad fuera equiparada con la certeza, ello daría origen a una objeción fundada. Sin embargo, tal no es el caso. La razón práctica no es de aquellas cosas que pueden ser realizadas sólo perfectamente o no en absoluto. Es realizable aproximativamente y su realización suficiente no garantiza ninguna corrección definitiva sino tan sólo relativa.[117]

 

As questões jurídicas nunca estão completamente encerradas, o que, por certo, traz ao Direito um certo grau de insegurança. Porém, “bajo las condiciones humanas no es posible superar esta medida de razón práctica en el derecho.”[118] Não é permitido, portanto, esperar do Direito mais certeza que ele pode oferecer: assim como no homem, a vulnerabilidade[119] e as incertezas dela decorrentes são essenciais na caracterização também do Direito;[120] ignorar este fato é possuir uma visão deturpada das suas características mais fundamentais.

 

 

5 Conclusão

 

A tese do caso especial procura conceitualizar uma intuição muito simples e comum na reflexão jurídica: a de que o Direito não pode operar hermeticamente por seus próprios termos. Porém, o fato de a argumentação jurídica depender da argumentação prática geral não diz muita coisa. É preciso especificar em que sentido ocorre essa dependência, quando argumentos práticos gerais devem ser inseridos na argumentação jurídica, como eles podem ser controlados e quais conclusões podem-se deduzir dessa ligação.

 

Da mesma forma, apesar de simples, não só ela nem sempre foi unânime no Direito como também, ao refiná-la, é possível fazer-se algumas reflexões que não são tão triviais assim. Através da análise da teoria discursiva do Direito de Robert Alexy este artigo procurou tecer alguns comentários sobre a ligação da tese do caso especial com alguns dos temas mais importantes da teoria do Direito, como a relação entre Direito e moral e entre Direito e razão prática.

 

Se esse ensaio e, obviamente, a tese do caso especial, estiverem corretos, o Direito está conceitualmente conectado com a moral, a dependência do discurso jurídico para com o discurso prático geral ocorre a todo o momento e em todos os níveis, e argumentos práticos gerais devem ser integrados e inseridos a todo o momento na argumentação jurídica a fim de que essa não perca suas raízes na razão prática.

 

 

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* Bacharel em Direito pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, estudante de Filosofia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.

 

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[1] A referência à teoria do discurso será sempre à teoria desenvolvida principalmente por Habermas e Apel, embora somente a do primeiro será analisada aqui. Para uma visão distinta do discurso, de tradição clássica, e uma crítica à ética discursiva moderna, veja-se, principalmente, FINNIS, John. ‘Natural law and the ethics of discourse’. Ratio Juris, volume 12, número 4, pp. 354-373, 1999.  Para uma crítica (embora parcial) no mesmo sentido à Alexy, ver RENTTO, J.-P. ‘Aquinas and Alexy: a perennial view to discursive ethics’. The American Journal of Jurisprudence, pp. 157-175, 1991.

[2] Cf. ATIENZA, Manuel. As razões do direito: teorias da argumentação jurídica. Tradução de Maria Cristina Guimarães Cupertino. 3. ed. São Paulo: Landy, 2003, p. 160.

[3] Veja-se HABERMAS, Jürgen. ‘As objecções de Hegel a Kant também se aplicam à ética do discurso?’. In: HABERMAS, Jürgen. Comentários à ética do discurso. Tradução de Gilda Lopes Encarnação. Lisboa: Instituto Piaget, 1991, p. 15.

[4] Veja-se HABERMAS, Jürgen. ‘As objecções de Hegel a Kant também se aplicam à ética do discurso?’. Op. cit., p. 23. Além de negar a teoria dos dois mundos de Kant, a ética do discurso abandona também a concepção atomista de pessoa. Isso faz com que seja possível para Habermas afirmar que “a ética do discurso assume uma posição intermédia, na medida em que partilha com os ‘liberais’ da compreensão deontológica de liberdade, moralidade e direito decorrente da tradição kantiana, e com os ‘comunitaristas’ da compreensão intersubjectivista da individualização enquanto produto da socialização decorrente da tradição hegeliana.” HABERMAS, Jürgen. ‘Comentários à ética do discurso’. Op. cit., p. 196. Muito embora esteja em um meio-termo entre liberalismo e comunitarismo, a ética do discurso não reconcilia Kant com Aristóteles (HABERMAS, Jürgen. ‘Justiça e solidariedade. Para uma discussão acerca do “estádio 6”’. Op. cit., p. 73). Sua estrutura é eminentemente kantiana.

[5] HABERMAS, Jürgen. ‘As objecções de Hegel a Kant também se aplicam à ética do discurso?’. Op. cit., p. 16.

[6] HABERMAS, Jürgen. ‘As objecções de Hegel a Kant também se aplicam à ética do discurso?’. Op. cit., p. 16.

[7] Nesse sentido, HABERMAS, Jürgen. ‘Comentários à ética do discurso’. Op. cit., pp. 151-152.

[8] A ação comunicativa é uma ação social orientada ao entendimento, por oposição à ação estratégica, que é uma ação social orientada ao êxito. Enquanto na ação estratégica os sujeitos “persiguen sus fines por via de influjo sobre las decisiones de otros actores.” HABERMAS, Jürgen. ‘Observaciones sobre el concepto de acción comunicativa’. 1982. In: HABERMAS, Jürgen. Teoría de la acción comunicativa: complementos y estudios previos. Tradução de Manuel Jimenéz Redondo. Madrid: Cátedra, 1989, p. 490, na ação comunicativa “los participantes en la interacción ejecutan sus planes de acción teniendo a la vista un acuerdo comunicativamente alcanzado.” HABERMAS, Jürgen. ‘Observaciones sobre el concepto de acción comunicativa’. Op. cit., p. 504.

[9] ALEXY, Robert. Teoria da argumentação jurídica: a teoria do discurso racional como teoria da justificação jurídica. Tradução de Zilda Hutchinson Schild Silva. 2. ed. São Paulo: Landy, 2001, p. 181. Deixando mais claro: no discurso teórico a pretensão de validade problematizada é a verdade, e sua justificação se realiza aduzindo fatos como razões; no discurso prático a pretensão de validade problematizada é a correção normativa, e sua defesa é feita mediante a invocação de normas socialmente compartilhadas. “Un ‘discurso práctico’ surge, pues, cuando se pone en cuestión la pretensión de rectitud normativa de los actos de habla regulativos o prescriptivos.” ARROYO, Juan Carlos Velasco. ‘El lugar de la razón práctica en los discursos de aplicación de normas jurídicas’. Isegoría, número 21, 1999, p. 58. Segundo Alexy, “un discurso racional práctico es un procedimiento para probar y fundamentar enunciados normativos y valorativos por medio de argumentos.” ALEXY, Robert. ‘Derechos, razonamiento jurídico y discurso racional’. Isonomía, número 1, 1994, p. 48. Veja-se também ALEXY, Robert. Teoria da argumentação jurídica: a teoria do discurso racional como teoria da justificação jurídica, p. 94.

