Direito Tributário

PAT – Parcelamento de débitos tributários

PAT – Parcelamento de débitos tributários

 

 

Kiyoshi Harada*

 

 

A Lei nº 14.256, de 29 de dezembro de 2006, instituiu no âmbito do Município de São Paulo o regime de parcelamento administrativo de tributos municipais, conhecido pela sigla PAT. Examinemos os aspectos mais relevantes desse diploma legal, bem como as suas disposições polêmicas.

 

‘Art. 1º. Fica instituído o Parcelamento Administrativo de Débitos Tributários – PAT, destinado ao pagamento de débitos tributários, constituídos ou não, não inscritos na dívida ativa, relativos aos tributos administrados pela Secretaria Municipal de Finanças.

 

§ 1º. Podem ser incluídos no PAT os débitos tributários:

 

I – espontaneamente confessados ou declarados pelo sujeito passivo;

 

II – originários de Autos de Infração e Intimação já lavrados.

 

§ 2º. Os débitos relativos ao Imposto sobre Transmissão “Inter Vivos”, a qualquer título, por ato oneroso, de bens imóveis, por natureza ou acessão física, e de direitos reais sobre imóveis, exceto os de garantia, bem como cessão de direitos à sua aquisição – ITBI-IV, somente poderão ser incluídos no PAT quando constituídos pela Administração.

 

Art. 2º. O pedido de ingresso no PAT dar-se-á por opção do sujeito passivo, mediante requerimento, conforme dispuser o regulamento.

 

§ 1º. Os débitos tributários incluídos no parcelamento serão consolidados tendo por base a data da formalização do pedido de ingresso no PAT.

 

§ 2º. Os débitos tributários não constituídos, incluídos no parcelamento por opção do sujeito passivo, serão declarados na data da formalização do pedido de ingresso no PAT.

 

§ 3º. O Secretário Municipal de Finanças poderá fixar, por contribuinte, o número máximo de parcelamentos em aberto.

 

Art. 3º. A formalização do pedido de ingresso no PAT implica o reconhecimento dos débitos tributários nele incluídos e a desistência automática de eventuais impugnações e recursos apresentados no âmbito administrativo.

 

Art. 4º. Caso o sujeito passivo formalize o pedido de ingresso no PAT, reconhecendo a procedência do Auto de Infração e Intimação, o valor das multas será reduzido em:

 

I – 30% (trinta por cento), se a formalização ocorrer no prazo para apresentação da impugnação; ou II – 15% (quinze por cento), se a formalização ocorrer no curso da análise da impugnação ou no prazo para apresentação do recurso ordinário’.

 

Aparentemente, o regime de parcelamento de débitos tributários de que cuida o art. 1º foi inspirado no seu similar federal, instituído pela MP nº 303/06. Só que, ao contrário da legislação da União, que peca pela exigüidade do prazo concedido para o exercício da opção, a lei sob comento peca por manter em caráter permanente o que deveria constituir-se em exceção. O parcelamento, como espécie de moratória que é, só poderia ser concedido em casos excepcionais em que o poder público tributante reconhece a superação do nível impositivo, que inviabiliza ou dificulta o cumprimento tempestivo das obrigações tributárias. O que não pode e nem deve ocorrer é a coexistência de dois regimes tributários: um normal (mais oneroso) e outro excepcional (menos oneroso) à escolha do contribuinte. A vedação da inclusão do ITBI no regime de parcelamento decorre da modalidade de lançamento por homologação a que está sujeito esse imposto. Entretanto, esclareça-se, desde logo, que a legislação municipal praticamente aboliu o lançamento por homologação à medida que informatizou a sistemática de cálculo e recolhimento do imposto de conformidade com os dados e elementos alimentados pelo sujeito ativo, sem definição legal prévia de critérios para inserção desses dados e elementos.

 

O art. 2º não fixa o prazo para o exercício da opção. O § 2º permite a inclusão de débitos não constituídos que, por exclusão, só pode ser o ISS. A delegação do § 3º é discutível do ponto de vista de sua constitucionalidade tendo em vista o disposto no art. 37 da CF.

 

O art. 3º deve ser interpretado com restrição para não afastar o uso da via judiciária (art. 5º, XXXV da CF) sempre que constatar que o débito tributário confessado não tinha amparo legal (inafastabilidade da natureza ex lege do tributo).

 

O art. 4º tem o nítido propósito de abreviar a tramitação de processos administrativos tributários com vistas à rápida realização da receita pública. A dosagem imoderada do percentual de desconto não pode constituir-se em instrumento de restrição ao princípio do contraditório e da ampla defesa. O poder de legislar não é absoluto. Além de obediência ao princípio da hierarquia vertical da leis, há um limite geral representado pelo princípio da razoabilidade. Fere o princípio da razoabilidade a legislação que estipula multas exorbitantes para proceder o escalonamento de descontos à medida em que o sujeito passivo for abrindo mão da impugnação administrativa e do recurso contra decisão administrativa de primeira instância.

