Direito Tributário

Declaração de inidoneidade do destinatário/adquirente, tredestinação e desvio de finalidade das mercadorias e as consequências jurídicas para o remetente/fornecedor. O entendimento do STJ e a análise do contexto fático-probatório

André Milchteim[1]

Resumo. No REsp Repetitivo 1148444/MG, o STJ estabeleceu os requisitos para o destinatário/adquirente demonstrar sua boa-fé nos casos de creditamento indevido em razão da declaração de inidoneidade do remetente/fornecedor. No EREsp 1119205/MG tratou dos casos de quebra de diferimento causada pela declaração de inidoneidade do destinatário/adquirente e no EREsp 1657359/SP tratou dos casos de tredestinação de mercadorias em operações interestaduais. Embora o STJ tenha possibilitado o remetente/fornecedor autuado demonstrar a sua boa-fé, não estabeleceu objetivamente os requisitos para tal demonstração. Assim, este texto pretende transpor os requisitos do REsp Repetitivo 1148444/MG aos casos do EREsp 1119205/MG e do EREsp 1657359/SP, assim como aplicar as respectivas ratio decidendi para infrações correlatas, nominadas “infrações de saída”, analisando-se os tipos infracionais e meios para se comprovar a regularidade das operações comercial, física e financeira.  

1. Contextualização do problema.

O ICMS incide na circulação de mercadorias no decorrer da cadeia produtiva, isto é, incide na importação, produção, industrialização, distribuição, atacado e varejo; trata-se de um imposto plurifásico e plurissetorial. Ele é não-cumulativo (arts. 155, II, § 2º, I da CF e art. 19 da LC 87/96), assegurando-se ao destinatário o direito ao crédito, nas sistemáticas do crédito/débito (art. 20 da LC 87/96) e da substituição tributária (arts. 150, § 7º da CF, 128 do CTN e 6º a 10 da LC 87/96)[1], condicionando-se à idoneidade da documentação que amparou a operação (art. 23 da LC 87/96).

Desse modo, quando o fisco declara a inidoneidade do remetente, com a consequente desclassificação da sua documentação fiscal, o crédito tomado pelo destinatário é considerado indevido, e, como tal, passível de ser glosado. Para dirimir a altercação que exsurge entre as fazendas estaduais e os contribuintes, o STJ julgou o REsp 1148444/MG, sob o regime de recursos repetitivos (art. 1.036 do CPC/2015; art. 543-C do CPC/1973) e, ulteriormente, editou o enunciado da súmula 509, assentando a possibilidade de o destinatário demonstrar sua “boa-fé”, consequentemente, superar as máculas que permearam a apropriação do crédito.

Essa temática foi abordada em texto específico[2], no qual se desdobrou a aplicação do REsp Repetitivo 1148444/MG às demais irregularidades tributárias associadas à entrada de mercadorias desacompanhadas de documentação hábil, relacionadas ao recebimento, ao crédito, ao pagamento, à estocagem, ao depósito, à escrituração etc., denominadas de “infrações de entrada”.

Este texto abordará as infrações associadas à saída de mercadorias desacompanhadas de documentação hábil nos casos de declaração de inidoneidade do destinatário, de tredestinação das mercadorias e de desvio da finalidade de mercadorias, nas quais, ao invés de autuado ser o contribuinte adquirente das mercadorias (destinatário), o autuado é o remetente que as alienou (fornecedor). A desclassificação dos documentos do destinatário ocorre quando o fisco constata que a situação jurídica retratada na documentação fiscal que amparou a operação ou a prestação de serviços disjunge da situação fática, razão pela qual considera que as operações sucederam desacobertadas por documento fiscal (hábil).

A declaração de inidoneidade (ou de não localização) versa sobre saídas de mercadorias fundadas numa suposta relação comercial entre o remetente e o destinatário, cuja situação cadastral foi alterada de “ativa”, para “suspensa”, “inapta”, “baixada” ou “nula”, pois, o então inidôneo, não poderia ter sido sujeito de direitos e obrigações, e, tampouco, ter realizado a operação retratada na documentação fiscal. Não raro, quando a causa da inidoneidade for a inexistência de estabelecimento ou a incapacidade produtiva, resultará nos casos de tredestinação ou desvio de finalidade.

A tredestinação versa sobre saídas de mercadorias que não ingressaram no estabelecimento retratado na documentação fiscal, de modo que o documento emitido pelo remetente contém declaração falsa quanto ao estabelecimento de destino das mercadorias. São hipóteses clássicas a declaração de inidoneidade do destinatário por inexistência de estabelecimento e, em casos de operações interestaduais, a não comprovação de que as mercadorias saíram do Estado de origem, seja porque o destinatário foi declarado inidôneo, seja porque elas não passaram pela divisa/barreira/fronteira interestadual (cuja caracterização pode ser de ordem fática ou presumida[3]). Em ambas as situações se denota a impossibilidade de as mercadorias ingressarem no estabelecimento de destino.

O desvio de finalidade versa sobre saídas não tributadas em razão do uso/utilização das mercadorias, que assim deixaram de ser consideradas porque o destinatário/adquirente as utilizou para outro propósito ou porque foi declarado inidôneo, de modo que o documento emitido pelo remetente conteria declaração falsa quanto ao uso/utilização das mercadorias. A título exemplificativo, menciona-se as saídas imunes de papel destinado à impressão de livros, jornais e periódicos (art. 150, VI, d, da CF) descaracterizadas porque o destinatário deu outro uso ao papel (v.g., produção de embalagens), o que foi demonstrado pela incapacidade produtiva para imprimir livros, jornais ou periódicos (v.g., não possuía sistema de impressão) ou simplesmente porque foi declarado inidôneo, com as respectivas consequências legais.

A mesma maneira que as “infrações de entrada”, as “infrações de saída” são de índole cognoscitiva, significa, deve-se perquirir se, no momento da operação, diante das evidências jurídicas atuais disponíveis que atestavam a higidez do destinatário/adquirente, do destino das mercadorias e do uso/utilização das mercadorias, em qual medida o contribuinte remetente/fornecedor poderia/deveria saber ou poderia/deveria antever as evidências fáticas atuais disponíveis que as infirmariam?

Assim, se analisará os requisitos estabelecidos para se reconhecer a boa-fé nas infrações de entrada em conjunto com os julgados do STJ pertinentes às infrações de saída e, estabelecer meios de verificar a retidão, a integridade e a honradez do remetente/fornecedor, e, nesse sentido, se reconhecer a presença da sua boa-fé e da lisura da operação. É o que se passa a fazer.

2. O entendimento firmado no EREsp 1119205/MG e no EREsp 1657359/SP. Extensão às demais “infrações de saída”.

Hodiernamente, não há entendimento sedimentado em sede de recurso repetitivo relativo às “infrações de saída”, porém, há dois embargos de divergência em recurso especial julgados pela 1ª Seção do STJ que afastaram ou mitigaram a responsabilidade objetiva do art. 136 do CTN, permitindo assim o remetente/fornecedor demonstrar documentalmente sua boa-fé.

No EREsp 1119205/MG[4], o STJ tratou da hipótese de quebra de diferimento (postergação do pagamento do imposto devido) na sistemática da substituição tributária antecedente, na qual o remetente substituído foi autuado por falta de pagamento do imposto, oportunidade na qual se decidiu que, diante de uma fraude concretizada pelo destinatário substituto inidôneo, inexistindo participação do remetente não seria possível se lhe atribuir dolo e não tendo meios para evitá-la não seria possível se lhe atribuir culpa. Sendo assim, o remetente não poderia responder objetivamente pelo pagamento do imposto próprio, atraindo o art. 137 do CTN. Confira-se:

Observa-se, pois, que, in casu, não se discute a possibilidade de responsabilização do contribuinte (vendedor) ao pagamento do tributo, em caráter supletivo, nos termos do art. 128 do CTN, mas se ele pode responder por infração cometida pela empresa compradora (que veio a ser declarada inidônea exatamente por deixar de pagar o imposto diferido), ainda que de boa-fé.

A responsabilidade por infrações está contemplada nos arts. 136 e seguintes do CTN. No entanto, tenho que a situação dos autos não se subsume a essas regras, na medida em que está claro que o vendedor, por ter sido considerado de boa-fé, não participou da fraude levada a efeito pela compradora (ausência de dolo) e nem detinha poderes para evitá-la (ausência de culpa).

