Filosofia do Direito

Norma Jurídica: Crise de Coerência e Legitimidade

 

 

Sumário: Introdução. 1. A legitimidade dos sistemas normativos. 2. A (in)coerência da norma jurídica: a busca da legitimidade a partir da sua legalidade. Considerações Finais. Referências das fontes citadas.

 

Resumo: O presente artigo tem por objetivo a análise da norma jurídica a partir de sua legitimidade. Constatou-se que a simples observância aos princípios legais não basta para que a norma possa ser considerada legitima. Esta característica está intrinsecamente atrelada aos aspectos democráticos, a efetiva participação do povo na elaboração e na discussão da norma. Por esta razão, não há de se confundir legitimidade com legalidade. Esta diz respeito a adequação do procedimento previsto para produção da norma jurídica, mais especificamente, de conformidade com a lei, expressão de direito positivo. O seu atributo é facilmente identificável em uma norma, o que já não acontece com a legitimidade, que possui contornos mais diversos que demandam uma análise mais precisa. Apesar de juridicamente obrigatórias, não há de se atestar legitimidade em seu conteúdo pelo simples fato de estimá-las regras úteis a vida social. Para ser legítima, a norma deve ser coerente e verdadeira, características da racionalidade do próprio sistema de normas. O que ocorre, no mais das vezes, é uma fusão entre os conceitos legitimidade e legalidade objetivando o implemento de uma visão imaginária da legitimidade: a lei não é cumprida; mas há mecanismos de dominação que fazem crer no cumprimento de referida lei; virtualmente, então, passa-se a acreditar na legitimidade e eficácia desse dispositivo.

 

Palavras-chave: Norma Jurídica; Legalidade; Legitimidade.

 

Resumen: Este artículo tiene por objeto analizar la ley de su legitimidad. Se constató que la mera observancia de los principios jurídicos no es suficiente para que la norma sea considerada legítima. Esta característica está íntimamente ligada a los aspectos democráticos, la participación efectiva de las personas en la preparación y discusión de la norma. Por esta razón, no se puede confundir la legitimidad con la legalidad. Esto se refiere a la adecuación del procedimiento de producción de la ley, más específicamente, de conformidad con la ley, expresión del derecho positivo. El atributo es fácilmente identificable en una norma, que ya no sucede con la legitimidad, la cual tiene varios contornos que requieren un análisis más detallado. Aunque jurídicamente vinculante, no hay legitimidad para atestiguar a su contenido por el simple hecho de esas normas para estimar la vida útil. Para ser legal, la norma debe ser coherente y verdadero, las características de la racionalidad del sistema de normas. Qué sucede en la mayoría de los casos, es una fusión entre los conceptos de legitimidad y legalidad con el objetivo de aplicar una visión imaginaria de la legitimidad: la ley no se cumple, pero hay mecanismos de dominación que se creen en el cumplimiento de la ley, prácticamente entonces, es creer en la legitimidad y la eficacia de este dispositivo.


Palabras llave: Norma Jurídica; Legalidad; Legitimidad.

 

 

INTRODUÇÃO

 

O ordenamento jurídico compreende um corpo sistematizado de regras de conduta caracterizadas pela coercitividade e imperatividade. Sua célula é a norma jurídica, regra de conduta imposta, admitida e reconhecida pelo ordenamento jurídico.

 

A presente pesquisa tem por objetivo precípuo a análise da norma jurídica a partir de sua legitimidade. Ver-se-á que a simples observância aos princípios legais não basta para que a norma possa ser considerada legitima. Esta característica está intrinsecamente atrelada à aspectos democráticos, a efetiva participação do povo na elaboração e na discussão da norma.

 

Para Habermas[1], Weber crê que a legitimidade está assentada na fé da legalidade. Essa crença, por vezes, culmina por camuflar os objetivos para os quais a norma jurídica foi proposta. A ilegitimidade da norma é muito bem caracterizada quando seus fins se refugiam do dever ser, procurando estabelecer sustentação estrutural apenas no que ela representa dogmaticamente.

 

Neste contexto, procura-se suprir a legitimidade com a legalidade pura e simples, que quer significar, a produção de normas reguladoras à luz de mecanismos antecipadamente determinados. Constata-se, que os critérios de legitimidade, os quais deveriam servir como instrumentos norteadores do legislador quando da produção da norma, não passam de uma ficção jurídica, que o sistema jurídico utiliza fundindo referidos critérios com a legalidade normativa. Com esta fusão de conceitos, cria-se uma visão virtual da legitimidade, passando-se a enxergar a legalidade como sendo a legitimidade. Esta incoerência reproduz conseqüências muito significativas, tais como a falta de representação real acerca do cumprimento de determinado mandamento legal.

 

 

1. A LEGITIMIDADE DOS SISTEMAS NORMATIVOS

 

Uma das questões mais debatidas a partir da Modernidade tem sido o problema da legitimidade social do direito, principalmente no que concerne aos sistemas normativos. Na concepção clássica, o critério legitimidador do direito se encontrava em uma justiça objetiva, expressa pelo direito natural. Todavia, independente de sua época, os homens se questionam sobre qual é o direito justo, se este direito existe, e se não existe o que deve ser feito acerca do direito injusto. Trata-se da eterna busca pela justiça democrática.

 

A justiça democrática do direito entende-se como uma justificação democrática de suas exigências, isto é, como participação social igualitária na tarefa de criação legislativa. Sem uma origem democrática o direito só será um esquema forte ou um critério casual de justiça baseado em intenções, ou seja, não deixará de ser uma negação a autonomia social.[2]

 

Sendo assim, a justificação democrática do direito expressa a necessidade de que as razões, sobre as que se fundamentam algumas determinadas exigências jurídicas são rações socialmente compartidas, socialmente aceitas, ou seja, são expressões de que a sociedade necessita, quer e valora como sendo conveniente para sua própria ordenação.

