Direito Tributário

A Lei Complementar como veículo introdutor hábil a mitigar conflitos de competência em matéria tributária

Leonardo Lucci[1]

Resumo.

A competência em matéria tributária está prescrita na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 (“CF”). Essa competência não é, de certa forma, exaustiva, uma vez que, em determinados casos, por conta da materialidade da norma de competência, gera comunicações ruidosas entre esta e a norma de conduta infraconstitucional que consagra a regra-matriz de incidência tributária (“RMIT”). Neste cenário, a Lei Complementar (“LC”), muito embora seja um veículo introdutor infraconstitucional, é instrumento hábil a mitigar esses ruídos comunicacionais, de modo a ser a norma jurídica intercalar entre a norma de competência e a norma de conduta e que justamente irá sanar – ou ao menos reduzir – os vícios de linguagem consistentes em vagueza e ambiguidade, para, assim, evitar conflitos de competência.

Palavras-chave: Competência tributária; Conflito de Competência; Ruído Comunicacional; Lei Complementar.

Introdução.

O Sistema Tributário Brasileiro está, fundamentalmente, disposto na CF, que o desenha e o delimita, prescrevendo conteúdos e formas para o seu exercício.[2] Nesta toada, o magistério de Roque Antonio Carrazza é cirúrgico ao afirmar que essa é uma peculiaridade exclusiva da rígida CF brasileira, a qual, em vez de conceder às pessoas políticas o poder tributário, que é inconteste e absoluto, atribui-lhes apenas a competência tributária.[3]

Essa competência tributária pode ser entendida como uma força estatal tributante, devidamente limitada, demarcada e disciplina pela própria CF. Essa limitação, demarcação e disciplina foi realizada a cada um dos entes políticos constitucionais, leia-se, União, Estados-Membros, Municípios e Distrito Federal, e decorre, por certo, dos princípios do pacto federativo e da autonomia municipal, devidamente dispostos no ordenamento jurídico brasileiro.

Nesta esteira, a CF desenha e disciplina o Sistema Tributário Brasileiro, apresentando as espécies tributárias e traçando, com as minúcias que se acham necessárias, a competência tributária que cabe a cada um dos entes políticos constitucionais, apresentando-se, aparentemente, como um sistema rígido e exaustivo.

Assim, a efetiva criação dos tributos deve ser feita por meio de lei infraconstitucional, nos exatos limites da competência tributária de cada um dos entes políticos constitucionais. Contudo, havendo invasão desta competência tributária pelo exercício que não pertence a determinado ente político constitucional, estar-se-á violando a competência tributária prescrita na CF.

É aí que a expressão “conflito de competência tributária” pode ser percebida, no mais das vezes, como um fenômeno comunicacional intrínseco ao próprio exercício desta competência que, por possuir ruídos, expõe-se a causar indesejadas consequências de serem lançados no sistema jurídico eventuais enunciados prescritivos antagônicos.

É neste sentido que a CF apresenta, em seu artigo 146, a Lei Complementar como veículo introdutor hábil para dispor acerca de normas gerais em matéria de legislação tributária, prescrevendo a respeito de conflitos de competência entre os entes políticos constitucionais e regulando as limitações constitucionais ao poder de tributar.

Por essa razão é que se questiona, num primeiro momento, se existem conflitos de competência (e logicamente existem, uma vez que é plausível, ainda que infrequente, ver-se violada a CF); e, se poderia a LC dirimi-lo, já que o ultraje à competência tributária seria uma questão constitucional e não infraconstitucional.

Pois é esta questão que se pretende alcançar no presente artigo, ressaltando-se, desde já, que a premissa a ser utilizada é a de que o Direito é constituído por linguagem competente, o que lhe permite ser visto como um fenômeno comunicacional.

1. Da linguagem como elemento constituidor da realidade.

No princípio era o Verbo, e o Verbo estava com Deus, e o Verbo era Deus.” Assim está enunciado em João, Capítulo 1, Versículo 1 e 2 do Antigo Testamento da Bíblia Sagrada acerca da gênese do universo, demonstrando que se percebe o mundo a partir da linguagem[4] e que a língua é utilizada não somente para a realização do processo comunicacional[5], mas, também, para propagar as perspectivas do mundo.

Adotando-se o posicionamento de que a linguagem é constituidora da realidade, percebe-se que a realidade é construída por arquétipos linguísticos de determinado grupo humano a que pertence, ao passo que a linguagem, a partir do denominado giro-linguístico[6], deixou de ser um terceiro elemento, aquele existente entre o sujeito e o objeto, e passou a ser constituidora tanto do sujeito quanto do próprio objeto, conforme denunciado por Dardo Scavino[7]:

Para dizê-lo rapidamente – porque logo teremos a oportunidade de aprofundar este tema -, falar de um “giro linguístico” em filosofia significa aqui que a linguagem deixa de ser um meio, algo que estaria entre o eu e a realidade, e se converteria em um léxico capaz de criar tanto o eu como a realidade. Uma das premissas a partir das quais se pode pensar o “giro linguístico” foi proposta por Ludwig Wittgenstein em se Tractatus: a linguagem e o mundo são coextensivos, os limites de um são exatamente os limites do outro. Ou, dito de outro modo, meu mundo é minha linguagem.

Neste sentido, tanto o conhecimento, quanto a realidade e a verdade, todos são dimensões linguísticas. É a linguagem quem constitui a realidade. É ela quem corta e recorta a tessitura da vida social, sendo inconcebível fugirmos dela. A linguagem sempre nos alcançará. E de maneira inapelável. É o que se denomina cerco inapelável da linguagem[8].

É por isso que pontifica Vilém Flusserque “universo, conhecimento, verdade e realidade são aspectos linguísticos, de tal modo que a língua é, forma, cria e propaga a realidade.”[9]

Com efeito, tudo o que o homem conhece pela intuição sensível e que se avalia como realidade, em verdade, é dado bruto. Este dado bruto torna-se real apenas no contexto da língua, a qual é hábil a transformar o caos dos dados percebidos, no cosmos das palavras preenchidas de sentido. A propósito[10]:

O caos irreal do poder-ser, do vir-a-ser, do potencial que tende a realizar-se, o qual estamos acostumados a chamar de realidade, surge à tona, aparece ao intelecto, organiza-se em cosmos, em breve: realiza-se nas formas das diversas línguas.

Logo, no mundo há apenas uma aparência de caoticidade, e que, por meio da linguagem, passa a ser ordenado, constituindo-se a realidade na sua plenitude cósmica.

Nesta esteira, o “nômeno” ou o “mundo em si” apresentado por Immanuel Kant é incognoscível. Isso porque a realidade, na sua totalitária tessitura social, qualificada por sua ininterrupta continuidade heterogênea, escapa ao conhecimento humano. O que se tem de conhecimento dessa realidade é o acesso tão somente à parte dela. E para se ter acesso a essa parte da realidade, ao denominado “fenômeno” ou o “mundo para si” de Kant, necessita-se de cortes e recortes, o qual se dá por meio da linguagem para que se possa eleger o objeto cognoscível a ser apreendido pelo sujeito cognoscente, fazendo-se com que, daquela realidade, por meio de um ato gnosiológico, abstraia-se um objeto e repousa-se a atenção nele num descontínuo homogêneo, afinal de contas, o “cindir é desde o início”[11], como já alertava Pontes de Miranda.

Desse “cindir”, elege-se um objeto e surgem as teorias científicas acerca dele, teorias estas que dependem deste objeto cognoscível e de uma descrição metodológica sobre ele, sendo que este objeto, portanto, será constituído por meio da linguagem.

Ressalta-se que as teorias científicas, apresentadas por meio da linguagem em sua função descritiva, nunca irão tocar os objetos, muito menos modificá-los, como muito bem já demonstrado pela curva assintótica de Charles Sanders Pierce, mas, apenas compreendê-los, descrevendo-os. Essa descrição do objeto cognoscível, no campo epistemológico, dá-se de maneira metodológica.

Esse método nada mais é do que a adoção de uma estratégia vestida pelo sujeito cognoscente para se aproximar deste objeto a ser conhecido. É por meio do método que se pode florescer o conhecimento científico acerca do objeto e distinguir o conhecimento científico (ou, linguagem científica) do senso comum (ou, linguagem ordinária).

Maria Helena Diniz[12], a partir da “teoria dos objetos” de Edmund Husserl, afirma ser existentes quatro espécies de objetos: objeto natural, objeto ideal, objeto metafísico e objeto cultural.

