Filosofia do Direito

O eterno conflito entre moral e direito.

O eterno conflito entre moral e direito.

 

 

Antonio de Jesus Trovão*

 

 

LUTA. Teu dever é lutar pelo Direito. Mas no dia em que encontrares o Direito em conflito com a Justiça, luta pela Justiça (Eduardo Couture).

 

 

 

Não me importa o que pensam os doutrinadores. Enquanto for ministro do Superior Tribunal de Justiça, assumo a autoridade da minha jurisdição. O pensamento daqueles que não são ministros deste Tribunal importa como orientação. A eles, porém, não me submeto. Interessa conhecer a doutrina de Barbosa Moreira ou Athos Carneiro. Decido, porém, conforme minha consciência. Precisamos estabelecer nossa autonomia intelectual, para que este tribunal seja respeitado. É preciso consolidar o entendimento de que os Sr.s Ministros Francisco Peçanha Martins e Humberto Gomes de Barros decidem assim, porque pensam assim. E o Superior Tribunal de Justiça decide assim porque a maioria de seus integrantes pensa como estes ministros. Esse é o pensamento do Superior Tribunal de Justiça e a doutrina que se amolde a ele. É fundamental expressarmos o que somos. Ninguém nos dá lições. Não Somos aprendizes de ninguém. Quando viemos para este Tribunal, corajosamente assumimos a declaração de que temos notável saber jurídico – uma imposição da Constituição Federal. Pode não ser verdade. Em relação a mim, certamente não é, mas, para efeitos constitucionais, minha investidura obriga-me a pensar que assim seja”. (1).

 

A discussão eternizada por livros, artigos e pareceres emanados pelos mais altos estudiosos do ramo não chegou ao seu fim ou mesmo a ao ápice pacificador que fosse capaz de sustentar o almejado equilíbrio entre as diversas opiniões existentes. Trata-se da origem axiológica e científica da ciência do Direito, permeada que se encontra por anseios e expectativas edificadas ao longo da própria história da humanidade e que com ela se confundiu nas brumas do tempo, tornando-se parte integrante da própria existência da sociedade organizada e da sua perene necessidade de regular a enorme gama de relações humanas que se delineiam e se renovam a cada dia.

 

E não restam dúvidas que a mais recente envolve os limites entre moral e direito a partir da óptica estabelecida pelos avanços científicos nos campos da biotecnologia e engenharia genética, onde experimentos cada vez mais sofisticados prometem causar revoluções não apenas em seus respectivos campos de atuação, mas também gerar uma imensa onda de comoção social, política, comportamental e também – ou principalmente – filosófica.

 

O cerne de tal discussão possui epicentro na identificação genética a partir do projeto denominado GENOMA HUMANO, que pretende mapear o código genético humano com a finalidade, inicial é claro, de obter um certificado descritivo do funcionamento da reprodução humana e, desta forma, proceder a estudos complementares para desenvolvimento de medicamentos, procedimentos e tratamentos específicos contra os males cujo diagnóstico e a cura tem-se mostrado cada vez mais impossível e distante de uma solução possível que atinja a todos aqueles que deles sofrem.

 

Sabe-se também que esta concepção é apenas a ponta do “iceberg” dos anseios que cercaram este projeto desde a sua mais remota idealização, posto que a ousadia humana no campo científico não conhece qualquer limite, inclusive o limite estabelecido pela moral e pela ética, até porque é da natureza humana cobiçar tornar-se não apenas parte do criador, mas ele próprio em essência e conhecimento; ousadia essa que a história tem demonstrado às escâncaras revestir-se de incompreensão, excessos e abusos desmedidos cuja vítima mais próxima é, sempre, a própria humanidade.

 

Todavia, mesmo desmedido, mesmo exageradamente envolvido em orgulho e prepotência, o homem persiste em dirigir seus esforços científicos rumo a uma revolução que, diante das câmeras, revela-se como imbuída de elevado altruísmo e de enorme carga humanitária, quando na verdade – nos bastidores – têm-se apenas os interesses econômicos de uns poucos grupos detentores de poder que apenas desejam controlar e dominar o restante da humanidade e determinar o que é bom e o que é mau para seu bem-estar. Não se trata apenas de bem e mal de forma absoluta, pois como sabemos estes sentimentos, via de regra, são relativizados pela própria convivência social.

