Direito Empresarial

Como empreender sozinho, sem sócios, no Brasil?

empresa

“Aquele que deseja empreender sozinho, sem sócios, no Brasil, possui basicamente três opções: tornar-se empresário individual, abrir uma EIRELI ou constituir uma sociedade limitada unipessoal.

Marcelo John Cota de Araújo Filho[1]

empresaO risco inerente ao exercício de uma atividade empresarial é algo que causa muita preocupação àqueles que se sentem inseguros em empreender com um sócio. A possibilidade de discordância sobre alguma estratégia de negócios específica e o receio da formação de desavenças pessoais pela diferença de ideias são exemplos que levam muitos a optarem por desenvolver um empreendimento sem a participação de outras pessoas.

Aquele que deseja empreender sozinho, sem sócios, no Brasil, possui basicamente três opções: tornar-se empresário individual, criar uma Empresa Individual de Responsabilidade Limitada (EIRELI) ou constituir uma sociedade limitada unipessoal. Cada uma das alternativas possui especificidades que podem ser vistas como vantagens ou como desvantagens, cabendo ao empreendedor decidir qual a melhor solução para o modelo de negócio que deseja desenvolver.

Essas especificidades serão abordadas a seguir, por meio do detalhamento das características de cada alternativa e das considerações pertinentes que devem orientar a decisão do empreendedor.

O EMPRESÁRIO INDIVIDUAL

Empresário individual é a pessoa física que exerce, em nome próprio, uma atividade empresarial. Isto é, empresário individual é a pessoa natural que desenvolve, com seus próprios recursos, seu empreendimento.

Uma característica marcante dessa modalidade é a responsabilidade ilimitada e direta do empresário individual, que responde por todas as dívidas contraídas com o seu patrimônio pessoal. Como não há uma pessoa jurídica à frente da atividade desenvolvida, não existe a hipótese de separação patrimonial, de forma que o patrimônio da pessoa física responde direta e ilimitadamente por quaisquer dívidas oriundas do exercício da empresa.

Apesar de essa característica ser vista como uma grande desvantagem, essa modalidade de empresário possui uma característica vantajosa para pequenos empreendimentos: a possibilidade de enquadramento como MEI (Microempreendedor Individual), que tem um procedimento de registro simples e um regime de tributação muito mais brando se comparado às outras modalidades de empresário.

Com efeito, o Microempreendedor Individual é isento de tributos fiscais federais (Imposto de Renda, PIS, Cofins, IPI e CSLL), devendo pagar apenas um valor fixo mensal, que corresponde a uma contribuição para o INSS e ao pagamento do ICMS ou ISS. Esse valor mensal, para o ano de 2020, equivale à quantia de R$ 53,25 para atividades relacionadas ao comércio e indústria, R$ 57,25 para atividades relacionadas a serviços e R$ 58,25 para atividades relacionadas ao comércio e serviços. No entanto, cumpre ressaltar que o MEI é uma categoria que se restringe a atividades mais simples, sobretudo por possuir um limite de faturamento bruto anual baixo, no valor de R$ 81 mil.

Embora seja comum confundir a figura do empresário individual com a do microempreendedor individual, eles são institutos distintos. Ser empresário individual é um requisito necessário para configurar-se como MEI, mas esse enquadramento só é possível se o empresário individual não ultrapassar o limite de faturamento anual de R$ 81 mil.

Diante do exposto, conclui-se que a opção de empreender sozinho através da roupagem de empresário individual só é conveniente para pequenos negócios. A grande vantagem para o empreendedor dessa modalidade reside na possibilidade de enquadrar-se como MEI, mas, caso esse enquadramento não seja possível, a responsabilidade direta e ilimitada do empresário individual, que faz com que seus bens pessoais possam responder pelas dívidas oriundas do exercício da empresa, é um motivo mais que suficiente para que o empreendedor busque outra alternativa para iniciar sua empresa.

A EMPRESA INDIVIDUAL DE RESPONSABILIDADE LIMITADA (EIRELI)

Integrada ao ordenamento jurídico brasileiro com a Lei nº 12.411/11, por muito tempo a Empresa Individual de Responsabilidade Limitada (EIRELI) foi a única alternativa para aqueles que desejavam exercer atividade empresarial sozinhos e, ao mesmo tempo, gozar do instituto da separação patrimonial entre pessoa física e pessoa jurídica.

A EIRELI é uma pessoa jurídica tutelada pelo artigo 980-A do Código Civil e rege-se, no que couber, pelas mesmas regras aplicadas às sociedades limitadas[2]. Isso significa que a EIRELI proporciona ao seu titular a mesma blindagem patrimonial que uma sociedade limitada oferece ao seu sócio, ou seja, existe uma separação patrimonial, de maneira que o patrimônio da pessoa jurídica não se confunde com o patrimônio da pessoa física.

Dessa forma, é certo dizer que a pessoa física que constituiu uma EIRELI limita sua responsabilidade ao capital investido para a formação da pessoa jurídica.

Ocorre que, no caso da EIRELI, há a imposição de um capital social mínimo de 100 salários mínimos para a sua constituição. Esse requisito mínimo pode ser visto como uma desvantagem principalmente para empreendedores iniciantes e que não possuem grande poder econômico, pois necessitariam de um investimento inicial elevado para poder exercer sua atividade empresarial devidamente.