Nesta classificação, Maria Helena Diniz evidencia que para cada objeto utiliza-se de um ato gnosiológico e de um método para que o sujeito dele se aproxime. Neste passo, uma vez que o homem criou o Direito, passa a ser inserido na classe dos objetos culturais, pois, são reais, têm existência espaço-temporal, susceptíveis, portanto, à experiência, além de serem valiosos, positiva ou negativamente. O acesso cognoscitivo se dá pela compreensão e o método próprio é o empírico-dialético, já que o saber, nesse campo, pressupõe incessantes idas e vindas da base material ao plano dos valores e, deste último, à concreção da entidade física que examinamos.[13]

Logo, a Ciência do Direito descreve, por meio de sua linguagem na função descritiva e enquanto metalinguagem, teorias científicas acerca de seu objeto, o Direito Positivo, constituído, por sua vez, pela linguagem na função prescritiva. Sobre o tema, pontifica Paulo de Barros Carvalho.[14]:

No caso do direito, a linguagem científica fala a respeito de outra linguagem: a linguagem técnica do direito positivo. Pretende dizer como ela é, investigando-a nas suas dimensões semióticas. Sendo assim, convém ao cientista do direito, na composição de seu discurso indicativo, o uso de palavras emotivamente neutras, que não divirtam a atenção do leitor para fins outros que atendam suas intenções valorativas. E a persuasão há de fazer-se sem qualquer empenho retórico, mas por força da precisão descritiva da linguagem empregada.

Mas, o que entender por Direito Positivo, objeto da Ciência do Direito? Ora, não há como defini-lo, metodologicamente, sob o ponto de vista da norma jurídica isolada, uma vez que o conhecimento científico do Direito Positivo só é plausível se analisado em seu aspecto sistêmico.

Perante esse contexto, Norberto Bobbio[15] afirma que:

Só para começar, portarmos de uma definição muito geral de ordenamento, que iremos passo a passo especificando: o ordenamento jurídico (como sistema normativo) é um conjunto de normas. Essa definição geral de ordenamento pressupõe uma única condição: que na constituição de um ordenamento concorram mais normas (pelo menos duas), e que não haja ordenamento composto de uma norma só.

Poderíamos imaginar um ordenamento composto de uma só norma? Penso que a existência de tal ordenamento deva ser excluída. Assim como uma regra de conduta pode referir-se a todas as ações possíveis do homem, e a regulamentação consiste em qualificar uma ação através de uma das três modalidades normativas (ou deônticas) do obrigatório, do proibido e do permitido, para se conceber um ordenamento composto de uma só norma seria preciso imaginar uma norma que se referisse a todas as ações possíveis e as qualificasse como única modalidade.

Destarte, o sistema jurídico fornece a unidade ao direito, a norma jurídica. É da pluralidade dela que o sistema jurídico é composto, o que nos permite definir o Direito Positivo como “o complexo de normas jurídicas válidas em determinadas coordenadas de espaço e tempo.”

Delimitado está, por conseguinte, o objeto deste estudo, a classe do Direito Positivo que tem por unidade a norma jurídica válida, construído a partir do conjunto de enunciados prescritivos contidos em documentos normativos, devidamente enunciados por sujeitos credenciados pelo próprio sistema jurídico para tanto. Paulo de Barros Carvalho[16], sobre o assunto, proferiu o seguinte:

Pois então, o território das condutas intersubjetivas, campo de eleição do direito, sendo, como de fato pensamos ser, a realidade jurídica por excelência, é construído pela linguagem do direito positivo, tomado aqui na sua mais ampla significação, quer dizer, o conjunto dos enunciados prescritivos emitidos pelo Poder Legislativo, pelo Poder Judiciário, Pelo Poder Administrativo e também pelo setor privado, este último, aliás, o mais fecundo e numeroso, se bem que de menor hierarquia que as outras fontes. São tais enunciados articulados na forma implicacional das estruturas normativas e organizados na configuração superior de sistema; eles, repito, que são, formam, criam e propagam a realidade jurídica.

Portanto, o Direito Positivo preferiu o território das condutas intersubjetivas para lastrear a sua realidade jurídica, a qual é concebida por meio da linguagem, na sua função prescritiva, linguagem por excelência das ordens, dos mandamentos, das determinações.

2. Da competência em matéria tributária.

Preza a doutrina que toda palavra padece de vícios de linguagem, posto serem ambíguas e potencialmente vagas. E, desses vícios de linguagem não poderia escapar o termo competência. Basta verificar qualquer Dicionário da Língua Portuguesa[17] para constatar que tal termo possui, pelo menos, quatro acepções, a saber:

1. Faculdade concedida por lei a um funcionário, juiz, ou tribunal para apreciar e julgar certos pleitos ou questões. 2. Qualidade de quem é capaz de apreciar e resolver certo assunto, fazer determinada coisa; capacidade, habilidade, aptidão, idoneidade. 3. Oposição, conflito, luta. 4. Conhecimento linguístico, parcialmente inato e parcialmente adquirido, que permite a um indivíduo falar e compreender a sua língua. 

Diante dessa problemática e determinando o conteúdo aqui utilizado para o termo competência, entende-se que quando existir um sujeito que possui competência e que se qualifica em determinada posição, a qual lhe outorga o poder de implantar novos enunciados prescritivos do sistema do Direito Positivo, estar-se-á diante do instituto da competência.

Convém ressaltar que esses enunciados prescritivos ingressam junto ao sistema jurídico posto pela atividade de enunciação, verdadeira e única fonte do Direito Positivo, uma vez que é somente tal atividade a produtora de enunciados, ou seja, “toda produção de um enunciado (seja descritivo, seja prescritivo) subjaz a atividade de enunciação”[18], conforme entende Tárek Moysés Moussalém.

Portanto, a competência emana de uma outorga de poder, a qual é concedida aos entes políticos constitucionais para enunciar prescrições jurídicas e atualizar o ordenamento jurídico. Sem embargo, essa competência, que é peculiar do Estado, não é ilimitada. Muito pelo contrário, a competência possui limites.

Acerca deste assunto, Roque Antonio Carrazza[19] faz comparativo entre o “poder tributário” e a “competência em matéria tributária”, arrazoando que:

Em boa técnica, não se deve dizer que as pessoas políticas têm, no Brasil, poder tributário. Poder tributário tinha a Assembleia Nacional Constituinte, que era soberana. Ela, realmente, tudo podia, inclusive em matéria tributária. A partir do momento, porém, em que foi promulgada a Constituição Federal, o poder tributário retornou ao povo (detentor da soberania). O que passou a existir, em seu lugar, foram as competências tributárias, que a mesma Constituição Federal repartiu entre a União, os Estados-membros, os Municípios e o Distrito Federal.

Destarte, adota-se como definição, aqui e agora, para o conceito de competência o poder atribuído ao ente político constitucional competente para inserir novos enunciados jurídicos no sistema do Direito Positivo.

Neste diapasão, as normas jurídicas, em sua grande maioria[20], preceituam os contornos pelos quais se devem introduzir inéditos enunciados prescritivos no sistema jurídico. Desta maneira, as normas jurídicas, consideradas como objetos de um processo de positivação, necessitam de um ato humano, enquanto atividade de enunciação, condição necessária do próprio enunciado prescritivo, ao passo que tal ato humano deve estar prenunciado em norma jurídica hierarquicamente superior, outorgando-lhe esta competência.

É assim que Charles Willian Macnaughton.[21] entende:

Competência, nesse sentido, é a estrutura jurídica do diálogo, em que se examina o “como” (procedimento) deve ser dito – que está nitidamente ligado ao “por quem”, ou seja, ao emissor da norma – “o que” (matéria) pode ser dito e “para quem” (destinatário) deve ser dito, ou seja, o estudo da norma signo (veículo introdutor) quanto a seu elemento de primariedade, secundidade e terceiridade. Teríamos o “como”, ou tipo de veículo introdutor, na qualidade de representamen; “o que” é o objeto; e “para quem”, o possível interpretante.

Infere-se, à vista disso, que a competência é comunicacional, ordenando sintaticamente essa mensagem jurídica, isto é, estabelecendo o “quem”, o “como”, o “o que” e o “para quem” desta mensagem jurídica.

As normas jurídicas compostas por esta estrutura são difundidas como normas jurídicas de competência (ou normas jurídicas de estrutura), haja vista que prescrevem tanto o convívio que as normas jurídicas de conduta devem manter entre si quanto sobre a própria produção acerca das modificações que se queiram introduzir nos preceitos já existentes.[22]

Tecidas tais considerações acerca da competência, convém darmos um passo adiante para analisarmos a competência em matéria tributária.

Ora, certamente que a competência em matéria tributária se conecta à imputação de poderes do emissor da mensagem jurídica para instituir regramentos acerca de tributos. Nesta esteira, a instituição de tributos por outro veículo introdutor que não a própria lei é vedada pela própria CF[23], o que permite concluir que tão somente ao Poder Legislativo é outorgada a competência em matéria tributária.

Convém, deste modo, dispor das palavras de Paulo de Barros Carvalho[24]:

A competência tributária, em síntese, é uma das parcelas entre as prerrogativas legiferantes de que são portadoras as pessoas políticas, consubstanciada na possibilidade de legislar para a produção de normas jurídicas sobre tributos. Mas essa é apenas uma entre as várias proporções semânticas com que a expressão se manifesta.