 

Assim sendo, o que temos por destinação é que a humanidade caminha em direção a algo que ela mesma não entende bem o que é ou o que vai representar para si própria em um futuro bem mais próximo do que nossa ingênua filosofia possa ser capaz de compreender ou aceitar. O caminho está obscurecido pelo excesso de confiança que o homem deposita apenas em si mesmo, deixando de entender que forças superiores a ele operam diuturnamente na sua própria existência, implicando na observância de que uma dessas forças é a importância dos relacionamentos humanos que à medida que se sofisticam e se impregnam de novas razões de ser, contribuem para que a humanidade encontre um processo evolutivo paralelo, processo este que caminha ao lado – sim, ao lado – do processo evolutivo científico.

 

Tais inovações científicas e tecnológicas têm por pressuposto fundamental a busca incessante – ou até mesmo insana – do homem por um bem-estar que também não conhece limites, revertendo-se em um círculo vicioso que não possui essência própria e se alimenta basicamente de seus próprios interesses; interesses esses que não se revelam como verdadeiros e fundamentais para a existência da humanidade. Nossa incompletude é o que nos faz assim como somos, frágeis, complexos e finitos. Não existe razão aparentemente lógica para pressupormos que encontrar a solução para todos os males – inclusive o maior deles – seja suficiente e mesmo necessário para que acreditemos que imortalidade, invencibilidade, ausência de males, possam ser as respostas que tanto almejamos.

 

Provavelmente, sabermos de onde viemos e para onde vamos seja muito mais importante e revestido de relevância mais que necessária para compreendermos nossas vidas. A essência da vida não está dentro de nossas células, nem mesmo dentro de nosso organismo; ela está dentro daquilo que efetivamente somos, e não daquilo que achamos representar diariamente neste palco infinito que é o universo.

 

A partir de tal propositura, precisamos de modo curial, entender como nosso comportamento frente a todos esses eventos procura adaptar-se estabelecendo critérios lógicos e racionais de certo e errado, de bom e de mau, de bem (absoluto ou relativo) e mal (sempre relativizado em sua essência). É o que vamos, a partir de agora tentar sistematizar a partir de conceitos morais e éticos antigos que se projetam para a atualidade e para o futuro.

 

 

O DILEMA DO DIREITO AMBIENTAL

 

Constituindo-se como um novo vertente do direito, os direitos ambientais, vieram propor uma visão mais coletiva sobre o uso dos limitadíssimos recursos naturais, propondo que o indivíduo observe que a utilização indiscriminada de tais recursos constitui-se, hoje, em possibilidades mais que evidentes de escassearem-se suas fontes originais, colocando as novas gerações em situação de risco iminente de perecimento em curto prazo.

 

Os princípios pelos quais este novo edifício do direito se constituiu assentam-se, especialmente, na íntegra do artigo 225 da Constituição Federal de 1988, o qual transcrevemos a seguir:

 

Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.

§ 1º – Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público:

I – preservar e restaurar os processos ecológicos essenciais e prover o manejo ecológico das espécies e ecossistemas;

II – preservar a diversidade e a integridade do patrimônio genético do País e fiscalizar as entidades dedicadas à pesquisa e manipulação de material genético;

III – definir, em todas as unidades da Federação, espaços territoriais e seus componentes a serem especialmente protegidos, sendo a alteração e a supressão permitidas somente através de lei, vedada qualquer utilização que comprometa a integridade dos atributos que justifiquem sua proteção;

IV – exigir, na forma da lei, para instalação de obra ou atividade potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente, estudo prévio de impacto ambiental, a que se dará publicidade;

V – controlar a produção, a comercialização e o emprego de técnicas, métodos e substâncias que comportem risco para a vida, a qualidade de vida e o meio ambiente;

VI – promover a educação ambiental em todos os níveis de ensino e a conscientização pública para a preservação do meio ambiente;

VII – proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais à crueldade.

§ 2º – Aquele que explorar recursos minerais fica obrigado a recuperar o meio ambiente degradado, de acordo com solução técnica exigida pelo órgão público competente, na forma da lei.

§ 3º – As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados.

