Filosofia do Direito

Goethe e o Andrógino

05/06/2011

É
essencial compreender o simbolismo do andrógino na obra FAUSTO, de Goethe, para
captar o simbolismo do poema. Vimos em artigos anteriores que o livro é um
épico que cantou o mal em toda sua extensão, daí porque é o cântico de louvor
por excelência da modernidade. A honestidade intelectual de Goethe se agiganta
e ele nada oculta de suas intenções, até porque ele fazia a crônica dos tempos.
O cântico ao mal ésobretudo o cântico ao seu símbolo maior, o microcosmo
(Fausto, o personagem, recebe a alcunha de Dom Microcosmo, enquanto
Mefistófeles a de Dom Satã).

A
representação do microcosmo é o pentragrama, cuja imagem se tornou o estandarte
da modernidade e, desde o século XVIII, se espalhou e ocupou lugar de destaque em toda parte. O comunismo tem no
pentagrama seu signo indissociável. Nós próprios vimos acontecer no Brasil essa
troca dos símbolos sagrados pelo do Inimigo na Proclamação República. O Escudo
Imperial, que tinha na cruz a sua marca, foi substituído pelo Escudo da
República. O microcosmo irradiando sua marca a partir do símbolo máximo do
Estado que então se formou no pentagrama que ocupa toda sua área. No momento o
partido governante tem também no microcosmo o signo de sua presença no poder.

Na
expressão épica da poesia de Goethe vemos que essa tentativa de tornar o homem
(e o diabo) o centro da criação, no lugar de Deus, está associada à simbólica
alquímica do solve et coagula (dissolve e combine), o Rebis que se expressa na
união entre o Rei e a Rainha. O solve exprime é a própria rebelião contra a
Criação (a negação) e ocoagula a arrogância perfectbilista do homem no lugar de
Deus. Note-se que aqui não se trata da união entre dois seres de sexos oposto,
separados pela vontade de Deus, mas a do suposto princípio masculino e feminino
que se encontra em cada indivíduo. É uma espécie de casamento interior, que se
expressa também num ato físicomasturbatório, que o personagem Fausto pratica em
vários momentos durante a narração do poema, particularmente importante quando
ele desce ao Reino das Mães e tem nas mãos a própria chave lhe dada por
Mefistófeles, que afinal é seu próprio falo, sua própria potência vital. É daí
que nascerá a figura feminina de Helena, personagem central do drama fáustico.

Assim,
ao ascético cristianismo, que procura respeitar e contemplar a Criação e ter
por orientação os ensinamentos sagrados contidos nas Escrituras, com sua moral
estrita e conduta sexual que supõe o homem e a mulher criados por Deus enquanto
opostos complementares, os modernos irão construir uma cosmologia e uma
moral oposta, produto na negação, e
dentro desse processo a androginia – e a sua expressão prática, o
homossexualismo militante – será a sua manifestação mais aguda. E não se diga
que isso é de hoje. No século XX vimos chegar o seu auge. A figura emblemática
de Thomas Mann (e sua obra), que imita e tem em Goethe o guia artístico e
espiritual, descreve como isso aconteceu na máxima dimensão. A tragédia pessoal
de Mann é a do homem fáustico e o homossexualismo está presente na sua vida
como libido dominante, na temática da sua obra e também na vida dos seus
filhos. A tragédia pessoal de Thomas Mann e da Alemanha se confundem, que é a
tragédia predita na obra de Goethe (esse é um assunto, vida e obra de Thomas
Mann, que no momento estudo com afinco e, no momento oportuno, irei abordá-lo
com mais detalhes. A obra e a vida do homem de Lubbeck como espelho e crônica
da tragédia do século XX).

A
ânsia alquímica de aperfeiçoar a natureza, a própria Criação, é o escudo da
entidade que preside os cultos satânicos das sociedades secretas, Baphomet. Seu
lema – solve etcoagula – é essa manifestação da vontade demoníaca de
perfetctibilismo, dando materialização simbólica. Negar tudo que vem de Deus
para recriar: a construção da Segunda Realidade é vislumbrada por Cervantes no
magnífico Dom Quixote. Esta obra só foi lida por Thomas Mann quando já estava
no exílio, a bordo do navio que o levaria à América pela primeira vez, aos 59
anos. Naquele instante o curso da obra do autor foi modificado e vieram então
suas criações máximas, o DOUTOR FAUSTO e
o notável O ELEITO.