[10] Para uma discussão sobre a noção de procedimento na argumentação jurídica, ver GIANFORMAGGIO, Letizia. ‘La noción de procedimiento en la teoría de la argumentación jurídica’. Doxa, número 14, pp. 159-167, 1993.

[11] ALEXY, Robert. ‘Sistema jurídico, principios jurídicos y razón práctica’. Doxa, número 5, 1988, p. 150.

[12] ALEXY, Robert. Problemas da teoria do discurso’. Revista Notícia do Direito Brasileiro. Nova Série, 1996, pp. 244-245.

[13] Aqui concordando com Alexy, Rentto: “practical reason is not a mere fluctuation of emotions or the like but a rational activity as any other exercise of the mind.” RENTTO, J.-P. Op. cit., p. 160.

[14] ALEXY, Robert. ‘Problemas da teoria do discurso’, p. 259.

[15] Nesse sentido ALEXY, Robert. Teoria da argumentação jurídica: a teoria do discurso racional como teoria da justificação jurídica, p. 28.

[16] ALEXY, Robert. Op. cit., p. 113. Em sentido semelhante: “La teoría del discurso sostiene que una argumentación que excluye o suprime personas o argumentos – excepto por razones pragmáticas que tienen que ser justificadas – no es una argumentación racional, y que las justificaciones que se obtienen de la misma son defectuosas.” ALEXY, Robert. ‘Derechos, razonamiento jurídico y discurso racional’, p. 48.

[17] ALEXY, Robert. ‘Sistema jurídico, principios jurídicos y razón práctica’, p. 150. Para uma crítica, ver RENTTO, J. –P. Op. cit.,  p. 168.

[18] Ou “discourse-theoretical discourse”, na expressão de Alexy. Veja-se ALEXY, Robert. A theory of legal argumentation: the theory of rational discourse as theory of legal justification. Tradução de Ruth Adler e Neil MacCormick. Oxford: Clarendon Press, 1989, p. 187.

[19] Veja-se HABERMAS, Jürgen. ‘Comentários à ética do discurso’. In: HABERMAS, Jürgen. Comentários à ética do discurso,  p. 134.

[20] HABERMAS, Jürgen. ‘Qué significa pragmática universal?’. 1976. In: HABERMAS, Jürgen. Teoría de la acción comunicativa: complementos y estudios previos. Tradução de Manuel Jimenéz Redondo. Madrid: Cátedra, 1989, p. 302. Segundo La Torre, “the point is, then (…), to make explicit what is implicit, and universalize it. Universalization is in turn a transcendental (implicit) requirement of discourse on norms, values and principles.” LA TORRE, Massimo. ‘Theories of legal argumentation and concepts of law. An approximation’. Ratio Juris, volume 15, número 4, 2002, p. 396.

[21] HABERMAS, Jürgen. ‘Qué significa pragmática universal?’. Op. cit., p. 299.

[22] ALEXY, Robert. ‘Una concepción teórico-discursiva de la razón práctica’. In: ALEXY, Robert. El concepto y la validez del derecho y otros ensayos. Tradução de Jorge M. Seña. 2. ed. Barcelona: Gedisa, 1997, pp. 149-150. Para uma crítica dessa fundamentação, BETEGÓN, Jerónimo. ‘Sobre la pretendida corrección de la pretensión de corrección’. Doxa, número 21-I, pp. 171-192, 1998.

[23] Mesmo para Habermas tal conceito permanece obscuro: “I am still not quite clear about the role of what Alexy calls ‘general practical discourse.’ Here, different types of argument – prudential, ethical, moral, legal arguments – are supposed to come in one package.” HABERMAS, Jürgen. ‘A short reply’. Ratio Juris, volume 12, número 4, 1999, p. 447.

[24] Veja-se HABERMAS, Jürgen. Direito e democracia: entre facticidade e validade. Tradução de Flávio Beno Siebeneichler. Volume 1. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1997, pp. 287-288.

[25] É importante que o discurso prático geral não seja confundido com o discurso moral, mas no sentido que Habermas dá a este termo, ou seja, como uma esfera que transcende o contexto local e onde “são decisivos os argumentos que conseguem mostrar que os interesses incorporados em normas contestadas são pura e simplesmente generalizáveis.” HABERMAS, Jürgen. Op. cit., p. 203. Discurso prático geral talvez possa ser considerado semelhante a discurso moral (veja-se MICHELON JR, Cláudio Fortunato. Being apart from reasons: a study on the role of reasons in public and private moral decision-making. Doctoral Thesis. University of Edinburgh, 2000, p. 158) no sentido de moral crítica, ou correta (sobre a distinção entre moral social, crítica e crítica social, veja-se GARCÍA FIGUEROA, Alfonso. ‘La tesis del caso especial y el positivismo jurídico’. Doxa, número 22, 1999, p. 200). É esse uso da palavra que faz com que Alexy afirme que também MacCormick (“there is an analogy between legal reasoning and moral reasoning.” MACCORMICK, Neil. Legal Reasoning and Legal Theory. Oxford: Clarendon Press, 1978, p. 272) e Habermas (“argumentações morais são institucionalizadas através de meios jurídicos” HABERMAS, Jürgen. ‘Como é possível legitimidade através da legalidade?’. In: HABERMAS, Jürgen. Direito e moral. Tradução de Sandra Lippert. Lisboa: Instituto Piaget, 1992, p. 15) são defensores da tese do caso especial. Sobre isso, veja-se mais adiante. A confusão em torno desse conceito de discurso não deve nos ofuscar para o fato mais essencial que Alexy, acima de tudo, procura desenvolver a idéia de que a argumentação jurídica depende da argumentação prática geral. Por ser mais utilizado por Alexy, no entanto, continuarei a usar o termo “discurso”.

[26] HABERMAS, Jürgen. Direito e democracia: entre facticidade e validade, p. 287.

[27] HABERMAS, Jürgen. ‘Acerca do uso pragmático, ético e moral da razão prática’. In: HABERMAS, Jürgen. Comentários à ética do discurso, p. 102.

[28] HABERMAS, Jürgen. ‘Acerca do uso pragmático, ético e moral da razão prática’. Op. cit., p. 108.

[29] HABERMAS, Jürgen. ‘Acerca do uso pragmático, ético e moral da razão prática’. Op. cit., p. 109. No singular, essa decisão diz respeito, por exemplo, ao que fazer quando emergem problemas de saúde ou quando o dinheiro necessário à satisfação de determinados desejos torna-se escasso. No plural, remetem para a necessidade de compromissos, logo que os interesses individuais têm de ser harmonizados com os interesses alheios.