 

O número de parcelas são estabelecidas na forma do art. 6º:

 

‘Art. 6º. Para definição do número máximo de parcelas, serão considerados os seguintes parâmetros:

 

I – até R$ 3.000,00 (três mil reais) de débitos tributários incluídos no PAT: até 18 (dezoito) parcelas;

 

II – de R$ 3.000,01 (três mil reais e um centavo) a R$ 10.000,00 (dez mil reais) de débitos tributários incluídos no PAT: até 24 (vinte e quatro) parcelas;

 

III – de R$ 10.000,01 (dez mil reais e um centavo) a R$ 30.000,00 (trinta mil reais) de débitos tributários incluídos no PAT: até 36 (trinta e seis) parcelas;

 

IV – de R$ 30.000,01 (trinta mil reais e um centavo) a R$ 50.000,00 (cinqüenta mil reais) de débitos tributários incluídos no PAT: até 48 (quarenta e oito) parcelas;

 

V – a partir de R$ 50.000,01 (cinqüenta mil reais e um centavo) de débitos tributários incluídos no PAT: até 60 (sessenta) parcelas.

 

§ 1º. O sujeito passivo procederá ao pagamento dos débitos tributários incluídos no PAT em parcelas mensais, iguais e sucessivas, sendo que o valor de cada parcela, por ocasião do seu pagamento, será acrescido de juros equivalentes à taxa referencial do Sistema Especial de Liquidação e de Custódia – SELIC, mensalmente acumulada, calculados a partir do mês subseqüente ao da formalização até o mês anterior ao do pagamento, e de 1% (um por cento) relativamente ao mês em que o pagamento estiver sendo efetuado.

 

§ 2º. Nenhuma parcela poderá ser inferior a:

 

I – R$ 100,00 (cem reais) para pessoas físicas;

 

II – R$ 500,00 (quinhentos reais) para pessoas jurídicas.

 

§ 3º. Os valores tratados nos incisos I a V do “caput” e no § 2º, todos deste artigo, serão atualizados na forma do disposto no artigo 2º e parágrafo único da Lei nº 13.105, de 29 de dezembro de 2000’.

 

Como se vê, o número de parcelas, limitado a 60 (sessenta), é fixado em função do valor do débito a ser parcelado, porém, o valor da parcela mensal mínima não guarda proporção com o valor da dívida total (§ 2º). Por ter caráter permanente esse regime de parcelamento, o § 3º prevê a atualização monetária pelo IPCA dos valores referidos nos incisos I a V.

 

Quanto ao vencimento das parcelas dispõe o art. 7º:

 

‘Art. 7º. O vencimento da primeira parcela dar-se-á no último dia útil da quinzena subseqüente à da formalização do pedido de ingresso no PAT e as demais no último dia útil dos meses subseqüentes.

 

§ 1º. Caso o sujeito passivo queira antecipar o recolhimento de parcela vincenda, deverá fazê-lo na ordem decrescente das parcelas ainda remanescentes.

 

§ 2º. O pagamento da parcela fora do prazo legal implicará cobrança da multa moratória de 0,33% (trinta e três centésimos por cento), por dia de atraso sobre o valor da parcela devida e não paga, até o limite de 20% (vinte por cento), acrescido de juros equivalentes à taxa referencial do Sistema Especial de Liquidação e de Custódia – SELIC’.

 

De conformidade com a regra do art. 7º, o vencimento da primeira parcela dar-se-á no último dia útil da quinzena subseqüente à da formalização do pedido de ingresso no PAT e as demais no último dia útil dos meses subseqüentes. O atraso no pagamento da parcela implica incidência de multa diária de 0,33%, sem prejuízo da cobrança de juros pela aplicação do SELIC, ao passo que, a antecipação de seu pagamento é apenas facultada, sem qualquer benefício.

 

A solidariedade nos termos do art. 8º não pode subsistir. Dispõe o referido artigo:

 

‘Art. 8º. O titular da firma individual e os sócios das empresas por cotas de responsabilidade limitada respondem solidariamente, com seus bens pessoais, pelos débitos incluídos no PAT.

 

Parágrafo único. Os acionistas controladores, os administradores, os gerentes e os diretores respondem solidariamente e subsidiariamente, com seus bens pessoais, quanto ao inadimplemento das obrigações incluídas no PAT’.