Tem-se, portanto, como definição do conceito de competência em matéria tributária a “aptidão de que são dotadas as pessoas políticas para expedir regras jurídicas, inovando o ordenamento jurídico”[25]

3. Da distribuição da competência em matéria tributária na CF.

Pacífico é o entendimento de que o sistema constitucional tributário brasileiro é rígido, não se apresentando como um sistema em que governa certa liberdade do legislador ordinário. É imperativa essa rigidez, precipuamente em se tratando de normas de outorga de competência em matéria tributária.

Neste sentido, essa outorga de competência, no mais das vezes, realiza-se pela atribuição de poderes a um ente político constitucional para a instituição e disposição de tributos, ocasião em que o vincula, direta ou indiretamente, a certas materialidades, as quais são conhecidas também como signos presuntivos de riqueza. A prova real desta afirmação se dá pela simples análise dos artigos 153[26], 155[27] e 156[28] da CF, em que se verificam as vinculações dos entes políticos constitucionais às respectivas materialidades.

Igualmente ocorre com as taxas e com as contribuições de melhoria, conforme esclarece Tácio Lacerda Gama[29]:

Nesses casos, porém, a discriminação de materialidades é indireta, pois feita em razão da competência administrativa para prestar o serviço, exercer o poder de polícia ou realizar a obra pública que enseja a valorização da propriedade particular. Por isso, existirá a atribuição de competência tributária na medida em que existir a respectiva competência administrativa.

Não obstante, a CF contém enunciados que não outorgam a competência em matéria tributária pela materialidade, ou seja, pelos signos presuntivos de riqueza, mas, sim, pela indicação de finalidades a serem alcançadas pela tributação. Acerca disso, verificam-se os artigos 148[30], 149[31] e 149-A[32], todos da CF.

Nestes casos em que materialidade não há, existem demarcações competenciais pela exclusiva determinação de um fim, como enuncia Paulo Ayres Barreto[33]:

Naquelas em que não há referência à materialidade na Constituição, impõe-se a análise de eventual supressão de competência alheia, bem como da compatibilidade do fato escolhido para compor o antecedente da norma geral e abstrata tributária e os fins a serem alcançados com a nova incidência. Esse último aspecto já evidencia que, nas contribuições, a aferição de constitucionalidade do tributo instituído requer outros cuidados.

No entanto, não estão hauridas, ou pela materialidade ou pela indicação de finalidade, as formas pelas quais a CF conota a distribuição das competências tributárias. Logo, há uma terceira hipótese na CF: a conjunção entre a indicação de signos presuntivos de riqueza e a determinação de finalidade a que se destina a tributação. Tem-se, como exemplo desta hipótese, o artigo 195[34], da CF, em que se verifica tanto a indicação de finalidade – financiar a Seguridade Social – quanto os signos presuntivos de riqueza – a remuneração dos funcionários, a receita ou o faturamento, o lucro, etc.

São esses, por conseguinte, os dispositivos dispostos pelo Poder Constituinte para delinear as competências tributárias.

Ademais disso, convém a análise tão somente das competências tributárias pelo critério da materialidade.

Pois bem. Uma das maneiras de se analisar essas demarcações de competências tributárias é pela divisão de classes[35] – tributos de competência da União; tributos de competência dos Estados; e, tributos de competência dos Municípios – onde se emprega o signo presuntivo de riqueza para demarcar seus confins. Para cada classe, haverá subclasses denotadas pela conotação da materialidade da exação.

E mais, como complemento, acomodam-se as preleções de Tácio Lacerda Gama[36]:

A prescrição do aspecto material das competências legislativas passa pela indicação de complementos verbais. Esses complementos verbais formam núcleos semânticos que não podem ser desconsiderados por normas inferiores.

(…)

Assim, à materialidade “renda”, por exemplo, o Código Tributário Nacional vincula o verbo auferir, bem como o verbo “pagar”, nos casos de retenção do imposto sobre a renda na fonte.

Pois bem. É justamente deste modo que o ente político constitucional que deter estipulada competência em matéria tributária deverá, ao instituir um tributo, modelar os critérios que preferir aos preceitos constitucionais orientadores de tal competência em matéria tributária, ao passo que o aplicador desta RMIT, deverá subsumir o evento tributável aos critérios constantes na hipótese tributária desta RMIT.

Dessarte, a classe competencial presente na CF deve enquadrar a classe do tributo instaurado pelo ente legiferante infraconstitucional que, por sua vez, deve enquadrar a classe dos fatos jurídicos que se subsomem a ela, evidenciando, por conseguinte, a sequência de positivação do Direito.

No entanto, os enunciados prescritos na CF que apresentam signos presuntivos de riqueza específicos para cada ente político constitucional, balizando os seus respectivos campos de atuação, são agudamente vagos e ambíguos, ocasião em que tão só o ciclo incessante de positivação do Direito poderá subjugar os ruídos comunicacionais e, consequentemente, dar lastro ao preceito da segurança jurídica, sobreprincípio do Direito.

Mas, muito embora se tenha o pacífico entendimento acerca da rigidez do sistema constitucional brasileiro[37], não se pode atribuir ao mesmo o predicado da exaustividade, como pretende o grande mestre Geraldo Ataliba[38]:

Se o sistema é esse: rígido e exaustivo não há possibilidade de conflito de competência. Então, vejam que a primeira proposta do artigo 146, é norma geral para dispor sobre conflitos de competência. Mas não é possível conflitos de competência! É lógico que é possível a violação da Constituição; isto existe todos os dias. É óbvio que é possível desacatar a Constituição! Está cheio de decreto-lei especialmente desacatando a Constituição, mas isso é outra coisa: resolve-se pela declaração de inconstitucionalidade. O judiciário aplica a lei inconstitucional e está resolvido o problema; não precisa de norma alguma. Já está na Constituição.

Isso porque, uma vez apresentando-se o sistema constitucional tributário perante uma impraticabilidade de se esgotar todos os âmbitos da competência em matéria tributária, outorgou-se ao ente legiferante infraconstitucional, por intermédio do artigo 146, inciso I, da CF[39], a incumbência de, quando da prática jurídica evidenciar necessidade, ser regulada.

Nesta esteira, duas hipóteses existem para a prescrição do artigo 146, inciso I, da CF: ou apresenta-se como um sem sentido deôntico, uma vez que não tem aplicação alguma, já que a CF é rígida e exaustiva; ou valida e corrobora a ausência do atributo da exaustividade nas delineações da competência em matéria tributária frente à CF.

4. Do conflito de competência.

Entende-se por conflito a “contradição, oposição ou luta de princípios, propostas ou atitudes. Kant chamou de antinomias de ‘conflito de teses’. Hume falara em conflito entre razão e o instinto que levar a crer, a razão que põe em dúvida aquilo em que se crê”[40]

Há, neste sentido, um paralelo entre o que se entende por conflito e o que se entende por ruído comunicacional, sendo este, nas palavras de Roti Nielba Turin[41]:

Ruído é a perda da informação. É a perda de parte da informação ou a não informação por desconhecimento do código, ou por erro de emissão, ou por erro de recepção. Pode haver perda por diferenças de repertório, sendo um muito alto e outro muito baixo, ou então, quando os repertórios são idênticos.

Assim, de acordo com as premissas aqui adotadas, em que se adota o Direito como um fenômeno comunicacional, o ruído também é uma situação que o atinge, conforme arrazoa Tácio Lacerda Gama[42]:

(…) os chamados “ruídos da comunicação” ensejam problemas das mais diversas naturezas no entendimento dos sujeitos de uma conversação qualquer. No plano das linguagens descritivas, próprias das Ciências do Direito, os “ruídos da comunicação” levam a desentendimentos, disputas verbais e incompreensões. Nas linguagens prescritivas os danos não são menores, pois problemas de transmissão de mensagens jurídicas precisas ensejam conflitos de interesse.

Neste paralelo entre conflito e ruídos comunicacionais, portanto, há que se estabelecer que ambos estão umbilicalmente ligados a relatos contraditórios advindos de um mesmo evento social, conforme preleciona João Maurício Adeodato[43]:

Dentre as relações intersubjetivas, uma das mais importantes para o estudo do direito é a de conflito, ocorre quando os seres humanos divergem sobre os significados de seus relatos sobre os eventos do mundo. Para haver um conflito, então, é preciso que haja pelo menos dois relatos incompatíveis, total ou parcialmente.

Infere-se, à vista disso, que é do ruído no processo comunicacional que sobrevém essa idealização conflituosa de sentidos por enunciadores dessemelhantes, hábil a viabilizar antagonismos de sentido.

Apesar disso, esse conflito é produto de um processo comunicacional ruidoso, o qual viabilizou uma edificação de sentidos discrepantes, total ou parcialmente, ocasião em que será certo que a valoração de um em detrimento de outro como relato vencedor irá tão só reprimir o conflito, ainda que de maneira temporária, posto que haverá constantemente a probabilidade de seu regresso.

Este conflito dar-se-á quando a decodificação realizada pelo destinatário da mensagem for manifestada e esta nova mensagem estiver conflitante com outra mensagem pronunciada por destinatário dissímil.

