Economia

Capital Humano (28/03/77)

Na
edição de Janeiro da revista Commentary, Norman Gall, referindo-se ao Brasil,
mencionou “a tradicional incapacidade dos brasileiros para investir naquilo que
se poderia chamar de capital humano”.

Se
Norman Gall lesse os jornais brasileiros, teria podido citar, em apoio à sua
opinião sobre a nossa escassez de capital humano, três tópicos tão
característicos quanto impressionantes.

1)
Estado de são Paulo, em editorial de 17 de corrente, relata o que tem sido o
fracasso do Lloyd Brasileiro, no serviço de passageiro, com os navios tipo
“princesa” lindo e moderno navios, importados há 15 anos atrás. O último deles,
o Anna Nery, chegou ao Rio de Janeiro no dia 16, rebocado, depois de malograda
viagem de turismo pelo norte do Brasil. Não foi a primeira vez (longe disso)
que o navio teve deparar em meio de viagem, por acidentes nas máquinas. O
Princesa Izabel foi vendido a preço de sucata e reformado pelo comprador,
fazendo viagens de longo curso, sob o nome de Marco Pólo. O Princesa Leopoldina
foi também vendido a preço de sucata a uma empresa inglesa, por apenas um
milhão e setecentos mil dólares; hoje faz cruzeiros no Extremo Oriente, sob o
nome de Coral Princess. Agora tudo indica ter chegado a vez do Anna Nery,
porque os reparos de que necessita não são exeqüíveis no Brasil, malgrado
nossos grandes estaleiros de construção naval. Vai ser substituído por um navio
de registro panamenho, chamado Romanza, com 33 anos de idade, fretado a um
custo de 5 a 6.000 dólares por dia.

2)
Outro fato impressionante é o do terceiro forno da siderúrgica Nacional em
Volta Redonda, o maior (naturalmente o mais dispendioso) da América Latina,
inaugurado há poucos meses pelo Presidente Geisel. Depois de outras peripécias,
teve agora seu funcionamento suspenso “por tempo indeterminado” devido às
precárias condições do sistema de alimentação.

3)
As comportas da eclusa da Lagoa Mirim há poucos dias inaugurada pelo Presidente
da República, na funcionaram no dia da inauguração!

4)
No gênero, poder-se –ia mencionar, a título de recordação, o caso do trem
Teresina-Fortaleza, inaugurado pelo Ministro Andreazza, com bombástico discurso
na estação da partida. “Enguiçou” poucas horas depois da partida; e afinal
desmantelou-se em descarrilamento nas linhas do Ceará….

A
culpa de tudo isso não é das máquinas, devidamente projetadas, importadas e
fiscalizadas, e sim da falta de gente competente para manobrá-las e
conserva-las.

É
o caso que tão sabidamente assinala Sr. Roy Harrol, autor da famosa fórmula
Harrod-Domar: “Nos países em desenvolvimento, este depende principalmente da
taxa a que os quadros humanos de empreendedores, engenheiros de produção,
gerentes, inspetores, projetores, desenhistas, contadores, et hoc genus omne se
desenvolvem.

As
taxas de crescimento e expansão desses quadros humanos impõem, na minha
opinião, uma limitação muito mais importante ao desenvolvimento econômico dos
países do que escassez do capital, conquanto este também tenha o seu lugar“.

Mas
como se explica, malgrado a multiplicação de universidades e faculdades
verificada nos últimos decênios, que persista tanta penúria de gente competente
para os misteres ordinários de engenharia industrial e mecânica?

A
meu ver, a resposta está na grave deficiência do ensino nesse setor. Porque a
mecânica aplicada aos vários setores dfa indústria (inclusive estradas de ferro
e navegação) não se aprende apenas nos livros, como no caso do direito, da economia,
ou da matemática. O ensino da física aplicada, da química, da mecânica
industrial exige laboratórios e oficinas, inexistentes em ossos cursos. E se o
ensino da medicina sofre menos que os demais é porque nesse curso a oficina e o
ensino prático se encontram no hospital, que os estudantes são obrigados a
freqüentar.

Persiste,
de outro lado, entre nós, a velha prevenção, oriunda da civilização grega,
contra o trabalho manual, em contraste com o apreço pela cultura livresca.

