Filosofia do Direito

Goethe e o Peregrino

29/05/2011

No Quinto Ato do FAUSTO Goethe introduz a figura do Peregrino que, no
meu modesto entendimento, não é outro que não o próprio autor. Goethe tinha
plena consciência de que tinha, com o poema, feito o grande mergulho nas trevas
e cantado o mal com o tom épico nunca antes ousado por outro homem. Até então
os cultos de obras satânicas eram coisas de pessoas de baixa estatura
intelectual, simplórios sem maiores cabedais artísticos e de erudição. O
desfecho do poema se aproximava e a morte insólita do Peregrino é o presságio
da própria morte do autor, que purgou assim a ousadia de elaborar o nefando,
embora magnífico, cântico ao Microcosmo e a Dom Satã, o verdadeiro herói do
livro.

O Peregrino é introduzido na presença de Baucis e Filêmon, os velhos
bondosos que resistiram ao avanço do mal. Eram a última ponta de bondade que
permanecia nos chamados tempos modernos. Quem são os anciãos? O que simbolizam?
Penso que são a personificação da tradição judaico-cristã, com seus valores e
sua moral tida agora como démodé. Aqui o livro se torna profético. A Ação como
princípio chega ao auge quando Fausto, no delírio de grandeza, manda
Mefistófeles dar cabo ao problema, embora não quisesse, no fundo, o desfecho
trágico. O trio ardeu na fogueira. Goethe outra coisa não viu que não a grande
fogueira do século XX. O mais antigo, o hebreu, ardendo nos fornos que viriam.

Os leitores marxistas de Goethe vêem aqui o élan capitalista do livro,
quando na verdade se trata de uma questão teológica: o mal agindo e destruindo
a própria tradição. Reduzir o trecho do poema ao materialismo-dialético é de
uma tolice sem igual. Há muito mais aqui, a própria denúncia e profecia de
todos os crimes cometidos pela modernidade. O ódio que Fausto nutre pelo casal,
pelo toque de sinos e pelas tílias é o ódio a tudo que representa a tradição.
Mefisto, ansioso pelo desfecho que se desenhava, não perde por esperar e
estimula o construtor ambicioso:

“Que cerimônia, ora! E até quando?

Pois não está colonizando?

Há aqui a reminiscência dos crimes cometidos pela Europa nas novas
terras descobertas, um paralelo óbvio. Colonizar é antes destruir o antigo. Só
que aqui se coloniza o coração da própria Europa, que é o cristianismo e o
judaísmo. A modernidade só poderia vingar à custa daquilo que era mais sagrado.
Quem está colonizando tem a licença para destruir tudo, imolar, queimar. O
paralelo que o próprio Goethe fez com a passagem bíblica do Primeiro Livro dos
Reis (capítulo XXI), entre o rei Acab e Nabot, é mais do que evidente. Todos os
mandamentos sagrados de respeito à vida e à propriedade são violado. Pois não
está colonizando?

O lamento de Fausto será o lamento do povo alemão no século XX:

Fumo e vapor traz que lhe emana.

Mal ordenado, feito o mal!

Morre o Peregrino. Morrem o próprio personagem Fausto e seu autor,
Goethe. É concluída a obra de uma vida inteira. O grande poema alemão é o
cântico à tragédia da modernidade.

* José Nivaldo
Cordeiro, Executivo, nascido no Ceará. Reside atualmente em São Paulo.
Declaradamente liberal, é um respeitado crítico das idéias coletivistas. É um
dos mais relevantes articulistas nacionais do momento, escrevendo artigos
diários para diversos jornais e sites nacionais. É Diretor da ANL – Associação
Nacional de Livrarias.

Como citar e referenciar este artigo:
CORDEIRO, José Nivaldo. Goethe e o Peregrino. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2011. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/filosofiadodireito/goethe-e-o-peregrino/ Acesso em: 28 mar. 2024