Direito Tributário

Responsabilidade tributária solidária por interesse comum na situação que constitua o fato gerador

Responsabilidade tributária solidária por interesse comum na situação que constitua o fato gerador

 

 

Kiyoshi Harada*

 

 

Dispõe o Código Tributário Nacional:

 

‘Art. 124. São solidariamente obrigadas:

I – as pessoas que tenham interesse comum na situação que constitua o fato gerador da obrigação principal;

II – as pessoas expressamente designadas por lei.’

 

Quanto à responsabilidade prevista no inciso II, do art. 124 do CTN já a examinamos em estudos anteriores concluindo que a ordem jurídica vigente não abriga a chamada responsabilidade solidária objetiva.

 

A responsabilidade tributária solidária de que cuida o inciso I é um dos temas onde grassa a maior confusão. Basta a interdependência entre as empresas, caracteriza pela composição do capital ou pela identidade de pessoas que compõem as sociedades para concluir-se pela responsabilidade tributária solidária. Isso é um grande equívoco. Na responsabilidade solidária de que cuida o art. 124, I do CTN, não basta o fato de as empresas pertencerem ao mesmo grupo econômico, o que por si só, não tem o condão de provocar a solidariedade no pagamento de tributo devido por uma das empresas. Para que isso ocorra é indispensável a configuração do interesse comum na situação constitutiva do fato gerador da obrigação principal.

 

Ensina Carlos Jorge Sampaio Costa:

 

‘…. a solidariedade dos membros de um mesmo grupo econômico está condicionada a que fique devidamente comprovado: a) o interesse imediato e comum de seus membros nos resultados decorrentes do fato gerador; e/ou b) fraude ou conluio entre os componentes do grupo.

Há interesse comum imediato em decorrência do resultado do fato gerador quando mais de uma pessoa se beneficiam diretamente com sua ocorrência. Por exemplo, a afixação de cartazes de propaganda de empresa distribuidora de derivados de petróleo em postos de gasolina é, geralmente, um fato gerador de taxa municipal cuja ocorrência interessa não somente à empresa distribuidora, beneficiária direta da propaganda, como também ao posto de gasolina, que é solidário com aquela no pagamento da taxa.

…………………………………………………….

Na fraude ou conluio, o interesse comum se evidencia pelo próprio ajuste entre as partes, almejando a sonegação. A solidariedade passiva no pagamento de tributos por aqueles que agiram fraudulentamente é pacífica. (…..)

Aliás, no caso de fraude, pagam até os representantes pelos representados’[1].

 

Quando se aborda a questão da solidariedade entre empresas coligadas ou do mesmo grupo econômico é preciso tomar cuidado para não confundir interesse jurídico comum na situação que constitua o fato gerador de que cuida o inciso I do art. 124 do CTN, com o interesse econômico no resultado que constitui o fato gerador da obrigação tributária. Uma coisa é a empresas coligadas terem interesse econômico comum na exploração da atividade. Outra coisa bem diversa é o fato de as empresas coligadas terem interesse jurídico comum na situação que constitua o fato gerador da obrigação tributária, isto é, que participem entre si da mesma situação que constitua o fato gerador da obrigação tributária. Exemplificando, a empresa ‘A’ participa da situação que constitua fato gerador para a empresa ‘B’.

 

Nesse sentido, é remansosa a jurisprudência de nossos tribunais conforme ementas abaixo transcritas:

 

‘TRIBUTÁRIO. INVESTIMENTO RELEVANTE EM SOCIEDADE COLIGADA. SOLIDARIEDADE NO CRÉDITO TRIBUTÁRIO DESTA. INEXISTÊNCIA.

1. São solidariamente obrigadas pelo crédito tributário as pessoas que tenham interesse comum na situação que constitua o fato gerador da obrigação principal, segundo prevê o art. 124, I, do CTN. O interesse comum das pessoas não é relevado pelo interesse econômico no resultado ou no proveito da situação que constitui o fato gerador da obrigação principal, mas pelo interesse jurídico, que diz respeito à realização comum ou conjunta da situação que constitui o fato gerador. É solidária a pessoa que realiza conjuntamente com outra, ou outras pessoas, a situação que constitui fato gerador, ou que, e comum com outras, esteja em relação econômica com o ato, fato ou negócio que dá origem à tributação; por outras palavras, (…) pessoa que tira uma vantagem econômica do ato, fato ou negócio tributado (Rubens Gomes de Souza, Compêndio de legislação tributária, 3. ed., Rio de Janeiro, Edições Financeiras, 1964, p. 67). 2. A sociedade que participa do capital de outra ainda que de forma relevante, não é solidariamente obrigada pela dívida tributária referente ao imposto de renda desta última, pois, embora tenha interesse econômico no lucro, não tem o necessário interesse comum, na acepção que lhe dá o art. 124 do CTN, que pressupõe a participação comum na realização do lucro. Na configuração da solidariedade é relevante que haja a participação comum na realização do lucro, e não a mera participação nos resultados representados pelo lucro.

3. Apelação a que se dá provimento, para exclusão do nome da apelante do rol dos devedores solidários.”(TRF-4ª R., 2.ª T., AMS nº 94.04.55046-9/RS, Rel. Juiz Zuudi Sakakihara, DJU 27.10.1999, p. 635).

