Direito

Derrida na interpretação jurídica

Resumo:

A desconstrução quebrou a tradição filosófica ocidental, e Jacques Derrida trouxe à baila o fundamento místico da autoridade e, dedicou-se a problematização do direito e da justiça a partir da perspectiva desconstrutivista. O discurso jurídico é agenciado por forças construindo interpretações.

Palavras-Chave: Direito. Lei. Força. Derrida. Desconstrução. Justiça.

Numa leitura desconstrutivista da hermenêutica constitucional em direitos fundamentais, especialmente, aqueles que se fulcram na dignidade da pessoa humana. Pode-se cogitar sobre a ética para a atividade interpretativa dos direitos fundamentais a partir da proposta de Jacques Derrida, desconstruindo a justiça[1] como sendo uma experiência do impossível.

O ato de fala ao reconhecer tanto o Direito como a Constituição, especialmente, primordialmente performativo, quando se revisita as ideias de John Austin e Butler. A operação de desconstrução opera a diferença, deixando de lado as noções de métodos de interpretação mesmo porque o próprio autor rejeita que a desconstrução seja método, que carrega consigo a não presença, do diferir, adiar e promover diferenciação.

Para Derrida é relevante para o Direito criticar o fono-logocentrismo, alterando a perspectiva linguística de Saussure que tem a fala do centro, que é em si, um pensamento metafísico, como presença e o caminho da verdade ou a própria verdade. E, reaproxima a fala da escritura, rompendo a suposta hierarquia que colocava a primeira acima da segundo, vendo nesta, apenas um suplemento ou representação.

Repensar a escritura fora dos excessos estruturalistas[2] significa repensá-la fora da metafísica, é avaliar o que faz a permanência da escritura, e nela procurar a própria ruína, é pensar além do texto jurídico, como pensar, talvez o texto da jusfilosofia ocidental.

A desconstrução da hermenêutica[3] pode servir para responder sobre seus objetivos e critérios e, ainda, avaliar sobre correção ou distorção. Vige presente uma procura de soluções como a de Dworkin[4] e Habermas[5] que aponta uma única decisão correta ou para um consenso como quis Habermas, enquanto de outro viés, há doutrinadores como Häberle[6] e Neves que indicam que em sociedade plural e complexa a interpretação constitucional se traduz em ser atividade de conflito e compromisso, ou que deve guardar abertura para o dissenso quanto aos conteúdos.

A visão desconstrutivista quando trata de direito como ato de fala performativo, se trata de cuidar da interpretação de direitos fundamentais. Assim, o intérprete é bem mais que o sujeito realizador dessa atividade de conflito e compromisso.

A ética atinente a desconstrução nos impõe que uma única decisão e correta não existe, que sendo a possibilidade do fracasso de uma lei do performativo, o sentido dado pela decisão é exercício da differànce, estabelece o sentido do texto na urgência da interpretação do direito e, adia o sentido do texto na abertura para o dissenso sempre porvir.

Para Derrida, a primeira interpretação e o processo interpretativo seriam entendidos como jogo interminável, pois se um texto, é um tecido de signos, uma malha de relações. Interpretar, por sua vez, seria simplesmente criar um tecido com os fios extraídos de outros tecidos-textos.

A teoria dos atos de fala[7] foi proposta por Austin que inovou em enfocar a linguística, debruçando-se sobre a possibilidade de identificar as categorias diferentes de atos na linguagem. A oposição que apresenta fica entre o que considerou serem atos constatativos e outros que chamou de atos performativos. E, assim, se promoveu a ruptura na linguística ao notar que nem todo ato na linguagem é ato descritivo ou constatativo, como Austin preferiu designar.

Pelo contrário, muito da linguagem é composto de atos que constituem um agir pelo falar, atos que produzem algo, atos de fala por meio dos quais falar é fazer, ou realizar, ou performar.

Aliás, os atos constatativos são asserções que podem ser julgadas como falsas ou verdadeiras, podendo ser descritivas ou não. E, tais asserções se referem a um dado, fato ou acontecimento da realidade, possuindo um a priori ao qual se referem. Logo após, o autor realiza um temporário isolamento do performativo.