Somos
países onde se cultua o “diploma” (canudo) e se despreza a “experiência”.

Em
1936, em conferência pronunciada, a convite d0 Ministro Capanema, sobre o tema
“Educação e Riqueza” aproveitei a ocasião para demonstrar a necessidade de
criarmos escolas técnicas com oficinas de mecânica, de eletricidade, de
siderurgia, etc, do tipo que os franceses chamam de arts et métiers, onde se
preparam, em três anos, engenheiros com boa base matemática corrente, desenho
de projetos e trabalhos de oficina, inclusive o manual. Propus que se criasse
uma primeira escola em São Paulo, montada com bom aparelhamento e professores
contratados no exterior, quando necessário. Ao fim de dez anos, aproveitando a
experiência e os recursos da primeira, far-se-ia uma segunda escola em Recife.

Fizeram-se
“escolas técnicas”, uma em cada Estado (!!), mas sem aparelhamento nem
professores competentes. É como se não existissem.

Precisamos
reformar a fundo nossa mentalidade, substituindo o culto do “diploma” pelo
culto da “experiência”.

E
não podemos perder tempo. Porque, como se vê pelos supracitados e muitos
outros, o atraso do elemento humano nesse setor é considerável.

Constrói-se
uma máquina, mesmo um grande equipamento, em um ou dois anos. Mas a formação de
gente competente e experiente exige uma ou mais dezenas de anos.

A
não ser que encontrássemos outros espécimes de homens como o Governador Faria
Lilá; que fez em dois anos mais do que todos os seus antecessores em cem! Mas é
que é mui difícil outro exemplar de tão milagrosa capacidade.v

*Eugênio
Gudin Filho (Rio de Janeiro, 12 de julho de 1886 – Rio de Janeiro, 24 de
outubro de 1986) foi um economista brasileiro, ministro da Fazenda entre
setembro de 1954 e abril de 1955, durante o governo de Café Filho.

Formado
em Engenharia Civil em 1905 pela Escola Politécnica do Rio de Janeiro, passou a
interessar-se por Economia na década de 1920. Entre 1924 e 1926, publicou seus
primeiros artigos sobre Economia em O Jornal, do Rio de Janeiro.

Em
1944, o então ministro da Educação, Gustavo Capanema, designou Gudin para
redigir o Projeto de Lei que institucionalizou o curso de Economia no Brasil.
Nesse mesmo ano, foi escolhido delegado brasileiro na Conferência Monetária
Internacional, em Bretton Woods, nos Estados Unidos, que decidiu pela criação
do Fundo Monetário Internacional (FMI) e do Banco Mundial (Bird)

Durante
os sete meses em que foi ministro da Fazenda (1954-1955), promoveu uma política
de estabilização econômica baseada no corte das despesas públicas e na
contenção da expansão monetária e do crédito, o que provocou a crise de setores
da indústria. Sua passagem pela pasta foi marcada, ainda, pelo decreto da
Instrução 113, da Superintendência da Moeda e do Crédito (Sumoc), que
facilitava os investimentos estrangeiros no país, e que seria largamente
utilizada no governo de Juscelino Kubitschek. Foi por determinação sua também
que o imposto de renda sobre os salários passou a ser descontado na fonte.


* Artigo sugerido por Ricardo Bergamini, Economista, formado em 1974 pela Faculdade Candido Mendes no
Rio de Janeiro, com cursos de extensão em Engenharia Econômica pela UFRJ, no
período de 1974/1976, e MBA Executivo em Finanças pelo IBMEC/RJ, no período
de1988/1989. Membro da área internacional do Lloyds Bank (Rio de Janeiro e
Citibank (Nova York e Rio de Janeiro). Exerceu diversos cargos executivos, na
área financeira em empresas como Cosigua – Nuclebrás – Multifrabril – IESA
Desde de 1996 reside em Florianópolis onde atua como consultor de empresas e
palestrante, assessorando empresas da região sul.. Site:
http://paginas.terra.com.br/noticias/ricardobergamini

Como citar e referenciar este artigo:
FILHO, Eugênio Gudin. Capital Humano (28/03/77). Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2011. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/economia/capital-humano-280377/ Acesso em: 28 mar. 2024