[30] HABERMAS, Jürgen. ‘Acerca do uso pragmático, ético e moral da razão prática’. Op. cit., p. 109. Colocada no singular, essa decisão concerne, por exemplo, a escolha da profissão ou do curso, que tem a ver com as “inclinações” ou com os interesses, com o tipo de atividade que poderia contribuir para a auto-realização do indivíduo em causa. Já no plural, trata-se da clarificação de uma identidade coletiva que tem de deixar espaço para a multiplicidade de projetos de vida individuais.

[31] HABERMAS, Jürgen. ‘Acerca do uso pragmático, ético e moral da razão prática’. Op. cit., p. 109. “Aproximamo-nos (…) da perspectiva moral logo que começamos a avaliar as nossas máximas quanto à sua compatibilidade com as máximas dos outros.” Por exemplo, a máxima que me permitiria cometer ocasionalmente um pequeno delito é injusta quando o seu cumprimento geral não é igualmente bom para todos. No plural, o problema da razoabilidade dessas obrigações morais motiva, para Habermas, a transição da moral para o Direito.

[32] HABERMAS, Jürgen. ‘A short reply’, p. 447.

[33] Veja-se ALEXY, Robert. Teoría de los derechos fundamentales. Tradução de Ernesto Garzón Valdés. Madrid: Centro de Estudios Constitucionales, 1997, pp. 133 e 286 e ALEXY, Robert. ‘Sistema jurídico y razón práctica’. In: ALEXY, Robert. El concepto y la validez del derecho y otros ensayos, p. 169. Apesar de dar importância a princípios formais, como o que diz que o legislador democrático deve tomar as decisões importantes para a comunidade, Alexy não procura justificar a existência e a razão de ser das instituições por trás desse princípio. Oferecer essa fundamentação é, em grande parte, o que Waldron se propõe. Veja-se, para isso, WALDRON, Jeremy. Law and disagreement. Oxford: Clarendon Press, 1999 e WALDRON, Jeremy. A dignidade da legislação. Tradução de Luís Carlos Borges. São Paulo: Martins Fontes, 2003.

[34] Veja-se MICHELON JR, Cláudio Fortunato. Op. cit.,  p. 166.

[35] ALEXY, Robert. ‘La tesis del caso especial’. Isegoría, número 21, 1999, p. 27.

[36] ALEXY, Robert. ‘La tesis del caso especial’, p. 28.

[37] Já que “lo justo representa el punto de vista moral universal.” E “su prioridad sólo puede ser justificada mostrando que el punto de vista moral es necesario para todos. Esto puede hacerse reconstruyendo presuposiciones necesarias implícitas en actos de habla elementales, como afirmar, preguntar y argumentar, que resultan inevitables o indispensables para todos.”  ALEXY, Robert. ‘La tesis del caso especial’, p. 28.

[38] A unidade da razão prática ganha contornos um pouco distintos em Habermas. Cf. HABERMAS, Jürgen. ‘Acerca do uso pragmático, ético e moral da razão prática’. In: HABERMAS, Jürgen. Comentários à ética do discurso, p. 117.

[39] ALEXY, Robert. ‘La tesis del caso especial’, p. 29.

[40] HABERMAS, Jürgen. Direito e democracia: entre facticidade e validade, p. 281.

[41] Devo essa idéia ao professor Cláudio Michelon (MICHELON JR, Cláudio Fortunato. Aulas do curso de História do Pensamento Jurídico da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, ministrado no primeiro semestre de 2005). Em sentido semelhante, Alexy salienta que “se os julgamentos têm como base julgamentos de valor e esses julgamentos de valor não são racionalmente fundamentados, então, no mínimo, em muitos casos as convicções normativas, respectivamente as decisões de um grupo profissional formam a base para essa regularização de conflitos, uma base que não pode nem tem mais nenhuma justificação.” ALEXY, Robert. Teoria da argumentação jurídica: a teoria do discurso racional como teoria da justificação jurídica, pp. 20-21.

[42] Como MacCormick coloca: “It is of course possible that judges always or sometimes have subjective reasons motivating them to decide cases as they do which are quite other than the justifying reasons they give. But (…) it is also possible that judges could commit themselves to trying always to give the best justified decision (as they see it) because it is the best justified decision. In that sense, it is possible that we can, and that judges do, consciously model our actions upon rules, principles, and other relevant standards.” MACCORMICK, Neil. Op. cit., p. 270.

[43] ALEXY, Robert. ‘Sistema jurídico, principios jurídicos y razón práctica’, p. 151.

[44] Para uma explicitação do porquê, ver ALEXY, Robert. ‘El concepto y la validez del derecho’. In: ALEXY, Robert. El concepto y la validez del derecho y otros ensayos. pp. 42-43 e ALEXY, Robert. ‘On necessary relations between law and morality’. Ratio Juris, volume 2, número 2, 1989, pp. 178-179.

[45] A idéia subjacente ao método da contradição performativa é explicar o absurdo como resultado de uma contradição entre o que está implícito no ato de fazer uma constituição – que ela é justa – e o que é explicitamente declarado – que ela é injusta. Segundo ALEXY, Robert. ‘The nature of legal philosophy’. Ratio Juris, volume 17, número 2, 2004, p. 164.

[46] ALEXY, Robert. ‘El concepto y la validez del derecho’. In: ALEXY, Robert. El concepto y la validez del derecho y otros ensayos, p. 44 e ALEXY, Robert. ‘On necessary relations between law and morality’, p. 179-180.

[47] ALEXY, Robert. ‘El concepto y la validez del derecho’. In: ALEXY, Robert. El concepto y la validez del derecho y otros ensayos, pp. 41-42. Uma conexão “classificatória” (ou definitória) está em questão se uma norma ou um sistema de normas, que não preenchem um certo critério moral, tem negado seu status de norma jurídica ou de sistema jurídico. Uma conexão “qualificatória” (ou ideal) está em questão se alguém reivindica que uma norma ou um sistema de normas, que não preenchem um certo critério moral, podem ser considerados como uma norma jurídica ou um sistema jurídico, mas são, entretanto, uma norma jurídica ou sistema jurídico falho por razões conceituais. ALEXY, Robert. ‘On necessary relations between law and morality’, pp. 171-172. Há que se ressaltar, no entanto, que, para Alexy (ALEXY, Robert. ‘El concepto y la validez del derecho’. In: ALEXY, Robert. El concepto y la validez del derecho y otros ensayos, pp. 45-46) quando normas isoladas ultrapassam um certo “umbral de injustiça”, podendo ser consideradas “extremamente injustas”, a vinculação entre Direito e moral possui um caráter definitório, ou seja, também o caráter jurídico dessas normas é destruído. Obviamente, como o próprio Alexy assume, isso não é nada mais do que o argumento da injustiça de Radbruch, com seu postulado clássico que “el conflicto entre la justicia y la seguridad jurídica debió resolverse con la primacía del derecho positivo sancionado por el poder, aun cuando por su contenido sea injusto e inconveniente, a no ser que la contradicción de la ley positiva con la justicia alcance una medida tan insuportable, que deba considerarse ‘como falso derecho’ y ceder el paso a la justicia.” RADBRUCH, Gustav. ‘Arbitrariedad legal y derecho supralegal’. In: RADBRUCH, Gustav. Relativismo y derecho. Tradução de Luis Villar Borda. Monografías Jurídicas 82. Santa Fe de Bogotá: Editorial Temis, 1992, p. 35.