Dá preferência aos atos em primeira pessoa, mediante as seguintes condições: esses atos não descrevem ou constatam coisa alguma e assim não são nem verdadeiros nem falsos e o ato pelo qual se profere uma sentença performativa é a própria realização da ação ou parte dela, e, portanto, não pode ser descrito apenas como um ato de “dizer algo”.

Já o performativo contrário, portanto, não possui um referente anterior, não se propõe a descrever algo já existente. Ele é, em si, um fazer ou parte de um fazer e, por isso, não pode ser julgado como falso ou verdadeiro.

Como não possuem um a priori, esses atos da linguagem não podem ser julgados como falsos ou verdadeiros ou com bem ou malsucedidos e a avaliação de tais atos, segundo Austin, depende de se considerar as circunstâncias (o contexto) da sua utterance e de que essas circunstâncias sejam apropriadas. O título do título é significativo, pois é a proposta de apresentar uma teoria prática da fala ao mostrar que com a linguagem não apenas descrevemos, apresentamos, referimo-nos a algo, mas também, que ela também é uma ação, um fazer. Esse fazer, no entanto, não se dá sempre do mesmo modo e o autor identifica dimensões de performativos: os atos ilocucionários. Possuem força e são produzidos por forças convencionais.

Nessa diferenciação, Judith Butler, em Excitable Speech, apontado que enquanto os atos ilocucionários produzem um efeito no momento mesmo em que proferidos, os atos perlocucionários inauguram uma cadeia de consequências, em um tempo distinto daquele em que proferidas as palavras – ato e consequência não são a mesma coisa nesse caso.

Assim, implícita na distinção está a noção de que os atos de fala ilocucionários produzem efeitos sem um lapso de tempo, que o fizer é em si o fazer e que um é o outro simultaneamente.

Austin não consegue apontar critérios ou métodos definitivos de separação entre os dois tipos de atos de fala para identificar quando estamos diante de performativo. Assim, como é de se imaginar, como uma consequência de uma teoria sobre a linguagem, a teoria de Austin foi objeto de diferentes interpretações, muitas delas partindo justamente dessa falha.

É possível talvez dividir essas revisitações em dois grandes grupos, encabeçados pelos autores que protagonizaram um embate a esse respeito. Uma preocupação mais cientificista de um lado, tendo John Searle à frente e outra, que questiona esse propósito cientificista e sistematizador, onde se encontram Jacques Derrida, Judith Butler e Shoshana Felman.

Não cria uma oposição hierarquizada entre fala e escritura. Contra uma linguística da presença, contra uma abordagem que coloca a fala no centro – fala como presença, fala como verdade e, por essas razões, uma linguística estruturalista e metafísica. Derrida desfaz essa dicotomia hierarquizada, que opõe fala a escritura, como quem opõem natureza a cultura, original ao suplemento.

No lugar de ou isso ou aquilo, nem isso nem aquilo. Não há origem cognoscível, não há presença, não há suplemento e, assim, Derrida reescreveu na linguística a importância da escritura e seu estudo. Mas, não há presença determinável, o que fez Derrida da intenção do enunciante e do contexto da enunciação (noções tão caras a Austin).

Sua crítica à teoria de Austin[8] está justamente no ponto em que esta contém a intenção do sujeito falante e o contexto em que proferida. A presença. A teoria teria pretensões de criar ou criaria uma jurisdição teleológica de um campo total cuja intenção permanece o centro organizador.

Derrida alterou o foco[9] e suavizou as centralizações e a ideia de escrita como comunicação de um sentido pretendido. Não é a intenção do autor e o contexto da enunciação que produzem seu sentido e lhe conferem força (termo que ele prefere) ou felicidade (termo de Austin).

Ou, mais do que isso, que escrever é escrever para ausentes, que se escreve “para comunicar alguma coisa aos ausentes” (Derrida, 1991) e que uma “escrita que não seja estruturalmente legível – iterável – para além da morte do destinatário não seria urna escrita”, o que também vale para a ausência do emissor/produtor (Derrida, 1991).