Há que se ressaltar que esse processo comunicacional ruidoso enfatiza seu produto, porém, na tentativa de remediá-lo, será imprescindível desestruturar todo o processo comunicacional que engendrou referido conflito, identificando o ruído determinante do transtorno hermenêutico.

Ora, aludido ruído está coadunado à vagueza e à ambiguidade da mensagem jurídica posta e sobreleva a impossibilidade de erradicação deste vício, podendo somente ser delineado por instrumentos do mesmo cariz comunicacional. Por isso, moderar esses ruídos, ainda que temporariamente, será sempre necessário.

Neste contexto, o conflito, repise-se, é problema de semblante comunicacional pertinente a qualquer realidade, até mesmo a realidade jurídica. Assim, se no Direito, visto sob uma ótica dinâmica, existe um ciclo ininterrupto de positivação, em que o sujeito interpreta um enunciado que lhe outorga competência para positivar, também em linguagem escrita, mais um enunciado prescritivo resultado de aludida interpretação, existirá conflito toda vez que deste processo comunicacional surgir a produção, por enunciadores distintos, de dois ou mais enunciados prescritivos discordantes.

Conclui-se, portanto, que o conflito de competência pode ser cindido em três momentos distintos: (i) quando os enunciados, enquanto suportes físicos, são vagos ou ambíguos, e que outorgam competência a um e somente um agente, sendo que este não somente possui como pode impulsionar uma interpretação conflituosa; (ii) quando o destinatário imediato da norma de competência realiza uma interpretação conflituosa; e, (iii) quando esta interpretação conflituosa é positivada, isto é, quando normas jurídicas antagônicas passam a integrar o sistema do Direito Positivo, fenômeno este conhecido como antinomia em sentido estrito.

Entretanto, não há espaço aqui para se falar em antinomia em sentido estrito, ou seja, aquela pela qual é a oposição entre enunciados que provocam a invalidação ou a inaplicabilidade de uma norma jurídica em detrimento de outra. Aqui, quando se fala em conflito de competência, a invalidação do enunciado dimana da incompetência do seu enunciador e, por isso, não é corolário da antinomia gerada.

Sendo assim, muito embora haja consequências geradas pelo conflito de competência, ou seja, enunciados introduzidos no sistema do Direito Positivo em antagonismo, a problemática deve ser solucionada em instante predecessor: na enunciação.

É somente com a avaliação da atividade de enunciação que existirá a possibilidade de se apresentar uma análise de quais destas mensagens introduzidas no ordenamento foram positivadas por agente competente, e quais foram positivadas por agentes incompetentes.

5. Do conflito de competência em matéria tributária.

Repisando-se que o até aqui foi dito, em momento pregresso ao de haver antinomia como produto de conflito de competência, há uma norma jurídica entremeada no sistema do Direito Posto por sujeito incompetente, a qual independe de tal antinomia para padecer da invalidade.

E mais, o conflito de competência não emana, impreterivelmente, do ciclo de positivação por agente enunciador competente. Entretanto, na existência de agentes, em sua pluralidade, discutindo pela validade do produto positivado pela atividade enunciativa, então estar-se-á diante de um conflito.

Pois bem. No Direito Tributário, a especificação da competência para instituição de tributos, adiante das prescrições de cariz negativo e dos princípios atinentes à espécie, deu-se vigorosamente por intermédio da predileção de signos presuntivos de riqueza. Conduto, considerando a dinâmica social, tal predileção acaba por desfrutar de zonas de penumbra na estremadura demarcatória de sua abrangência, exteriorizando-se numa incerteza de se determinado fato social enquadra-se aqui ou acolá. Esta é, inclusive, a dicção de Porto Macedo[44]:

A definição exaustiva das competências tributárias no altiplano constitucional, particularmente nos impostos sobre o consumo, é um mito. Isso porque a Constituição de 1988, na outorga das competências tributárias, trabalha com conceitos que, como veremos a seguir, apresentam certas regiões de penumbra nos limites de suas fronteiras.

Diante dessas zonas de penumbra existentes nas definições constitucionais, é indubitável que há possibilidades de existirem conflitos hermenêuticos alusivos às distribuições competenciais em matéria tributária e, por conseguinte, serem introjetados no sistema do Direito Positivo enunciados prescritivos em textual confronto (antinomia), obviamente que em razão da vagueza ou da ambiguidade apreendida no altiplano constitucional.

Tais vaguezas ou ambiguidades depreendidas nos termos empregados é elemento fulcral ao conflito interpretativo e, por conseguinte, à construção de enunciados prescritivos em antinomia. Esse ruído ensejador do conflito devidamente positivado, ou seja, ocasionador da antinomia, pode apresentar-se em quaisquer dos elementos do processo comunicacional: remetente, destinatário, mensagem, contexto, código, canal e contato.

Diante disso, aparenta-se indiscutível que o contratempo do conflito de competência é uma questão de caráter comunicacional. Por consequência, este contratempo somente será elucidado por intermédio do processo de derivação, no desígnio de averiguar qual das mensagens jurídicas foi positivada por sujeito competente, e quais não foram e, para tanto, imprescindível seguir por todo aquele o ciclo de positivação que antecedeu a norma.

Ademais disso, uma das maneiras de se classificar o conflito de competência é como conflito de competência vertical ou horizontal, dependendo tal classificação dos entes políticos constitucionais envolvidos.

Assim, denomina-se conflito de competência horizontal quando houve conflito entre entes políticos constitucionais da mesma faixa divisória. Por outro lado, nomina-se conflito de competência vertical quando houver conflito entre entes políticos constitucionais de faixas divisórias diversas.

Há, em vista disso, três classes dessemelhantes de outorgas de competência: da União, dos Estados e dos Municípios[45]. Havendo, neste sentido, conflito entre as faixas da União e Estado; União e Município; ou, Estado e Município, estar-se-á diante de conflito de competência vertical. Por outro lado, havendo conflito entre entes políticos constitucionais da mesma faixa competencial, caracteriza-se o nominado conflito de competência horizontal, conforme segue relatado por Luís Eduardo Schoueri[46]:

Os exemplos até agora citados de conflitos de competência se inserem na categoria dos conflitos verticais, i.e., conflito entre União, Estados e Municípios. Não se deve deixar de lado a possibilidade de o conflito dar-se horizontalmente (conflito entre Estados ou entre Municípios)

Diante desta classificação, poderá haver conflito de competência vertical entre as três classes indicadas, sendo, por isso, justamente três as possibilidades de ocorrência desta espécie de conflitos. E mais, considerando que o Distrito Federal conjuga em sua faixa competência tanto a dos Estados quanto a dos Municípios, infere-se pela impossibilidade de haver conflito vertical entre Estados e Municípios quando o Distrito Federal for o agente da enunciação.

Por derradeiro, no que tange ao conflito de competência horizontal, este somente irá acontecer internamente, isto é, somente será percebido no núcleo de cada classe. Logo, ter-se-á conflito de competência horizontal tão somente nas classes dos Estados e dos Municípios, uma vez que são somente nessas duas classes que existem mais de um elemento.

Diante disso, logicamente que não haverá conflito de competência horizontal em relação à União, justamente porque só existe um elemento, sendo incapaz de gerar confronto contra si mesmo.

6. Do conflito de competência em matéria tributária sintaticamente alocado na hipótese da norma jurídica.

Restou consignado que, não obstante o poder constituinte tenha discriminado a competência em matéria tributária por intermédio de três critérios distintos interessa, para o presente estudo, unicamente o primeiro deles, o critério da materialidade ou signo presuntivo de riqueza, descartando-se os demais critérios – indicação de finalidade, um, e a conjunção dos dois critérios anteriores, materialidade e finalidade, outro – já que, nestes dois últimos critérios o acontecimento de um eventual conflito de competência em matéria tributária é parcamente realizável, considerando que na outorga de competência por meio de indicação de finalidades à tributação, o ente político constitucional agraciado é, comumente, a União e, destarte, minora a probabilidade de ocorrer conflito, já que se trata de outorga específica de competência.

Com efeito, no que concerne à atribuição de competência desinente de signos presuntivos de riqueza, ressalta-se que não ocorre nenhuma vinculação do produto arrecadado à estipulada finalidade. Contudo, dá-se a outorga a entes políticos constitucionais distintos, permitindo, por consequência, que ocorram tanto conflito de competência vertical quanto conflito de competência horizontal.

Nesta continuidade, analisando os critérios que compõem o antecedente da norma jurídica, tão só o critério material encontra-se evidenciado no altiplano constitucional, ainda que com demasiada vagueza e ambiguidade, olvidando-se, para tanto, em relação aos critérios especial e temporal.

São pertinentes, nesta perspectiva, os ensinamentos de Tácio Lacerda Gama:

A instauração de conflito de incidência envolvendo tributos e competência privativa, por sua vez, exige mais atenção. Basicamente, esses conflitos decorrem da forma como se interpretam os critérios material e especial das normas tributárias: i. quando o conflito é de natureza material, surgem dúvidas sobre o tipo de comportamento que desencadeia a incidência do tributo; e, ii. quando o conflito é sobre o critério espacial, não se sabe ao certo onde se reputa ocorrido o fato tributário.