 

Na concepção de Calera, a justiça democrática é, pois, legitimação social do direito.[3] Os fundamentos de legitimidade ligam-se à capacidade do poder político de ser objeto de valorações sociais. [4] A idéia de legitimidade em chave de filosofia política está diretamente associada aos questionamentos de inúmeros pensadores acerca dos fundamentos da autoridade política[5], bem como da reconhecida necessidade de só formular critérios para a justificação da existência de um poder e da aceitação deste domínio por parte de seus destinatários.[6] Neste sentido, Grau[7] explica que o direito legítimo é resultado da adição de autoridade ao poder do qual emane.

 

Convém destacar a distinção assaz recorrente entre diversos estudos sobre a teoria da legitimidade: o binômio legitimidade-legitimação. Em linhas gerais, a legitimidade propriamente dita está longamente associada com os fundamentos de validade das ordens de domínio, ou seja, a legitimidade é um problema de natureza eminentemente ético, relativo à justificação normativa do sistema jurídico-político.

 

Neste caso, os destinatários da autoridade dos titulares do poder político formulariam um juízo axiológico, positivo ou negativo sobre aquela, segundo as concepções predominantes do bom e do justo; na medida em que estas concepções coincidam ou não em algum grau com as ações e medidas daqueles. Não por acaso a idéia de um consenso livremente manifestado em torno de valores fundamentais difundidos na experiência comunitária é particularmente cara para a noção de legitimidade. Quanto a legitimação, designa os meios e processos de que se vale o poder existente (ou visado) para despertar e cultivar a aceitação, o consenso e o reconhecimento em sua base territorial. De tal sorte que, a aceitação se converte no resultado da crença – correta ou não – de que o sistema em questão é o mais adequado.

 

A legitimação constitui, por assim dizer, um termômetro de disposição para a obediência e aceitação de uma ordem jurídico-política. Em suma, a legitimidade implica num juízo de valor acerca da validade de uma dada ordem jurídico-política; a legitimação, a seu turno, constitui o procedimento de avaliação empírica da aceitação e reconhecimento reais da autoridade (consenso fático e aceitação sociológica). No que respeita aos domínios investigativos, a legitimidade integra o universo de pesquisas da filosofia política e do direito, ao passo que a legitimação é objeto de estudos da sociologia jurídica e da ciência política. [8]

 

Segundo Grau[9] a norma jurídica é legítima quando dotada de legitimidade, ou seja, quando houver relação entre o comando nela consubstanciado e o consentimento da Sociedade. “A legitimidade é um conceito material, ao passo que a legalidade é um conceito formal”.

 

Já com relação a legalidade, esta diz respeito a adequação do procedimento previsto para produção da norma jurídica, mais especificamente, de conformidade com a lei, expressão de direito positivo.

 

O atributo da legalidade é facilmente identificável em uma norma, o que já não acontece com a questão da legitimidade a qual possui contornos mais diversos que demandam uma análise mais precisa, a começar pela observância da referência a autoridade[10] do poder do qual emana a norma, para fins de legitimidade do direito.

 

Portanto dizer que uma norma jurídica é legítima, somente é possível se for acrescentada à afirmação inicial, o momento histórico a que pertence, haja vista que será legítima somente enquanto assim for o espelho do anseio de direito da Sociedade daquele momento. De forma que esta adequação ao almejável é que legitima o direito. 

 

Conforme bem esclarece Melo[11], o discurso de legitimidade quando analisado como pressuposto ideológico na busca de adesão ao instituto, teremos uma forma eficiente de controle social. Porém, se a consideramos como exigência de pressupostos éticos da cultura de um povo, teremos espaço para uma crítica ao direito posto e para a possibilidade de suas correções e adequações necessárias.

 

A partir destas questões, faz-se necessária a análise da legitimidade a partir da norma jurídica propriamente dita, a fim de que seja avaliado seu âmbito de coerência em ramos diversos do direito.

 

 

2. A (IN) COERÊNCIA DA NORMA JURÍDICA: A BUSCA DA LEGITIMIDADE A PARTIR DA SUA LEGALIDADE

 

A categoria[12] norma é definida pelo Prof. Osvaldo Ferreira de Melo como toda regra que serve de pauta a uma conduta ou para agir[13]. Se a norma for jurídica, apresenta duas características essenciais: a coercibilidade[14] e a exigibilidade[15].

 

A norma jurídica está intrinsecamente ligada a convivência. Tem por base a conduta humana que pretende regular e seu objetivo é buscar a convivência pacífica entre as mais diversas pessoas que compõe o corpo social.

 

Pequena parte destas normas jurídicas refere-se às condutas que mais gravemente atacam a convivência humana, tal como regulado pela ordem jurídica e que, por isso mesmo, são sancionadas com o meio mais duro e eficaz de que dispõe o aparato repressivo do poder estatal: a pena.[16] A pena é o principal meio de coação jurídico, servindo para motivar e abster comportamentos.

 

Toda norma penal é amparada por um sistema tríplice de expectativas: em primeiro lugar, espera-se que não se realize aquele comportamento descrito abstratamente no tipo; em segundo lugar, caso essa conduta ocorra, que exista uma reação com a imposição da pena prevista para aquele delito; por último, com a aplicação da pena, que este infrator não mais realize aquele comportamento, prevenindo a prática de indesejáveis condutas típicas futuras. [17]

 

Ocorre que essas expectativas raramente são alcançadas. Os problemas colocados sob o manto do direito penal nem sempre são conflitos sobre os quais o direito penal pode trazer alguma solução. Pior ainda quando alguma pena privativa de liberdade é aplicada.[18] Ao invés de promover a integração social do condenado (art. 1º da Lei de Execuções Penais), no mais das vezes, culmina por promover a sua dessocialização.

 

Além disso, as contradições das previsões legais aos bens jurídicos protegidos pelas normas saltam aos olhos. Exemplo disso são os crimes patrimoniais previstos em nosso Código Penal. Eles abarcam as mais neutralizantes penas do Direito brasileiro, mais longas até que aquelas relacionadas aos crimes contra a vida. Segundo Streck[19], essas contradições do Direito e da dogmática jurídica não “aparecem” para o jurista porque há um processo de justificação / fundamentação da “coerência” do seu próprio discurso.