[48] Sobre o assunto, ALEXY, Robert. ‘El concepto y la validez del derecho’. Op. cit., p. 40.

[49] ALEXY, Robert.On the thesis of a necessary connection between law and morality: Bulygin’s critique’. Ratio Juris, volume 13, número 2, 2000, p. 142.

[50] Cf. ALEXY, Robert. ‘The nature of legal philosophy’, p. 164.

[51] ALEXY, Robert. ‘Bulygins Kritik des Richtigkeitsarguments’. In: Normative systems in legal and moral Theory: Festschrift für Carlos E. Alchourrón and Eugenio Bulygin. Ed. Ernesto Garzón Valdés et al., 235-50. Berlin: Duncker & Humblot apud BULYGIN, Eugenio. ‘Alexy’s thesis of the necessary connection between law and morality’. Ratio Juris, volume 13, número 2, 2000, p. 135.

[52] Veja-se, nessa linha, o argumento de  Postema: “La propiedad que distingue al derecho de otros ejercicios del poder social es que el derecho – o más bien la parte oficial – pretende autoridad para la formulación de sus diretrices lo mismo que para respaldarlas con la amenaza de la fuerza. (…) Si la parte oficial no puede pretender legitimidad para ella misma, no tenemos base sobre la cual podamos acordarle, ni siquiera de facto, legitimidad. Pero, entonces, hay un sentido directo en el cual la fuerza coactiva institucionalizada no puede ser considerada como derecho.” Postema (1987, p. 92s.) apud GARZÓN VALDÉS, Ernesto. ‘Algo más acerca de la relación entre derecho y moral’. Doxa, número 8, 1990, p. 119.

[53] ALEXY, Robert. ‘On the thesis of a necessary connection between law and morality: Bulygin’s critique’, p. 138. Em sentido semelhante: “Two properties are essential for law: coercion or force on the one hand, and correctness or rightness on the other. The first concerns a central element of the social efficacy of law, the second expresses its ideal or critical dimension.”  ALEXY, Robert. ‘The nature of legal philosophy’, p. 163.

[54] Sobre essas distinções, veja-se mais adiante, 4.2.

[55] ALEXY, Robert. ‘La tesis del caso especial’, p. 25.

[56] Já que “não é permissível nos discursos jurídicos assim como não o é nos discursos práticos gerais afirmar algo e depois se negar a justificá-lo sem dar razões para isso.” ALEXY, Robert. Teoria da argumentação jurídica: a teoria do discurso racional como teoria da justificação jurídica, p. 213. No Direito brasileiro, esse dever está expresso no art. 93, inc. IX da Constituição Federal, arts. 131, 165 e 458, inc. II, do Código de Processo Civil e art. 381, inc. III, do Código de Processo Penal.

[57] Assim, ALEXY, Robert. Op. cit., p. 215. No mesmo sentido, Wieacker: “Nas deliberações substantivas de uma bancada de juízes ou nas discussões científicas de juristas profissionais, a troca de argumentos se torna totalmente o meio para o avanço comum rumo à verdade prática.” WIEACKER, Franz. Zur praktischen Leistung der Rechtsdogmatik, p. 330 apud ALEXY, Robert. Op. cit., p. 276.

[58] Segundo os críticos (basicamente Ulfrid Neumann) da tese de que o Direito não trata de questões práticas, questões jurídicas não seriam práticas, pois são tratadas como teóricas pelos agentes do discurso jurídico, além de serem predeterminadas fortemente pelos precedentes e pela lei. No entanto, como explica Pavlakos, o fato de uma série de restrições limitarem seu tratamento como prática não pode por si só destituir questões jurídicas de seu caráter prático. As questões jurídicas, além do mais, não podem ser tratadas como teóricas, pois essas devem considerar somente fatos empíricos, enquanto questões práticas devem considerar também normas. PAVLAKOS, Georgios. ‘The special case thesis. An assessment of R. Alexy’s discursive theory of law’. Ratio Juris, volume 11, número 2, 1998, p. 128. Para uma defesa do caráter prático, ver também ALEXY, Robert. Op. cit., pp. 319-320.

[59] PAVLAKOS, Georgios. ‘The special case thesis. An assessment of R. Alexy’s discursive theory of law’, p. 133.

[60] A referência, agora, é ao discurso jurídico que acontece num processo judicial, já que, evidentemente, tais limitações não existem numa discussão dogmática ou acadêmica.

[61] Essa flexibilidade da tese do caso especial também foi igualmente criticada (NEUMANN, Ulfrid. Juristische Argumentationslehre. Darmstadt, Wissenschaftliche Buchgessellschaft, 1986, pp. 90-91 apud ATIENZA, Manuel. Op. cit., p. 195). Pois, dependendo das críticas que a ela se dirigem, ora ela se esconde atrás da sua ligação com o discurso prático geral, ora atrás da sua especificidade. Não há porque insistir nesse ponto: a medida da sua especificidade não pode ser calculada. O importante é que as proposições jurídicas erijam uma pretensão de correção, mesmo que limitada.

[62] ALEXY, Robert. A theory of legal argumentation: the theory of rational discourse as theory of legal justification, p. 214.

[63] ALEXY, Robert. Teoria da argumentação jurídica: a teoria do discurso racional como teoria da justificação jurídica, p. 217.

[64] Nesse sentido, ALEXY, Robert. ‘La tesis del caso especial’, p. 26.

[65] ALEXY, Robert. ‘Resposta a alguns críticos’, 1996, p. 324. Esse trabalho integra o posfácio da edição em português de ALEXY, Robert. Teoria da argumentação jurídica: a teoria do discurso racional como teoria da justificação jurídica.

[66] ATIENZA, Manuel. Op. cit., p. 197. Atienza, dessa forma, se une à antiga posição de Habermas, que igualmente via no processo judicial uma ação estratégica, ao invés de um discurso. Quanto ao último, embora no seu “Teoria da ação comunicativa” tenha mudado de opinião (“R. Alexy me ha convencido de que las argumentaciones jurídicas, en todas sus acuñaciones institucionales, han de entenderse como un caso especial de discurso práctico.” HABERMAS, Jürgen. Teoría de la acción comunicativa: racionalidad de la acción y racionalización social. Tradução de Manuel Jimenéz Redondo. 4. ed. Taurus, 1987, p. 60), na sua obra “Direito e democracia: entre facticidade e validade” acaba criticando a tese do caso especial e aderindo à tese de Klaus Günther (veja-se HABERMAS, Jürgen. Direito e democracia: entre facticidade e validade, pp. 144 e 289), que distingue discursos de justificação de discursos de aplicação

 (veja-se GÜNTHER, Klaus. ‘A normative conception of coherence for a discursive theory of legal justification’. Ratio Juris, volume 2, número 2, pp. 155-166, 1989). As críticas de Günther e no que elas afetam a tese do caso especial não serão abordadas aqui. Para isso, veja-se GÜNTHER, Klaus. ‘Critical remarks on Robert Alexy’s “special-case thesis”’. Ratio Juris, volume 6, número 2, pp. 143-156, 1993.