É razoável perceber que o ruído comunicacional que atrapalha o delineamento do critério material da mensagem jurídica que atribui competência, permite o abarcamento de determinado fato social em inúmeras classes competenciais, evidenciando que a competência em matéria tributária, tal qual se encontra demarcada no altiplano constitucional, conduz à dúvida de se determinado comportamento proporciona a incidência de um ou de outro tributo, posto que não há precisa definição de como classificar aquele comportamento. É o que ocorre, por exemplo, com a linha fronteiriça que separa o critério material do ICMS[47] e do ISSQN[48] ou do ISSQN[49] e do IPI[50].

Ademais disso, existe, ainda, a possibilidade de se verificar a presença de ruídos comunicacionais concernentes ao critério espacial que também acarreta em conflito de competência em matéria tributária. Essa hipótese prevê a ocorrência de tal situação fática quando o lugar específico em que deve realizar-se aquela determinada ação intitulada critério material. Um exemplo que denota esta hipótese é o caso IPTU versus IPTU em perímetros urbanos limítrofes, ou, ainda, ICMS versus ICMS em operações triangulares de importação.

Há, ainda, a possibilidade de ocorrência de ruído comunicacional junto ao critério temporal da hipótese normativa, o qual se verifica quando dois ou mais entes políticos constitucionais imprimem a mesma facticidade social e sob idêntica demarcação espacial, o que ocorre por mera confusão temporal.

7. Do veículo introdutor infraconstitucional e do conflito de competência em matéria tributária.

Está no altiplano constitucional a demarcação da competência para a instituição de tributos. E, diante da rigidez enquanto predicado da CF, infere-se que não existe quaisquer possibilidades de se deparar com outros veículos introdutores entre o comando competencial constitucional e o próprio comando comportamental de instituição do tributo, não ao menos em relação à repartição de competência em matéria tributária.

Ao se adotar este paradigma, sendo discutida alguma questão sobre (in)competência de um estipulado ente político constitucional, deve o Poder Judiciário analisar se a norma jurídica de conduta que foi inserida no sistema jurídico penetrou ou não a competência em matéria tributária de outro ente político constitucional.

Não obstante, a própria CF determina, em seu artigo 146, inciso I, um enunciado prescritivo no sentido de que “cabe à lei complementar: I – dispor sobre conflitos de competência, em matéria tributária, entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os Munícipios.”

Em face de tal enunciado prescritivo, rejeita-se o entendimento sobredito para acolher outro, a saber: aquele em que haverá a possibilidade, a depender da situação, de se introjetar no ordenamento jurídico posto uma mensagem jurídica que acarrete maior precisão, justeza, nitidez, seja por meio da conotação ou por meio da denotação, do que aquela mensagem jurídica presente na norma que a fundamenta, mitigando, assim, a oportunidade de se fazer incidir cobranças de tributos em relação à mesma facticidade ocorrida na tessitura social, por entes políticos constitucionais dessemelhantes, quando for proibido este tipo de cumulação pelo próprio sistema jurídico.

Ora, considerando que o Direito constitui-se como um sistema autopoiético[51], inexiste motivo para interpretá-lo de outra maneira a não ser aquela que o sistema jurídico, no que tange à repartição de competência em matéria tributária, em seu altiplano constitucional, em determinados casos, deu-se sem a exatidão necessária e, diante disso, restou outorgada anuência ao ente legiferante complementar para a criar novos enunciados prescritivos, cuja conotação ou denotação, tanto do critério material, quanto dos critérios espacial e temporal da tributação permissiva na CF, reduza as possibilidades de uma mesma facticidade social ser relatada fatos jurídicos discrepantes, ou, ainda, como fatos jurídicos acontecidos em coordenadas de espaço ou de tempo diversos, evidentemente que por entes políticos constitucionais também diferenciados.

Contudo, este entendimento não é pacífico junto à dogmática, conforme pode se verificar pelos ensinamentos do saudoso Geraldo Ataliba[52]:

A lei complementar pode dar normas adjetivas, normas processuais. Como é que se escritura, como é que se registra, mas direito substancial já está no próprio texto da Constituição. Qualquer lei que venha, e mesmo complementar, mexer com isso vai aumentar ou diminuir o direito do fisco ou do contribuinte e, portanto, estará alterando o conteúdo e alcance do próprio preceito constitucional.

Evidentemente, acaso a CF não contivesse o enunciado prescritivo do artigo 146, inciso I, a doutrina do mestre Geraldo Ataliba seria irrefutável, competindo somente ao Poder Judiciário concluir questionamentos acerca de eventuais conflitos de competência em matéria tributária.

Porém, o Direito Positivo criou outra realidade, já que há a prescrição sistêmica autorizando a introjeção de outras regras intercalares capazes de moderar a existência de vaguezas e ambiguidades nos textos constitucionais, aclarando as qualificadas zonas de penumbras existentes nas divisas das definições a serem edificadas perante os termos empregados no altiplano constitucional.

Convém ressaltar que não se salvaguarda a obrigatoriedade desta mensagem jurídica intercalar em defronte a toda e qualquer instituição de tributo. Em verdade, defende-se que compete à LC definir conceitos de tributos e, consequentemente, a resolução de eventuais conflitos de competência em matéria tributária proviria unicamente da interpretação desta norma jurídica intercalar. É assim que entende Luís Eduardo Schoueri[53]:

O constituinte de 1988 não tinha a ilusão de que aquele elenco apresentasse limites rígidos. Ao contrário, sabia que se tratava de expressões fluidas, que por vezes implicariam uma interpenetração, possibilitando, até mesmo, o nascimento de conflitos de competência (…) Em conclusão, temos que para a solução dos conflitos de competência e do campo de competência residual, encontramos na lei complementar – e não na Constituição – os conceitos de cada imposto.

Referida norma jurídica intercalar deterá lugar, deste modo, em hipóteses onde a facticidade social que objetiva onerar evidenciar estar presente na zona de penumbra, ocasionando, assim, um aclaramento do abarcamento do conceito a ser produzido por efeito do termo disposto na CF.

Somente inexistindo esta norma jurídica intercalar é que caberá ao Poder Judiciário suprimir eventual conflito de competência em matéria tributária instituído derivando unicamente da CF.

Nesta perspectiva, uma norma jurídica construída com base em uma LC que estabelecer questões acerca de conflito de competência em matéria tributária é exceção. Isso porque, comumente, a incidência deve operar diretamente, dos critérios do antecedente da norma jurídica de conduta às propriedades limítrofes do campo competencial verificadas no altiplano constitucional. Deste modo também entende Paulo de Barros Carvalho[54]:

Não obstante essa pormenorizada distribuição de competências entre as pessoas políticas, há campos de incidência tributária que ensejam dúvidas sobre o ente constitucionalmente autorizado a exigir tributos com relação a determinados fatos, em razão, como bem anota Sacha Calmon Navarro Coelho, da “insuficiência intelectiva dos relatos constitucionais pelas pessoas políticas destinatárias das regras de competência, relativamente aos fatos geradores de seus tributos”. Por esse motivo, preocupado em manter o esquema federativo e a autonomia dos Municípios, o constituinte atribuiu à lei complementar se servir de veículo introdutor de normas destinadas a prevenir conflitos e, consequentemente, invasões de competência (art. 146, I, da Carta Magna).

A legislação complementar cumpre, assim, em termo tributários, relevante papel de mecanismo de ajuste, calibrando a produção legislativa ordinária em sintonia com os mandamentos supremos da Constituição Federal.

A LC tem, portanto, a busca de minorar eventuais conflitos de competência em matéria tributária, conduzindo os intérpretes – participantes e observadores – na redução de vagueza e ambiguidade presentes no texto constitucional.

E mais, tal veículo introdutor permite que o ente legiferante realize adequações ao sistema jurídico tributário frente às evoluções sociais, promovendo verdadeiras reprimendas a que todo litígio no que concerne a este assunto fique unicamente canalizado à construção de sentido com base nos textos constitucionais.

Isso permite a minoração de eventuais conflitos de competência em matéria tributária, já que, detalhando-se a competência outorgada pela CF, a fim de sanar zonas de penumbra, dirime-se também ruídos comunicacionais e, consequentemente, o seu produto, os conflitos de competência.

8. Da Lei Complementar como veículo introdutor hábil a mitigar conflitos de competência em matéria tributária.

Diante do que exposto, infere-se que determinada classe de enunciados prescritivos infraconstitucionais têm a pretensão de diminuir processos comunicacionais ruidosos na outorga de competência para instituição de tributos, uma vez que, adotando-se o sistema jurídico como um sistema autopoiético, tais enunciados harmonizam-se com os demais enunciados que compõem o sistema jurídico.