 

A busca por legitimidade dessa espécie de norma é, portanto, uma ficção jurídica. Objetivando criar uma visão virtual de legitimidade, o sistema tenta confundi-la com a norma posta. O intérprete, dessa forma, passa a enxergar tão somente a legalidade da norma, confiando ser ela legítima.

 

Eros Grau[20] afirma que a maioria dos juristas do direito foge à questão da legitimidade do direito como se diz que o alho foge o vampiro[21], ou o diabo, da cruz. E um dos expedientes mais aprestados a ensejar essa fuga encontra-se na afirmação de que a legitimidade está subsumida na legalidade, o que não pode, contudo, logicamente sustentar.

 

Para boa parte dos juristas, desconectados com a realidade social e animados por um idealismo que dela os afasta cada vez mais, pensam que basta que as normas sejam introduzidas nas vias de expressão formal do Direito para que, do ponto de vista “jurídico”, o objetivo próprio haja sido alcançado. Entendem que a aplicação dessas normas à vida social é um problema aleatório, que lhes não incumbe, porquanto se traduz num labor prático, que deve ser desenvolvido por uma administração pública eficiente e pelos tribunais.[22] Na verdade, o benefício social da aplicação da norma dependerá, quase que exclusivamente, de que sejam postas em vigor aqueles regulamentos ligeiramente congruentes com os interesses sociais.

 

Mas, que interesses seriam estes? Reconhece-se utópica a idéia de Estado dedicado a servir ao interesse geral (bem comum, segundo a expressão tomista), a defender os direitos de todos os membros do corpo social, a evitar conflitos entre eles e a atuar como sumo harmonizador, na qualidade de mediador dessas controversas.

 

A pretendida neutralidade do Estado, sua suposta impessoalidade e a sugerida ideia de que é apto para se pôr a serviço de qualquer ideologia “que, democraticamente, conquiste o poder”, são outras tantas fábulas destinadas a alentar vãs esperanças, a apaziguar impaciências e a quebrar rebeldias. Porque, na realidade, o Estado e a sua ação se impregnam dos interesses, cobiças e paixões dos homens de carne e osso que os manejam.[23]

 

Por estas razões, a classe dominante necessita de um Estado, de um Direito e de uma Cultura que mascarem os antagonismos e contradições sociais, e que a ajudem a manter determinadas relações de produção, que a favorecem.[24] Essa é a razão pela qual não se conhece uma transformação radical da ordem social imperante, que haja sido alcançada dentro da institucionalidade existente.[25]

 

Imaginemos a seguinte situação[26] frequentemente encontrada em nossos tribunais: num certo dia, encontram-se num bar os amigos Pedro, João e Ricardo. Depois de conversarem amigavelmente sobre amenidades, Pedro diz a seus outros dois companheiros que conhece um comércio onde é extremamente fácil, durante a noite, apoderar-se de dinheiro guardado em um caixa-forte, mas ele não se atreve a fazê-lo, por não ter experiência nestes assuntos e por não saber como se abre referido cofre. João e Ricardo, que várias vezes já foram condenados por crimes contra o patrimônio e ainda, por encontrarem-se em situação financeira desfavorável, mostram-se dispostos a levar a cabo este feito, bastando que Pedro faça um croqui do edifício e lhes assegure que não há nenhum tipo de vigilância. Pedro insiste a falta de vigias e desenha o plano do edifício, acordando os três que o dinheiro que se encontra no caixa-forte será dividido de forma igualitária. Tendo em vista as afirmações de Pedro, naquela noite, João e Ricardo dirigem-se à oficina, conseguindo se adentrar em virtude de uma janela mal fechada. Após localizarem o caixa-forte e abri-lo, são surpreendidos por um vigilante noturno, contratado dias antes pela empresa, que lhes aponta uma arma de fogo. Ricardo reage rapidamente e se lança contra o vigia, iniciando, assim, uma luta entre ambos, o que motivou o disparo da arma, ferindo mortalmente o vigia.

 

Estamos diante de um clássico crime de latrocínio consumado. Crime hediondo com pena mínima de 20 (vinte) e máxima de 30 (trinta) anos, sem prejuízo da multa.

 

Imaginemos agora outro caso[27], mas esse, muito raramente encontrado em nossos tribunais: Luis, presidente e principal acionista da empresa X, exportadora de vinhos, com a intenção de ampliar suas vendas a diversos países latino-americanos, solicita e obtém do governo federal diferentes subvenções e créditos para exportação, assim com a liberação do pagamento de determinadas taxas, alegando, para insto, um volume superior de vendas e pedidos em referidos países superior ao real, o que justifica com faturas e outros dados falsos. Os créditos e bonificações obtidos desta maneira, que alcançam uma importância de muitos milhões de reais, são empregados por Luis em razão de más perspectivas do mercado vinícola em outras atividades mais rentáveis, criando, em proveito próprio, outras empresas como forma de sociedade anônima. Em razão destas operações, a empresa X entre em crise econômica, sendo declarada sua concordata. Mais de mil trabalhadores e empregados da empresa são demitidos e a maioria dos credores fica sem possibilidade de cobrar suas dívidas.

 

Imaginemos, por fim, o que poderia ocorrer com Luis, protagonista desse caso, se fosse descoberto. Seria a ele imposta pena privativa de liberdade semelhante aquela vislumbrada no primeiro caso? Obviamente que não. A lógica da legislação penal brasileira não permite tal possibilidade, nem de longe. Muito embora ambos as práticas narradas nessas hipóteses objetivem o lucro fácil, ou seja, a vantagem indevida às custas do patrimônio alheio, e ainda, o prejuízo (econômico) causado por Luis seja infinitamente mais significativo que aquele praticado pelos três amigos, a operacionalidade da legislação penal não atinge de forma eficaz a sua pessoa. Luis, caso condenado, certamente seria submetido a penas alternativas, sem qualquer possibilidade de isolamento ou neutralização.