Questiona, então, se uma invocação performativa poderia ser bem-sucedida se não repetisse uma declaração iterável e, do mesmo modo que faz com o “contexto”, Derrida questiona a ideia de que o que faz o performativo é a intenção de quem o proclama (Derrida, 1988).

Há mais nessa revisão do performativo. Derrida aponta uma questão que será posteriormente aperfeiçoada por Judith Butler. Ao falar das infelicidades e felicidades dos atos de fala perfomativos, comenta que faltou a Austin examinar qual a consequência do fato de que o fracasso é um risco sempre possível – como um “predicado essencial ou como lei” do performativo: “O que será um sucesso quando a possibilidade de fracasso continua a constituir a sua estrutura? A oposição sucesso/fracasso da ilocução ou da perlocução parece aqui, portanto, muito insuficiente e muito derivada”.

O direito é, enfim, uma instância de criação, um conjunto de textos que representam atos de fala performativos, as afirmações do texto jurídico são, em uma quantidade significativa de vezes, performativas, fazem algo quando são proferidas. Ao contrário então, do que se possa imaginar, o Direito poucas vezes traz uma linguagem constatativa, de mera observação e descrição de uma realidade[10].

A narrativa jurídica é performativa e cria, no golpe de força de sua instauração, a realidade que diz apenas descrever. Essa ficção juridicamente instaurada se aplica ao Direito de modo geral, mas também, se faz presente quando cogitamos daquelas pessoas que estão sujeitas ao Direito, em específico, daqueles que compõem o povo em nome do qual o Direito diz falar.

Por essa razão, o caso do texto constitucional merece especial atenção, é precisa analisar a promulgação da Constituição como ato de autodeclaração do povo, pelo povo e para o povo. É baseada na ficção pressuposta de uma universalidade falante que desconhece particularidades.

A ficção reside no convencer que o povo é pressuposto e preexistente ao ato declaratório – e, portanto, a função será apenas de declarar sua existência para, a partir daí, tornar legítima a assinatura em seu nome -, quando, na verdade, é criado ali mesmo no ato jurídico e político da instituição do direito: essa universalidade inexiste como entidade anterior e, na realidade, é criada nesse ato de fala.

A força de Lei, ou seja, a força do Direito – está no fato de que ele se funda a si mesmo. Este é o que não tem fundamento, não tem referente exterior. É ato performativo que cria ao mesmo tempo que esconde as convenções que proporcionam sua existência (Butler, 1997).

A desconstrução do direito proposta pelo filósofo Jacques Derrida em seu texto intitulado “Força de lei: o fundamento místico da autoridade”[11], aponta que se faz necessário que entendam que o direito não possui seu fundamento na justiça, se funda sobre si mesmo, a partir de uma violência performativa que reside desde o primeiro instante na formulação da lei.

É relevante sublinhar que tal processo de desconstrução do direito, observar a existência da força, bem como a sua relação com a justiça, pois não há lei sem aplicabilidade e não há aplicabilidade ou enforceability da lei sem força, quer essa força seja direta ou não, física ou simbólica, exterior ou interior.

Força é elementos constitutivo da lei e, consequentemente, do direito. Nessa dimensão, Derrida questiona esse mecanismo regulador do comportamento de pessoas em sociedade, perguntando como é possível distinguir entre a força da lei, que consideramos justa, e a violência, que é sempre considerada injusta. Indaga-se se existe algum critério que separe essa força justa da violência injusta e o que é essa força justa ou não violenta.

O filósofo afirma que se a justiça não é necessariamente o direito ou a lei, esta só pode tornar-se justiça, por direito ou em direito, quando detém a força, ou antes, quando recorre à força desde seu primeiro instante ou primeira palavra. Eis que a força está no gérmen da justiça quanto do direito, desde seu primeiro instante. A propósito, a justiça enquanto direito só pode existir porque se apropria da força desde seu primeiro instante, isto é, o momento em que pela palavra se fundam o direito e a lei.

Derrida citou dois filósofos com os quais dialoga. O primeiro é Pascal, de quem Derrida citou o seguinte pensamento in litteris: “Justiça, força – É justo que aquilo que é justo seja seguido, é necessário que aquilo que é mais forte seja seguido”.