Neste sentido, obviamente que o enunciado que satisfizer essa função no ciclo de positivação do Direito também será elemento pertencente ao sistema jurídico e, por conseguinte, também será elemento válido, tendo, por validade, aqui e agora, a relação de pertinência do enunciado prescritivo com o sistema jurídico posto. Sobre o tema, cumpre vislumbrar o entendimento de Paulo de Barros Carvalho[55]:

A validade não deve ser tida como predicado monádico, como propriedade ou como atributo que qualifica a norma jurídica. Tem status de relação: é o vínculo que se estabelece entre a proposição normativa, considerada na sua inteireza lógico-sintática e o sistema do direito posto, de tal sorte que ao dizermos que u’a norma “n” é válida, estaremos expressando que ela pertence ao sistema “S”. Ser norma é pertencer ao sistema, o “existir jurídico específico” a que alude Kelsen.

Validade, neste seguimento, é relação de pertinencialidade entre elemento e conjunto, ou seja, entre norma jurídica e sistema jurídico. Tal validade, enquanto axioma do Direito, é sempre presuntiva, posto que, uma vez enunciada por sujeito credenciado pelo sistema jurídico e de acordo com o procedimento previsto em lei, a mensagem jurídica fruto da enunciação terá validade presumida, sendo sua fiscalização feita a posteriori.

A partir daí, adota-se o entendimento de que o fundamento de validade de um enunciado prescritivo deve, ordinariamente, ser apanhado de enunciado prescritivo superior, pois, somente assim se poderá constatar a (im)pertinencialidade da norma jurídica em relação ao sistema.

Portanto, aquele enunciado prescritivo introjetado no sistema jurídico com a finalidade de mitigar conflitos de competência em matéria tributária deverá possuir, permanentemente, fundamento de validade na CF, a saber, no artigo 146, inciso I, da CF, além de outros dispositivos, os quais, todavia, não merecem maior atenção neste trabalho.

Por conta disso, esta mensagem jurídica intercalar deverá ser inserta por intermédio do veículo introdutor intitulado de LC, o qual necessitará portar maior exatidão semântica dos critérios que delimitam a competência em matéria tributária, do que aquela (im)precisão semântica prevista no altiplano constitucional, desde que, obviamente, tal LC cumpra os requisitos formal e material determinados na CF.

Ademais disso, tem-se que a mensagem jurídica constitucional referente à divisão de competência em matéria tributária é classificada como normas jurídicas de estrutura (ou de competência). Preditas normas jurídicas de competência, ordinariamente, conotam, com o rigor necessário, os critérios previstos no antecedente normativo – material, espacial e temporal – aptos a ensejarem a instituição de tributos pelos entes políticos constitucionais. Nestes casos, a norma jurídica de conduta, produto do ciclo de positivação do Direito, tem fundamento de validade naquela norma jurídica de competência resultante da CF.

No entanto, há exceções a esta regra. O ordenamento jurídico posto contém hipóteses em que o delineamento da competência em matéria tributária realizada pelo ente legiferante constitucional é totalmente desprovida da exatidão competente a minorar conflitos de competência em matéria tributária entre os entes políticos constitucionais. E, a par disso, de que a facticidade social poderia ocasionar conflitos de competência em determinado contexto histórico, o próprio poder constituinte determinou ao ente legiferante infraconstitucional complementar a incumbência de mitigar essas ocorrências, intrometendo no sistema jurídico posto enunciados prescritivos que indiquem maior exatidão acerca deste delineamento da competência em matéria tributária.

Quando isso ocorrer, a norma jurídica de conduta instituidora do tributo passará a ter como fundamento de validade direto não mais o texto constitucional, mas, sim, esta norma jurídica de competência intercalar, infraconstitucional.

Nesta esteira, considerando que o fundamento de validade direto da norma jurídica de conduta é uma norma jurídica de competência infraconstitucional, não há que se falar inconstitucionalidade da aludida norma jurídica de conduta, mas, mera ilegalidade.

Ademais disso, esta mensagem jurídica que ostentar de maior precisão pretendendo diminuir vaguezas e ambiguidades constantes no altiplano constitucional referente à delimitação da competência em matéria tributária, deve ser veiculada por intermédio da LC.

Assim, supridos os requisitos ontológico-formais da LC, a mensagem jurídica propensa a reprimir conflitos de competência em matéria tributária será, evidentemente, inferior hierarquicamente à CF, mas, no entanto, superior ou no mesmo nível hierárquico que as demais mensagens jurídicas do Direito Positivo.

Essa hierarquização proíbe que o legislador complementar, ante o fundamento de oferecer maior exatidão aos termos verificados na planura constitucional, deturpe os limites ali presentes, já que, por se tratar de relação entre mensagens jurídicas de hierarquias díspares, a mensagem jurídica hierarquicamente inferior em tempo nenhum pode transgredir a mensagem jurídica hierarquicamente superior que a fundamenta. Sobre o tema, pontifica Lourival Vilanova[56]:

(…) a posição que uma norma ocupa na escala do sistema é relativa. Pode ser, a um tempo, uma sobrenorma e uma norma objeto. Essa relatividade está expressa nos conceitos de criação e aplicação: criar a norma N” é aplicar a Norma N’; criar a norma N’ é aplicar a norma Nº. A norma Nº que funciona como a última no regresso ascendente, é a norma fundamental, que não provém de outra norma, que é norma de construção, sem ser aplicação. O outro limite extremo encontra-se no ato final de execução da consequência jurídica, que não dá margem a nenhuma outra norma. O dever-ser alcançou, então, o último grau de concrescência, com a determinação individualizada do pressuposto e da consequência.

Como afirmado, essa hierarquização é derivada da própria relação de subordinação das normas jurídicas, em que uma norma jurídica, dentro do ciclo de positivação do Direito, irá fundamentar a validade de outra norma jurídica inferior hierarquicamente.

9. Do conteúdo semântico das Leis Complementares.

Convém trazer à lume a existência de três correntes doutrinárias acerca do tema.

A primeira corrente salvaguarda que a CF carrega consigo o atributo da exaustividade em relação à delimitação de competência em matéria tributária e, consequentemente, a LC não poderia, de maneira alguma, ocupar-se de tal matéria. No entanto, como já dito em momento anterior, essa “exaustividade” não se amolda às premissas aqui adotadas, ocasião em que resta refutada tal corrente.

As demais correntes entendem que a LC é um instrumento de grande valia, mas, no entanto, desconsentem em relação à função da própria LC, uma vez que tal discordância deriva das premissas adotadas em cada uma dessas duas correntes no que tange à amplitude da expressão normas gerais em matéria tributária prevista no texto constitucional e reservada, pela própria CF, ao ente legiferante complementar.

Nesta continuidade, a segunda corrente doutrinária, nomeada como corrente tricotômica, justifica que os tributos devem conter conceitos enunciados na respectiva legislação complementar, posto que o altiplano constitucional prescreve tão somente tipos. Consequentemente, o exercício de competência em matéria tributária outorgada deveria fundamentar-se, no mais das vezes, imediatamente desta mensagem jurídica infraconstitucional complementar e, tão só e de maneira mediata, dos enunciados prescritivos contidos na CF. Este é o entendimento de Luís Eduardo Schoueri[57]:

Tendo em vista a fluidez do arranjo constitucional, as denominações constitucionais de competência tributária incluem-se na categoria de tipos, não de conceitos. É, pois, na lei complementar que aquelas mesmas figuras ganham os contornos rígidos de conceitos. À lei complementar cabe definir cada um dos impostos, dispondo sobre sua hipótese, base de cálculo e contribuinte. Fazendo-o, o legislador complementar dispõe sobre conflitos de competência e assegura que duas pessoas jurídicas de direito público não atinjam uma única manifestação de capacidade contributiva.

De acordo com esta corrente tricotômica, normas gerais em matéria tributária não se cingem às determinações infraconstitucionais acerca de conflitos de competência e limitações constitucionais ao poder de tributar, tal qual enunciado no artigo 146, da CF. Há, neste sentido, uma amplitude maior de exercício do ente legiferante complementar.

Essa amplitude maior se fulcra no juízo de que o tributo não se encontra conceituado na CF, mas, sim, nos enunciados prescritivos infraconstitucionais, já que o próprio texto constitucional prevê autorização ao ente legiferante complementar para, de certo modo e dentro de certos limites, eleger as propriedades de cada um dos tributos de competência de cada um dos entes políticos constitucionais.

Por conseguinte, essa corrente tricotômica assevera que o artigo 146, da CF, estabelece, em seus respectivos incisos, as permissivas materialidades da LC, a saber: (i) dispor sobre conflito de competência; (ii) regular as limitações constitucionais ao poder de tributar; e (iii) estabelecer normas gerais em matéria tributária.

Contudo, para que esta corrente tricotômica se sustente, há necessidade de se adotar outra premissa: a de que não há autonomia entre os entes políticos constitucionais, o que violaria, inclusive, os princípios do pacto federativo e da autonomia municipal.

Com efeito, diante da discordância acerca desta premissa adotada pela corrente tricotômica, estabelece-se a defesa da uma terceira corrente, a chamada corrente dicotômica.