 

A solidariedade imotivada dos sócios de empresas, prevista no art. 8º, em relação aos débitos incluídos no PAT, só pode ser entendida em conexão com os dispositivos do Código Tributário Nacional, que não reconhece a figura da responsabilidade solidária objetiva. De fato, matéria de obrigação tributária, onde se insere a questão da responsabilidade solidária, está sob reserva de lei complementar (art. 146, III, ‘b’ da CF) pelo que o legislador municipal deve respeito ao estabelecido pela lei de regência nacional (art. 134 do CTN), sob pena de inconstitucionalidade.

 

Sobre a garantia do débito parcelado dispõe o art. 9º:

 

Art. 9º. Para os débitos tributários parcelados na forma desta lei, superiores ao valor a ser fixado pelo Secretário Municipal de Finanças, será exigida garantia bancária ou hipotecária que corresponda, no mínimo, ao valor do débito tributário consolidado, conforme dispuser o regulamento.

 

§ 1º. Só poderá ser oferecido, como garantia hipotecária, imóvel localizado no Estado de São Paulo, que ficará sujeito a avaliação, conforme dispuser o regulamento, exceto quando localizado no Município de São Paulo, hipótese em que a garantia corresponderá ao seu valor venal.

 

§ 2º. A garantia bancária deverá ser oferecida por instituição estabelecida no Município de São Paulo’.

 

Além de criticável a delegação contida, as disposições sob comento caminham na contramão da evolução legislativa na esfera federal, onde não mais se exige a garantia para ingresso no regime excepcional do parcelamento, para não impor sacrifícios de natureza patrimonial ao contribuinte em dificuldade financeira. No caso de fiança bancária, além de dispendiosa, sujeitar-se-á a sua renovação periódica, de conformidade com as normas do Banco Central.

 

O art. 10 a seguir transcrito traz questões polêmicas:

 

‘Art. 10. O ingresso no PAT impõe ao sujeito passivo a aceitação plena e irretratável de todas as condições estabelecidas neste capítulo e constitui confissão irrevogável e irretratável da dívida relativa aos débitos tributários nele incluídos, com reconhecimento expresso da certeza e liquidez do crédito correspondente, produzindo os efeitos previstos no artigo 174, parágrafo único, do Código Tributário Nacional e no artigo 202, inciso VI, do Código Civil.

 

§ 1º. A homologação do ingresso no PAT dar-se-á no momento do pagamento da primeira parcela.

 

§ 2º. O ingresso no PAT impõe ao sujeito passivo, ainda, a autorização para débito automático das parcelas em conta-corrente mantida por aquele em instituição bancária cadastrada pelo Município.

 

§ 3º. Excepcionalmente, no caso de sujeitos passivos que não mantenham, justificadamente, conta-corrente em instituição bancária cadastrada pelo Município, a Secretaria Municipal de Finanças poderá afastar a exigência prevista no § 2º deste artigo’ O parcelamento suspende a exigibilidade do crédito tributário (art. 151, VI do CTN) e implica interrupção do prazo prescricional. Quanto à confissão irretratável da dívida, há de ser entendida em consonância com o princípio da legalidade tributária de cunho constitucional, irremovível mesmo por meio de Emendas. Uma confissão de dívida tributária, sem que tenha ocorrido o fato gerador respectivo, por exemplo, evidentemente, não pode implicar cobrança coativa. Ao contrário, se já paga alguma parcela, o contribuinte terá direito à sua repetição. O § 1º prevê homologação automática do ingresso no PAT com o pagamento da primeira parcela e o § 2º transforma em obrigação o que deveria ser uma faculdade do sujeito passivo.

 

Os casos de exclusão do Pat estão enumerados no art. 11:

 

‘Art. 11. O sujeito passivo será excluído do PAT, sem notificação prévia, diante da ocorrência de uma das seguintes hipóteses:

 

I – inobservância de qualquer das exigências estabelecidas neste capítulo;

 

II – estar em atraso com o pagamento de qualquer parcela há mais de 60 (sessenta) dias;

 

III – decretação de falência ou extinção pela liquidação da pessoa jurídica, nos termos da Lei nº 11.101, de 09 de fevereiro de 2005.

 

§ 1º. Caso o sujeito passivo seja excluído do PAT, sobre o débito tributário incluído no parcelamento incidirá a multa original sem os descontos concedidos nos termos do artigo 4º desta lei.

 

§ 2º. O débito tributário excluído do parcelamento não será objeto de novo PAT, implicando a imediata inscrição do saldo devedor em dívida ativa.

 

§ 3º. O PAT não configura a novação prevista no artigo 360, inciso I, do Código Civil’.