No que se refere especificamente à culpa (ou dever de cuidado), alio-me à posição adotada nos arestos paradigmas, no sentido de que a cabe ao Fisco, não ao vendedor, o dever de fiscalizar as operações da compradora, a quem a lei atribuiu o recolhimento do tributo diferido. (…)

Dessa forma, na modalidade de diferimento, compete ao vendedor, apenas, entregar a mercadoria e emitir a correspondente de nota fiscal. Tomadas essas providências, tem-se que o vendedor agiu de boa-fé, não sendo possível imputar-lhe responsabilidade por obrigação que não lhe cabia satisfazer. (…)

Sendo assim, apenas há de ser responsabilizado se comprovada a existência de má-fé (conluio para fraudar o fisco), caso em que responderá o vendedor de forma subjetiva, conforme dispõe o art. 137 do CTN, o que, repito, não ocorreu na espécie.

Evidentemente, se a acusação imputar dolo, fraude ou simulação, o remetente substituído deverá, num primeiro momento, afastar tais imputações, e, num segundo momento, demonstrar a sua boa-fé.

No EREsp 1657359/SP[5], o STJ cuidou da tredestinação de mercadorias em caso no qual elas não teriam ingressado no estabelecimento do destinatário sediando em outro Estado e teriam sido alienadas no Estado de origem, recaindo a autuação sobre o remetente, com a consequente exigência do diferencial entre a alíquota interna e a interestadual. Nessa oportunidade, o STJ entendeu que não há previsão normativa para se exigir o diferencial do remetente de boa-fé:

Como já afirmado nos arestos indicados como paradigmas, não há previsão na Carta Política ou no CTN que autorize a responsabilização do vendedor de boa-fé pelo pagamento do diferencial de alíquota do ICMS por eventual tredestinação das mercadorias.

O que antes era implícito, agora, após a Emenda Constitucional n. 87/2015, está expresso no texto constitucional (art. 155, § 2º, VIII, “a”), ou seja, é do comprador contribuinte do imposto a responsabilidade tributária pelo pagamento do diferencial de alíquota de ICMS. Se o comprador deu à mercadoria destinação diversa do contratado, levando-a para outro estado que o não declarado ou mesmo a tendo revendido no próprio estado de origem, caberá a ele, e não ao vendedor de boa-fé, responder perante o fisco competente para complementar o valor do imposto devido.

A responsabilidade por infração (art. 136 do CTN) também não alcança o vendedor de boa-fé, pois, conforme já bem ponderado pelo preclaro Ministro Benedito Gonçalves, sua configuração exige que o fisco identifique o agente ou responsável pela tredestinação, não sendo possível atribuir sujeição passiva por mera presunção, competindo à autoridade fiscal, de acordo com os arts. 116 e 142 do CTN, espelhar o princípio da realidade no ato de lançamento, expondo os motivos determinantes que a levaram à identificação do fato gerador e o respectivo responsável tributário.

Tendo em vista que o Tribunal local desconsiderou as provas instruídas no processo destinadas a demonstrar a alegada boa-fé e aplicou a responsabilidade objetiva (art. 136 do CTN), o STJ anulou o acórdão e determinou que outro fosse proferido, apreciando-se tais provas. Confira-se:

Nesse contexto, tenho que a apelação deve ser novamente julgada pela Corte a quo, para que decida a questão da responsabilidade tributária com base na existência ou não de boa-fé da empresa vendedora.

Nesse contexto, tenho que a apelação deve ser novamente julgada pela Corte a quo, para que decida a questão da responsabilidade tributária com base na existência ou não de boa-fé da empresa vendedora.

Ante o exposto, dou provimento aos embargos de divergência, para cassar os acórdãos do recurso especial e da apelação e determinar o retorno dos autos ao Tribunal de origem, a fim de que profira novo julgamento da apelação, apreciando a questão da responsabilidade tributária para o pagamento do diferencial de alíquota de ICMS à luz das alegações e das provas relacionadas com a existência ou não de boa-fé por parte da empresa vendedora.

A este passo, deve-se ressalvar que: (i) as infrações de entrada são essencialmente diferentes das infrações de saída e cada uma tem suas próprias consequências jurídicas, de modo que não é possível aplicar o REsp Repetitivo 1148444/MG de maneira direta e automática de uma família de infrações à outra; (ii) no EREsp 1119205/MG e no EREsp 1657359/SP, o STJ não definiu o que seria a “boa-fé” e nem os requisitos para reconhecê-la; e, (iii) atualmente, não há recurso repetitivo ou embargos de divergência em recurso especial para os casos de tredestinação de mercadoria envolvendo a declaração de inidoneidade do destinatário/adquirente e nem aos casos de desvio da finalidade das mercadorias em operação não tributada, seja qual for a causa.

Assim, a proposta deste trabalho é associar o EREsp 1119205/MG e o EREsp 1657359/SP com a ratio decidendi e os requisitos estabelecidos no REsp Repetitivo 1148444/MG e estabelecer os requisitos para se reconhecer a boa-fé nas demais infrações de saída.

As infrações de saída versam sobre irregularidades tributárias relacionadas à falta de pagamento, entrega, remessa, transporte, emissão de documento etc., e se configuram conforme a operação e o tipo infracional, podendo ser elididas nos seguintes termos[6]

Infrações de saída 

    

Operações internas

Operação

Causa da infração

Tipo infracional

Tese aplicável

crédito/débito[7] 

declaração de inidoneidade do destinatário

o remetente poderá ser autuado por emissão de documento fiscal constando declaração falsa quanto ao estabelecimento de destino

analogia ao EREsp 1657359/SP, ao REsp 1148444/MG e à súmula 509/STJ

tredestinação de mercadorias

o remetente poderá ser autuado por emissão de documento fiscal constando declaração falsa quanto ao estabelecimento de destino

analogia ao EREsp 1657359/SP, ao REsp 1148444/MG e à súmula 509/STJ

não tributada

declaração de inidoneidade do destinatário

o remetente poderá ser autuado por emissão de documento fiscal constando declaração falsa quanto ao estabelecimento de destino

analogia ao EREsp 1657359/SP, ao REsp 1148444/MG e à súmula 509/STJ

tredestinação de mercadorias

o remetente poderá ser autuado por emissão de documento fiscal constando declaração falsa quanto ao estabelecimento de destino

analogia ao EREsp 1657359/SP, ao REsp 1148444/MG e à súmula 509/STJ

desvio da finalidade das mercadorias

(a saída não tributada passa a ser tributada)

se o caso versar sobre fato próprio do destinatário, não haveria autuação, pois não haveria declaração falsa no documento e o imposto deve ser exigido do destinatário[8] 

se o caso versar sobre declaração de inidoneidade do destinatário, o remetente poderá ser autuado por emissão de documento fiscal constando declaração falsa quanto ao uso/utilização e por falta de pagamento do imposto, exigido por solidariedade

analogia ao EREsp 1657359/SP, ao REsp 1148444/MG e à súmula 509/STJ

ST antecedente[9] 

declaração de inidoneidade do destinatário

a regra geral seria a não autuação

segundo o EREsp 1119205/MG, não se aplicaria o art. 136 do CTN, mas sim o 137 do CTN

se o fisco demonstrar dolo, fraude ou simulação (conluio), o remetente poderá ser autuado por emissão de documento fiscal constando declaração falsa quanto ao estabelecimento de destino e poderá ser exigido o ICMS-OP e ICMS-ST do destinatário, por responsabilidade supletiva

analogia ao EREsp 1119205/MG, ao REsp 1148444/MG e à súmula 509 do STJ

tredestinação de mercadorias

o remetente poderá ser autuado por emissão de documento fiscal constando declaração falsa quanto ao estabelecimento de destino

analogia ao EREsp 1119205/MG, ao REsp 1148444/MG e à súmula 509 do STJ

ST subsequente

declaração de inidoneidade do destinatário

o remetente (substituto) poderá ser autuado por emissão de documento fiscal constando declaração falsa quanto ao estabelecimento de destino

analogia ao EREsp 1657359/SP, ao REsp 1148444/MG e à súmula 509 do STJ

tredestinação de mercadorias[10] 

o remetente (substituto) poderá ser autuado por emissão de documento fiscal constando declaração falsa quanto ao estabelecimento de destino

analogia ao EREsp 1657359/SP, ao REsp 1148444/MG e à súmula 509 do STJ

desvio da finalidade das mercadorias

(a saída não tributada passa a ser tributada)

se o caso versar sobre fato próprio do destinatário, não haveria autuação, pois não haveria declaração falsa no documento e o imposto deve ser exigido do destinatário[11] 

se o caso versar sobre declaração de inidoneidade do destinatário, o remetente poderá ser autuado por emissão de documento fiscal constando declaração falsa quanto ao uso/utilização e por falta de pagamento do ICMS-OP, exigido por responsabilidade solidária, e do ICMS-ST do destinatário, exigido por responsabilidade supletiva

analogia ao EREsp 1657359/SP, ao REsp 1148444/MG e à súmula 509 do STJ

Operações interestaduais[12] 

