Direito Empresarial

O Direito empresarial e seus princípios constitucionais

Marcio Alves Pinheiro

 

Introdução 

 

Feita uma rápida pesquisa, constatamos não haver tratamento, por parte da doutrina privada ou “comercialista” dos princípios constitucionais do direito empresarial (ou comercial, para aqueles que preferem esta denominação). Então traçaremos aqui breves comentários aos princípios que regem esse ramo do direito.

 

O super princípio dos valores sociais do trabalho e da livre iniciativa

 

O princípio fundamental esculpido no ar. 1º, IV, CRFB, nos dá um dos valores (super princípios) resguardados por nossa Carta Política, quais sejam, o trabalho e livre iniciativa. Ambos estão no mesmo inciso não é à toa, pois são indissociáveis num Estado Democrático de Direito. Indissociáveis porque o trabalho é uma atividade humana que, em regra, visa realizar a produção e circulação de bens e serviços, e a livre iniciativa é o que legitima o direito à liberdade de organizar uma atividade econômica (claro, cumpridos os requisitos legais).

 

A ordem econômica e financeira e os princípios gerais da atividade econômica           

 

A CRFB trouxe, como um de seus títulos, a ordem econômica e financeira, verdadeiro direito humano (ou fundamental) a uma ordem econômica justa e razoável, que obedeça a critérios de ordem pública, sujeitando-se os atores da atividade econômica nacional às regras e princípios legais e constitucionais. O primeiro dos capítulos desse título versa sobre os princípios gerais da atividade econômica, ou seja, dá ao intérprete a noção de que o disposto ali é um conjunto de princípios, que devem ser aplicados pelos juízes e orientadores de interpretação da norma e da própria CRFB.

 

 

O art. 170, caput 

           

Nota-se que esse artigo traz valiosas noções ao direito: diz que a ordem econômica tem como fundamento o trabalho humano e a livre iniciativa, o que nos remete ao super princípio do art. 1º, IV, CRFB, e diz também que a finalidade do trabalho humano e da livre iniciativa é assegurar a todos uma existência digna (que traz íntima ligação com o super princípio da dignidade da pessoa humana, escrito no art. 1º, III, CRFB). Sendo assim, se não se está assegurando uma existência digna, o Estado deve promover políticas que visem trazer um existência digna. Um condicionador que existe no texto é que essa existência deve ser conforme os ditames da justiça social, o que nos traz a idéia de que o Estado deve usar a justiça social como parâmetro de atuação sobre a ordem econômica. A lei (Legislativo), o ato administrativo (Executivo) e a sentença (Judiciário) devem se pautar pela justiça social (que é um valor subjetivo) ao tratarem da ordem econômica. Os princípios específicos da ordem econômica vemos adiante.

 

 

O inciso I: o princípio da soberania nacional 

         

Esse princípio não é o mesmo que aquele valor explicitado no art. 1º, I, CRFB. Trata-se aqui de particularidade específica da soberania do Estado. Devemos entender aqui que a soberania é o poder que o Estado tem, através de seus instrumentos (lei, ato administrativo e sentença), de fazer valer sua vontade e comandar a ordem econômica, naquilo que for essencial. Essa intervenção estatal na ordem econômica não é nova, pois até a tutela processual penal já fazia referência a ela em 1941, pois o Código de Processo Penal, no seu art. 312, diz que poderá ser decretada pelo juiz a prisão preventiva como garantia da ordem pública, da ordem econômica, […] quando houver prova de existência do crime e indício suficiente de autoria. Vemos aí a preocupação do legislador que se utilizou até do instituto da prisão preventiva para protegê-la.

 

 O inciso II: o princípio da propriedade privada 

           

Esse princípio assegura aos trabalhadores, empresários, investidores etc. que a propriedade privada deles é da ingerência dos mesmos, não devendo o Estado interferir sem motivos relevantes naquilo que é a mola propulsora da atividade econômica. Esta só existe para que haja produção e circulação de mercadorias e serviços. O art. 5º, XXII, CRFB, traz esse direito de forma geral, sendo essa propriedade privada do art. 170 um princípio específico e individualizado de garantia de não-intervenção estatal sem motivos justos e razoáveis.

 

 

O inciso III: o princípio da função social da propriedade 

           

 Uma limitação do princípio aventado acima, que legitima a intervenção estatal na propriedade que não cumpre sua função social. No prisma da ordem econômica, esse princípio reza que a propriedade deve cumprir sua função econômica, ou seja, deve ser usada para gerar riquezas, garantir o trabalho, sustentar o Estado através de tributos justos e promover o desenvolvimento econômico. Podemos vislumbrar aqui também que há no art. 5º, XXIII, CRFB, esse mesmo princípio, mas de forma geral, que complementa este do art. 170.