[67] ALEXY, Robert.Resposta a alguns críticos’, p. 324.

[68] Conforme ALEXY, Robert. Op. cit., p. 324. É possível, aqui, fazer uma analogia com o que Alexy fala sobre a fundamentação das regras do discurso: “Quien ingresa en el discurso simplemente por razones estratégicas tiene tan sólo que hacer como si aceptase la libertad y la igualdad  de los otros como partes en el discurso. Sin embargo, ésta sería una objeción sólo si uno tuviera que considerar la creación de una motivación que, por su contenido, respondiera a las reglas del discurso como elemento constitutivo necesario de una fundamentación de reglas del discurso. Pero tal no es el caso. También el ámbito del discurso puede distinguirse entre una validez subjetiva, es decir, referida a la motivación, y una objetiva, es decir, referida al comportamiento externo.” ALEXY, Robert. ‘El concepto y la validez del derecho’. In: ALEXY, Robert. El concepto y la validez del derecho y otros ensayos, p. 149. O mesmo se aplica no âmbito de um processo: a parte não precisa, subjetivamente, ser motivada pela correção; mas deve comportar-se como se fosse, devido a ligação objetiva dessa pretensão ao discurso jurídico. O mesmo se aplica a fundamentação da sentença por um juiz.

[69] Para Pavlakos essa crítica está correta, mas não afeta a tese do caso especial. Isso porque, segundo ele, em sociedades modernas não há discussão ou procedimento comunicativo puramente prático; todos esses tipos de comunicação tomam lugar dentro de dadas instituições que permitem o uso de argumentos estratégicos. Simultaneamente, contudo, todos esses tipos de ações comunicativas estão estruturadas de acordo com o ideal do discurso prático e precisamente neste sentido eles constituem casos especiais do discurso prático geral. PAVLAKOS, Georgios. Op. cit., p. 151.

[70] Assim, se uma decisão é justa quando está de acordo com o Direito, e este tem um caráter autoritário e um ideal (veja-se a seguir, 4.2), ser justo é cumprir plenamente essas duas características: ser de acordo com a lei (aspecto autoritário) e de acordo com a moral (aspecto ideal). Isso significa preencher o caráter duplo da pretensão de correção.

[71] ALEXY, Robert. Teoria da argumentação jurídica: a teoria do discurso racional como teoria da justificação jurídica, p. 214.

[72] ATIENZA, Manuel. Op. cit., p. 199.

[73] ALEXY, Robert.Resposta a alguns críticos’, p. 323.

[74] O que o positivismo insiste, portanto, não é que não possa haver conexão fática entre uma ou outra norma jurídica e uma norma moral, mas sim que o Direito não precisa ser moralmente correto para ser Direito. “O positivismo não é a doutrina que separa o Direito da moral, só afirma que eles não se acham necessariamente vinculados.” GARCÍA FIGUEROA, Alfonso. ‘La tesis del caso especial y el positivismo jurídico’, p. 203.

[75] É importante, desde logo, esclarecermos o ponto de vista pelo qual analisaremos a conexão conceitual entre Direito e moral pois, como muito acertadamente diz Alexy, “en la polémica acerca de las relaciones necesarias entre derecho y moral se trata de una serie de aseveraciones diferentes.(…) A menudo, sus participantes no reconocen que la tesis que ellos defienden es de un tipo totalmente distinto al de la tesis que atacan, es decir, que mantienen diálogos paralelos.” ALEXY, Robert. ‘El concepto y la validez del derecho’. In: ALEXY, Robert. El concepto y la validez del derecho y otros ensayos, p. 33. Segundo ele, caso se analisasse todos os pontos de vista possíveis, chegaríamos a 64 teses sobre a conexão ou não entre Direito e moral. Aqui se analisará somente a questão de se há uma conexão conceitualmente necessária desde a perspectiva do participante (do ponto de vista interno, por exemplo, o de um juiz).

[76] ALEXY, Robert. ‘On necessary relations between law and morality’, p. 180.

[77] Cf. ALEXY, Robert. ‘La tesis del caso especial’, p. 32.

[78] BULYGIN, Eugenio. ‘Alexy’s thesis of the necessary connection between law and morality’, p. 134. Para um argumento semelhante, TUORI, Kaarlo. ‘Etica discursiva y legitimidad del derecho’. Doxa, número 5, pp. 47-67, 1988, p. 49.

[79] Cf. ALEXY, Robert. ‘El concepto y la validez del derecho’. In: ALEXY, Robert. El concepto y la validez del derecho y otros ensayos, p. 82. “Law’s claim to correctness is on no account identical with the claim to moral correctness, but it includes a claim to moral correctness.” ALEXY, Robert. ‘On the thesis of a necessary connection between law and morality: Bulygin’s critique’, p. 146.

[80] ALEXY, Robert. Op. cit., p. 143.

[81] Nesse sentido, ALEXY, Robert. Op. cit., p. 144. Por outro lado, toda e qualquer moralidade conectada ao Direito possui, mesmo que implicitamente, ideais discursivos e universalistas. É importante entender o pensamento de Alexy dentro da estrutura de uma era pós-metafísica, que “não pode recuperar todo o potencial semântico do que foi outrora concebido pelas éticas clássicas como sendo justiça evangélica ou cósmica.” HABERMAS, Jürgen. ‘Justiça e solidariedade. Para uma discussão acerca do “estádio 6”’. In: HABERMAS, Jürgen. Comentários à ética do discurso, p. 73, e em que o mundo, para usar uma expressão consagrada, sofreu um “desencantamento”, e está despido de qualquer explicação metafísica ou religiosa. A ruptura com tal ordem abre a possibilidade para a realização do que Habermas e Alexy chamam de “potencial de razão”. Tal potencial encontra-se mais plenamente realizado, portanto, na sociedade moderna, daí a tendência em ver o Estado Constitucional Democrático, como (a expressão é de TUGENDHAT, Ernst. ‘Zur Entwicklung von moralischen Begründunsgsstrukturen in modernen Recht’. In: A.R.S.P., nova série, caderno 14, 1980, p. 4 apud ATIENZA, Manuel. Op. cit., p. 204) “o melhor de todos os mundos jurídicos imagináveis” (sobre essa idealização em Alexy: ATIENZA, Manuel. ‘Entrevista a Robert Alexy’. Doxa, número 24, 2001, p. 685). O fato de o Direito estar conectado com a idéia de uma moral correta e potencialmente universalista e esta ligação ser mais visível no Estado Constitucional Democrático parece ser aceito de bom grado por Alexy, quando ele afirma que essa  moralidade universalista “is directly valid for modern legal systems and possibly justifiable for pre-modern legal systems within the frame of a normative theory of legal evolution.” Veja-se ALEXY, Robert. ‘On necessary relations between law and morality’, pp. 180-181. Isso não depõe necessariamente contra a tese de Alexy. A semelhança entre a  sua visão idealizada com a era de origem de sua teoria não é, de maneira nenhuma, um argumento quanto à correção dessa teoria. O que importa na crítica de uma teoria, unicamente, é se ela está certa ou não: explicações históricas, psicológicas e sociológicas, embora possam justificar o início de um debate sobre a teoria em questão, são marginais às investigações quanto à correção da mesma (esse é também o argumento de Dworkin contra as teorias “desmascaradoras”. Cf. BIX, Brian. ‘Questões na interpretação jurídica’. In: MARMOR, Andrei. Direito e interpretação: Ensaios de filosofia do direito. Tradução de Luís Carlos Borges. São Paulo: Martins Fontes, 2004, p. 222).