Operação

Causa da infração

Tipo infracional

Tese aplicável

crédito/débito[13] 

declaração de inidoneidade do destinatário pelo Estado de destino ou declaração de não localização (e congêneres) do destinatário pelo Estado de origem

o remetente poderá ser autuado por emissão de documento fiscal constando declaração falsa quanto ao estabelecimento de destino e por falta de pagamento do diferencial de alíquota interestadual, em razão da presunção da ocorrência de operação interna

analogia ao EREsp 1657359/SP, ao REsp 1148444/MG e à súmula 509 do STJ

tredestinação de mercadorias

o remetente poderá ser autuado emissão de documento fiscal constando declaração falsa quanto ao estabelecimento de destino e por falta de pagamento do diferencial de alíquota interestadual, em razão da presunção da ocorrência de operação interna

EREsp 1657359/SP, ao REsp 1148444/MG e à súmula 509 do STJ

não tributada

declaração de inidoneidade do destinatário pelo Estado de destino ou declaração de não localização (e congêneres) do destinatário pelo Estado de origem

o remetente poderá ser autuado por emissão de documento fiscal constando declaração falsa quanto ao estabelecimento de destino

analogia ao EREsp 1657359/SP, ao REsp 1148444/MG e à súmula 509 do STJ

tredestinação de mercadorias

o remetente poderá ser autuado por emissão de documento fiscal constando declaração falsa quanto ao estabelecimento de destino

analogia ao EREsp 1657359/SP, ao REsp 1148444/MG e à súmula 509 do STJ

desvio da finalidade das mercadorias

(a saída não tributada passa a ser tributada)

se o caso versar sobre fato próprio do destinatário, não haveria autuação, pois não haveria declaração falsa no documento e o imposto deve ser exigido do destinatário[14] 

 

se o caso versar sobre declaração de inidoneidade do destinatário pelo Estado de destino ou declaração de não localização (e congêneres) do destinatário pelo Estado de origem, o remetente poderá ser autuado por emissão de documento fiscal constando declaração falsa quanto ao uso/utilização e por falta de pagamento do imposto exigido por responsabilidade solidária, em razão da presunção da ocorrência de operação interna

analogia ao EREsp 1657359/SP, ao REsp 1148444/MG e à súmula 509 do STJ

ST antecedente[15] 

declaração de inidoneidade do destinatário pelo Estado de destino ou declaração de não localização (e congêneres) do destinatário pelo Estado de origem

o remetente poderá ser autuado por emissão de documento fiscal constando declaração falsa quanto ao estabelecimento de destino

analogia ao EREsp 1119205/MG, ao REsp 1148444/MG e à súmula 509 do STJ

ST subsequente

declaração de inidoneidade do destinatário pelo Estado de destino ou declaração de não localização (e congêneres) do destinatário pelo Estado de origem

o remetente poderá ser autuado por emissão de documento fiscal constando declaração falsa quanto ao estabelecimento de destino e por falta de pagamento do diferencial de alíquota do ICMS-OP e pela diferença do ICMS-ST do destinatário, exigida por supletividade, ambos em razão da presunção da ocorrência de operação interna

analogia ao EREsp 1657359/SP, ao REsp 1148444/MG e à súmula 509 do STJ

tredestinação de mercadorias

o remetente poderá ser autuado por emissão de documento fiscal constando declaração falsa quanto ao estabelecimento de destino e por falta de pagamento do diferencial de alíquota do ICMS-OP e pela diferença do ICMS-ST do destinatário, exigida por supletividade, ambos em razão da presunção da ocorrência de operação interna

analogia ao EREsp 1657359/SP, ao REsp 1148444/MG e à súmula 509 do STJ

desvio da finalidade das mercadorias

(a saída não tributada passa a ser tributada)

se o caso versar sobre fato próprio do destinatário, não haveria autuação, pois não haveria declaração falsa no documento e o imposto deve ser exigido do destinatário[16] 

se o caso versar sobre declaração de inidoneidade do destinatário pelo Estado de destino ou declaração de não localização (e congêneres) do destinatário pelo Estado de origem, o remetente poderá ser autuado por emissão de documento fiscal constando declaração falsa quanto ao estabelecimento de destino e por falta de pagamento do diferencial de alíquota do ICMS-OP e pela diferença do ICMS-ST do destinatário, exigida por supletividade, ambos em razão da presunção da ocorrência de operação interna

 

Por fim, vale registrar a presença de casos cuja declaração de inidoneidade recai sobre intermediários, como o transportador/prestador ou o armazém/prestador, hipóteses nas quais, se houver o regular débito do imposto pelo remetente e o pagamento do imposto pelo destinatário, ou, se a operação de saída não for tributada, se exige apenas a multa em razão de a documentação fiscal ser inábil.

3. Contexto fático-probatório. Provas para se reconhecer a boa-fé do contribuinte[17].

Consoante anunciado, não há pronunciamento do STJ sobre as provas necessárias para se reconhecer a boa-fé do remetente/fornecedor nas infrações de saída; assim, mutatis mutandis, e abstraindo-se a natureza e a qualificação jurídica infracional individualizada, adotar-se-á como parâmetro aquelas fixadas no REsp Repetitivo 1148444/MG para demonstrar: (i) a veracidade das operações de compra e venda; (ii) a verificação, à época da operação, da regularidade fiscal do destinatário/adquirente; e, (iii) o recebimento de valores do destinatário/adquirente.

3.1 Provas relativas à existência da operação comercial

O remetente/fornecedor deve verificar os documentos relativos à regularidade fiscal do destinatário/adquirente, o que faz mediante consultas: (i) ao Cadastro de Contribuintes do ICMS; (ii) à Declaração Cadastral do Estado – DECA; (iii) ao Sistema Integrado de Informações sobre Operações Interestaduais com Mercadorias e Serviços – SINTEGRA; (iv) ao Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica – CNPJ; e, (v) a depender do entendimento, aos registros da Junta Comercial do Estado.

Se a operação envolver atividades setoriais com disciplina específica, também deverá apresentar a documentação pertinente à regularidade da atuação no respectivo segmento; por exemplo, nas saídas de papel imune destinado a impressão de livros, jornais e periódicos, o remetente do papel deve verificar se destinatário está devidamente credenciamento no Sistema de Registro e Controle das Operações com Papel Imune – RECOPI.

Contudo, considerando que o controle prévio documental atesta somente o atendimento aos requisitos técnicos e formais para sua concessão/emissão, se as informações foram prestadas unilateralmente pelo requerente, se a própria documentação ressalva a possibilidade de sua posterior revisão e se o fisco não pode obstar sua concessão/emissão[18] não teria sentido realizar as consultas e guardá-las se não servirão como prova para legitimar operação que ulteriormente se revelou irregular. Assim, consoante já defendido para as infrações de entrada[19], penso que a apresentação dessa documentação pode (e deve) ser abrandada, notadamente porquê para se demonstrar a lisura da operação e a efetividade da operação comercial, a presença de outros elementos típicos de uma operação comercial assume maior relevância, como contratos e tratativas comerciais (e-mails, troca de mensagens em aplicativos etc.), inclusive quando a venda for intermediada por terceiros de qualquer natureza.

Tais elementos, porém, devem ser consentâneos com a operação concretamente realizada; por exemplo, de nada adiantará o remetente/fornecedor apresentar contratos/tratativas que estabelecem o preço de venda das mercadorias, porém, sob o pretexto de concessão de descontos, os comprovantes de recebimento do preço forem substancialmente distintos do acordado, sem que isso conste nas notas fiscais e na respectiva escrituração.