§ 4º – A Floresta Amazônica brasileira, a Mata Atlântica, a Serra do Mar, o Pantanal Mato-Grossense e a Zona Costeira são patrimônio nacional, e sua utilização far-se-á, na forma da lei, dentro de condições que assegurem a preservação do meio ambiente, inclusive quanto ao uso dos recursos naturais.

§ 5º – São indisponíveis as terras devolutas ou arrecadadas pelos Estados, por ações discriminatórias, necessárias à proteção dos ecossistemas naturais.

§ 6º – As usinas que operem com reator nuclear deverão ter sua localização definida em lei federal, sem o que não poderão ser instaladas.

 

Todavia, uma análise pouco sucinta dos eventos ecológicos mais recentes nos mostra que se trata de um direito que já nasce com o germe da sua própria morte. O descongelamento das calotas polares decorrente do aumento da temperatura global (efeito estufa), o desmatamento descontrolado, a emissão de poluentes gasosos, a desertificação de áreas anteriormente produtivas, são apenas alguns dos elementos que demonstram de forma cabal que o homem está destruindo a natureza que lhe serve de alimento, guarida e bem-estar, constituindo-se em um processo irreversível que conduz a humanidade em direção ao seu próprio caos – o caos que ela mesma buscou.

 

Na teoria que o consagrou, Lovelock descreve a Terra como uma espécie de superorganismo formado pela superfície, ar e oceanos. O planeta funcionaria como um sistema vivo capaz de regular a composição atmosférica, o clima e a salinidade dos mares, o que o manteria sempre adequado para a vida. Fez um baita sucesso com os verdes. O problema é que agora o aquecimento global agiria como uma armadilha para Gaia: o calor proveniente do efeito estufa gera ainda mais calor, num círculo vicioso.

Químico com doutorado em medicina e biofísica, Lovelock foi um dos primeiros ambientalistas a falar do aquecimento global, num relatório elaborado em 1989 para o gabinete da primeira-ministra inglesa Margaret Thatcher. Best sellers como As Eras de Gaia o tornaram um dos cientistas mais influentes do século 20, com títulos de doutor honoris causa em diversas universidades ao redor do mundo.

 

 

Parece que foi apenas ontem que o renomado biólogo americano James Lovelock estabeleceu os princípios do projeto denominado MÃE GAIA, pelo qual o nosso planeta como é conhecido deve ser entendido como um organismo vivo que, respira, se alimenta e procria em sua própria superfície e cuja resultante é o próprio conceito de desenvolvimento auto-sustentável que permitirá ao homem sobreviver em absoluta harmonia com o meio em que vive. Aliás, é dele a frase que se segue:

 

“Temos que ter em mente o assustador ritmo da mudança e nos darmos conta de quão pouco tempo resta para agir, e então cada comunidade e nação devem achar o melhor uso dos recursos que possui para sustentar a civilização o máximo de tempo que puderem”.

Desta forma, pode-se facilmente compreender que qualquer ação do homem com o objetivo de reverter tal quadro tornou-se inócua, sendo certo que seus resultados serão, indubitavelmente, discutíveis e incertos. O próprio direito ambiental encontra-se, assim, eivado pelo germe de sua própria morte, seus conceitos, princípios e alocações de caráter científico perdem seus respectivos objetos e tornam-se quimeras que podem simplesmente desaparecer ao vento.

 

A realidade mais dura e mais fática é que, até o final deste século que acaba de despontar a humanidade poderá estar reduzida a alguns poucos casais capazes de reproduzirem, isolados em áreas desérticas ou árticas destituídos que qualquer meio eficiente de comunicação ou mesmo de instrumentos capazes de assegurar sua sobrevivência.

 

Desta forma, temos aqui o imenso dilema que se coloca à frente do direito ambiental: ações como a agenda 21, protocolo de Kyoto, legislações especiais que visem proteger a mata atlântica, a selva amazônica, os mares e oceanos, a diminuição de gases poluentes, enfim, tudo o que se está fazendo e tudo o que se pretende fazer pode ser apenas uma tentativa patética e frustrante cujos resultados pífios não conseguiram, por si próprios, constituir-se em elementos significativos para buscar-se a reversão de um processo ambiental que teve início juntamente com a era de industrialização do planeta. O alerta de Lovelock pode parecer muito cético, muito pessimista, ou ainda excessivamente crítico, porém, uma evidência está mais que clarificada pelas suas análises: a esperança que imbui as pessoas que se debruçam sobre o estudo do direito ambiental encontra-se totalmente comprometida com a realidade fática que as pesquisas acerca do tema demonstram de forma irrefutável – não há futuro que seja capaz de suportar tal carga de incompreensão e falta de senso moral e ético.