 

Como assinalou Nils Christie, quando a intimidade pessoal prevalece na vida diária, a preocupação em compensar o dano causado supera o clamor de retribuição e punição do acusado. Por mais irados que possamos ficar com a pessoa do responsável, não aplicaríamos no caso as categorias da lei penal (sequer pensaríamos no caso em termos das categorias endemicamente impessoais de crime e castigo a que se poderiam aplicar dispositivos legais).[28] Talvez por esta razão cada vez mais são tipificados comportamentos de interpretação dúbia na legislação penal.[29]

 

Neste contexto, pode-se afirmar que o poder dominante utiliza-se da dogmática como um instrumento de aplicação do Direito, trabalhando tão-somente com normas instituídas que, na verdade, são entidades/discursos planejados para a continuação do domínio-coletivo. Fazendo referência a lição de Armando Sercorvich, a esse fenômeno, Streck[30] denomina de “fetichização do discurso jurídico” e explica que, por meio de tal discurso, “a lei passa a ser vista como sendo uma-lei-em-si, abstraída das condições (de produção) que a engendraram, como se a sua condição-de-lei fosse uma propriedade ‘natural’”.[31]

 

As incoerências são evidentes. No Direito Civil, por exemplo, a teoria contratual individualista supõe a igualdade de todas as partas que intervêm em uma declaração de vontade bilateral. Por conseguinte, toda obrigação contraída por pessoas jurídicas capazes, sem a presença de uma coação física exterior, é válida, salvo casos muito excepcionais, em que se admite questionar sua eficácia por vício do consentimento ou, em medida ainda mais limitada, por lesão do reclamante ou razões de ordem pública.

 

No entanto, a realidade é bem diferente. Os homens vivem em condições enormemente desiguais e têm, entre si, desigualdades de muitas classes; uma delas, que, de fato, afeta de modo considerável a real liberdade para ligar-se juridicamente é a desigualdade econômica. Comparemos, por exemplo, o significado vital que tem para um grande empresário e para um operário comum a celebração de um contrato individual de trabalho; para aquele se trata de um episódio insignificante, dentro do imenso volume de um negócio que ocupa a milhares de operários, não o realiza pessoalmente, senão mediante dependentes seus, e muito provavelmente, sequer está informado dele e lhe desconhece os termos; em vez disso, para o operário, desse contrato depende a vida futura e a possibilidade de subsistência para ele e sua família, o que faz dele um compromisso transcendental, a concentrar todo seu interesse, e no qual cifra as melhores esperanças.[32] Assim, dizer que ambos celebram o contrato com igual liberdade e idênticas possibilidades de influir sobre as cláusulas que nele se contém é afirmação completamente alheia a realidade. Essa igualdade pode ser assim considerada apenas no campo puramente dogmático, jamais no campo de aplicação prática da norma.

 

No campo do Direito Administrativo não é diferente. Entre inúmeras outras disposições, conduz a radicalização do princípio da presunção de legitimidade dos atos administrativos, em razão do qual se presume, salvo prova em contrário, que a Administração atua sempre em nome do interesse coletivo. Grau[33], citando os administrativistas Luciano Oliveira e Affonso Cezar Pereira, frisa que essa prova em contrário refere-se apenas aos casos em que pode haver desvio de finalidade no sentido já caracterizado, ou seja: o ato sendo apenas uma farsa a esconder o escuso interesse particular travestido em interesse público. Na prática, isso equivale a dizer que, salvo as hipóteses em que o administrador é imoral ou corrupto, o Estado age sempre no sentido do interesse público.

 

Isso é ainda mais evidente no campo da dogmática penal. Ela possui um papel fundamental na manutenção do sistema, eis que mediante legitimação do uso da coerção, impõe a exclusão do mundo da vida com sujeitos engajados no projeto social-jurídico naturalizado, sem que se dêem conta de seus verdadeiros papéis sociais.[34] Quem são e onde estão os delinqüentes? Obviamente, nos extratos mais baixos da escala social. As prisões estão cheias deles.

 

Muitas ações imorais não são alcançadas pelo direito penal.[35] As práticas “desviantes” originadas dos setores sociais de menos recursos são, via de regra, punidas de forma contundente. Não raro, depara-se com noticiários de TV informando do aprisionamento de pessoas pela prática de furto de xampus, chinelos, margarina, etc[36]. A lei foi aplicada, mas será que há legitimidade na imposição dessa norma penal para esse tipo de comportamento?[37] Observa-se, neste contexto, que pouco importa ao jurista, inserido no sentido comum teórico, o conteúdo das relações sociais.[38] Pouco importa o encarceramento de uma pessoa pela prática de insignificâncias.[39] O que importa é fazer uma “boa hermenêutica”.

 

Com isso, observa-se que, por vezes, o próprio direito não atua em conformidade com o seu próprio planejamento proposto. Não havendo uma construção teórica de planejamento do direito, verificar-se-á um direito carente de racionalidade. No âmbito do Direito Penal, por exemplo, o seu discurso seria racional se fosse coerente e verdadeiro.

 

Heleno Cláudio Fragoso[40] registra que a norma penal impõe um dever. O crime consiste sempre em violação desse dever imposto pela norma. A observância da norma não pode constituir um fim em si mesmo, pois a violação do dever somente vai adquirir sentido como tutela de um valor social.

 

Segundo Eugênio Raúl Zaffaroni não são coerentes, na área do direito, manifestações tais como assim diz a lei, a faz porque o legislador o quer[41], etc. Expressões desse tipo são argumentos com total ausência de uma construção racional e, portanto, carentes de legitimidade para efetiva aplicação por parte do poder estatal.