A seu turno, entendo que não é razoável o fisco exigir documentos não triviais a uma operação comercial, como contrato de locação do destinatário/adquirente, fotos de seu estabelecimento, imagens do Google Maps, prints do LinkedIn, verificação in loco etc., sob pena de presumir que a venda ocorreu sem que o contribuinte adotasse “cautelas mínimas”. Tais documentos seriam pertinentes apenas para suprir eventual ausência da documentação atinente ao status do destinatário/adquirente.

3.2 Provas relativas à existência da operação física.

A prova da operação física objetiva demonstrar a efetividade e a veracidade da operação comercial constante no acervo documental, isto é, se os documentos retratam o sucedido faticamente. Para isso, nas infrações de saída, o remetente/fornecedor de boa-fé deve demonstrar a efetiva entrada das mercadorias no estabelecimento de destino no endereço constante na NFe/DANFE. Demais disso, no caso de operações interestaduais, deverá demonstrar a saída física das mercadorias do Estado, sob pena delas serem presumidas internas[20], o que faz, objetivamente, por apontamento pelo posto fiscal de divisa/barreira/fronteira interestadual, subjetivamente, por CTRCs, comprovantes de pedágio etc. Em ambas as hipóteses, deverá demonstrar a regularidade do transporte/transportadora (CT-e/DACTE).

A prova da efetiva entrada das mercadorias no estabelecimento de destino é complexa, na medida em que o remetente/fornecedor nele não possui ingerência. Nas situações sem imputação de dolo, fraude ou simulação, tal demonstração acaba se dando com o preenchimento correto da NFe/DANFE[21] (que contempla dezenas de itens, dos quais se destaca a declaração, a data, a identificação e a assinatura do recebimento das mercadorias), dos assentamentos fiscais (livro de registro de saída), GIAs etc., por, em princípio, possibilitarem averiguar a regular escrituração, o regular pagamento do imposto e a identificação de todos os elementos da operação, possibilitando aferir a compatibilidade com a operação física, como valores, transporte, datas, percurso, tempo etc., quer o transporte seja por conta do remetente/fornecedor, que seja por conta do destinatário/adquirente.

Aliás, um empasse insuperável entre o remetente/fornecedor e a Fazenda concerne às operações com cláusula FOB, pois os contribuintes sustentam que essa modalidade de contratação, por si só, teria o condão de eximir sua responsabilidade, ao passo que o fisco sustenta que as convenções entre particulares não lhe são oponíveis (art. 123 do CTN). O tema assim foi tratado no EREsp 1657359/SP:

Muito embora seja certo que as convenções particulares não vinculam o fisco quanto à identificação da responsabilidade tributaria (art. 123 do CTN), saliento que a cláusula relativa à responsabilidade do frete pelo comprador denominada de Free on Board (FOB) não infirma a realização do negócio praticado pelo vendedor de boa-fé, nem o obriga a perseguir o itinerário das mercadorias, porquanto essa tarefa é privativa do exercício do poder de polícia pela autoridade fiscal e, por isso, indelegável. (…) 

Não é demais lembrar que grande volume de operações interestaduais se realiza por grandes empresas vendedoras (indústria química, no caso), as quais entabulam negócios com inúmeros compradores sediados em diversas unidades da Federação, de modo que não se mostra razoável atribuir às empresas vendedoras um novo ônus tributário relacionado com a efetiva entrega das mercadorias nos destinos informados pelo compradores, mormente quanto o negócio é encetado com a cláusula FOB, em que o frete se dá por conta e risco do comprador.

Pensar de maneira diferente, para reconhecer a responsabilidade objetiva das empresas vendedoras de boa-fé, representa, na prática, impor mais um ônus financeiro a esse empresário, que injustamente passará a ser garantidor da Administração para cobrir prejuízos na realidade provocados por infrações cometidas por outras empresas, situação que, ao cabo, apenas agravará o já elevado “risco país”.

À vista disso, firmou entendimento pelo qual diante da presença da cláusula FOB, cuidando-se de remetente/fornecedor de boa-fé e não sendo possível lhe atribuir responsabilidade tributária, a boa-fé deve ser analisada – afinal, para saber se um caso concreto cuida ou não de remetente/fornecedor de boa-fé, não há outro meio de se chegar categoricamente a essa conclusão senão analisar as provas dos autos.

Essa categoricidade, porém, é quase inalcançável quando o caso concreto envolver a cláusula FOB e o destinatário responsável pelo transporte não possuir ou não prover ao remetente autuado (qualquer que seja o motivo) a prova do ingresso das mercadorias no seu estabelecimento ou, em operação interestadual, não possuir ou não prover a prova da saída das mercadorias do Estado de origem e do ingresso das mercadorias no Estado de destino, uma vez que da simples comprovação do recebimento do preço das mercadorias vendidas pelo remetente/fornecedor, não decorre a comprovação do ingresso das mercadorias no estabelecimento de destino e nem a saída das mercadorias do Estado de origem e o ingresso das mercadorias no Estado de destino.

Não obstante, quer o transporte seja por conta do remetente, quer por conta do destinatário, há situações que indicam a incompatibilidade da operação, por exemplo, quando a operação envolver mercadorias de peso/volume elevado, não seria consentâneo constar da nota fiscal que o transporte foi realizado por veículos de passeio, motocicletas etc., o estabelecimento destinatário ser uma pequena sala comercial ou imóvel residencial etc.. Esse exame deve ser efetuado em cada caso concreto, pois, à obviedade, o critério de uma venda de “toneladas de metais” realizada por estabelecimento industrial não é o mesmo de uma venda de “centenas de garrafas de vinho” realizada por uma pequena importadora, e vice-versa.

3.3 Provas relativas à existência da operação financeira (recebimento de valores)[22].

Nas infrações de entrada, a prova da existência da operação financeira destina-se a verificar se houve, de fato, o pagamento do preço das mercadorias vendidas e os partícipes da relação financeira (o real pagador e o real beneficiário). Invertendo-se a operação da compra para a venda, nas infrações de saída, a prova da existência da operação financeira destina-se a verificar se houve, de fato, o recebimento do preço das mercadorias vendidas e os partícipes da relação financeira (o real pagador e o real beneficiário).

Esse requisito é o mais controverso, porque: (i) há entendimentos antagônicos se a comprovação inequívoca do recebimento do preço da mercadoria, por si só, seria suficiente para demonstrar a boa-fé, consequentemente, tornando as demais provas prescindíveis; (ii) do simples recebimento do preço da mercadoria não decorre que o destinatário recebeu as mercadorias, posto que terceiros podem tê-las recebido; e (iii) há “comprovantes de recebimento” que não comprovam o efetivo recebimento de valores[23]. Além disso, há situações em que a comprovação da operação financeira pode acabar infirmando a operação comercial e/ou física. Confira-se um exemplo de cada.

Suponha que o remetente/fornecedor vendeu mercadorias para um destinatário/adquirente; o fisco apurou que esse destinatário é inidôneo; em sua defesa, o remetente apresenta TEDs, DOCs e/ou cheques para comprovar o recebimento do preço das mercadorias, porém, em valores inferiores aos constantes da documentação fiscal (que ele mesmo emitiu) e aduz que tal diferença advém de descontos, devolução de mercadorias, variação da quantidade de mercadoria, perdas admitidas na legislação e outros motivos assemelhados; nesse contexto, se essas circunstâncias não constarem na escrituração fiscal e contábil, ou, quando exigido, na emissão da competente nota fiscal (retorno, devolução etc.), o fisco geralmente entende que os comprovantes de recebimento militariam contrariamente à operação comercial.

Suponha que o remetente/fornecedor vendeu mercadorias para um destinatário/adquirente sediado em outro Estado; o fisco apurou que esse destinatário é inidôneo ou que as mercadorias nunca saíram do Estado de origem; em sua defesa, o remetente apresenta TEDs, DOCs e/ou cheques para comprovar o recebimento do preço das mercadorias, porém, constata-se que a agência bancária que originou tais documentos não está localizada no Estado de destino, mas sim, no Estado de origem. Nessa conjuntura, geralmente o fisco entende que os comprovantes de recebimento não só denotariam que o remetente deixou de adotar as cautelas mínimas, mas reforçaria a sua tese de que as mercadorias nunca saíram do Estado de origem.

Por fim, anota-se que no caso de desvio de finalidade de mercadorias, o pagamento e o recebimento dos valores não concernem propriamente à infração e, não há função em se analisar casos nos quais o recebimento deu-se em dinheiro ou depósito bancário não identificado, pois, tal comprovação, não demonstrará o real pagador ou o real recebedor dos recursos.