[82] Veja-se ALEXY, Robert. ‘El concepto y la validez del derecho’. In: ALEXY, Robert. El concepto y la validez del derecho y otros ensayos, pp. 84-85.

[83] Entre outros, veja-se ATIENZA, Manuel. Op. cit.,  p. 684.

[84] RADBRUCH, Gustav. Op. cit., p. 36. Garzón Valdés argumenta em um sentido semelhante: “no es posible excluir del concepto de derecho (existente, positivo) su vinculación con la moral, si es que se lo quiere entender tal como es y como funciona en la realidad.” GARZÓN VALDÉS, Ernesto. ‘Algo más acerca de la relación entre derecho y moral’, p. 121. Sobre as conseqüências práticas da conexão conceitual entre Direito e moral, ALEXY, Robert. Op. cit., pp. 14-19 e ALEXY, Robert. ‘La tesis del caso especial’, p. 32.

[85] Já que a teoria da argumentação pressupõe alguma teoria do Direito e alguma teoria sobre as relações conceituais entre Direito e moral. E, como salienta Garcia Figueroa, “a pesar de que conceptualmente una teoría de la argumentación jurídica no es incompatible con una teoría positivista del derecho, de hecho la tesis del caso especial ha reforzado la vinculación conceptual de derecho y moral y, en este sentido, ha sido tendencialmente antipositivista.” GARCÍA FIGUEROA, Alfonso. ‘La tesis del caso especial y el positivismo jurídico’, p. 197.

[86] Enquanto MacCormick parte da justificação de decisões judiciais para então elaborar uma teoria da argumentação jurídica que ele acaba por considerar como parte de uma teoria geral da argumentação prática, Alexy parte de uma teoria da argumentação prática geral para projetá-la sobre o Direito.  Porém, enquanto MacCormick desenvolve sua teoria no seio de uma teoria positivista do Direito hartiana (“La visión del razonamiento jurídico se muestra esencialmente hartiana, basada em el análisis del concepto de Derecho hartiano o al menos plenamente compatible com éste.” MACCORMICK, Neil. Op. cit., p. xiv, apud GARCÍA FIGUEROA, Alfonso. ‘El “derecho como argumentación” y el derecho para la argumentación. Consideraciones metateóricas en respuesta a Isabel Lifante’. Doxa, número 24, 2001, p. 633), Alexy procura, em artigos posteriores, inserir sua teoria de argumentação numa teoria discursiva do Direito. Contudo, é importante ressaltar que o próprio MacCormick, em escritos recentes, tem mudado sua posição. Conforme esclarece Garcia Figueroa, no prólogo a “Legal Reasoning and Legal Theory”, revisado em 1994, “MacCormick pone de relieve que sus planteamientos inicialmente positivistas hartianos se han visto matizados en los últimos años. En ese mismo prólogo el profesor escocés señala que Alexy y Habermas le han convencido de la vinculación entre la razón práctica discursiva y el razonamiento jurídico.” GARCÍA FIGUEROA, Alfonso. ‘La tesis del caso especial y el positivismo jurídico’, p. 206. MacCormick, na verdade, como já é reconhecido e inclusive por ele assumido, conceitualizou uma intuição muito semelhante à de Alexy com relação à ligação entre argumentação jurídica e argumentação prática, o que já era visível na sua obra mais famosa (veja-se, para isso, o capítulo X, onde ele diz explicitamente: “legal reasoning is a special, highly institutionalized and formalized, type of moral reasoning.” MACCORMICK, Neil. Op. cit., p.  272).

[87] Alexy, ao mesmo tempo em que aceita essa distinção, considera os princípios de forma diferente de Dworkin. Tais diferenças não serão levantadas aqui. Sobre a evolução da distinção entre princípios e regras, veja-se ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 4. ed. São Paulo: Malheiros, 2004, pp. 26-31.

[88] Uma análise mais aprofundada pode ser encontrada em ALEXY, Robert. Teoría de los derechos fundamentales. pp. 81-135.

[89] ALEXY, Robert. Op. cit., p. 83.

[90] “En tanto sistema de normas, el sistema jurídico es un sistema de resultados o productos de procedimients de creación de normas, cualesquiera que sean sus características.” ALEXY, Robert. ‘El concepto y la validez del derecho’. In: ALEXY, Robert. El concepto y la validez del derecho y otros ensayos, p. 31.

[91] “Como un sistema de procedimientos, el sistema jurídico es un sistema de acciones basadas en reglas y guiadas por reglas, a través de las cuales las normas son promulgadas, fundamentadas, interpretadas, aplicadas e impuestas.” ALEXY, Robert. Op. cit., p. 31.

[92] ALEXY, Robert. ‘Resposta a alguns críticos’, p. 306.  Talvez não seja a visão de Alexy, mas o fato é que ele passa ao largo de outro fator importante para resolver o problema da fraqueza da vontade: a força da socialização, tão ressaltada pela ética do discurso. O Direito, evidentemente, permanece como ultima ratio, mas dificilmente ele consegue estabilizar por si próprio uma sociedade de sujeitos que só são motivados a fazer o que é certo devido ao medo de uma sanção. Além de contextos normativos são necessários, como saliente Habermas, “processos complementares de socialização e de identidade”, caso contrário, “um juízo moral aceite como válido só poderá assegurar uma coisa: o destinatário inteligente tem, então, consciência de que não tem boas razões para agir de outra forma.” HABERMAS, Jürgen. ‘Comentários à ética do discurso’. In: HABERMAS, Jürgen. Comentários à ética do discurso, p. 134.

[93] Veja-se ALEXY, Robert. ‘Una concepción teórico-discursiva de la razón práctica’. In: ALEXY, Robert. El concepto y la validez del derecho y otros ensayos, pp. 152-155.