Determinada corrente dicotômica também afirma a pertinência de mensagens jurídicas intercalares entre as mensagens jurídicas de maior grau hierárquico – a CF – e a que instituem os próprios tributos – RMIT. No entanto, esta corrente defende uma limitação semântica na atuação dessa mensagem jurídica intercalar, determinando que as normas gerais em matéria tributária apenas poderiam determinar acerca de conflitos de competência e limitações constitucionais ao poder de tributar.

Neste sentido, enuncia Paulo de Barros Carvalho[58]:

(…) na medida em que fosse permitida à legislação complementar produzir, indiscriminadamente, regras jurídicas que penetrassem o recinto das competências outorgadas aos Estados-Membros, ainda que sob o pretexto de fazê-lo mediante normas gerais, estar-se-ia trincando o postulado federativo, encarnado, juridicamente, na autonomia recíproca da União e dos Estados, sob o pálio da Constituição. Ao mesmo tempo, se tais preceitos, protegidos pela capa da generalidade, pudessem invadir as prerrogativas constitucionais de que usufruem os Municípios, sem limitações determinadas, precisas e antecipadamente conhecidas, teríamos inevitável esvaziamento do princípio que assegurava autonomia àquelas pessoas políticas.

A corrente dicotômica, justamente no intuito de rechaçar indeterminações junto à expressão normas gerais de direito tributário, é que delimitou o seu alcance semântico, afirmando que tais normas gerais apenas podem determinar acerca de conflitos de competência em matéria tributária e limitações constitucionais ao poder de tributar.

Salvo melhor juízo, interpretar desta maneira o artigo 146, da CF, é pretender dar mais adequação ao texto constitucional, já que, assim compreendendo, respeita-se a isonomia existente entre os entes políticos constitucionais no exercício de suas respectivas competências, bem como os princípios do pacto federativo e da autonomia municipal, aparentemente desrespeitados por quem adota a corrente tricotômica.

10. Conclusão.

É cediça e rotineira a ocorrência de conflitos de competência em matéria tributária no sistema jurídico. Consciente da probabilidade deste tipo de ocorrência, o poder constituinte originário regulamentou expressamente a possibilidade de o ente legiferante complementar estabelecer mensagens jurídicas atinentes a mitigar tais conflitos de competência em matéria tributária.

É nesta esteira que a mensagem jurídica intercalar, exteriorizada por meio do veículo introdutor denominado de LC, tem o condão de conduzir propriedades aclaradoras daquela zona de penumbra deixada pelo poder constituinte originário do texto constitucional, onde se verifica, por vezes, uma incerteza – (in)segurança jurídica – quanto ao enquadramento dos elementos de uma facticidade social à respectiva classe prevista na norma jurídica competencial.

Outorgar, portanto, ao legislador infraconstitucional o poder de aclarar essas operações classificatórias, exclusivamente às propriedades encontradas na zona de penumbra do altiplano constitucional, é ceder-lhe, em certa medida, autorização para a escolha da classificação que melhor lhe aprouver, desde que harmonicamente às demais mensagens jurídicas contidas no Direito Positivo, permitindo-lhe, neste seguinte, a realização das relações de coordenação e subordinação existentes entre as normas jurídicas pertencentes ao sistema jurídico posto.

É, inclusive, este o entendimento de Roque Antônio Carrazza[59]:

É certo que a esta lei complementar não é dado redesenhar as competências tributárias outorgadas às pessoas político-constitucionais. Tem, todavia, a importante função de remarcar as linhas, por vezes tênues, que separam os campos tributários da União, de casa um dos Estados-Membros, de cada um dos Municípios e do Distrito Federal.

Realmente, embora a Magna Carta tenha tido extremo cuidado ao distribuir e delimitar as competências tributárias das pessoas políticas, o fato é que nela há pontos que podem suscitar insuficiências intelectivas. É aí que há espaço para que a lei complementar explicite os relatos constitucionais, prevenindo conflitos e, assim, evitando invasões de competência tributária.

E corrobora esse entendimento Paulo de Barros Carvalho[60]:

A regra é a franca utilização das competências constitucionais pelas entidades políticas portadoras de autonomia. Quando, porém, qualquer daquelas diretrizes da\ Lei Maior estiver na iminência de ser violada, pelo exercício regular da atividade legiferante das pessoas políticas, podendo configurar-se conflito jurídico no campo das produções normativas, ingressa a lei complementar colocando no ordenamento “normas gerais de direito tributário” atuando na regulação das limitações constitucionais ao poder de tributar e regendo matérias que, a juízo do constituinte, parecem suscitar maior vigilância, estando por merecer, por isso, cuidados especiais.

Portanto, o espaço para que a LC explicite os relatos constitucionais relativos à demarcação e distribuição de competência em matéria tributária é, exclusivamente, aquele onde há pontos que podem suscitar insuficiências intelectivas, ao passo que se torna conveniente colacionar o entendimento de Tércio Sampaio Ferraz Júnior[61] no tocante à LC em matéria tributária como instrumento apto a garantir a segurança jurídica:

Aqui, nos parece óbvio, a função-certeza da exigência de segurança passa a depender da função-igualdade, posto que a segurança repousa, primeiramente, na generalidade enquanto a isonomia no tratamento dos endereçados. Ou seja, desde que as ações-tipo estejam corretamente discriminadas em leis ordinárias (função-certeza), às normas gerais (lei complementar) caberá a resolução prévia de conflitos de competência, resultando do sistema assim instaurado a segurança que há de ser o produto da competência sistematicamente discriminada.

É neste sentido, portanto, que se conclui pela admissão da LC como veículo introdutor hábil a mitigar conflitos de competência em matéria tributária.

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[1] Advogado. Mestrando em Direito Tributário (PUC/SP). Especialista em Direito Tributário Constitucional (PUC/SP) e em Teoria Geral do Direito (IBET). Graduado em Direito (USCS).

[2] ANDRADE FILHO, Edmar Oliveira. Imposto de renda das empresas. São Paulo: Atlas, 2004, p. 29.

[3] CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de direito constitucional tributário. 20ª Ed., São Paulo: Malheiros, 2004, p. 443-444.

[4] “O termo linguagem designa um conjunto de elementos – nomes, proposições – que, combinados entre si de uma determinada maneira, têm uma significação, possuem vida; como se saem de si próprios para evocar outros objetos, ou as mais variadas situações que compõem o mundo em geral. Os elementos linguísticos possuem algumas propriedades que são comuns a todos eles. Essas propriedades são a garantia de pertencerem todos à linguagem; ou, em outras palavras, essas propriedades comuns garantem e dão sentido à aplicação do termo “linguagem” aos fatos, ao uso que dele fazemos em nossa vida cotidiana. Uma dessas propriedades comuns consiste em que todos os elementos da linguagem representam algo. Ora, isso supõe duas condições: por um lado, que haja diferenças entre aquilo que representa e aquilo que é representado – sem o que não seria possível distinguir o linguístico do não-linguístico; por outro lado, que haja uma semelhança entre o representante e o representado – sem o que não seria possível a relação de representação entre realidades inteiramente heterogêneas.” (MORENO, Arley. Wittgenstein: os labirintos da linguagem. São Paulo: Moderna, 2000, p. 14).

[5] “(…) a ‘comunicação’ é a ‘transmissão, por um agente emissor, de uma mensagem, veiculada por um canal, para um agente receptor, segundo um código comum e dentro de um contexto.” (CARVALHO, Aurora Tomazini. Curso de teoria geral do direito: o constructivismo lógico-semântico. São Paulo: Noeses, 2010, p.167/168.

[6] “Até Kant, a filosofia do ser; de Kant a Wittgenstein, a filosofia da consciência; e, de Wittgenstein aos nossos dias, a filosofia da linguagem, com o advento do ‘giro linguístico’ e de todas as implicações que se abriram para a teoria da comunicação.” (CARVALHO, Paulo de Barros. Prefácio. In: MENDES, Sônia Maria Broglia. A validade jurídica – pré e pós giro linguístico. São Paulo: Noeses, p. XI.

[7] SCAVINO, Dardo. A filosofia atual: pensar sem certezas. Tradução: Lucas de Brito Galvão. São Paulo: Noeses, 2014, p. XII.

[8] “Na concepção do giro-linguístico não há relação entre palavras e objetos, pois é a linguagem que os constitui. Toda linguagem fundamenta-se noutra linguagem e nada mais existe além dela. Sempre que procuramos o significado de uma palavra ou a justificativa para uma sentença não encontramos a coisa-em-si, nos deparamos com outras palavras ou outras sentenças. É neste sentido que dizemos ser o discurso auto-referente. Por mais que diga, uma linguagem não se reporta a outra coisa senão a outra linguagem. (…) Explicando: uma pessoa, por exemplo, diante do enunciado: “as nuvens são brancas”, pergunta: “que é nuvem?” e depara-se com a sentença: “nuvem é o conjunto visível de partículas de água ou gelo em suspensão na atmosfera”. Em seguida questiona-se: “e que é branco?”, obtendo a resposta mediante outra sentença: “branco é a presença de todas as cores”. Ao indagar, ainda, “por que as nuvens são brancas?”, depara-se com outro enunciado: “as nuvens são brancas porque refletem todas as cores”. E, intrigada por saber “que são cores?”, também se vê diante de mais palavras: “cores são sensações que a onda de luz provoca no órgão de visão humana e que depende, primordialmente, do cumprimento das radiações”. Nota-se que, em momento algum a pessoa deixa o mundo dos vocábulos, é o que denominamos de “o cerco inapelável da linguagem”. (CARVALHO. Aurora Tomazini. Curso de teoria geral do direito – o constructivismo lógico-semântico. São Paulo: Noeses, 2010, p. 31, 32.)