3.3.1 Documentos bancários (DOC, TED, boletos de pagamento e produtos de instituições financeiras)

A prova mais contundente para demonstrar a efetividade da operação financeira é a transferência bancária via Documento de Crédito – DOC ou via Transferência Eletrônica Disponível – TED[24], pois eles provam a perfectibilização da transferência de recursos do titular da conta que realizou o pagamento ao titular da conta que o recebeu, com integral rastreabilidade das partes e valores envolvidos.

Os Boletos de Pagamento[25] e os produtos de instituições financeiras vinculados ao suporte do sistema de pagamentos, como as ordens de pagamento e títulos registrados em cobrança, conhecidos como Sispag (Itaú), Pag-For (Bradesco), Pagsafra (safra), Pagamento a Fornecedores (Santander) etc.[26], não possuem tal rastreabilidade, principalmente porque o real pagador não é necessariamente aquele constante no documento, sendo possível um terceiro quitar o título. Para assegurar que assim não sucedeu, devem ser apresentados e associados com DOC, TED e/ou extratos bancários.

Dessa forma, a comprovação da efetividade da operação financeira assim é demonstrada[27]:

Documentos bancários

DOC/TED

o remetente deverá apresentar o documento que demonstre a transferência da conta de titularidade do destinatário para a conta de sua titularidade (favorecido) – o que usualmente faz mediante a apresentação do seu extrato bancário, desde que devidamente assinalado que o crédito em sua conta adveio da conta do destinatário e/ou documento da instituição financeira que isso demonstre

caso o titular da conta favorecida seja pessoa distinta do remetente, são três os possíveis entendimentos: a) se o remetente comprovar que a transferência de recursos adveio da conta do destinatário, nos termos supra, não seria necessário apresentar documentos adicionais[28]; b) se o remetente comprovar que a transferência de recursos adveio da conta do destinatário, nos termos supra, seria necessário demonstrar a sua relação com o titular da conta do terceiro favorecido[29]; ou, c) não haveria prova inequívoca do recebimento do preço das mercadorias[30]

caso o titular da conta pagadora seja pessoa distinta do destinatário, o remetente não possuirá prova inequívoca, pois, o cerne da questão é que outrem teria recebido as mercadorias – o que seria confirmado pelo pagamento realizado por terceiros

Boleto de pagamento

(figurando o remetente autuado como cedente/beneficiário)

o remetente deverá apresentar o documento que demonstre a transferência da conta de titularidade do destinatário para a conta de sua titularidade (favorecido), com a respectiva associação ao Boleto de Pagamento – o que usualmente faz mediante a apresentação do seu extrato bancário, desde que devidamente assinalado que o crédito em sua conta adveio da conta do destinatário e/ou documento da instituição financeira que isso demonstre

caso o titular da conta favorecida seja pessoa distinta do remetente, são três os possíveis entendimentos: a) se o remetente comprovar que a transferência de recursos adveio da conta do destinatário, nos termos supra, não seria necessário apresentar documentos adicionais[31]; b) se o remetente comprovar que a transferência de recursos adveio da conta do destinatário, nos termos supra, seria necessário demonstrar a sua relação com o titular da conta do terceiro favorecido[32]; ou, c) não haveria prova inequívoca do recebimento do preço das mercadorias[33]

caso o titular da conta pagadora seja pessoa distinta do destinatário, o remetente não possuirá prova inequívoca, pois, o cerne da questão é que outrem teria recebido as mercadorias – o que seria confirmado pelo pagamento realizado por terceiros;

Produtos bancários (figurando o remetente autuado como cedente/beneficiário)

o remetente deverá apresentar o documento que demonstre a transferência da conta de titularidade do destinatário para a conta de sua titularidade (favorecido), com a respectiva associação ao produto bancário – o que usualmente faz mediante a apresentação do seu extrato bancário, desde que devidamente assinalado que o crédito em sua conta adveio da conta do destinatário e/ou documento da instituição financeira que isso demonstre;

o remetente deverá apresentar o documento que demonstre a transferência da conta de titularidade do destinatário para a conta de sua titularidade (favorecido), com a respectiva associação ao produto bancário – o que usualmente faz mediante a apresentação do seu extrato bancário, desde que devidamente assinalado que o crédito em sua conta adveio da conta do destinatário e/ou documento da instituição financeira que isso demonstre;

caso o titular da conta pagadora seja pessoa distinta do destinatário, não haveria prova inequívoca do recebimento do preço das mercadorias

3.3.2 Títulos de crédito (cheque, duplicata e nota promissória).

Inicialmente, é condição sine qua non a absoluta consonância do título de crédito com seus requisitos legais gerais, arts. 887 a 926 do Código Civil, e específicos, Lei 5.474/1968 (duplicatas), Lei 7.357/1985 (cheques), e Decretos 2.044/1908 e 57.663/1966 (nota promissória).

Os títulos de créditos admitem circulação por: (i) endosso (próprio ou translativo), no qual consta a cláusula “à ordem”, caso em que a propriedade do título é transmitida; e, (ii) cessão civil (“endosso impróprio”), associada aos negócios fiduciários, no qual consta a cláusula “não à ordem”, transmitindo-se apenas a posse do título (mandato ou caução). Essas questões serão doravante analisadas.

O cheque é um título de crédito e uma ordem de pagamento à vista[34], envolvendo três agentes: (i) o emitente/sacador (emissor do cheque); (ii) o beneficiário/depositante (a pessoa nomeada/indicada no cheque); e, (iii) o sacado (o banco onde estão depositados os recursos do emitente).

Evidentemente, o problema da mera apresentação do cheque é a possibilidade de sua não compensação ou devolução[35]. À vista disso, as provas primordiais para o contribuinte de boa-fé demonstrar o efetivo recebimento realizado por cheque é a instrução de cópia de sua microfilmagem[36] e o extrato bancário, pois, com esses documentos adicionais, se demonstrará a regular compensação bancária e o real pagador e o real beneficiário dos valores.

As hipóteses são as seguintes:

Cheque

nominal não à ordem

(não admite transferência/endosso)

do destinatário, figurando como emitente/sacador, ao remetente (autuado), figurando como depositante/beneficiário (indicado no cheque) 

o remetente deverá comprovar o depósito em conta de sua titularidade e a compensação na conta de titularidade do destinatário, o que faz mediante a apresentação do cheque microfilmado e/ou do extrato bancário, desde que devidamente assinalado o depósito em sua conta e o saque na conta do destinatário 

de terceiro, figurando como emitente/sacador, estranho à operação, ao remetente (autuado), figurando como depositante/beneficiário (indicado no cheque) 

o remetente não possuirá prova inequívoca, pois, o cerne da questão é que o terceiro emitente/sacador teria recebido as mercadorias 

nominal à ordem

(admite transferência/endosso e só pode ser apresentado ao banco pelo beneficiário indicado no cheque)

do destinatário, figurando como emitente/sacador, ao remetente (autuado), figurando como depositante/beneficiário (indicado no cheque)

o remetente deverá comprovar o depósito em conta de sua titularidade e a compensação na conta de titularidade do destinatário, o que faz mediante a apresentação do cheque microfilmado e/ou do extrato bancário, desde que devidamente assinalado o depósito em sua conta e o saque na conta do destinatário

de terceiro, figurando como emitente/sacador, estranho à operação, ao remetente (autuado), figurando como depositante/beneficiário (indicado no cheque)

o remetente não possuirá prova inequívoca, pois, o cerne da questão é que o terceiro emitente/sacador teria recebido as mercadorias

do destinatário, figurando como emitente/sacador, diretamente para terceiro, estranho à operação, figurando como depositante/beneficiário (indicado no cheque)