 

 

O inciso IV: o princípio da livre concorrência 

           

Os atores da atividade econômica possuem a garantia de concorrer livremente entre si, sem intervenção estatal desnecessária. Sob o aspecto negativo deste princípio, o Estado não pode proibir ou discriminar injustamente uma atividade econômica por si só, sem fundamentos justos; sob o aspecto positivo deste princípio, o Estado deve promover incentivos (sobretudo fiscais) aos atores financeiros que estejam cumprindo requisitos legais, atuando em áreas de manutenção da sobrevivência humana e encorajando outros atores financeiros à atuação pelos ditames legais.

 

 

O inciso V: o princípio da defesa do consumidor 

          

Princípio de suma importância nos dias de hoje, sobretudo pela grande eficácia social do CDC, esse princípio reza que a atividade econômica deve proteger a parte mais fraca, o consumidor, das agruras do mercado financeiro, sobretudo de suas regras ininteligíveis para o “homem mediano”. Essa proteção deve vir de dois agentes: o Estado, ao editar leis, atos e sentenças que se coadunam com o já existente CDC, e os atores econômicos, que devem se pautar pelos princípios e regras consumeristas.

 

O inciso VI: a defesa do meio ambiente 

           

Esse princípio foi alterado pela Emenda Constitucional 42, que trouxe uma inovação ao princípio. Além de ter a obrigação de proteger o meio ambiente (que também tem tratamento constitucional), merece tratamento diferenciado (para melhor ou para pior) por parte do Estado, conforme o impacto que o agente econômico causar. Dessa forma, deve o Estado incentivar aquele que se preocupa com o meio ambiente, e penalizar aquele que o depreda.

 

 

O inciso VII: a redução das desigualdades regionais e sociais 

           

A CRFB estende aos atores econômicos um dos objetivos do Estado, que é reduzir desigualdades sociais e regionais, conforme o art. 3º, III. Os agentes financeiros devem, através de suas atividades, ir de encontro às desigualdades para tentar minimizá-las, sobretudo quando o Estado já tenha dirigido e orientado aos agentes os atos a serem realizados por eles. Deve a lei dizer ostensivamente os locais e áreas sociais a serem preenchidos pelos agentes com a produção e circulação de seus bens e serviços.

 

 

O inciso VIII: a busca do pleno emprego 

           

Esse inciso versa sobre o aproveitamento máximo do capital, da mão-de-obra, da tecnologia e dos insumos da produção e circulação de bens e serviços. Isso implica no: não desperdício de insumos; na busca de novas tecnologias para a realização da atividade; no emprego do capital de forma diligente; e na capacitação de recursos humanos atuais e futuros, com o devido aproveitamento por parte dos atores econômicos, o que traz à baila a íntima relação entre o valor social do trabalho e o valor social da livre iniciativa na atividade econômica.

 

 

O inciso IX: tratamento favorecido para empresas que cumpram certos requisitos 

           

Esse inciso foi modificado pela Emenda Constitucional 6, que estendeu o benefício de tratamento favorecido a empresas de pequeno porte (aí incluídas as microempresas), desde que sejam constituídas conforme a lei brasileira e mantenham sede e administração no país.

 

 

O parágrafo único: a liberdade de exercício de atividade econômica 

           

No parágrafo único é assegurado um outro aspecto da liberdade, qual seja, o livre exercício de atividades econômicas, sem a necessidade de autorização estatal. Essa liberdade não pode, evidentemente, ser absoluta, devendo a lei ordinária especificar quais atividades necessitam de autorização legal. Apenas a lei pode realizar esse controle, pois ela é fruto de deliberação de órgão representativo dos cidadãos do país, e meio ideal de controlar o exercício de direitos constitucionais. Assim, tem-se a regra geral da liberdade, com a limitação legal devidamente posta no mundo jurídico para realizar a soberania estatal de controle e comando da atividade econômica.

 

 

Conclusão 

             

Através deste simples artigo, pudemos observar que os princípios muito dizem ao intérprete, que deve buscar neles uma fonte de interpretação e aplicação do bom direito no sistema jurídico. Não basta a boa vontade por si só, sendo necessário a atuação efetiva do Estado e da sociedade na realização dessas diretivas.

 

 

Como citar e referenciar este artigo:
PINHEIRO, Marcio Alves. O Direito empresarial e seus princípios constitucionais. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2009. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/empresarial/o-direito-empresarial-e-seus-principios-constitucionais/ Acesso em: 20 abr. 2024