Foi a partir da citação de Pascal que o filósofo argelino compôs a análise, iniciando pelo uso da palavra “justo”. Afinal, seguimos a justiça porque ela é justa. Porém, vige o segundo sentido da palavra “justo” tão presente no pensamento moderno que corresponde ao sentido de justeza, isto é, o que é justo, seguido porque é também o mais forte, dessa forma, é preciso que o que seja mais forte seja seguido.

Pode-se resumir os dois sentidos da palavra “justo” como, a saber: existe algo de justo na justiça e de necessário na força, e as duas se cruzam e se complementam porque, segundo o moderno, “a justiça sem a força é impotente”. Não é feita, se não tiver a força de ser enforced, e por outro viés, a força sem a justiça é tirânica.

Conclui-se que justiça e força parecem necessitar uma da outra para existirem de forma a não ser nem impotente, nem tirânica. Para Pascal, por exemplo, a justiça é aquilo que está estabelecido, isto é, esta existe de fato naquilo que é mais forte. Segundo Derrida a necessidade da força reside, pois, implicada no justo da justiça.

Portanto, Justiça e força, nesse vetor, aparecem como duas faces distintas na mesma moeda. A justiça depende da força para se fazer aplicável, ao passo que, a força depende da justiça para não ser injusta. E, assim, não podendo fazer com que aquilo que seja justo fosse forte, fizeram com o que aquilo que seja forte fosse justo. Não se confunde, pois, justiça com o direito e com lei, esta tem que deter a força.

O pensamento de Pascal[12] está influenciado por equivocada compreensão do pensamento de Montaigne, particularmente, no que se refere ao fundamento místico da autoridade, uma expressão que teria sido citada por equívoco pelo moderno, como relacionada a costume ou à autoridade do legislador, mas que, originalmente parece ter sentido diverso deste.

Derrida igualmente citou também o pensamento de Montaigne, trazendo contraponto ao pensamento de Pascal. “ora, as leis se mantêm em crédito, não porque elas são justas, mas porque são leis. É o fundamento místico de sua autoridade, elas não têm outro […] quem a elas obedece porque são justas não lhes obedece justamente pelo que deve”. De acordo com Montaigne, há uma distinção entre justiça e direito. A lei não pode ser representação da justiça, pois não é esse o seu papel na sociedade.

A autoridade da lei é o fundamenta a obediência a esta, inerentemente de qualquer valoração de justiça que esta possa receber. Nesse sentido, na interpretação de Derrida, é no crédito que damos às leis que reside a sua autoridade. Aliás, para Montaigne[13], a justiça não está posta porque o direito não garante justiça.

Há a distinção entre lei e justiça. A Justiça do direito, a justiça como direito não é justiça. E, as leis não são justas como leis. Não obedecemos a estas porque são justas, mas porque têm autoridade.

Quando Derrida afirma quer a obediência da lei resida em sua autoridade, e não, em sua justiça, que nos informa que o poder da lei é conferido por nós, que cremos forte o suficiente para que submetidos aos seus ditames.

Destaque-se que a crença parece ser o aspecto subjetivo e que permite que as leis tenham força, o que nos permite, segundo o filósofo da desconstrução, retomar a expressão o fundamento místico da autoridade. Autoridade essa que não é nem real, nem natural, mas resultante de crença compartilhada pelos indivíduos a quem esta se destina. E, nesse sentido, Derrida se apropria da expressão de Montaigne “ficções legítimas”. O mesmo filósofo francês ainda aduziu, in litteris: “nosso próprio direito tem, ao que dizem, ficções legítimas sobre as quais este funda a verdade de sua justiça”.

Tais ficções legítimas nas quais a verdade da justiça se funda são uma tentativa de suprir lacuna deixada pelo direito natural. Como direito artificial, o direito positivo precisa se apropriar dessas ficções legítimas para fazer-se crer como justo representante da justiça. Derrida ainda afirmou que Pascal ao pôr juntos justiça e força, faz desta uma espécie de predicado essencial da justiça, pode conter as premissas da filosofia crítica moderna, ou de uma crítica da ideologia jurídica.