Além disso, outra grande ressalva a se fazer sobre a EIRELI é que a pessoa natural que a constitui só pode ser titular de uma única pessoa jurídica desse tipo. Isso representa uma barreira principalmente para empreendedores mais dinâmicos e ousados, que têm o desejo de exercer atividades empresariais em mais de um ramo econômico, pois só poderiam ser titulares de uma única EIRELI, inviabilizando a constituição de outra pessoa jurídica desse tipo para desenvolver empresas distintas.

Assim, em que pese a EIRELI proporcionar a separação patrimonial, de forma que, ressalvados os casos de fraude[3], somente o patrimônio da pessoa jurídica será responsável pelas dívidas decorrentes do exercício da atividade empresarial, as restrições ligadas à constituição dessa pessoa jurídica podem estabelecer entraves a determinados empreendedores, sobretudo àqueles que não possuem condições de fazer um investimento inicial na monta de 100 salários mínimos e àqueles que possuem a pretensão de exercer diversas empresas.

SOCIEDADE LIMITADA UNIPESSOAL

Possibilidade existente desde a promulgação da Lei nº 13.874/2019, também conhecida como Lei da Liberdade Econômica, a Sociedade Limitada Unipessoal também representa uma alternativa para quem deseja empreender sozinho no Brasil.

Tratando-se de pessoa jurídica, a sociedade limitada unipessoal também promove a separação patrimonial entre o patrimônio da sociedade (pessoa jurídica) e o patrimônio pessoal do sócio (pessoa física), isto é, os bens pessoais do sócio não responderão pelas dívidas contraídas pela sociedade.

Como os patrimônios da pessoa física e da pessoa jurídica não se comunicam, é possível dizer que o sócio responderá de forma subsidiária[4] e limitada pelas obrigações sociais. Ou seja, quem responde por essas obrigações é a própria sociedade, com seus próprios bens, de forma que os bens particulares do sócio estão, em princípio, resguardados.

Vale ressaltar que essa blindagem patrimonial não é absoluta, existindo a possibilidade de responsabilização pessoal do sócio em caso de abuso da personalidade jurídica, hipótese configurada quando o sócio utiliza a sociedade para cometer irregularidades envolvendo o desvio de finalidade da pessoa jurídica ou para promover uma confusão patrimonial com o intuito de ocultar os próprios bens. Nesses casos, pode ocorrer a desconsideração da personalidade jurídica, responsabilizando-se diretamente o patrimônio do sócio pelas irregularidades cometidas[5].

Portanto, ressalvados os casos de abuso, a sociedade limitada unipessoal retrata uma opção viável para a proteção patrimonial da pessoa que deseja empreender de forma a diminuir os riscos inerentes ao exercício da atividade empresarial no Brasil. Fornecendo blindagem patrimonial mas não se prendendo a restrições como ocorre no caso da EIRELI, a sociedade limitada unipessoal representa um grande avanço legislativo pátrio na área do Direito Empresarial, possibilitando aos mais diversos tipos de empreendedores o exercício adequado da atividade empresarial.

CONCLUSÃO

O desejo de empreender é latente a muitos cidadãos brasileiros, independente das condições de vida e esfera social em que estão inseridos. Do pequeno ao grande empreendedor, a possibilidade de exercer uma atividade empresarial sozinho deve ser avaliada em conformidade com as condições concretas do empreendedor e com a expressividade da atividade que ele pretende desenvolver, cabendo-lhe, assim, selecionar a alternativa mais viável entre as existentes para o seu modelo de negócios.

Este artigo foi originalmente publicado em: https://schiefler.adv.br/como-empreender-sozinho-no-brasil/



[1] Estagiário de Direito no escritório Schiefler Advocacia. Bacharelando em Direito pela Universidade Federal de Uberlândia (UFU). Membro do grupo de extensão Inteligência Jurídica (UFU). Ex-assessor de presidência e ex-consultor de Negócios da Magna Empresa Júnior, além de ex-representante discente do Conselho da Faculdade de Direito (CONFADIR) da UFU.

[2] Art. 980-A. […] § 6º Aplicam-se à empresa individual de responsabilidade limitada, no que couber, as regras previstas para as sociedades limitadas.

[3] Art. 980-A. […] § 7º Somente o patrimônio social da empresa responderá pelas dívidas da empresa individual de responsabilidade limitada, hipótese em que não se confundirá, em qualquer situação, com o patrimônio do titular que a constitui, ressalvados os casos de fraude.

[4] A responsabilidade subsidiária surge na hipótese em que o sócio ainda não integralizou todo o capital social subscrito, estando limitada a esse valor subscrito mas ainda não integralizado.

[5]Art. 50. Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade ou pela confusão patrimonial, pode o juiz, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, desconsiderá-la para que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares de administradores ou de sócios da pessoa jurídica beneficiados direta ou indiretamente pelo abuso.

Como citar e referenciar este artigo:
FILHO, Marcelo John Cota de Araújo. Como empreender sozinho, sem sócios, no Brasil?. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2020. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/empresarial/como-empreender-sozinho-sem-socios-no-brasil/ Acesso em: 29 mar. 2024