– 3 possíveis entendimentos

o remetente deverá comprovar o depósito em conta de titularidade do terceiro endossatário e a compensação na conta de titularidade do destinatário, o que faz mediante a apresentação do cheque microfilmado e/ou do extrato bancário, desde que devidamente assinalado o depósito em conta do terceiro endossatário e o saque na conta do destinatário emitente e/ou documento da instituição financeira que isso demonstre;

o remetente deverá comprovar o depósito em conta de titularidade do terceiro endossatário e a compensação na conta de titularidade do destinatário, nos termos supra, e também a causalidade do negócio jurídico entre ele e o terceiro, assim como a compatibilidade da operação financeira com a comercial

o remetente não terá como comprovar o pagamento, em razão da ausência de vínculo do terceiro endossatário/depositante com o negócio jurídico em si e/ou do terceiro endossatário/depositante com o destinatário

de terceiro, figurando como emitente/sacador, diretamente para terceiro, estranho à operação, figurando como depositante/beneficiário (indicado no cheque)

o remetente não possuirá prova inequívoca, pois, o cerne da questão é que o emitente/sacador teria recebido as mercadorias

de terceiro, figurando como emitente/sacador, estranho à operação, para o destinatário (indicado no cheque), sucedido de endosso para o remetente (autuado), figurando como depositante/beneficiário

o remetente não possuirá prova inequívoca, pois, o cerne da questão é que o emitente/sacador teria recebido as mercadorias

do destinatário, figurando como emitente/sacador, para o remetente (autuado) indicado no cheque, sucedido de endosso para terceiro, estranho à operação, figurando como depositante/beneficiário, são três os possíveis entendimentos

– 3 possíveis entendimentos

o remetente deverá comprovar o depósito em conta de titularidade do terceiro endossatário e a compensação na conta de titularidade do destinatário emitente, o que faz mediante a apresentação do cheque microfilmado e/ou do extrato bancário, desde que devidamente assinalado o depósito em conta do terceiro endossatário e o saque na conta do destinatário emitente e/ou documento da instituição financeira que isso demonstre

o remetente deverá comprovar o depósito em conta de titularidade do terceiro endossatário e a compensação na conta de titularidade do destinatário emitente, nos termos supra, e também a causalidade do negócio jurídico entre ele e o terceiro endossatário, assim como a compatibilidade da operação financeira com a comercial

o remetente não possuirá prova inequívoca em razão da ausência de vínculo do terceiro endossatário/depositante com o negócio jurídico em si e/ou do terceiro endossatário/depositante com o destinatário

 Nos casos em que foram apresentadas três possibilidades de entendimentos, por vezes, para aplicar uma delas, os julgadores observam indicativos de irregularidade da operação, como nos casos de fracionamento sistemático do valor da nota fiscal em vários cheques.

A duplicata[37] é título de crédito advindo de compra e venda mercantil concretamente vinculado ao documento que a ensejou (contrato, fatura, nota fiscal etc.)[38], a dita “causalidade do título”, envolvendo, em princípio, dois agentes: (i) emitente/sacador (o emissor da duplicata, o vendedor, remetente); e, (ii) sacado (contra quem a duplicada foi emitida, o comprador, destinatário). Conquanto a lei específica preveja várias formas de liquidação da duplicata[39], fato é que, no âmbito das infrações de saída, o recebimento somente será reconhecido mediante a rastreabilidade dos partícipes da relação financeira (o real pagador e o real beneficiário) e dos valores envolvidos, logo, em último termo, demonstrar-se-á o recebimento mediante a apresentação de DOC, TED ou cheque, nos mesmos termos anteriormente aduzidos.

A forma de pagamento por duplicata deverá constar em campo próprio na nota fiscal e nela o número de inscrição do contribuinte que a emitir e na fatura o número do documento fiscal correspondente à operação realizada[40].

A nota promissória é um título de crédito no qual o devedor/emitente (destinatário/adquirente) assume a obrigação de pagar ao credor/beneficiário (remetente/fornecedor) o valor indicado no título. Embora a lei específica preveja várias formas de liquidação da nota promissória[41], à mesma maneira, no âmbito das infrações de saída, o recebimento somente será reconhecido mediante a rastreabilidade dos partícipes da relação financeira (o real pagador e o real beneficiário) e dos valores envolvidos, logo, em último termo, demonstrar-se-á o recebimento mediante a apresentação de DOC, TED ou cheque, nos mesmos termos previamente aduzidos.

Apenas para registrar, na hipótese de não recebimento de valores advindos de título de crédito, penso que se deve ingressar nos aspectos relativos à ação judicial destinada à sua cobrança, bem como na análise das provas relativas à operação comercial e à operação física, porém, remanesce ampla discricionariedade ao julgador para aceitar essa espécie de prova. Não havendo ação judicial, não haverá elemento probatório para o julgador amparar eventual discricionariedade.

3.3.3 Instrumentos particulares de cessão de crédito

Por fim, é necessário proceder a análise da comprovação do pagamento nas hipóteses de cessão dos instrumentos particulares expressivos da dívida do destinatário com o remetente, em consonância com os art. 286, et. seq., do Código Civil.

Dessa forma, nas hipóteses de cessão do crédito do remetente para terceiros com o intuito de quitar dívidas ou para receber valores antecipadamente, é dizer, nas hipóteses em que o pagamento seja efetivado à pessoa distinta do remetente em razão de contratos particulares de cessão de crédito, deverá, igualmente, promover a rastreabilidade dos partícipes da relação financeira e dos valores envolvidos para demonstrar que o cedente efetivamente recebeu o valor acordado no contrato do cessionário.

Cessão de crédito

do remetente (autuado), figurando como cedente, para fornecedor, figurando como cessionário, são três os possíveis entendimentos[42]

– 3 possíveis entendimentos

o remetente deverá comprovar o pagamento da conta de titularidade do destinatário para a conta de titularidade do fornecedor cessionário, o que faz mediante a apresentação do DOC, TED ou cheque, nos mesmos termos previamente aduzidos

o remetente deverá apresentar o instrumento particular de cessão de crédito, contendo as partes, os valores, inclusive o deságio negociado, assim como documentos apto a justificar essa cessão, assim como a prova das duas operações financeiras subjacentes, isto é, deverá comprovar o pagamento da conta de titularidade do destinatário para a conta de titularidade do fornecedor cessionário, mediante a apresentação de DOC, TED ou cheque, nos mesmos termos previamente aduzidos, e o respectivo instrumento de quitação da cessão do crédito

o remetente não possuirá prova inequívoca do recebimento, mesmo que demonstrado o vínculo negocial com o fornecedor cessionário

do remetente (autuado), figurando como cedente, para fundos de investimento, empresas de fomento mercantil (factoring) ou instituições financeiras (desconto bancário), figurando como cessionários

– 3 possíveis entendimentos

o remetente deverá comprovar o pagamento da conta de titularidade do destinatário para a conta de titularidade do cessionário, o que faz mediante a apresentação do DOC, TED ou cheque, nos mesmos termos previamente aduzidos

o remetente deverá apresentar o instrumento particular de cessão de crédito, contendo as partes, os valores, inclusive o deságio negociado, assim como a prova das duas operações financeiras subjacentes, isto é, deverá comprovar o pagamento da conta de titularidade do destinatário para a conta de titularidade do cessionário e o pagamento da conta de titularidade do cessionário para a conta de sua titularidade, em consonância com o instrumento de cessão, ambos mediante a apresentação de DOC, TED ou cheque, nos mesmos termos previamente aduzidos.

o remetente não possuirá prova inequívoca do recebimento, mesmo que demonstrado o vínculo negocial com o cessionário

4. Conclusão.

O REsp Repetitivo 1.148.444/MG e a súmula 509/STJ estabeleceram a possibilidade de o contribuinte destinatário demonstrar sua “boa-fé” negocial, a efetividade da operação, e, consequentemente, superar eventuais máculas que permearam a apropriação de créditos. No EREsp 1119205/MG, o STJ decidiu que, se não imputado dolo, fraude ou simulação, deverá se ingressar na análise da boa-fé na quebra de diferimento na substituição tributária antecedente. No EREsp 1657359/SP, o STJ aplicou a tese da boa-fé para as autuações exigindo do remetente do Estado de origem o diferencial entre a alíquota interna e a interestadual em razão de o destinatário sediando em outro Estado alienar as mercadorias no próprio Estado de origem. A despeito de os julgados mencionarem “boa-fé”, não se estabeleceu os requisitos para reconhece-la.

O EREsp 1119205/MG e o EREsp 1657359/SP devem ser estendidos aos casos de tredestinação de mercadoria envolvendo a declaração de inidoneidade do destinatário/adquirente e aos casos de desvio da finalidade das mercadorias em operação não tributada. A seu turno, a ratio decidendi do REsp 1148444/MG para se reconhecer a boa-fé do contribuinte deve ser estendida a todas as infrações de saída.