Noutros termos, há no referido pensamento, uma dessedimentação das superestruturas do direito que ocultam e refletem, ao mesmo tempo, os interesses econômicos e políticos de forças dominantes da sociedade. Para o desconstrucionista, o direito possui papel de mantenedor dos interesses dominantes[14] na sociedade, ou seja, das classes sociais detentoras de poder traduzido em maior poder econômico e político e, é por isso, que este deve ser desconstruído[15].

Derrida aponta que o momento fundador da justiça e do direito resta presente uma força performativa, força interpretadora e apelo à crença.

Já o momento fundador da lei, que deve ser aquele que rasga por uma decisão, que quebra com continuidade da história, é um momento violento, o momento em que uma ordem preestabelecida será quebrada para que então surja outra. Nesse sentido, percebemos que existe violência fundadora no instante em que um novo direito se funda no “fazer a lei”, e essa violência é performativa e interpretativa, o que nos faz pensar que desde a primeira palavra, o primeiro instante, a lei se faz impor por uma força violenta que lhe garante a aplicação.

É relevante sublinhar que em seu momento fundador, ou seja, naquele em que a lei está sendo construída, haverá apenas a força e, a lei nasce a partir da força que é violenta. In casu, não há justiça[16] nem injustiça

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[1] Desde a Antiguidade, a justiça é vista como um bem em si, e esse seu valor absoluto faz com que ela seja a pedra de toque dos projetos de fundamentação de regras positivas. Por mais que seja geralmente admitido que há uma relação necessária entre direito e força, a filosofia jurídica reconhece claramente que direito não pode ser fundado na violência, pois o poder puro e simples pode gerar obediência, mas é incapaz de gerar dever. Assim, por mais que o medo da punição possa fazer com que as pessoas observem as normas impostas, a validade do direito não pode ser fundada no fato de ele ser coativo, mas somente no fato de ele ser justo (ou legítimo, o que é a mesma coisa nesse contexto).

[2] O estruturalismo genericamente pode ser definido com a tentativa de se utilizar o modelo linguístico de Saussure como paradigmas das ciências humanas. Foi largamente utilizado não apenas no campo da filosofia e da crítica literária, mas também na antropologia e na psicanálise com Lacan, tomando rapidamente o lugar ocupado pelo existencialismo tido como moda intelectual francesa. Sua noção central é a estrutura, entendida como um todo no qual as partes só ganham sentido em relação umas às outras. Tal noção remete à crítica feita pelo linguista suíço Ferdinand Saussure às concepções aristotélica, agostiniana da linguagem, segundo as quais as palavras se relacionam com a percepção de uma realidade do mundo. A linguagem não pode ser definida apenas pelo seu conteúdo substancial, pois ela compõe um sistema de diferenças, no qual cada signo recebe seu valor por uma negatividade ou oposição aos outros signos.

[3] Ao desconstruir as oposições binárias, Derrida impõe um problema epistemológico à hermenêutica, já que a distinção do que é mentira do que é verdade não é pura, não obstante, o que se faz aqui não é negar, mas mostrar que em sua definição, a hermenêutica já nasce problemática, aporética.

[4] Dworkin oferece uma teoria de interpretação construtiva que usa o direito como integridade para uma melhor justificativa e legitimação da atividade judiciária, onde o papel do julgador vai além do de simples aplicador de normas.

[5] Habermas ofereceu fortes críticas à hermenêutica filosófica, em especial no que tange à universalidade da linguagem e à ênfase concedida à tradição. Tais autores alemães estabeleceram um longo diálogo que ensejou o aprofundamento da hermenêutica filosófica, esclarecendo a possibilidade crítica imanente à teoria gadameriana, bem como evidenciando seu caráter reflexivo. No campo da interpretação jurídica, o debate estabelecido traz contribuições indispensáveis para a compreensão e aplicação de normas jurídicas, fornecendo críticas ao positivismo jurídico e promovendo uma atuação judicial ancorada na realidade.

