Filosofia do Direito

Fausto no Reino das Mães

30/04/2011

Goethe é o verdadeiro fundador da psicologia analítica, a ponto de ter
cunhado suas categorias decisivas. Não ao acaso Carl Jung o louvava sempre em
suas manifestações. O FAUSTO é uma obra de análise da psicologia masculina e por
isso o feminino terá sempre que ser compreendido como a imagem de mulher vista
desde o homem. Aqui quero tecer alguns comentários a uma das passagens
memoráveis mais estudadas, e quero crer que menos compreendida, do grande poema
alemão. Refiro-me à passagem do Reino das Mães, elo fundamental da trama que
levará ao desfecho, que a todos surpreendeu.

Goethe o introduz logo após o carnaval no palácio imperial. O imperador
exigiu a presença fatasmagórica de Páris e Helena e, para tal, Mefistófeles,
para possibilitar a mágica, fará Fausto descer ao Reino das Mães. O que é este?
Muita tinta se escreveu sobre o assunto, mas creio que duas coisas são
decisivas para compreender o tema. Primeiro, por “Mães” aqui devemos entender
todas as mulheres – o feminino inteiro – em idade fértil, capaz de engravidar.
Mães em potência, é a isso que Goethe se refere. Aqui a ambição libidinosa de
Fausto é exposta em sua tara profunda, a ponto de se descrever uma cena
onanista de rara presença na alta literatura. Mefistófeles dá a Fausto a
“chave” que vem a ser precisamente o próprio falo, que cresce nas mãos do
personagem. Podemos ler, à altura do verso 6.220, na boca de Mefistófeles:

“Estranho é mesmo. Deusas ignoradas

De vós mortais. Por nós, jamais nomeadas.

Vai, pois, buscá-las nos mais fundos ermos;

É tua culpa dela carecermos”

Fausto pergunta: “Qual é o caminho?”. Mefistófeles responde:

“Nenhum! É o Inexplorável,

Que não se explora. É o Inexorável,

Que não se exora. Estás, pois, preparado?

Não há trinco a correr, nenhum cadeado

Em solidões ficas vagueando em vão,

Noção terás do que é o ermo, a solidão?”

A outra é que Helena é a representação maligna desse feminino. Helena é
o duplo de Mefistófeles, a representação da serpente primeva. Embutida aqui
está a filosofia de Goethe, derivada de várias correntes contrárias à tradição
católica, que o poeta não perde oportunidade de desancar. Helena é a própria
Vênus, a Estrela da Manhã invocada na cena inaugural, com a louvação ao
Microcosmo. Segundo Goethe, as Mães são as verdadeiras criadoras da vida e não
o Deus masculino da tradição cristã. Sua estampa é o Pentagrama, tomando o
próprio Mal como o elemento dinâmico e criador, como era visto em seitas como a
dos maniqueus e dos ofitas. Por isso Goethe escolheu a cena final de “redenção”
de Fausto pela ação beatífica de Gretchen, secundada pela Virgem Maria, que de
cristã toma de empréstimo apenas o nome.

Por isso Mefistófeles recrimina a humanidade cristã ao proclamar das
Mães: “Deusas ignoradas De vós mortais.” As Mães precisam apenas daquilo que
Fausto chamou de “Essa coisinha”, o falo, a chave, para a sua ação criadora. O
resto é com elas. Mefistófeles exorta Fausto (altura do verso 6.270),
referindo-se à “chave”:

“Agora vês de que vale possuí-la?

Marca o lugar exato a sua luz;

Segue-a aos baixos: ela às Mães te conduz.”

Ao que Fausto retruca:

“Não viso a enrijecer! Sentir não temo,

É estremecer do homem o bem supremo;

Por alto que lhe cobre o preço o mundo,

Estremecendo, o Imensurável sente o fundo”.

E, à frente, ato masturbatório consumado:

“Ao apertá-la sinto força nova,

Peito expandido, sigo à grande prova.”

O mais elevado que o masculino pode almejar é à contração sexual de
prazer para servir de reprodutor. Os versos são demasiado eloqüentes. O mais
fundo a que o homem pode almejar é “um tripé ardente, que no mais fundo estás
profundamente”. Mefistófeles completa:

“Transformação com formação se
alterna,

Do eterno espírito atuação eterna.

Fluem lá visões de todas as criaturas;

Não te vêem. Vêem só espectrais figuras.

Ânimo, ai! O perigo é ingente;

Dirige-te ao tripé diretamente,

Toca-o com a chave”.

O estoque de almas do porvir está no fundo do triângulo feminino! O
homem para a mulher-Mãe é apenas o reprodutor genérico. “Não te vêem. Vêem
apenas espectrais figuras.”

O poema vai ficando medonho. Na
seqüência, teremos a entrada em cena do Homúnculo, nascido da cabeça do
alquimista, aluno do Fausto, seu duplo. Depois o próprio filho de Helena e
Fausto, Eufórion. A partenogênese do Homúculo fracassa, bem como a relação
absurda do teutônico medieval com a mais bela da Antiguidade. O homem é estéril,
só o feminino é que concebe e procria.

O FAUSTO é todo estranheza e negação. É todo profanação daquilo que o
Ocidente cristão até então havia considerado como verdadeiro e sagrado. Por
isso a obra serve como testemunho desse momento estonteante da história, que é
o nascimento da modernidade, assunto para outro texto.

* José Nivaldo
Cordeiro, Executivo, nascido no Ceará. Reside atualmente em São Paulo.
Declaradamente liberal, é um respeitado crítico das idéias coletivistas. É um
dos mais relevantes articulistas nacionais do momento, escrevendo artigos
diários para diversos jornais e sites nacionais. É Diretor da ANL – Associação
Nacional de Livrarias.

Como citar e referenciar este artigo:
CORDEIRO, José Nivaldo. Fausto no Reino das Mães. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2011. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/filosofiadodireito/fausto-no-reino-das-maes/ Acesso em: 28 mar. 2024