 

O penalista argentino explica que quando não se pergunta para que a norma penal proíbe determinado comportamento, só nos resta dizer que o dever se impõe por si mesmo, porque é o capricho, o preconceito, o empenho arbitrário de um legislador irracional. [42]

 

O direito serve ao homem, e não o contrário.[43] Assim, toda sua construção necessita de uma análise antropológica, de forma a fazer do direito positivo mais consentâneo com a idéia racional do justo. [44] Para tanto, essencial se faz distinguir entre questões de justiça e questões concernentes ao bem viver. Habermas[45] o faz a partir de situações como a eutanásia e o aborto no exemplo que segue: imaginemos que se tenha chegado à conclusão (em discussões públicas conduzidas de modo suficientemente discursivo) que não se pode chegar a uma versão neutra dessa situação polêmica, no que diz respeito à visão do mundo, já que as descrições concorrentes da matéria que se pretende regulamentar estão entrelaçadas com a autocompreensão de diversas confissões, comunidades interpretativas, subculturas, etc., articulada de maneira religiosa ou com base em determinada visão do mundo. Assim, estaria posto um conflito de valor que não poderia se resolvido nem por via discursiva nem por meio de acordo. Em uma sociedade pluralista constituída sob a forma de um Estado de direito, evidentemente não se poderia regrar uma situação eticamente controvertida como essa, ao menos não por meio da descrição eticamente marcada (a partir da visão do universo dos jurisconsortes) de uma autocompreensão particular, mesmo que tratasse da autocompreensão da cultura majoritária. Neste caso, seria preciso buscar uma regulamentação neutra.

 

De qualquer forma, há uma incontestável consagração da legalidade como critério meramente formal. Essa política conduz à neutralidade axiológica do direito e à anulação do direito de resistência contra o direito ilegítimo. O que importa, desde a perspectiva instalada na consagração do princípio da legalidade, é que as normas jurídicas sejam rigorosamente cumpridas. Importam os meios, à custa dos fins. Por conseqüência, a legalidade assume o caráter de dogma,[46] esculpido num processo de legitimação disfarçada que pode ser explicada pelo seguinte silogismo: a norma não é respeitada (premissa maior); a dominação ideológica faz com que as pessoas acreditem na obrigação de respeito à norma (premissa menor); a norma é cumprida (conclusão).

 

Note-se que esta pseudo legitimidade não resolve acerca das razões do descumprimento da norma jurídica (premissa maior), mas procura obrigar o seu cumprimento a todo custo (premissa menor). E esta é a mais contundente identificação de ilegitimidade da norma, disfarçada sob as máscaras da legalidade. Dever-se-ia preocupar-se, antes de tudo, dos motivos e causas que levam as pessoas ao descumprimento da norma. Mas o que se faz é exatamente o contrário: criam-se instrumentos de coação a fim de impor o seu cumprimento (conclusão), procurando suprir a legitimidade com a legalidade, produzindo normas jurídicas de regulação à luz de mecanismos previamente determinados. Esta incoerência, tal como é concebida, é uma das principais portas de acesso ao desrespeito e a impunidade e ainda, o que é pior, sem que os seus destinatários dêem conta de que o discurso dogmático não é suficiente para o resultado útil de determinada norma.

 

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS      

 

A pesquisa cujos resultados ora são relatados desenvolveu-se com o objetivo central de realizar uma análise da norma jurídica a partir de sua legitimidade. A legitimidade é requisito do valor de justiça e é condição especial para a criação de consenso, de confiança, de predisposição à obediência e, portanto, à eficácia da norma jurídica.

 

A interpretação da norma – hermenêutica – deve ser construída e alicerçada para uma sociedade constantemente em evolução social, política, econômica, espiritual, etc., sem a qual referida interpretação sofre um sério risco de julgar-se vazia e calcada em notória subjetividade.

 

Por esta razão, não há de se confundir legitimidade com legalidade. Esta diz respeito a adequação do procedimento previsto para produção da norma jurídica, mais especificamente, de conformidade com a lei, expressão de direito positivo. O seu atributo é facilmente identificável em uma norma, o que já não acontece com a legitimidade, que possui contornos mais diversos que demandam uma análise mais precisa.

 

Observa-se, por vezes até com certa facilidade, que o próprio direito não atua em conformidade com o seu próprio planejamento proposto. Não há uma construção teórica de planejamento na produção da norma jurídica. Como se restou demonstrado, considerando os preceitos penais, por exemplo, verifica-se que a determinação daquilo que deve ser tipificado como punível é resolvido livremente pelo legislador, considerando os fatos sociais e os preceitos de política criminal. Também é assim na espécie e quantidade de pena que se deve impor a cada delito.

 

Igualmente, nos demais campos do direito positivo, encontram-se uma infinidade de preceitos cujo conteúdo não concerne às matérias que estão recomendadas ou proibidas pela moral, nem se vincula a critérios de justiça ou injustiça. São normatizações eticamente indiferentes e de que os preceitos não podem ser conectados de qualquer modo, à justiça, senão às meras conveniências práticas.

Apesar de juridicamente obrigatórias, não há de se atestar legitimidade em seu conteúdo pelo simples fato de estimá-las regras úteis a vida social. Para ser legítima, a norma deve ser coerente e verdadeira, características da racionalidade do próprio sistema de normas. O que ocorre, no mais das vezes, é uma fusão entre os conceitos legitimidade e legalidade objetivando o implemento de uma visão imaginária da legitimidade: a lei não é cumprida; mas há mecanismos de dominação que fazem crer no cumprimento de referida lei; virtualmente, então, passa-se a acreditar na legitimidade e eficácia desse dispositivo.

 

 

REFERÊNCIAS DAS FONTES CITADAS

 

CALERA, Nicolas Maria Lopes. Crônica y utopia: filosofia de mi tiempo (1973-1991). Granada: Editorial Camares, 1992.

CHAVES JUNIOR, Airto; MENDES, Marisa Schmitt Siqueira. A criminalização primária e a norma penal brasileira: considerações acerca de sua seletividade. Revista Eletrônica Direito e Política, Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Ciência Jurídica da Univali. Itajaí, v. 3, n. 3, 3º quadrimestre de 2008.

CHRISTIE, Nils. Civilitt and State. (manuscrito inédito). Apud BAUMAN, Zygmunt. Globalização: as conseqüências humanas. Tradução de Marcus Penchel. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor. 1999.

DINIZ, Antônio Carlos; BARRETO, Vicente de Paulo (org); Dicionário de Filosofia do Direito. Rio de Janeiro/São Leopoldo: Renovar/Unisinos. 2006.

FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal. Tradução de Ana Paula Zomer, Fauzi Hassan Choukr, Juarez Tavares e Luiz Flávio Gomes. São Paulo: Revista dos Tribunais. 2002.