[Há
um elo entre a figura de Baphomet e o islã. A própria palavra teria sido uma
corruptela de Maomé. Veja-se que o microcosmo é uma estilização do Crescente,
expresso na forma minimalista da estrela cadente, a Vênus. Não podemos perder
de vista que o islamismo é uma seita gnóstica cristã, nascida para negar a
ortodoxia. Isso também foi percebido por Cervantes, cuja obra é a denúncia do
domínio do islamismo sobre o território cristão, inclusive e sobretudo na
dimensão do poder de Estado. O Estado moderno nasceu modelado pelo Estado
islâmico, que é deificado como a própria manifestação sagrada, fazendo dele um
substituto de Deus. Cervantes foi profético. É de se notar que a contribuição à
ocidentalização do islamismo se dá na transferência da lei do Corão para a constituição nascida da vontade de Dom
Microcosmo, o próprio homem moderno. A lei positiva passará então é ter a força
da lei natural, em oposição ao Direito
Romano fundado em Aristóteles que vigia até então.]

Em
artigo anterior (Os Filhos de Fausto) procurei mostrar que há um elo entre os
três nascimentos narrados no poema: o filho humano de Fausto com Gretchen
assassinado pela própria mãe, o filho da filosofia alquímica, traduzido
magistralmente no personagem Homúnculo, que sucumbe por não ter como sobreviver
no universo manifesto, e o filho de Helena e Fausto, um ser inflado que se
confunde com Eros e com Mercúrio, o próprio Baphomet. Ele tem a psicologia do
próprio Hitler avant lalettre, o ego inflado e desprovido de condições de
sobrevivência. Ele se precipita de sua altura alucinada, do seu “sonho
impossível” (como não evocar Cervantes?) de grandeza, que é de crueldade, de
maldade, de tudo que não presta. Ao morrer deixa de herança a Fausto sua pele
de serpente, que eram sua vestes. Esta identificação com o mal é um dos
momentos mais criativos da peça. “Esses gracejos muito sérios”, como ao Fausto
se referiu Goethe, não deixaram nada de fora da dimensão trágica dos tempos
modernos.

Sublinho
aqui como se deu o nascimento Eufórion. O intercurso entre Fausto e Helena
ocorre na “Gruta”, em oposição à concepção do filho natural de Fausto,
precedido de seu delírio amoroso na “Floresta e Gruta”. O segundo símbolo é uma
expressão para se referir à genitália feminina. O primeiro é claramente uma referência
ao coito anal. Afinal, Helena e Mefistófeles são um único e mesmo ser e no
momento do intercurso Mefisto estava fantasiado de Fórquia, o horrendo ser
hermafrodita. Goethe nos conta de maneira assaz realista que Eufórion é
concepção alquímica de Fausto em coito homossexual, possuído pelo próprio
diabo. É esse o filho da modernidade, é a própria modernidade. Por isso que a
agenda da causa gay é a decorrência natural dos tempos modernos e o renascer
fortalecido das idéias dos albingenses, destacas na obra deHilaire Belloc
resenhada por mim (AS GRANDES HERESIAS). Recupero aqui a citação que sublinhei
na resenha, referindo-se ao albingenses:

“Todos
os sacramentos foram abandonados. Em seu lugar, um estranho ritual foi adotado,
que envolvia a adoração do fogo, chamado ‘a consolação’, por meio do qual
acreditava-se que a alma era purificada. A propagação da espécie humana foi
atacada; o casamento era condenado e os líderes da seita espalhavam todo tipo
de extravagâncias que se podem encontrar pairando sobre o maniqueísmo e o
puritanismo, onde quer que apareçam. O
vinho é mal, a carne é má, a guerra era sempre absolutamente má, e assim também
a pena capital; mas um pecado sem perdão era a reconciliação com a Igreja Católica”.

Hoje
em dia essa agenda integral está na ordem do dia. A procriação humana é tida
como indesejável, como ecologicamente incorreta, como empobrecedora (reduz a
renda per capta), como a fonte do mal. Daí provêm políticas como a do aborto,
dogaysismo, do ambientalismo e toda militância contra as coisas sagradas. Era
assim no início do século XX, como registrado por Thomas Mann, e deu no que
deu. O que nos espera agora, no momento em que a mesma agenda está na ordem do
dia? Vivemos tempos de grandes perigos.

*
José Nivaldo Cordeiro, Executivo, nascido no Ceará. Reside atualmente em São
Paulo. Declaradamente liberal, é um respeitado crítico das idéias coletivistas.
É um dos mais relevantes articulistas nacionais do momento, escrevendo artigos
diários para diversos jornais e sites nacionais. É Diretor da ANL – Associação
Nacional de Livrarias.

Como citar e referenciar este artigo:
CORDEIRO, José Nivaldo. Goethe e o Andrógino. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2011. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/filosofiadodireito/goethe-e-o-androgino/ Acesso em: 29 mar. 2024