[94] Para Alexy, é por isso que “la teoría del discurso puede alcanzar importancia práctica sólo si es inserta en una teoría del derecho.” ALEXY, Robert. Op. cit., p. 151. Veja-se também HABERMAS, Jürgen. ‘Justiça e solidariedade. Para uma discussão acerca do “estádio 6”’. In: HABERMAS, Jürgen. Comentários à ética do discurso, p. 63.

[95] Aqui em sentido estrito, no sentido de argumentação da dogmática jurídica.

[96] “Une procédure est à considérer comme ‘institutionnalisée’ si elle a été réglée par des normes juridiques, de telle manière que l’aboutissement à un résultat définitif est assuré et que celui-ci est juridiquement obligatoire.” ALEXY, Robert. ‘Idée et structure d’un système du droit rationnel’. Archives de Philosophie du Droit, tome 33, 1988, p. 31.

[97] É possível refinar o argumento dos 4 níveis do Direito de Alexy. Como já foi anteriormente reforçado, discurso prático geral deve ser entendido mais como argumentação prática geral, ou argumentação moral (com a ressalva do ponto 2.2), bem como discurso jurídico, como argumentação jurídica. Da mesma forma que Alexy distingue discurso jurídico enquanto tal, ou argumentação da dogmática jurídica (discussões acadêmicas, doutrina) do discurso jurídico que ocorre no âmbito de um processo, é possível distinguir discurso prático geral enquanto tal (que ocorre nos mais diversos âmbitos da sociedade) do discurso prático geral que ocorre no âmbito da criação estatal de normas. Sempre no segundo momento a diferença é que uma decisão deve ser tomada, e daí a necessidade seja de regras processuais, seja de regras de criação legislativa (limitação de tempo, prazos, regra da maioria…). É importante ressaltar que o tipo de condições limitadoras é distinto caso fale-se de regras que impõem a necessidade de uma decisão ou das condições a que está submetido o discurso jurídico como um todo. Tanto a técnica legislativa como as regras de ordem processual são um mesmo tipo de limite, diferente do limite ao qual o discurso jurídico como um todo está submetido. As primeiras são limites, mas formais, que garantem um caráter institucional, mas não de especialidade.

Na criação estatal as condições limitadoras são definidas pela necessidade de decisão, embora o argumento seja livre; no discurso jurídico, além das limitações processuais no processo, ele, como um todo, apresenta um horizonte argumentativo reduzido para as partes, ou seja, ele está limitado também pelo tipo de argumento que pode ser utilizado, que deve ser jurídico (embora os argumentos práticos gerais não sejam proibidos; mas eles entram, embora livres, ou não institucionalizados, sob formas e condições especiais, como será mais bem explicado no próximo ponto).  O discurso jurídico, portanto, é constitutivamente restrito pelas condições limitadoras (lei, precedentes, dogmática), e daí seu caráter especial. Caso contrário, a criação estatal do direito deveria ser considerada um caso especial do discurso prático geral e o processo um caso especial do discurso jurídico em sentido estrito.

[98] “Uma das tarefas da teoria do discurso é investigar como (…) a possibilidade do argumento racional pode ser melhorada na presença de condições limitadoras.” ALEXY, Robert. Teoria da argumentação jurídica: a teoria do discurso racional como teoria da justificação jurídica, p. 108. Um dos melhores modos para ver-se de que forma as condições limitadoras podem melhorar a busca de uma solução adequada é investigando o papel da dogmática jurídica. Para isso, veja-se o ponto 4.3.

[99] Dito de outra forma, “para a tese do caso especial isso significa que o discurso jurídico não é uma variante do discurso prático, que é exigida para sanar as falhas do sistema jurídico racional. Muito mais ele é em sua estrutura um elemento necessário realizado da racionalidade discursiva.” ALEXY, Robert. ‘Resposta a alguns críticos’, p. 322.

[100] Aqui, de novo, MacCormick, que expressa uma visão semelhante: “There must be a unity in practical reason as well as a diversity in its particular operation in special contexts.” MACCORMICK, Neil. Op. cit., p. 274.

[101] ALEXY, Robert. ‘Idée et structure d’un système du droit rationnel’. Archives de Philosophie du Droit, tome 33, 1988, p. 38.

[102] O que também está por trás dessa distinção entre caráter real e ideal é que, se quisermos dar conta do fenômeno jurídico, devemos não vê-lo somente como algo pronto, acabado, coisificado, independente dos processos que dão lugar a sua criação. Nas palavras de Lifante Vidal: “Al desatender el aspecto dinámico del Derecho (…), se olvida que un rasgo esencial de las prácticas sociales es precisamente que se encuentran permanentemente en construcción”. LIFANTE VIDAL, Isabel. ‘Una crítica a un crítico del “no positivismo”. A propósito de “la tesis del caso especial y el positivismo jurídico”, de Alfonso García Figueroa’. Doxa, número 23, 2000, p. 726.

[103] A expressão é de PERELMAN, Chaïm. Ética e direito. Tradução de Maria Ermantina Galvão. São Paulo: Martins Fontes, 1996, p. 281.

[104] Sobre a oscilação da argumentação jurídica entre rigidez e arbitrariedade, veja-se ATRIA, Fernando. The irony of legal positivism (inédito), pp. 16-19.

[105] A incerteza quanto a uma definição clara de discurso prático geral também se reflete no conceito de argumento prático geral. Segundo Alexy: “los argumentos prácticos generales son argumentos no institucionales.” ALEXY, Robert. ‘La tesis del caso especial’, p. 34. Isso é um tanto vago. O conceito fica mais claro ao deslindar-se onde eles são necessários. Segundo Alexy (ALEXY, Robert. Teoria da argumentação jurídica: a teoria do discurso racional como teoria da justificação jurídica, p. 266), a argumentação prática geral pode ser requerida (1) na justificação de premissas normativas necessárias para satisfazer as diferentes formas de argumento, (2) na justificação de uma escolha entre diferentes formas de argumento que levam a diferentes resultados, (3) na justificação e exame de proposições da dogmática jurídica, (4) na justificação de quaisquer casos de distinguir ou prevalecer, e (5) diretamente na justificação de afirmações usadas na justificação interna. Poderia-se ainda adicionar que argumentos práticos gerais são particularmente importantes no processamento de balanceamento de princípios: “moral arguments enter the realm of legal discourse every time that someone undertakes a weighing of principles in order to state what is postulated within a legal system.” PAVLAKOS, Georgios. Op. cit., p. 149. Argumentos práticos gerais, portanto, devem ser entendidos mais como “dogmas práticos”, que são necessários sempre que são feitos julgamentos de valor, que não podem ser derivados do material normativo. Mas eles igualmente são necessários mesmo onde há material normativo anterior. Isso fica mais evidente, por exemplo, na análise e crítica de conceitos da dogmática jurídica, como legítima defesa, terceiro, dever de informar, boa-fé… A abertura para argumentos práticos gerais é constitutiva de tais conceitos e, em todos esses casos, somente (ou principalmente) através desses argumentos é que é possível esclarecê-los, criticá-los e reformulá-los (veja-se ALEXY, Robert. Op. cit., p. 250).