 

 

O CONFLITO MORAL E ÉTICO.

 

O capítulo anterior, embora possa parecer mais aterrador do que realmente o é nos deixa uma importante lição a ser apreendida em sua integralidade: o princípio geral que enuncia que o direito não socorre os que dormem aplica-se como um engate perfeito à situação descrita; o homem deve tentar sempre aprender com seus erros e deles extrair tudo de bom ou mesmo de ruim que se lhe apresente, e não apenas em atitudes tomadas de forma coletiva, mas também e principalmente, aquelas de forma individual – cujo resultado pode ser muito mais eficiente do que se pensa – adotando-se uma postura moral e ética muito mais condizente com a devida preocupação com seu próximo do que simplesmente doar algum dinheiro para instituições filantrópicas, ou ainda jogar algumas moedas para o indigente que lhe esteja mais próximo. Trata-se de atitude meramente demagógica, sem conteúdo e sem finalidade prática, e que proporciona ao seu autor uma sensação momentânea de prazer e de bem-estar que não substitui a verdadeira sensação de estar-se fazendo algo em prol da humanidade como um todo e não um ato de satisfação pessoal que não conduz a nada.

 

O princípio da eticidade preconiza que devemos agir de forma individual, porém pensando sempre em resultados coletivos (pensar globalmente e agir localmente); sem embargo a eventuais críticas, que sempre são bem vindas, pois sempre construtivas, não podemos simplesmente supor que a fábula do pequeno pássaro combatendo o incêndio na floresta colhendo água em seu bico na lagoa distante, possa parecer uma mera figura de retórica que não possui resultado prático mensurável.

 

Encontramo-nos em uma situação que, mesmo sabendo-se que os resultados de ações isoladas poderão não surtir os efeitos almejados, deveremos continuar tentando, posto que conhecida é a capacidade criativa do ser humano, e que é essa capacidade que o fez chegar até aqui e poderá, sem qualquer sombra de dúvida, remetê-lo de um futuro absolutamente certo e determinado, para outro que, embora incerto, pode realmente fazer a diferença.

 

Ademais, não podemos relegar ao plano do esquecimento coletivo a máxima proferida pelo grande homem que foi chamado de mahatma Ghandi:

 

“O homem que quiser inovar para o bem, inexoravelmente, passará por cinco estágios: indiferença, ridicularização, ofensa, repressão e, finalmente, respeito”.

 

A inovação para o bem é neste momento e em qualquer outro, a postura ética que se espera de todos os indivíduos, sem ressalvas, sem medos, sem hesitações e firmemente determinados a fazer a diferença. Postura ética é aquela que se adota como forma de agir, de pensar e de fazer as coisas, sempre tendo em vista os coletivo, esperando que os resultados atingidos sejam um bem para todos e não apenas para alguns.

 

 

OS CONFLITOS INTERNACIONAIS MODERNOS.

 

De outro aspecto que analisemos a questão abordada neste trabalho, vamos constatar que as relações internacionais atuais não passam de um simulacro enfadonho e patético do que realmente deveria ser a ação coordenada da Organização das Nações Unidas (ONU) com vistas a atender os objetivos preconizados em sua carta.

 

Terrorismo, guerrilha urbana, massacres em nome da religião, da descendência, ou simplesmente em nome próprio de quem as engendra são temas mais que atuais, e o que se percebe é que também o Direito Internacional não possui a eficácia almejada para encontrar soluções práticas para tais males. O homem não sabe o que realmente deve esperar de organismos internacionais que se encontram sujeitos às vontades de alguns poucos que lhe dirigem os objetivos e em seu nome elevam falsos estandartes de liberdade, igualdade e fraternidade que não se constituem, nos dias atuais, em elementos a serem conquistados, posto que já foram consolidados ao longo da história recente da humanidade a custa de muito sangue, suor e lágrimas.