 

O art. 11 prevê várias hipóteses de exclusão do PAT, sem notificação do sujeito passivo. Entretanto, por imposição constitucional, essa exclusão não pode ser efetivada sem a observância dos princípios do contraditório e da ampla defesa, insertos no art. 5º, LV da CF. Operada a exclusão restabelece-se a multa original (§ 1º). O § 2º veda o reparcelamento. Nada impede, contudo, que outra lei venha conceder novo prazo de pagamento a exemplo do que vem ocorrendo na esfera da União. O § 3º, ao manter o caráter do débito tributário original, repercute no Direito Penal Tributário. O parcelamento, não elide o crime tributário eventualmente imputado ao sujeito passivo. Apenas suspende a pretensão punitiva do Estado e, por conseguinte, a prescrição penal. Descumprido o parcelamento o crédito tributário remanescente será objeto de execução fiscal, após sua inscrição na dívida ativa, bem como, o eventual processo penal suspenso retomará seu curso regular.

 

No que tange à expedição de certidão negativa no curso do PAT dispõe o art.

 

12:

 

‘Art. 12. A expedição da certidão prevista no artigo 206 do Código Tributário Nacional somente ocorrerá após a homologação do ingresso no PAT e desde que não haja parcela vencida não paga’.

 

Na realidade do dia a dia há n situações em que não se pode aguardar esse prazo previsto na norma sob comento, cuja elasticidade depende unicamente de ato potestativo a cargo do sujeito ativo do tributo. Por isso, em casos de urgência sempre restará ao interessado o recurso à via judiciária para obtenção da certidão positiva com efeitos de negativa.

 

A norma do art. 13 adiante transcrita faz uso abusivo do instrumento tributário:

 

‘Art. 13. Quando o PAT incluir débitos de Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza – ISS relativos a obra, o certificado de quitação do ISS, para fins de emissão de certificado de conclusão ou auto de vistoria ou de conservação de obras particulares, bem como no caso de pagamento de obras contratadas com o Município de São Paulo, somente será expedido com o pagamento integral do referido acordo de parcelamento’.

 

Esse dispositivo é um convite para o interessado valer-se da via judiciária, principalmente, na hipótese de o contribuinte ter que aguardar cinco anos (art. 6º, V).

 

Afronta o art. 206 c.c o art. 151, VI do CTN. Ora, se o ingresso no Pat implica ipso fato suspensão da exigibilidade do crédito tributário como subordinar a expedição da certidão positiva com efeito de negativa ao término desse parcelamento? Configura autêntico desvio de finalidade da certidão a que alude o art. 206 do CTN, que não tem a natureza de instrumento coativo de cobrança tributária, representado apenas pela Lei nº 6.830/80, Lei de Execução Fiscal. A norma sob comento equivale à vedação do regime de parcelamento do ISS resultante de execução de obra.

 

Dispositivo semelhante é o do art. 14:

 

‘Art. 14. Quando o PAT incluir débitos do ITBI, não serão lavrados, registrados, inscritos ou averbados pelos notários, oficiais de Registro de Imóveis, ou seus prepostos, os atos e termos relacionados à transmissão de bens imóveis ou de direitos a eles relativos, sem o pagamento integral do referido acordo de parcelamento’.

 

A exemplo do artigo anterior, este dispositivo inviabiliza a inclusão do débito do ITBI no PAT, pois uma vez incluído a escritura do imóvel só poderá ser lavrada após ultimado o pagamento da parcela final, bem como a prática dos atos a cargo dos oficiais de Registro de Imóveis ficarão postergados para o final do parcelamento. Certamente, o legislador tem a liberdade de conceder o parcelamento (espécie de moratória) deste ou daquele imposto. O que não tem é a faculdade de suprimir o efeito inerente à moratória legalmente concedida.

 

Finalmente, dispõe o art. 15:

 

‘Art. 15. A exclusão do PAT, pela ocorrência das hipóteses previstas no artigo 11 desta lei, não implicará a restituição das quantias pagas’.

 

O dispositivo é ocioso. Cumpre fazer um esclarecimento. Se a suspensão do pagamento ocorreu em virtude da constatação de não ter ocorrido o fato gerador, ou da superveniente declaração de inconstitucionalidade do tributo, a restituição das quantias pagas é devida, pois ante o pagamento de tributo legalmente inexistente, a repetição sempre se impõe.

 

* Professor de Direito Tributário, Administrativo e Financeiro. Presidente do Centro de Pesquisas e Estudos Jurídicos. Conselheiro do IASP. Ex Procurador-Chefe da Consultoria Jurídica do Município de São Paulo.

 

E-mail: kiyoshi@haradaadvogados.com.br

Site: www.haradaadvogados.com.br

Como citar e referenciar este artigo:
HARADA, Kiyoshi. PAT – Parcelamento de débitos tributários. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2009. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/direito-tributario/pat-parcelamento-de-debitos-tributarios/ Acesso em: 29 mar. 2024