FERRAZ, Tercio Sampaio. A legitimidade pragmática dos sistemas normativos. São Paulo: Landy Livraria Editora, 2003. p. 288.

FRAGOSO, Heleno Cláudio. Direito Penal e Direitos Humanos. Rio de Janeiro: Forense, 1977.

GALEANO, Eduardo. De pernas pro ar: a escola do mundo ao avesso. Tradução de Sergio Faraco. 9 ed. Porto Alegre: L&PM, 2007.

GRAU, Eros Roberto. O Direito Posto e o Direito Pressuposto. 6 ed. São Paulo: Malheiros. 2005.

HABERMAS, Jürgen. A inclusão do outro: estudos de teoria política. Tradução de George Sperber. 3 ed. Rio de Janeiro: Edições Loyola. 2007.

_____. Direito e Democracia: entre facticidade e validade. Tradução de Flávio Beno Siebeneichler. 2a ed. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2003, v.II

MELO, Osvaldo Ferreira de. Dicionário de Política Jurídica. Florianópolis: OAB/SC Editora, 2000.

_____. Fundamentos da Política Jurídica. Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris Editor, 1994.

MERLE, Jean-Christophe; MOREIRA, Luiz. Direito e Legitimidade. FERRAZ, Tercio Sampaio. A legitimidade pragmática dos sistemas normativos. São Paulo: Landy Livraria Editora, 2003.

MONREAL, Eduardo Novoa. O Direito como obstáculo à transformação social. Tradução de Gérson Pereira dos Santos. Porto Alegre: Fabris, 1988.

MUÑOZ CONDE, Francisco. Direito Penal e Controle Social. Tradução de Cíntia Toledo Miranda Chaves. Rio de Janeiro: Forense, 2005.

PASCHOAL, Janaína Conceição. Criminalização e Direito Penal Mínimo. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2003.

PASOLD, Cesar Luiz. Prática da Pesquisa Jurídica – idéias e ferramentas úteis para o pesquisador do Direito. 7 ed. rev. atual. amp. Florianópolis: OAB/SC Editora, 2002.

PENTEADO, Gilmar. Uma história triste. Matéria publicada na Agência Folha, em 16 de abril de 2005.

ROSA, Alexandre Morais da. Decisão Penal: a Bricolage de Significantes. Rio de Janeiro: Lúmen Júris. 2006.

STRECK, Lenio Luiz. Hermenêutica Jurídica e (m) Crise: uma exploração hermenêutica da construção do Direito. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1999.

WACQUANT, Loïc. Punir os Pobres: a nova gestão da miséria nos Estados Unidos. 3 ed. Rio de Janeiro: Revan, 2007.

ZAFFARONI, Eugênio Raúl; PIERANGELI, José Henrique. Manual de Direito Penal Brasileiro: parte geral. 2. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1999.

ZAFFARONI, Eugênio Raúl. Sistemas penales y derechos humanos em América Latina. Buenos Aires: Depalma, 1984.

 

           

* Artigo produzido como requisito final da disciplina Fundamentos da Percepção Jurídica, do Curso de Mestrado em Ciência Jurídica, do Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu da Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI. Ministrada pelo Prof. Dr. César Luiz Pasold, em 2009-1.

 

** Airto Chaves Júnior, Mestrando em Ciência Jurídica com concentração em Fundamentos no Direito Positivo e linha de pesquisa Produção e Aplicação do Direito pela Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI – SC, do qual é bolsista da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – CAPES. Endereço eletrônico: oduno@hotmail.com

 

*** Anna Kleine Neves Pereira, Mestranda em Ciência Jurídica com concentração em Fundamentos no Direito Positivo e linha de pesquisa Hermenêutica e Principiologia Constitucional pela Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI – SC, do qual é bolsista da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – CAPES. Pós-Graduanda em Direito Processual Civil na mesma instituição. Endereço eletrônico: annakneves@yahoo.com.br



[1] Para Weber, o direito, que reflete as normas de dominação social burguesa, é aquele que advém do legislador. Segundo ele, o fato da norma atender todos os requisitos legais basta para que seja verificada a sua legitimidade. HABERMAS, Jürgen. Direito e Democracia: entre facticidade e validade. Tradução de Flávio Beno Siebeneichler. 2.ed. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2003, v.II, p. 193.

[2] CALERA, Nicolas Maria Lopes. Crônica y utopia: filosofia de mi tiempo (1973-1991). Granada: Editorial Camares, 1992, p. 4

[3] CALERA, Nicolas Maria Lopes. Crônica y utopia: filosofia de mi tiempo (1973-1991), p. 7.

[4] Para Melo “[…] a legitimidade é requisito do valor de justiça e é condição especial para a criação de consenso, de confiança, de predisposição à obediência e portanto à eficácia da norma”.  MELO, Osvaldo Ferreira de. Fundamentos da Política Jurídica. Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris Editor, 1994, p. 83.

[5] Segundo Tercio Sampaio Ferraz Junior, o problema da legitimidade não está ao modo como o sistema normativo estabelece a sua imperatividade, mas à justificação, aos fundamentos do próprio modo como isto é feito. “A questão da legitimidade surge diante do caráter ideológico da própria imperatividade”. MERLE, Jean-Christophe; MOREIRA, Luiz. Direito e Legitimidade. FERRAZ, Tercio Sampaio. A legitimidade pragmática dos sistemas normativos. São Paulo: Landy Livraria Editora, 2003, p. 288.

[6] Importante observar que a legitimidade não se confunde com a validade, nem como a efetividade, nem com a obrigatoriedade ou imperatividade, embora sejam interdependentes. A validade e a efetividade das normas de um sistema normativo estão referidas à imperatividade do sistema, enquanto a legitimidade surge diante do caráter ideológico da própria imperatividade, conforme visto anteriormente. MERLE, Jean-Christophe; MOREIRA, Luiz. Direito e Legitimidade. FERRAZ, Tercio Sampaio. A legitimidade pragmática dos sistemas normativos, p. 288.

[7] GRAU, Eros Roberto Grau. O direito posto e o direito pressuposto. 7. ed. rev.amp. São Paulo: Malheiros, 2008, p. 87.