 

Modernamente, temos que o princípio que margeia e orienta o direito internacional, pelo qual a soberania mundial deve encontrar eco na soberania dos países membros integrantes da Organização das Nações Unidas (ONU), de modo que, os interesses coletivos dos povos que constituem estes países devam prevalecer sobre os interesses individuais de seus dirigentes e suas respectivas políticas internas, sendo certo que os interesses maiores necessitam de uma visão avaliativa de caráter qualitativa e não meramente quantitativa. Ou seja, povos devem ser considerados em si mesmos e não enquanto estruturas autônomas que exijam a sua auto-preservação em detrimento da preservação da própria raça humana.

 

Todavia, mais uma vez aqui percebe-se o estigma presente de ambigüidade entre moral e ética. A moral abarca necessariamente os interesses do grupo enquanto um coletivo de características próprias, cuja independência torna-se relevante de si para os demais, não se importando com as conseqüências que tal comportamento acarretará nas relações deste mesmo grupo com os demais que integram o planeta; trata-se de uma vertente de verdadeira idiossincrasia absolutamente inadmissível nos dias atuais, mesmo para padrões morais plenamente aceitáveis porque resulta num processo de exclusividade que priva o todo daquilo que lhe é benéfico em favor da parte que favorece a si próprio ensejando uma realização desmedida e desprovida de autenticidade.

 

Assim sendo, o que temos é a prevalência de procedimentos de caráter eminentemente imperialistas, indicando nitidamente que os interesses instituídos por uma determinada nação deverão ser os interesses de todos os demais, primeiro porque com eles não se conflitam na exata medida em que – de forma representativa – transpiram os ideais almejados por todos (segurança, paz, bem-estar social e progresso), indicando nitidamente que a meta global é a resposta à pergunta formulada pela humanidade desde os seus primórdios.

 

Em segundo, porque debaixo desta verdadeira camuflagem ideológica esconde-se o interesse privativo do grupo dominante naquela nação, ou ainda, de forma mais contundente, os interesses de alguns indivíduos que controlam, manipulam e estruturam o poder nos moldes adequados aos interesses que foram previamente estipulados em reuniões, discussões, posicionamentos que apenas se revelam nos momentos exatos de adequados; guerras estabelecidas com finalidades nobres, mas que na verdade apenas tem por meta preservar interesses que atendam a este grupo; denúncias, escândalos, investigações que servem apenas e tão somente como subterfúgios para driblar a mente e evanescer o espírito das massas.

 

Isto não é ético, apenas moralmente aceitável por aqueles que controlam e detém o poder, até porque esta moral é a moral difundida por eles para os demais, impingindo uma forma diletante e totalmente desconstituída de verdade cujo amálgama final é um “retrato de Dorian Grey”, cuja face plena de passividade esconde as deformidades de um sistema que nunca fali ou mesmo perde a atualidade.

 

Assim é o sistema de relações internacionais: ambíguo, disforme e destituído de normas eticamente relevantes; apenas os interesses que devem ser preservados a qualquer custo e a todo o tempo, preservando o “estado natural de coisas”, que todos os integrantes protegem e asseguram, sem se questionar sobre as suas verdadeiras finalidades, ou melhor, sobre a sua verdadeira face.

 

É fato mais do que plenamente conhecido de todos que a Organização das Nações Unidas (ONU) não exerce mais qualquer papel de relevância no mundo moderno, posto que seus atributos foram amplamente desrespeitados e desconsiderados por uma autoridade que se diz maior que todas – a do poder econômico e social orientada por uma política internacional regida pelos Estados Unidos da América – e que, desta forma, exerce seu poder de controle sobre tudo e sobre todos.

 

O Oriente Médio (o grande vilão), como se sabe muito bem, foi treinado e orientado pelo seu atual algoz, seja no campo militar como no social e no político. O Islã deveria ser tratado como uma entidade social, política e econômica, independente, constituída por elementos próprios e que não se curva à intimidação oferecida por estrangeiros (estranhos à sua cultura).

 

Todavia, não é assim que funciona, pois a hipocrisia que grassa pelo mundo moderno construiu um diferencial comportamental de ignorar que nas diferenças e imperfeições é que se encontra a maravilha humana. Porque exigir que um povo milenar que ocupa a região há centenas de anos, com cultura e filosofia próprias venha a se submeter aos conceitos ocidentais de democracia, comportamento politicamente correto e deixar-se, assim, quedada a estereótipos que não lhe pertencem e que nunca integrarão a sua fisionomia característica.