Dessa forma, nas infrações de saída, a boa-fé do contribuinte remetente/fornecedor será demonstrada mediante a satisfação dos seguintes requisitos: (i) veracidade das operações de compra e venda entre ele e o destinatário; (ii) comprovação de que, à época da operação, verificou a regularidade fiscal do destinatário; e, (iii) apresentação de prova do recebimento de valores do destinatário.

Dadas as premissas do trabalho, o seguinte contexto fático probatório deve ser apresentado pelo contribuinte para o reconhecimento de sua “boa-fé”.

A existência da operação comercial deve ser comprovada mediante apresentação da consulta ao Cadastro de Contribuintes do ICMS, à DECA, ao SINTEGRA, ao CNPJ, e, a depender do entendimento, aos registros da Junta Comercial do Estado. A não apresentação desses documentos pode ser suprida mediante a apresentação de contratos/tratativas comerciais etc.

A existência da operação física deve ser comprovada mediante a comprovação da entrada das mercadorias no estabelecimento destinatário ou da saída das mercadorias do Estado de origem, assim como a regularidade do transporte/transportadora. As notas fiscais e as DANFES devem estar preenchidas conforme determina a legislação de regência. Ademais, a operação, tal e qual constante nos documentos, deve representar uma operação física crível. A existência da operação financeira (pagamentos) é demonstrada, prima facie, pela apresentação de TED e DOC entre os partícipes para relação comercial. No caso de Boletos de Pagamento e produtos de instituições financeiras vinculados ao suporte do sistema de pagamentos (v.g.: Sispag, Pag-For, Pagsafra, Pagamento a Fornecedores etc.), deverá, complementarmente, apresentar DOC, TED, extrato bancário contendo os dados do real pagador e do real beneficiário dos valores ou documento legítimo e subscrito pela instituição financeira discriminando o real beneficiário dos valores.

Sendo o caso de pagamento com títulos de crédito, esses deverão observar seus requisitos legais gerais e específicos. O cheque nominal não à ordem e nominal à ordem, de terceiro, com endosso, associado aos partícipes para relação comercial, se devidamente compensados, o que se demonstra por microfilmagem e/ou extrato bancário, são provas do recebimento se houver correlação com o real beneficiário dos valores. As demais modalidades, demonstram provas próprias, a cargo do contribuinte que alega sua de boa-fé. A duplicata e a nota promissória demandam a rastreabilidade dos partícipes da relação financeira (o real pagador e o real beneficiário) e dos valores envolvidos. Tal prova consiste na apresentação de DOC, TED ou cheque devidamente compensando (com a microfilmagem e/ou extrato bancário).

Nos casos de cessão do crédito por instrumento particular, será necessário   apresentar o respectivo instrumento contendo as partes, os valores e o pagamento dos valores recebidos em virtude da cessão.

5. Bibliografia.

CARRAZZA, Roque Antônio. ICMS. São Paulo: Malheiros, 2015.

FERRAZ JR., Tércio Sampaio. Irretroatividade e Jurisprudência Judicial. In FERRAZ JR., Tércio Sampaio, CARRAZZA, Roque Antônio, e, JUNIOR, Nelson Nery. Efeitos Ex Nunc e as Decisões do STJ. 2ª Edição, Manole, 2009.

MELO, José Eduardo Soares. ICMS Teoria e Prática. São Paulo: Livraria do Advogado, 2017.

MILCHTEIM, André. Declaração de inidoneidade do remetente/fornecedor e as consequências jurídicas para o destinatário/adquirente. A tese da boa-fé firmada pelo STJ e a análise do contexto fático-probatório. Portal Jurídico Investidura, Florianópolis/SC, 17 Mai. 2019. Disponível em: investidura.com.br/biblioteca-juridica/artigos/direito-tributario/337385-declaracao-de-inidoneidade-do-remetentefornecedor-e-as-consequencias-juridicas-para-o-destinatarioadquirente-a-tese-da-boa-fe-firmada-pelo-stj-e-a-analise-do-contexto-fatico-probatorio. Acesso em: 08 Jun. 2019

ROSA, José Roberto. Substituição tributária no ICMS: estudo de casos e manual explicativo. São Paulo: Ottoni, 2011.



[1] Mestrando em Direito Tributário pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC-SP. Especialista em Direito Tributário pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC-SP. Bacharel em direto pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC-SP. Advogado em São Paulo.



[1] Rememora-se que a substituição tributária é uma técnica de imputação de responsabilidade por obrigação tributária de terceiro não vinculado à realização do fato gerador in concreto (“real contribuinte”), porém, mantém vinculação indireta com aquele que o (“real contribuinte”). A substituição comporta três modalidades: (i) antecedente (diferimento), na qual o fato gerador in concreto ocorreu, porém, o pagamento do imposto é postergado à etapa seguinte, transferindo-se a responsabilidade pela retenção e recolhimento ao destinatário (substituto); (ii) concomitante, na qual simultaneamente ao fato gerador in concreto, transfere-se a responsabilidade pela retenção e recolhimento do imposto à terceiro não prestador do serviço/operação (serviço de transporte realizado por autônomos e transportadoras de outro Estado não inscritas no cadastro de contribuinte do Estado de origem); e, (iii) subsequente, na qual, a despeito da inocorrência do fato gerador in concreto, o pagamento do imposto é antecipado à etapa anterior, transferindo-se a responsabilidade pela retenção e recolhimento ao remetente (substituto).

[2] MILCHTEIM, Andre. Declaração de inidoneidade do remetente/fornecedor e as consequências jurídicas para o destinatário/adquirente. A tese da boa-fé firmada pelo STJ e a análise do contexto fático-probatório. Portal Jurídico Investidura, Florianópolis/SC, 17 Mai. 2019. Disponível em: investidura.com.br/biblioteca-juridica/artigos/direito-tributario/337385-declaracao-de-inidoneidade-do-remetentefornecedor-e-as-consequencias-juridicas-para-o-destinatarioadquirente-a-tese-da-boa-fe-firmada-pelo-stj-e-a-analise-do-contexto-fatico-probatorio. Acesso em: 08 Jun. 2019

[3] Arts. 23, § 3º da LEI SP 6.374/89 e 36, § 4º do RICMS/SP. Cf.: Artigo 23 – O local da operação ou da prestação, para efeito de cobrança do imposto e definição do responsável, é: (Redação dada ao artigo pela Lei 10.619/00, de 19-07-2000; DOE 20-07-2000): (…). § 3º – Presume-se interna a operação quando o contribuinte não comprovar a saída da mercadoria do território paulista com destino a outro Estado ou ao Distrito Federal, ou a sua efetiva exportação.

[4] TRIBUTÁRIO. EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA EM RECURSO ESPECIAL. ICMS. QUEBRA DE DIFERIMENTO. RESPONSABILIZAÇÃO DO VENDEDOR DE BOA-FÉ. IMPOSSIBILIDADE. 1. Embargos de divergência pelos quais se busca dirimir dissenso interno quanto à possibilidade de, nos casos de diferimento tributário em que o comprador é posteriormente reconhecido como inidôneo, responsabilizar o vendedor de boa-fé pelo pagamento do tributo. 2. In casu, não se discute a possibilidade de responsabilização do contribuinte (vendedor) pelo pagamento do tributo, em caráter supletivo, nos termos do art. 128 do CTN, mas se ele, ainda que agindo de boa-fé, pode responder por infração cometida pela empresa compradora. A responsabilidade por infrações está contemplada nos arts. 136 e seguintes do CTN. No entanto, a situação dos autos não se subsume a essas regras, na medida em que está claro que o vendedor, por ter sido considerado de boa-fé, não participou da fraude levada a efeito pela compradora (ausência de dolo) e nem detinha poderes para evitá-la (ausência de culpa). 3. O diferimento tributário não constituiu um benefício fiscal, até porque não há dispensa do pagamento do tributo (como ocorre com a isenção ou com a não incidência), mas técnica de arrecadação que visa otimizar tarefas típicas do fisco, de fiscalizar e arrecadar tributos. Logo, por representar conveniência para o Estado, cabe a ele, exclusivamente, a fiscalização dessas operações. E nem poderia ser diferente, pois ao vendedor, que, via de regra, nessa modalidade de tributação, é pequeno produtor rural (de milho, na espécie), a lei não confere poderes para fiscalizar as atividades da empresa que adquire os seus produtos. 4. A responsabilização objetiva do vendedor de boa-fé, nesse caso, importa prática perversa, porquanto onera, de uma só vez e de surpresa, o elo mais frágil da cadeia produtiva que nada pôde fazer para evitar a infração cometida pela empresa adquirente. Além disso, deve ser sopesado que, embora o recolhimento do imposto seja realizado em uma etapa posterior, não se deve olvidar que o produtor rural, ao vender sua produção, certamente sofre os efeitos econômicos desse diferimento na composição do preço de suas mercadorias, na medida em que, via de regra, a exação postergada corresponde a um custo de produção a ser suportado pelo restante da cadeia produtiva. 5. Dessa forma, na modalidade de diferimento, constatado que o vendedor agiu de boa-fé, entregando as mercadorias e emitindo a correspondente nota fiscal, não é possível imputar-lhe a responsabilidade tributária para o pagamento do tributo. 6. Embargos de divergência providos. (EREsp 1119205/MG, Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 27/10/2010, DJe 08/11/2010) 