[8] DINIZ, Antônio Carlos; BARRETO, Vicente de Paulo (org); Dicionário de Filosofia do Direito. Rio de Janeiro/São Leopoldo: Renovar/Unisinos. 2006, p. 517.

[9] GRAU, Eros Roberto Grau. O direito posto e o direito pressuposto, p. 87.

[10] “Entendida esta como produto do racional relacionamento entre os comandos emitidos pelos que detêm o poder e o consenso do grupo social”. GRAU, Eros Roberto Grau. O direito posto e o direito pressuposto, p. 87.

[11] MELO, Osvaldo Ferreira de. Fundamentos da Política Jurídica. p. 85.

[12] “Palavra ou expressão estratégica à elaboração e/ou expressão de uma idéia”. PASOLD, Cesar Luiz. Prática da Pesquisa Jurídica – idéias e ferramentas úteis para o pesquisador do Direito. 7 ed. rev. atual. amp. Florianópolis: OAB/SC Editora, 2002, p. 229.

[13] MELO, Osvaldo Ferreira. Dicionário de Política Jurídica. Florianópolis: OAB/SC Editora, 2000, p. 68.

[14] Qualidade que tem a norma jurídica de autorizar ou negar o exercício de uma pretensão, sob ameaça de coerção (In MELO, Osvaldo Ferreira. Dicionário de Política Jurídica. Florianópolis: OAB/SC Editora, 2000, p. 21).

[15] Faculdade que a lei assegura aos cidadãos, dando-lhes meios jurídicos de agir na defesa de direitos ameaçados ou feridos, contra quem os lesou. A exigibilidade é uma característica exclusiva da norma jurídica, por ser garantida pelo poder coercitivo do Estado (In MELO, Osvaldo Ferreira. Dicionário de Política Jurídica. Florianópolis: OAB/SC Editora, 2000, p. 30-31).

[16] MUÑOZ CONDE, Francisco. Direito Penal e Controle Social. Tradução de Cíntia Toledo Miranda Chaves. Rio de Janeiro: Forense, 2005, p. 11.

[17] Destaca-se, com relação ao sistema de expectativas da norma penal, que a obra de Rolf-Peter Calles, intitulada Theorie der Strefe im demokrarischen und Rechtsstaat, Frankfurt del Main, 1974, p. 15 e ss., citada por MUÑOZ CONDE, Francisco. Direito Penal e Controle Social, p. 12, prevê apenas as duas primeiras situações. No entanto, acreditamos que a previsão de aplicação da pena, em sua quantidade e qualidade, no preceito secundário do tipo penal também deve ser considerada.

[18] A pena privativa de liberdade não priva o indivíduo somente de sua liberdade, furtando-o, ainda, entre outras coisas, do contato com seus familiares, do direito de participar da vida política de sua comunidade, do prazer de acompanhar o desenvolvimento dos filhos, que também sofrem os efeitos da punição, ao se verem impedidos de compartilhar o quotidiano com o pai, e condenados a passar restrições financeiras durante sua ausência. (In PASCHOAL, Janaína Conceição. Criminalização e Direito Penal Mínimo. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2003, p. 25).

[19] STRECK, Lenio Luiz. Hermenêutica Jurídica e (m) Crise: uma exploração hermenêutica da construção do Direito. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1999, p. 56.

[20] GRAU, Eros Roberto. O Direito Posto e o Direito Pressuposto, p. 84.

[21] Acredita-se, neste caso, que o autor quis dizer o contrário: “o vampiro foge do alho” seria expressão melhor empregada no caso em apreço.

[22] MONREAL, Eduardo Novoa. O Direito como obstáculo à transformação social. Tradução de Gérson Pereira dos Santos. Porto Alegre: Fabris, 1988, p. 181.

[23] MONREAL, Eduardo Novoa. O Direito como obstáculo à transformação social, p. 179.

[24] Há uma pequena parcela de juristas que assume postura notadamente conservadora com relação aos sistemas normativos. Defendem que o importante consiste na preservação do sistema de vida social em que se vive. Por certo que essa posição tende a generalizar-se entre aqueles que estão satisfeitos com o sistema, em razão de que lhes permite um modo de vida altamente gratificante, no plano material, e suficiente para resolver as necessidades que possam chegar a ter, no plano espiritual. A miséria, para eles, é resultado do ócio, do esbanjamento, da inaptidão ou do vício. Sua base principal está formada pelos que foram derrotados na livre concorrência econômica. Os seus instrumentos jurídicos mais venerados são exatamente aqueles que asseguram a reprodução e perpetuação do status: a propriedade privada absoluta, a total irretroatividade da lei, a mais ampla liberdade de contratar, a irrestrita autonomia da vontade e, por último, o endurecimento generalizado das políticas policiais, judiciárias e penitenciárias, deflagradas por um direito penal máximo com penas cada vez mais neutralizantes. (In MONREAL, Eduardo Novoa. O Direito como obstáculo à transformação social. Tradução de Gérson Pereira dos Santos. Porto Alegre: Fabris, 1988, p. 85-86; WACQUANT, Loïc. Punir os Pobres: a nova gestão da miséria nos Estados Unidos. 3 ed. Rio de Janeiro: Revan, 2007, p. 30).

[25] MONREAL, Eduardo Novoa. O Direito como obstáculo à transformação social, p. 180.

[26] Hipótese adaptada ao artigo e extraída da obra MUÑOZ CONDE, Francisco. Direito Penal e Controle Social, p. 1-2.

[27] Hipótese adaptada ao artigo e extraída da obra MUÑOZ CONDE, Francisco. Direito Penal e Controle Social, p. 2.

[28] CHRISTIE, Nils. Civilitt and State. (manuscrito inédito). Apud BAUMAN, Zygmunt. Globalização: as conseqüências humanas. Tradução de Marcus Penchel. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor. 1999, p. 114-115.