[6] O jurista através de seu novo método de interpretação constitucional, prevê a participação de todos os atores políticos, ou seja, grupos sociais e cidadãos envolvido direta ou indiretamente, influenciando a atuação dos legisladores na produção das leis. A teoria da interpretação constitucional, conforme HABERLE, esteve muito vinculada a um modelo de interpretação de uma “sociedade fechada”, assim entendida como aquele grupo que realiza primariamente a interpretação da norma constitucional, tais como juízes, os intérpretes vinculados às incorporações e os participantes formais do processo constitucional.

[7] A teoria dos atos de fala foi elaborada inicialmente por John L. Austin (1911-1960) e desenvolvida posteriormente por J.R. Searle. Austin parte da teoria pragmática de Wittgenstein de que é o uso das palavras em diferentes interações linguísticas que determina o seu sentido. Esse sentido, porém, não se reduz apenas ao das proposições declarativas do tipo: “a parede é azul”. Ao investigar essa questão, Austin descobre que determinadas sentenças são na verdade ações. Ou melhor, que dizer é fazer, na medida em que, ao proferir algo, estou simultaneamente realizando uma ação. Vários são os tipos de ações que podemos realizar ao dizer algo. Quando, por exemplo, digo “sim” perante um juiz ou padre; ao dizer: “nos encontraremos amanhã pela tarde” para um colega; ou ainda, quando pergunto a um amigo: “você tem dez reais para me emprestar?”.

A Teoria dos Atos de Fala surgiu no interior da Filosofia da Linguagem, no início dos anos sessenta, tendo sido posteriormente apropriada pela Pragmática. Filósofos da Escola Analítica de Oxford, tendo como pioneiro o inglês John Langshaw Austin (1911-1960), seguido por John Searle e outros, entendiam a linguagem como uma forma de ação (“todo dizer é um fazer”). Passaram, então, a refletir sobre os diversos tipos de ações humanas que se realizam através da linguagem: os “atos de fala”, (em inglês, “Speech acts“).

A Teoria dos Atos de Fala tem por base doze conferências proferidas por Austin na Universidade de Harvard, EUA, em 1955, e publicadas postumamente, em 1962, no livro How to do Things with words. 0 título da obra resume claramente a ideia principal defendida por Austin: dizer é transmitir informações, mas é também (e sobretudo) uma forma de agir sobre o interlocutor e sobre o mundo circundante.

Até então, os linguistas e os filósofos, de modo geral, pensavam que as afirmações serviam apenas para descrever um estado de coisas, e, portanto, eram verdadeiras ou falsas. Austin põe em xeque essa visão descritiva da língua, mostrando que certas afirmações não servem para descrever nada, mas sim para realizar ações.

[8] J. Austin inicia sua estática jurídica com uma discussão do conceito de direito subjetivo (right). Direito, nesse sentido, é sempre um correlato de dever (duty). No entanto, nem todo dever é correlato a um direito. O autor distingue, nesse passo, os deveres em relativos e absolutos. Enquanto os deveres relativos dirigem-se a alguma pessoa determinada, os deveres absolutos não se sujeitam a essa dependência. Os direitos (subjetivos) são, portanto, correlatos de uma espécie de deveres — os deveres relativos, em oposição aos direitos absolutos, que não são correlatos a direitos (subjetivos). Dentro do conjunto dos direitos, o autor introduz uma nova distinção relevante. É a distinção entre jus in rem e jus in personam, proveniente do direito romano. J. Austin logo esclarece que a terminologia adotada pelos romanos é enganosa, uma vez que tais classificações não se referem ao objeto do direito, isto é, a um direito sobre coisas ou sobre pessoas. Jus in rem, na interpretação do autor, é direito que vale contra todas as pessoas, de forma indeterminada (against the world at large). Já jus in personam, por oposição, é direito que vale apenas contra pessoas específicas. Nesse sentido, podem ser encontrados direitos in rem sobre pessoas (e.g., o direito do pai de retomar seu filho de quem o detenha injustamente).