 

TRIBUTÁRIO. EXECUÇÃO FISCAL. ISS. CONTRIBUINTE. ARRENDAMENTO MERCANTIL. EMPRESA ARRENDADORA E BANCO PERTENCENTES AO MESMO GRUPO ECONÔMICO. SOLIDARIEDADE. INOCORRÊNCIA. Contribuinte do ISS é o prestador do serviço, nos termos do art. 10 da Lei Complementar nº 116/03. O fato de a empresa de arrendamento mercantil e a instituição bancária pertencerem ao mesmo grupo econômico, por si só, não torna este último solidariamente obrigado pelo débito tributário da primeira, uma vez que não configurado o interesse comum na situação constitutiva do fato gerador da obrigação principal. Inteligência do art. 124, I, do CTN.

Precedentes do TJRGS e STJ. Agravo de instrumento conhecido m parte, e nesta provido liminarmente’. (AI nº 70010310951, TJRS, Rel. Des. Carlos Eduardo Zietlow Duro, Julgado em 19/11/2004)

 

‘DIREITO TRIBUTÁRIO. ISSQN. ARRENDAMENTO MERCANTIL. ILEGITIMIDADE PASSIVA. O contribuinte do ISSQN é o prestador do serviço, conforme estabelece o art. 10 do Decreto-lei nº 406/68. O fato da sede da empresa contribuinte estar localizada em outro município, e a ausência de inscrição da mesma no município exeqüente, não constituem motivos plausíveis para que a tributação se dê sobre outra empresa, com personalidade jurídica distinta, que não participa do fato gerador, e que em nada se beneficia com a operação tributada. Apelo desprovido. Sentença confirmada em reexame necessário’.

(Apelação e reexame necessário nº 70007049471, TJRS, Rel. Des. Francisco José Moesch, Julgado em 03/03/2004)

 

‘EMBARGOS À EXECUÇÃO FISCAL. ISS. ARRENDAMENTO MERCANTIL. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA. INTERESSE COMUM. INOCORRÊNCIA. 1. O sujeito passivo da obrigação tributária referente ao ISS incidente sobre a prestação de serviços de arrendamento mercantil é a instituição arrendante. 2. De acordo com o artigo 124, inciso I, do CTN, são solidariamente responsáveis as pessoas que tenham interesse comum na situação que constitua o fato gerador da obrigação principal. Hipótese em que não restou caracterizada a participação, no fato gerador, do banco integrante do mesmo grupo econômico da empresa prestadora de serviço de leasing. Recurso provido’.

(Apelação Cível nº 70009095621, TJRS, Rel. Maria Isabel De Azevedo Souza, Julgado em 05/10/2004)

‘EXECUÇÃO FISCAL. EMBARGOS DE TERCEIRO. FRAUDE DE EXECUÇÃO. NÃO CARACTERIZAÇÃO. C.T.N., ART. 185. APLICAÇÃO.

I – Embora integrantes do mesmo grupo empresarial, as empresas alienante e executada têm personalidade jurídica própria. Na espécie, não há notícia de que pendesse, em relação a alienante, execução fiscal com crédito regularmente inscrito quando da alienação ora questionada. Ademais, não se cogita de crédito solidário pelo simples fato de ambas as empresas alienante e executada pertencerem ao mesmo grupo econômico. Tampouco tem a aplicação a teoria da desconsideração da pessoa jurídica, pois, no caso, não se afirmou que, antes da alienação questionada, tivesse a executada alienado o bem penhorado a alienante. Há de considerar-se, ainda, que a alienação questionada foi precedida de alvará judicial expedido pelo juízo da concordata, o que torna inaceitável responsabilizar empresa outra que não a executada pelo débito cobrado.

II – Inaplicação à espécie do art. 185 do CTN.

III -Recurso especial conhecido e provido’.(RESP 28168-SP, Rel. Min. Antonio de Pádua Ribeiro, DJ de 07-08-1995, p. 23026).

 

Importante distinguir, pois, interesse comum no resultado da exploração da atividade econômica ensejadora do fato gerador da obrigação tributária , com o interesse jurídico comum na situação que constitua o fato gerador. Aquele é irrelevante para gerar da responsabilidade solidária. Este acarreta a responsabilidade solidária, porque as pessoas envolvidas praticam conjuntamente a atividade tipificada pela norma tributária

 

 

Notas:

[1] Solidariedade passiva e o interesse comum no fato gerador, Revista de Direito Tributário, Ano II, nº 4.

São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1978, p. 304.

 

 

* Professor de Direito Tributário, Administrativo e Financeiro. Presidente do Centro de Pesquisas e Estudos Jurídicos. Conselheiro do IASP. Ex Procurador-Chefe da Consultoria Jurídica do Município de São Paulo.

 

E-mail: kiyoshi@haradaadvogados.com.

Site: www.haradaadvogados.com.br

 

 

Como citar e referenciar este artigo:
HARADA, Kiyoshi. Responsabilidade tributária solidária por interesse comum na situação que constitua o fato gerador. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2009. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/direito-tributario/responsabilidade-tributaria-solidaria-por-interesse-comum-na-situacao-que-constitua-o-fato-gerador/ Acesso em: 28 mar. 2024