[29] Segundo Luigi Ferrajoli, o Direito Penal é uma técnica de definição, comprovação e repressão da desviação penal. Tal técnica, independentemente do modelo normativo e epistemológico que a inspira, manifesta-se através de coerções e restrições aos potenciais desviantes, aqueles suspeitos de sê-lo, ou, ainda, aqueles condenados enquanto tais. Assim, a norma penal não pode ser dúbia a ponto de trazer dúvida sobre o limite da sua aplicação pelo juiz de direito. A existência de crimes excessivamente abertos agride de forma reflexa o princípio da legalidade. (In FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal. Tradução de Ana Paula Zomer, Fauzi Hassan Choukr, Juarez Tavares e Luiz Flávio Gomes. São Paulo: Revista dos Tribunais. 2002, p. 167).

[30] STRECK, Lênio Luiz. Hermenêutica jurídica e(m) crise: uma exploração hermenêutica da construção do Direito, p. 73.

[31] Grifo do original.

[32] MONREAL, Eduardo Novoa. O Direito como obstáculo à transformação social, p. 138.

[33] GRAU, Eros Roberto. O Direito Posto e o Direito Pressuposto, p. 171.

[34] ROSA, Alexandre Morais da. Decisão Penal: a Bricolage de Significantes. Rio de Janeiro: Lúmen Júris. 2006, p. 219.

[35] Conforme enfatiza o pensador uruguaio Eduardo Galeano, Gérard Fitoche, fiscal do trabalho em Paris, já chegou à conclusão de que o ladrão que rouba o rádio de um automóvel sofre um castigo maior do que o empresário responsável pela morte de um operário num acidente que podia ser evitado. Fitoche sabe, por experiência própria, que são muitas as empresas francesas que mentem o valor dos salários, os horários e o tempo de serviço dos trabalhadores e que, impunemente, burlam as normas legais de segurança e higiene: “Os assalariados devem calar-se”, diz, “porque vivem com a faca do desemprego na garganta”. Para cada milhão de violações à lei que os fiscais constatam na França, só treze mil recebem condenações ao fim do processo. E em quase todos os casos, essa condenação consiste no pagamento de uma multa ridícula. (In GALEANO, Eduardo. De pernas pro ar: a escola do mundo ao avesso. Tradução de Sergio Faraco. 9 ed. Porto Alegre: L&PM, 2007, p. 179.

[36] Exemplo: Maria Aparecida de Matos, 24 anos, empregada doméstica que só sabe desenhar o nome, mãe de dois filhos pequenos, completou mais de onze meses na prisão. Ela foi acusada de tentativa de furto de um xampu e um condicionar, no valor de R$ 24,00 de uma farmácia de São Paulo. (In PENTEADO, Gilmar. Uma história triste. Matéria publicada na Agência Folha, em 16 de abril de 2005).

[37] O jus-filósofo e penalista alemão Franz Von Liszt, contrariando as doutrinas até então estabelecidas, ultrapassou a barreira da lei para buscar na sociedade os bens passíveis de serem protegidos pelo Direito Penal. Liszt defendia que o bem jurídico penal não é criado pelo legislador, sendo sim identificado por ele no cenário social e, posteriormente, protegido mediante a norma penal. Segundo ele, não há legitimidade quando a previsão formal de uma conduta esta dissociada de um real valor social do bem atingido. (In PASCHOAL, Janaína Conceição. Criminalização e Direito Penal Mínimo. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2003, p. 33/36).

[38] STRECK, Lênio Luiz. Hermenêutica jurídica e(m) crise: uma exploração hermenêutica da construção do Direito, p. 59.

[39] O princípio da insignificância é instrumento doutrinário e jurisprudencial que deveria operar contra a seletividade da norma, contudo, não é o que ocorre na prática. Na mais das vezes, ele é utilizado para excluir a possibilidade de punição de membros das elites econômicas: 2609-DESCAMINHO- Habitualidade criminosa. Existência de registros anteriores. Princípio da insignificância. Aplicabilidade. Havendo prática de descaminho com a ilusão de impostos em valor não superior ao patamar de R$ 2.500,00, da L. 10.522/02, é possível a aplicação do princípio da insignificância penal. A habitualidade exigida para afastar-se o princípio da bagatela não pode ser vista, simplesmente, como mais um processo ou registro de prática idêntica, sendo necessárias várias práticas de descaminho, assim compreendidas, no mínimo, três incursões no tipo penal. Precedentes desta Corte. (TRF 4 R. SER 2003.71.04.011330-3-RS 7 T.- Rel. Des. Fed. p/c Maria de Fátima Freitas Labarrère – DJU 05-05-2004). In CHAVES JUNIOR, Airto; MENDES, Marisa Schmitt Siqueira. A criminalização primária e a norma penal brasileira: considerações acerca de sua seletividade. Revista Eletrônica Direito e Política, Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Ciência Jurídica da Univali. Itajaí, v. 3, n. 3, 3º quadrimestre de 2008, p. 4-5.

[40] FRAGOSO, Heleno Cláudio. Direito Penal e Direitos Humanos. Rio de Janeiro: Forense, 1977, p. 57.

[41] ZAFFARONI, Eugênio Raúl. Sistemas penales y derechos humanos em América Latina. Buenos Aires: Depalma, 1984, p. 17.

[42] ZAFFARONI, Eugênio Raúl; PIERANGELI, José Henrique. Manual de Direito Penal Brasileiro: parte geral. 2. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1999, p. 466.

[43] ZAFFARONI, Eugênio Raúl. Sistemas penales y derechos humanos em América Latina, p. 17.

[44] MELO, Osvaldo Ferreira de. Fundamentos da Política Jurídica, p. 98.

[45] HABERMAS, Júrgen. A inclusão do outro: estudos de teoria política. Tradução de George Sperber. 3 ed. Rio de Janeiro: Edições Loyola. 2007, p. 321-322.

[46] GRAU, Eros Roberto. O Direito Posto e o Direito Pressuposto. 6 ed. São Paulo: Malheiros. 2005, p. 174-175.

Como citar e referenciar este artigo:
PEREIRA, Airto Chaves Júnior e Anna Kleine Neves. Norma Jurídica: Crise de Coerência e Legitimidade. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2010. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/filosofiadodireito/norma-juridica-crise-de-coerencia-e-legitimidade/ Acesso em: 29 mar. 2024