[106] “Los argumentos no institucionales que están inmersos en las instituciones pueden ser insertados, integrados y especificados tanto como se quiera, siempre y cuando continúen conservando lo que es esencial para ese tipo de argumentos: su carácter libre y no institucional.” ALEXY, Robert. ‘La tesis del caso especial’, p. 34. Embora tais argumentos sejam inseridos “tanto como se quiera”, eles não conformam, por si só, a decisão. Eles complementam e muitas vezes são imprescindíveis, mas a argumentação jurídica é caracterizada pelo uso e pela decisão a partir de argumentos especificamente jurídicos, sempre que possível.

[107] Um exemplo da tese da integração é a regra J.10, do seu código de razão jurídica: “toda proposição dogmática tem de ser justificada recorrendo-se ao menos a um argumento prático geral sempre que seja objeto de dúvida.” ALEXY, Robert. Teoria da argumentação jurídica: a teoria do discurso racional como teoria da justificação jurídica, p. 252.

[108] “Si l’on ne peut trouver une réponse à ces questions à l’aide des moyens spécifiques du droit, il ne reste que le recours au discours pratique général.” ALEXY, Robert. ‘Idée et structure d’un système du droit rationnel’, p. 33. Em sentido semelhante: “moral reasons can and must participate in the justification of legal decisions when authoritative reasons run out.” ALEXY, Robert. ‘The nature of legal philosophy’, p. 165. A questão de se tais julgamentos de valor tomados sem referência ao material normativo autoritativamente fixado são passíveis de controle e justificação racional é a questão central do “Teoria da Argumentação Jurídica”. Esse problema não será debatido em detalhes aqui, mas para Alexy esse controle pode ser feito ao que ele chama de código de razão jurídica, que se situa no interior de um, mais amplo, código de razão prática. Nesse sentido, ver ALEXY, Robert. Teoria da argumentação jurídica: a teoria do discurso racional como teoria da justificação jurídica, pp. 293-299. Para uma crítica do código de razão jurídica, DWARS, Ingrid. ‘La rationalité du discours pratique selon Robert Alexy’. Archives de Philosophie du Droit, tome 32, 1987, p. 302.

[109] A falibilidade do Direito evidencia não só o seu caráter dinâmico, como também, como aponta Peczenik, o faz moralmente aceitável: “whoever eliminates defeasibility from the law, must end up with a law open to moral criticism.” PECZENIK, Aleksander. ‘A theory of legal doctrine’. Ratio Juris, volume 14, número 1, 2001, p. 87.

[110] ALEXY, Robert. ‘El concepto y la validez del derecho’. In: ALEXY, Robert. El concepto y la validez del derecho y otros ensayos, p. 126.

[111] MacCormick procura resolver essa tensão exatamente através da tese do caso especial. Veja-se MACCORMICK, Neil. ‘Retórica y estado de derecho’. Isegoría, número 21, pp. 5-21, 1999.

[112] Carta de Lessing para Mendelssohn de 9 de janeiro de 1771 apud STRAUSS, Leo. Natural right and history. Chicago: The University of Chicago Press, 1953, p. 22.

[113] ALEXY, Robert. Teoria da argumentação jurídica: a teoria do discurso racional como teoria da justificação jurídica, pp. 252-257.

[114] Em sentido semelhante, Jeremy Waldron coloca que o jurista não se aproxima de seu tópico como se ele fosse iniciar a discussão a partir do “Year Zero”: “more often (…), jurist identify a number of fixed points of existing doctrine which a good account (…) of the law must ‘fit’.” WALDRON, Jeremy. Law and disagreement, p. 5.

[115] Muito pelo contrário: eles são sempre “derrotáveis” (defeasible). Isso porque a realidade que o Direito procura ordenar está em constante mudança, e continuamente produz casos difíceis, onde uma exceção à palavra da lei parece ser razoável. Como coloca muito bem Peczenick: “The main source of the defeasibility of legal rules is that our moral reason – which is behind all law – has a spontaneous capacity to find exceptions from old rules, once life confronts us with new situations.” PECZNENIK, Aleksander. Op. cit., p.  88.

[116] ALEXY, Robert. Op. cit., p. 253. Em sentido semelhante, o princípio da inércia de PERELMAN, Chaïm. Op. cit., passim.

[117] ALEXY, Robert. ‘Sistema jurídico y razón práctica’. In: ALEXY, Robert. El concepto y la validez del derecho y otros ensayos, p. 176. Em outras tradições esse fato também é reconhecido: “la razón práctica versa acerca de lo operable, que es singular y contingente, pero no acerca de lo necesario, que es objeto propio de la razón especulativa. De aquí que las leyes humanas no puedan gozar de la infalibilidad que tienen las conclusiones demostrativas de las ciencias. Pero no es necesario que toda medida sea completamente cierta e infalible; basta que lo sea en el grado posible dentro de su determinado orden de cosas.” TOMÁS DE AQUINO, Suma teologica, I-II, q. 91, a.3, ad tertium. Para uma discussão mais aprofundada das semelhanças e diferenças entre São Tomás de Aquino e Alexy, RENTTO, J. –P. Op. cit.

[118] ALEXY, Robert. ‘Sistema jurídico y razón práctica’. In: ALEXY, Robert. El concepto y la validez del derecho y otros ensayos, p. 176.

[119] Recorrendo ao paradigma que sustentou esse artigo, a ética do discurso, é interessante notar que Habermas aponta a moral como fonte de equilíbrio dessa extrema vulnerabilidade de sujeitos que se individuam a medida que se socializam. “As interacções sociais que formam o Eu também o ameaçam – através das dependências em que ele se implica e das contingências a que ele se expõe.” HABERMAS, Jürgen. ‘Lawrence Kohlberg e o neo-aristotelismo’. In: HABERMAS, Jürgen. Comentários à ética do discurso, p. 96. É nesse sentido que é possível entender a moral “como um dispositivo de proteccção que compensa uma vulnerabilidade estruturalmente instalada em formas de vida socio-culturais.” HABERMAS, Jürgen. ‘As objecções de Hegel a Kant também se aplicam à ética do discurso?’. In: HABERMAS, Jürgen. Comentários à ética do discurso, p. 18.

[120] Embora, e esse foi um dos principais pontos debatidos neste artigo, o Direito possua elementos que reduzem (embora não eliminem) essa incerteza, como as condições limitadoras citadas e o fato de a argumentação jurídica ocorrer em formas especiais, segundo regras especiais e em condições especiais.

Como citar e referenciar este artigo:
, Eduardo Augusto Pohlmann. O discurso jurídico como um caso especial do discurso prático geral: uma análise da teoria discursiva do Direito de Robert Alexy. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2008. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/filosofiadodireito/o-discurso-juridico-como-um-caso-especial-do-discurso-pratico-geral-uma-analise-da-teoria-discursiva-do-direito-de-robert-alexy/ Acesso em: 19 abr. 2024