 

O mesmo acontece com os países da América central e da América Latina, impingindo-lhes modelos econômicos e sociais que não correspondem à sua realidade fática.

 

 

ÉTICA E CONSTITUIÇÃO.

 

Tempos recentes demonstram às escâncaras que a sociedade está se diluindo, se perdendo em si mesma. Conceitos antes austeros e plenamente válidos, hoje encontram-se perdidos em meio à tanta barbárie, tanta violência por motivos tão mesquinhos, tão insignificantes que a própria existência da humanidade civilizada está sendo posta em xeque.

 

Sociólogos e cientistas sociais, debruçados sobre o problema da sociedade moderna chegam a algumas conclusões – algumas mais óbvias que outras – sendo certo que todas elas convergem para dois pontos básicos: a revolta dos excluídos e a perda da sensibilidade social.

 

O primeiro não resiste à uma análise mais acurada, posto que o termo “excluído” deve ser considerada de forma mais ampla que aquela enquanto objeto de estudo dos sábios estudiosos. O excluído, o indivíduo que vive à margem da sociedade, a bem da verdade, é colocado lá pela própria sociedade, por todos seus integrantes todas as vezes que, ao exercerem seu direito constitucionalmente assegurado do voto universal e secreto, elegem representantes que apenas se preocupam com seus eleitores quando chamados a fazê-lo de forma imposta pelo momento, sob forte emoção e com um enorme desmazelo pelo atividade que lhe foi conferida pelo texto constitucional.

 

Todavia, este excluído, mesmo na exclusão de seu meio, acredita que a situação pode melhorar, acredita no estabelecimento social, acredita no futuro, nas possibilidades que a sua frente se descortinam, e mesmo sofrendo os efeitos de políticas frágeis, desestruturadas e sem qualquer fim eficiente, crêem que a sociedade deles não se olvidou.

 

E é este indivíduo que assume uma moral inabalável, uma enorme crença no meio em que vive capaz de tomar decisões e atitudes totalmente surpreendentes, profundamente arraigadas à forma como foi educada e plenamente adequadas aos princípios que emanam de nossa Constituição. Pessoas que sem perceber, conhecem intimamente o conceito republicano, a prevalência do interesse público sobre o individual.

 

São estes cidadãos que sabem perfeitamente discernir o certo do errado, o bem do mal, a verdade da mentira. São estes cidadãos que se valem da crença nas leis, no ordenamento jurídico para orientar suas vidas. São eles que dão sustentação à nossa sociedade, e é esta mesma sociedade que os coloca à margem, os despreza e deles extraem tudo que pode haver de bom, de justo e de certo para sobreviverem.

 

Fatos recentíssimos nos comprovam que quem depreda e destrói a nossa sociedade somos nós mesmos e não aqueles a quem acusamos. Eles são apenas produtos de nossa deturpação, de nosso desvio de nossos próprios medos e insatisfações.

 

Deflui-se daí a importância de uma postura ética adequada ao nosso texto constitucional, observando os ditames ali expressos – e mesmo os não expressos – de conduta e formação de caráter, habilitando todo o conjunto de forma harmoniosa em direção ao bem comum, o bem que todos almejamos e que nosso ordenamento jurídico visa assegurar.

A Magna Carta não é apenas um texto escrito e assinado por alguns políticos; ela é muito mais do que isso, é a plenitude da cidadania, do exercício da democracia e da valorização humana de forma mais ética possível. Ela nos indica desde atitudes simples como também aquelas mais complexas, orientando nosso discernimento e nosso comportamento de forma mais consciente e criteriosa a fim de que não cometamos mais erros vertidos pela ausência de bom-senso.

 

O texto constitucional nos fornece meios e caminhos em direção à eticidade, uma conduta orientada no sentido de buscar incessantemente o bem comum; o bem que não deve nunca ser considerada como uma utopia. Pensadores de todas as épocas são uníssonos no sentido de atribuírem ao bem comum um conceito dotado de simplicidade e transparência: o bem comum está em uma conduta justa, equilibrada e dosada de bom senso.

