Economia

Civilização Material, Economia e Capitalismo Séculos XV – XVIII – Fichamento

BRAUDEL, Fernand. Civilização
Material, Economia e Capitalismo Séculos XV – XVIII
. São Paulo. Martins
Fontes, 1998. Cap I. p. 11-74.



Fernand Braudel resume
as suas intenções para o primeiro capítulo da obra ‘Civilização Material,
Economia e Capitalismo Séculos XV – XVII’ como uma análise teórica cuja
pretensão é situar as realidades econômicas e sociais de acordo com as divisões
do espaço e do tempo. Iniciando pela investigação do espaço, é interessante que,
dentre todas as partes envolvidas na extensão do mesmo, o que Braudel destaca é
a dimensão econômica – em sua opinião, a mais fácil de estudar e a de maior
amplitude – e, mais especificamente, as economias-mundo. A este conceito o
autor relaciona um fragmento do planeta, economicamente autônomo, dotado de
certa unidade orgânica e capaz de sustentar a si próprio através de ligações e
trocas internas. Tende a criar, de certa forma, uma unidade de coerência que
atua às avessas do todo, constituída pela soma de espaços individualizados,
transcendendo os limites de outros conjuntos de densidade econômica e social.

O aprofundamento da
questão acerca das economias-mundo revela a existência de regras tendenciais,
que permitem a explanação e tipologia das mesmas, dado dois fatos em especial:
a) são espaços nitidamente retomados, e cuja superação indica vestígios por
toda parte e toda a história; e b) pressupõe a sua concretização por espaços
definidos, com limites que o concedem sentido, um centro em benefício de uma
cidade na qual impera um capitalismo dominante e uma hierarquia. São três estas
regras: 1) o espaço de uma economia-mundo apresenta fronteiras consideradas
zonas pouco animadas, até mesmo inertes, como que ocultando às distâncias
hostis nas quais se registram o estabelecimento, o crescimento, a duração e a
evolução de estruturas tão dinâmicas; 2) no centro de uma economia-mundo
prevalece um pólo-urbano, uma cidade dominada por grandes comerciantes, e
caracterizada por uma população heterogênea, cosmopolita, de precoce e forte
diversificação cultural, esplendor. Derivam desta cidade os ajustes e os
sacrifícios das zonas que a circundam, sem os quais não seria possível a sua
manutenção. Quanto a este fator, é fato que tais primados urbanos se sucedem, sendo
que imperam absolutamente de cada vez, revelando as fragilidades do equilíbrio
que os antecederam, e a força dos que irão sobre valer. Cabe ainda relevar que
as dominações urbanas são dotadas de particularidades, principalmente de cunho
econômico e político, as quais revelam valores variáveis de armas de dominação.
E 3) a centralização e a concentração de recursos e riquezas no processo de
construção de uma economia-mundo se dá a favor da eleição de centros de
acumulação, os quais, mais uma vez, sucedem-se, por meio de um reordenamento
‘’racional’’, fundamentando uma estrutura hierárquica. Entender uma
economia-mundo como uma justaposição de zonas interligadas por diferentes
níveis impõe, portanto, que as entendamos como zonas singulares, ao que se sucede
a diferenciação entre centro, periferias e zonas neutras.

Depois de nos atentar à
relevância da dimensão econômica para as dinâmicas conjunturais do
internacional, ressaltando os exemplos da história – em detalhes, no que diz
respeito às economias-mundo de Veneza, Antuérpia, Genôva, Amsterdam e Londres –
Braudel segue o capítulo estabelecendo as relações desempenhadas pela economia
com outras ordens do convívio social. Partindo do pressuposto de que cada
conjunto particular se mantém atrelado aos demais por razões de
inteligibilidade que ditam a realidade vivida, o autor considera que todas as
ordens se influenciam continuamente, sendo impossível classificá-las
isoladamente, ao passo de que se torna possível identificar a maneira pela qual
se inserem no espaço, situando seus pólos, suas zonas e suas linhas de força.