[9] A separação kelseniana entre justiça e direito, tão criticada pelos que pretendem oferecer um conceito material de direito, é o reflexo da ideia de que a identificação entre direito e justiça conduz a uma legitimação acrítica da ordem coercitiva do Estado que constitui tal comunidade. Assim, qualquer discurso no sentido de afirmar que o direito é essencialmente justo somente pode ser fundado em um dogmatismo injustificado (quando apela para concepções materiais de justiça, as quais sempre são baseadas em escolhas valorativas não fundamentáveis) ou um discurso vazio (quando apela para um conceito formal de justiça, que a pretexto de dar a cada um o que é seu, apenas naturaliza os valores tradicionais).

[10] Para Rawls a justiça é virtude primeira das instituições sociais, assim como a verdade o é dos sistemas de pensamento. Cada pessoa possui uma inviolabilidade fundada na justiça que nem o bem estar de toda coletividade pode desconsiderar. Para Derrida não é possível teorizar a justiça porque a decisão entre o que é justo e o que é injusto nunca é garantida por uma regra; por isso, em um caso concreto, nós nunca saberemos se a decisão foi justa ou injusta.

[11] Uma aporia como a apontada na desconstrução das relações entre direito e justiça: a autoridade autêntica é pura, mas sobre ela não temos conhecimento certo, nunca sabemos o que está presente em um determinado movimento histórico é a autoridade pura ou apenas o seu simulacro. A certeza somente está no campo da autoridade mítica, mas esse é um conhecimento seguro sobre um campo estruturalmente indecidível, pois trata-se apenas de uma segurança acerca do que é misticamente fundado.

[12]“ É justo que o que é justo seja seguido; é necessário que o que é o mais forte seja seguido.

A justiça sem força é impotente. A força sem justiça é tirânica.

A justiça sem força é contestada, porque há sempre os maus.

A força sem a justiça é condenada.

Deve-se, pois, juntar a justiça e a força”.

E para isso fazer que o que é justo seja forte e o que é forte seja justo.

In: Pacal sobre a Justiça. Blaise Pascal Pensamentos 66 (326); 103 (298); 81(299) Disponível em:  https://ensaiosenotas.com/2018/01/16/pascal-sobre-a-justica/ Acesso em 1.2.2021.

[13] Em Montaigne se encontra, pois, as bases do procedimento fisiopsicológico impetrado por Nietzsche como procedimento científico cujo ponto de partida é uma reinterpretação do corpo para além dos dualismos que remontam a Platão.

[14] Assim, o próprio direito é historicamente fundado (quer dizer, construído sobre camadas textuais interpretáveis e transformáveis), mas o seu fundamento último, por definição, não é fundado (porque tem caráter claramente mitológico). Essas contradições e ocultamentos originais tornam o campo jurídico muito fértil para o estilo desconstrutivista, cuja principal função é justamente mostrar os paradoxos e desvelar as ocultações contidas nos discursos.

[15] Aristóteles definirá a aporia como uma “igualdade de conclusões contraditórias” (Tópicos, 6.145.16-20). … O termo é utilizado com frequência por alguns descontrucionistas como Jacques Derrida e Paul de Man, que, de alguma forma, são responsáveis pela sua imposição dentro da teoria literária pós-estruturalista.

[16] Para Derrida a justiça se apresenta como aporia, o que possibilita compreender o caráter aberto, até certo ponto intangível e abstrato da justiça enquanto conteúdo das decisões judiciais. Tal constatação não significa – e não obsta – que a justiça deixe de ser tomada sempre como valor de referência na construção dessas decisões. Para Lévinas, a justiça se coloca em questão a partir da chegada do outro, com a infinita responsabilidade para com o outro e o seu reconhecimento pleno. Adverte-se que Lévinas e Derrida possuem divergências quanto ao significado de justiça e quanto ao caráter autoritativo da força que reveste o direito, contudo, este último se apropria de algumas categorias daquele para a explicação da sua perspectiva da justiça como aporia.

Como citar e referenciar este artigo:
LEITE, Gisele. Derrida na interpretação jurídica. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2021. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/direito/derrida-na-interpretacao-juridica-2/ Acesso em: 29 mar. 2024