 

E esta conduta reflete-se em gestos, atos e comportamentos simples, preenchendo nosso cotidiano de tal modo que, ao final, a somatória global destas repercutirá no meio social de forma positiva. Gentileza com nossos semelhantes, cortesia ao tratar com os que nos cercam, respeito às leis, costumes e regras sociais amplamente adotadas em nosso meio social, são apenas algumas das condutas que se tornadas hábitos constantes entre os integrantes de uma sociedade refletirão o exato anseio constante das linhas do texto constitucional: postura ética desde os comportamentos mais simplórios.

 

Indiscutivelmente, esse é o cerne da Magna Carta, o eixo central que lhe dá sustentação e ressoa no meio social. Portanto, de nada adianta pensamentos como este se, na prática, no comportamento diário os indivíduos são incapazes de conceber tais pressupostos como símbolos para orientação de suas vidas.

 

De nada adianta um texto constitucional firmemente apoiado em conceito tão facilmente absorvível, se eventos como os ocorridos neste país, recentemente, dão azo à crença de que tudo está perdido. Perdido como as balas que voam pelas cabeças de cidadãos inocentes; perdido como crianças arrastadas por automóveis fugitivos dirigidos por ladrões adolescentes que, ao final, encontrar-se-ão protegidos por uma legislação inócua, pouco eficiente e destituída da necessária atualização.

 

E enquanto tudo isso acontece – é a realidade! – os demais membros desta sociedade (sejam eles legislados e legisladores) olham para seus próprios umbigos e discutem a modernização do sistema judiciário a partir de frios e distantes dados estatísticos, sem jamais se preocuparem com quem serão as próximas vítimas da catástrofe social que encontra-se por vir – desnudando seus primeiros sinais no horizonte próximo.

 

Assim, o que se vislumbra não precisa ser aquele que a nossa primitiva crença na fatalidade absoluta tem em sua mente atávica de que tudo está, literalmente, perdido. Basta que tomemos atitudes simples como aquelas que se encontram implicitamente contidas no texto constitucional; que nos reeduquemos em um pequeno retorno ao passado. Não aquele passado que desejamos sempre esquecer; apenas aquele em que as pessoas se respeitavam muito mais, que se amavam muito mais e que a distância social não servia de elemento demarcador entre a lucidez e a barbárie.

 

Afinal, de que serve um ordenamento jurídico bem estruturado e fincado em uma base constitucional solidamente construída ao longo de anos, se, no final de tudo sempre restará apenas a dor e a absoluta sensação de perda, de abandono, de tristeza que diuturnamente aloca-se em nossos corações e mentes, tornado-nos seres repulsivos (de ambos os lados considerados), que ora destroem em minutos (ou serão segundos) tudo aquilo que levou décadas (séculos) para serem estabelecidos, ou ainda que, de outra forma, refugiam-se em suas casas-fortes distanciando-se da realidade global para encontrar abrigo na iconoclastia do meio.

 

Vamos salvar não apenas nossa constituição, mas também a nós próprios e nossos semelhantes, voltando a olhar este texto como uma notícia sempre renovável não apenas em si mesmo, mas também e principalmente como uma força capaz de gerar a entropia positiva que invade mentes, corações e almas, construindo uma nação mais forte e muito mais confiante no futuro.

 

Não é porque as coisas são difíceis que nós não nos atrevemos; é porque nós não nos atrevemos que elas se tornam difíceis. Sêneca

 

São Paulo, 22 de fevereiro de 2007.

 

(1) – AgReg em ERESP n°: 279.889-AL.

 

 

* Graduação em Administração de Empresas pela Escola Superior de Administração de Negócios (ESAN), Campus de São Paulo (ano de 1995) – pós-graduação em Administração Estratégica pela mesma escola superior. graduado no curso de Direito na Universidade São Francisco – Campus de São Paulo (2006). Servidor público federal, lotado no Judiciário Trabalhista, junto ao Tribunal Regional do Trabalho da Segunda Região (primeira instância). ocupando atualmente o cargo de assistente de diretor.

 

 

 

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Como citar e referenciar este artigo:
TROVÃO, Antonio de Jesus. O eterno conflito entre moral e direito.. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2008. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/filosofiadodireito/o-eterno-conflito-entre-moral-e-direito/ Acesso em: 28 mar. 2024