Provido da análise de
David Ricardo sobre a divisão social do trabalho, Braudel a considera, no plano
internacional, uma herança historicamente construída, e não um fato natural: em
outras palavras, o estabelecimento progressivo de cadeias de subordinação não
supõe a realização de acordos previsíveis entre parceiros que conjugam as
mesmas relações de força, mas sim um passado de dependência, que determina a
maneira pela qual as trocas mercantis de realizam, e do qual é difícil de
libertar. Quanto aos poderes político e econômico da instituição estatal, o
autor afirma que no centro de uma economia-mundo se realiza um Estado forte e
dinâmico, temido e admirado – e faz essas constatações baseado principalmente
na teoria de Immanuel Wallerstein. Braudel destaca a necessidade do que chama
de governos ‘centrais’ – ainda que sejam de certa forma, dependentes do
capitalismo – devem ser capazes de se impor interna e externamente: seja
dominando o povo, aumentando cargas fiscais, garantindo o crédito e as
liberdades mercantis, seja recorrendo à violência.

E é neste momento que
ele introduz os aspectos do Império, que seria uma disfunção política,
caracterizada pelo domínio de uma economia-mundo por completo por uma única
entidade governamental. As economias-mundo não aceitam tais fatores sem
contrapeso, dado que um Império seria um elemento de restrição ao seu
desenvolvimento e à sua expansão, mas ainda assim Braudel acredita que pode
sobreviver, mesmo que hostilizada, vigiada, organizando-se por meio de seus
transbordamentos significativos. Sobre a ocorrência de guerras segundo as zonas
da economia-mundo, sejam elas ‘científicas’ ou ‘de mato’, faz referência a
Werner Sombart, e a sua constatação de que uma guerra renovada pela técnica e
criadora da modernidade é uma fonte acelerada de instauração de sistemas
capitalistas. Também relembra Wallerstein, para quem as guerras, sob sua
intervenção econômica, caracterizam uma maneira de entender os conflitos dos
homens. Por fim, afirma que a sensibilidade à guerra, e a sua ocorrência, é
função da força que um Estado tem em impor resultados aos demais.

Sobre a relação
estabelecida entre as sociedades e as economias-mundo, Braudel concorda que a
matéria social gerada quando da integração entre as duas ordens se solidifica,
por meio de adaptação duradoura e circunstancial de soluções de resposta. Mesmo
a sociedade ocidental, a mais dinâmica, evolui lentamente, ainda que não seja
de forma mecânica ou automática, mas de acordo com ambientes geográficos,
obrigações econômicas, indicações hierárquicas e, essencialmente, ao
revezamento dos modos sociais de exploração, os quais são inerentes ao
capitalismo. Em seguida, sobre a ordem cultural, que também pode ser entendida
como a civilização, o autor ressalta a primazia histórica que esta tem perante
todas as outras e o fato de que apesar de não se sobreporem à economia,
caracteriza uma extensão de partilha de valores semelhantes. Braudel releva a
importância do compartilhamento dos valores religiosos, políticos e da expansão
econômica, como constituintes da realidade civilizatória – mas termina a
análise relembrando que em muitos casos, dentro de uma mesma economia-mundo, os
valores culturais são tão diferentes que são fontes de conflito.

Tais foram os fatores
que considero de maior validade na análise do capítulo em questão, sendo
aqueles que de forma mais efetiva me fizeram obter conhecimento. Consegui
compreender, pela leitura, o funcionamento da maior estrutura
político-econômica em extensão que mantém uma integridade – e que situa-se não
apenar em um espaço, mas também, em uma unidade temporal de longa duração e
claramente definida. Mas, mais do que a leitura, as discussões em sala
elucidaram os excertos nos quais eu apresentava dúvidas pontuais, e me fizeram
crer na relevância das economias-mundo para a explicação do sistema no qual
estamos inseridos.

*Acadêmica de Relações
Internacionais

Como citar e referenciar este artigo:
BATALHA, Camila Fernanda. Civilização Material, Economia e Capitalismo Séculos XV – XVIII – Fichamento. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2010. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/economia/civilizacao-material-economia-e-capitalismo-seculos-xv-xviii-fichamento/ Acesso em: 16 abr. 2024