[5] TRIBUTÁRIO. ICMS. OPERAÇÃO INTERESTADUAL. DIFERENCIAL DE ALÍQUOTA. TREDESTINAÇÃO DAS MERCADORIAS. RESPONSABILIZAÇÃO DO VENDEDOR. BOA-FÉ. VERIFICAÇÃO. NECESSIDADE. 1. A empresa vendedora de boa-fé que, mediante a apresentação da documentação fiscal pertinente e a demonstraçãode ter adotado as cautelas de praxe, evidencie a regularidade da operação interestadual realizada com o adquirente, afastando, assim, a caracterização de conduta culposa, não pode ser objetivamente responsabilizada pelo pagamento do diferencial de alíquota de ICMS em razão de as mercadorias não ter chegado ao destino declarado na nota fiscal, não sendo dela exigível a fiscalização de seu itinerário. 2. A despeito da regularidade da documentação, se o fisco comprovar que a empresa vendedora intencionalmente participou de eventual ato infracional (fraude) para burlar a fiscalização, concorrendo para a tredestinação das mercadorias (mediante simulação da operação, por exemplo), poderá ela, naturalmente, ser responsabilizada pelo pagamento dos tributos que deixaram de ser oportunamente recolhidos. 3. Hipótese em que o acórdão estadual, por entender que a responsabilização da empresa vendedora independeria de sua boa-fé, deve ser cassado, para que, em novo julgamento da apelação, decida a questão à luz da existência ou não desse elemento subjetivo. 4. Embargos de divergência providos. (EREsp 1657359/SP, Rel. Ministro GURGEL DE FARIA, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 14/03/2018, DJe 19/03/2018)

[6] A exposição tem um caráter genérico; assim, ressalva-se que é possível haver diferença nas legislações estaduais, assim como entendimentos diversos, seja quanto à situação fática, à ocorrência da infração, a descrição da infração, a qualificação jurídica da infração etc.

[7] Por ser a operação tributada, não se verifica desvio de finalidade de mercadoria. Em princípio, nas demais, não se exige imposto, pois foi pago por débito na nota fiscal com lançamento no livro de saída.

[8] Se o fisco provar dolo, fraude ou simulação (concluio) pode ser o caso de exigir o imposto por solidariedade e multa por declaração falsa no documento.

[9] Por ser a operação tributada, não se verifica desvio de finalidade de mercadoria.

[10] Em princípio, nas demais, não se exige imposto, pois foi pago por débito na nota fiscal com lançamento no livro de saída.

[11] Se o fisco provar dolo, fraude ou simulação (concluio) pode ser o caso de exigir o imposto por solidariedade e multa por declaração falsa no documento.

[12] Além da declaração de inidoneidade do remetente pelo Estado de origem, pode ser o caso de declaração de não localização do destinatário pelo Estado de destino (ou procedimento com os mesmos efeitos).

[13] Por ser a operação tributada, não se verifica desvio de finalidade de mercadoria.

[14] Se o fisco provar dolo, fraude ou simulação (conluio) pode ser o caso de exigir o imposto por solidariedade e multa por declaração falsa no documento.

[15] Em princípio não haveria imposto pela quebra de diferimento na saída do Estado. Ressalva-se casos de protocolo ou Convênio. Em princípio, não se verificaria tredestinação, pois o destinatário teria recebido as mercadorias, e nem desvio de finalidade, pois seria infração própria atinente ao destinatário, após o recebimento, e não ao remetente.

[16] Se o fisco provar dolo, fraude ou simulação (conluio) pode ser o caso de exigir o imposto por solidariedade e multa por declaração falsa no documento.

[17] Neste texto focará, de forma prática e didática, focar, nos aspectos probatórios, sem ingressar em temáticas controversas com viés jurídico-teórico. A Esse respeito, confira-se MILCHTEIM, nota de rodapé 21.

[18] Cf.: art. 26 do RICMS/SP (SINTEGRA), art. 10, § 2º da Portaria CAT 162/08 (NFe), art. 2º, parágrafo único, da Portaria CAT 14/2010 (RECOPI) etc., sem prejuízo de outras questões, como a livre iniciativa prevista no art. 170, caput, da CF.

[19] MILCHTEIM, idem.

[20] Arts. 23, § 3º da LEI SP 6.374/89 e 36, § 4º do RICMS/SP.

[21] Arts. 124 e 127, do RICMS/SP.

[22] É importante destacar que as considerações subsequentes são validas no estrito âmbito das temáticas relativas à declaração de inidoneidade, à tredestinação e ao desvio de finalidade.

[23] Considerando que a análise se restringe à operação financeira, não serão analisadas as hipóteses de outras formas de pagamento (in)diretas, v.g., art. 334 e seguintes, do Código Civil.

[24] Para o DOC, vide Carta Circular Bacen 3.173/2005, e para a TED, vide a Circular Bacen 3.115/2002.

[25] Carta Circular Bacen 3.173/2005 e Circular Bacen 3.598/2012.

[26] Esses produtos são padronizados pela FEBRABAN através do CNAB – Centro Nacional de Automação Bancária. Registra-se que a Resolução Bacen 4.648/2018, as Circulares Bacen 3.461/09, 3.598/12, 3.656/13 e 3.889/2018 e a “Nova Plataforma de Cobrança” da Febraban, alteraram os procedimentos do Boleto e Produtos.

[27] Em todas as hipóteses, a data do pagamento/recebimento deve ser compatível com a data de vencimento da nota fiscal.

[28] Isso porque, não se questiona a efetiva saída de mercadoria do remetente, mas apenas o recebimento dos valores da nota fiscal por terceiro, em princípio, alheio à operação.

[29] Idem.

[30] Em razão de “a)”, penso que esse entendimento não é o mais acertado.

[31] Isso porque, não se questiona a efetiva saída de mercadoria do remetente, mas apenas o recebimento dos valores da nota fiscal por terceiro, em princípio, alheio à operação.

[32] Idem.

[33] Em razão de “a)”, penso que esse entendimento não é o mais acertado.

[34] Arts. 1º, 2º e 32, da Lei 7.357/1985, art. 11, do Regulamento Anexo à Resolução 1.631/89.

[35] Cf. art. 6º do Regulamento Anexo à Resolução Bacen 1.631/89 e Circular Bacen 3.535/2011.

[36] Art. 68 da Lei 7.357/1985, Lei 5.433/1968, Decreto 1.799/96 e Resolução Bacen 913/1984.

[37] Vide requisitos no art. 2º, § 1º, da Lei 5.474/1968.

[38] Arts. 3º e 20 da Lei 5.474/1968. Cf.: Resolução Bacen 102/68.

[39] Art. 9º e 10 da Lei 5.474/1968.

[40] Arts. 437 e 438 do RICMS/SP.

[41] Art. 56 do Decreto 2.044/1908.

[42] Somente se a acusação reconhecer a efetiva entrada das mercadorias no destinatário.

Como citar e referenciar este artigo:
MILCHTEIM, André. Declaração de inidoneidade do destinatário/adquirente, tredestinação e desvio de finalidade das mercadorias e as consequências jurídicas para o remetente/fornecedor. O entendimento do STJ e a análise do contexto fático-probatório. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2019. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/direito-tributario/declaracao-de-inidoneidade-do-destinatarioadquirente-tredestinacao-e-desvio-de-finalidade-das-mercadorias-e-as-consequencias-juridicas-para-o-remetentefornecedor-o-entendimento-do-stj-e-a-analise-do-c/ Acesso em: 28 mar. 2024