[9] FLUSSER, Vilém. Língua e realidade. 2ª. Ed. São Paulo: Annablume, 2004.

[10] Ibdem, 2012, p. 163.

[11]MIRANDA, Pontes de. O problema fundamental do conhecimento. 2. ed. Rio de Janeiro: Editor Borsoi, 1972, p. 54.

[12] DINIZ, Maria Helena. Compêndio de introdução à Ciência do Direito. São Paulo, Saraiva, 1988, p. 124.

[13] CARVALHO, Paulo de Barros. Direito tributário: Linguagem e método. 3ª Ed. São Paulo: Noeses, 2009, p. 18.

[14] CARVALHO, Paulo de Barros. Direito tributário: Linguagem e método. 3ª Ed. São Paulo: Noeses, 2009, p. 60.

[15] BOBBIO, Norberto. Teoria do ordenamento jurídico. Apresentação: Tércio Sampaio Ferraz Júnior. Tradução: Maria Celeste Cordeiro Leite dos Santos. Revisão técnica: Cláudio De Cicco. Brasília: Editora Universidade de Brasília. 6ª Ed. 1985, p. 31.

[16] CARVALHO, Paulo de Barros. Direito tributário: linguagem e método. 5ª ed. Noeses: São Paulo, 2013. p. 172.

[17]FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo Aurélio Século XXI: o dicionário da língua portuguesa. 3ª Ed. Totalmente rev. e ampl. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1999, p. 512.

[18] MOUSSALEM, Tárek Moysés. As fontes do direito tributário. São Paulo: Max Limonad, 2001, p. 78.

[19] CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de direito constitucional tributário. 20ª Ed., São Paulo: Malheiros, 2004, p. 448.

[20] Hans Kelsen esclarece o processo de positivação e aplicação do direito dizendo que “(…) a aplicação do direito é simultaneamente produção do direito. Esses dois conceitos não representam, como pensa a teoria tradicional uma posição absoluta.” E continua, advertindo que há duas exceções a esse processo simultâneo de aplicação e produção do direito, o qual ocorre com a primeira e com a última norma do sistema, ou seja, a norma fundamental, norma pressuposta, e as normas individuais e concretas, que, outrossim, não produzem outras normas. Diz ele: “Com efeito, se deixarmos de lado os casos-limite – a pressuposição da norma fundamental e a execução do ato coercitivo – entre os quais se desenvolve o processo jurídico, todo ato jurídico é simultaneamente aplicação de uma norma superior, regulada por esta norma, de uma norma inferior.” (HANS, Kelsen. Teoria pura do direito. Tradução: João Baptista Machado. 6ª ed. São Paulo: Martins Fontes, p. 260).

[21] MACNAUGHTON, Charles Willian. Hierarquia e sistema tributário. São Paulo: Quartier Latin, 2011, p. 106.

[22] CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário. 17ª ed. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 489.

[23] “Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: I – exigir ou aumentar tributos sem lei que o estabeleça;”

[24] CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário. 2004, 16ª ed. São Paulo: Saraiva, p. 214.

[25] CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. 2005, 17ª ed., São Paulo: Saraiva, 2005, p. 217.

[26]Art. 153. Compete à União instituir impostos sobre: I – importação de produtos estrangeiros; II – exportação, para o exterior, de produtos nacionais ou nacionalizados; III – renda e proventos de qualquer natureza; IV – produtos industrializados; V – operações de crédito, câmbio e seguro, ou relativas a títulos ou valores mobiliários; VI – propriedade territorial rural; VII – grandes fortunas, nos termos de lei complementar.

[27] Art. 155. Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre: I – transmissão causa mortis e doação, de quaisquer bens ou direitos; II – operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda que as operações e as prestações se iniciem no exterior; III – propriedade de veículos automotores.

[28] Art. 156. Compete aos Municípios instituir impostos sobre: I – propriedade predial e territorial urbana; II – transmissão “inter vivos”, a qualquer título, por ato oneroso, de bens imóveis, por natureza ou acessão física, e de direitos reais sobre imóveis, exceto os de garantia, bem como cessão de direitos a sua aquisição; III – serviços de qualquer natureza, não compreendidos no art. 155, II, definidos em lei complementar.

[29] GAMA, Tácio Lacerda. Competência tributária: fundamentos para uma teoria da nulidade. São Paulo: Noeses, 2009, p. 227/228.

[30]Art. 148. A União, mediante lei complementar, poderá instituir empréstimos compulsórios: I – para atender a despesas extraordinárias, decorrentes de calamidade pública, de guerra externa ou sua iminência; II – no caso de investimento público de caráter urgente e de relevante interesse nacional, observado o disposto no art. 150, III, “b”. Parágrafo único. A aplicação dos recursos provenientes de empréstimo compulsório será vinculada à despesa que fundamentou sua instituição.

[31] Art. 149. Compete exclusivamente à União instituir contribuições sociais, de intervenção no domínio econômico e de interesse das categorias profissionais ou econômicas, como instrumento de sua atuação nas respectivas áreas, observado o disposto nos arts. 146, III, e 150, I e III, e sem prejuízo do previsto no art. 195, § 6º, relativamente às contribuições a que alude o dispositivo. §1º Os Estados, o Distrito Federal e os Municípios instituirão contribuição, cobrada de seus servidores, para o custeio, em benefício destes, do regime previdenciário de que trata o art. 40, cuja alíquota não será inferior à da contribuição dos servidores titulares de cargos efetivos da União. §2º As contribuições sociais e de intervenção no domínio econômico de que trata o caput deste artigo: I – não incidirão sobre as receitas decorrentes de exportação; II – incidirão também sobre a importação de produtos estrangeiros ou serviços; III – poderão ter alíquotas: a) ad valorem, tendo por base o faturamento, a receita bruta ou o valor da operação e, no caso de importação, o valor aduaneiro; b) específica, tendo por base a unidade de medida adotada. §3º A pessoa natural destinatária das operações de importação poderá ser equiparada a pessoa jurídica, na forma da lei. §4º A lei definirá as hipóteses em que as contribuições incidirão uma única vez.

[32] Art. 149-A Os Municípios e o Distrito Federal poderão instituir contribuição, na forma das respectivas leis, para o custeio do serviço de iluminação pública, observado o disposto no art. 150, I e III. Parágrafo único. É facultada a cobrança da contribuição a que se refere o caput, na fatura de consumo de energia elétrica.

[33] BARRETO, Paulo Ayres. Contribuições: regime jurídico, destinação e controle. São Paulo: Noeses, 2006, p. 150.

[34] Art. 195. A seguridade social será financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e das seguintes contribuições sociais: I – do empregador, da empresa e da entidade a ela equiparada na forma da lei, incidentes sobre: a) a folha de salários e demais rendimentos do trabalho pagos ou creditados, a qualquer título, à pessoa física que lhe preste serviço, mesmo sem vínculo empregatício; b) a receita ou o faturamento; c) o lucro; II – do trabalhador e dos demais segurados da previdência social, não incidindo contribuição sobre aposentadoria e pensão concedidas pelo regime geral de previdência social de que trata o art. 201; III – sobre a receita de concursos de prognósticos. IV – do importador de bens ou serviços do exterior, ou de quem a lei a ele equiparar. §1º – As receitas dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios destinadas à seguridade social constarão dos respectivos orçamentos, não integrando o orçamento da União. §2º A proposta de orçamento da seguridade social será elaborada de forma integrada pelos órgãos responsáveis pela saúde, previdência social e assistência social, tendo em vista as metas e prioridades estabelecidas na lei de diretrizes orçamentárias, assegurada a cada área a gestão de seus recursos. §3º A pessoa jurídica em débito com o sistema da seguridade social, como estabelecido em lei, não poderá contratar com o Poder Público nem dele receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios. §4º A lei poderá instituir outras fontes destinadas a garantir a manutenção ou expansão da seguridade social, obedecido o disposto no art. 154, I. §5º Nenhum benefício ou serviço da seguridade social poderá ser criado, majorado ou estendido sem a correspondente fonte de custeio total. §6º As contribuições sociais de que trata este artigo só poderão ser exigidas após decorridos noventa dias da data da publicação da lei que as houver instituído ou modificado, não se lhes aplicando o disposto no art. 150, III, “b”. §7º São isentas de contribuição para a seguridade social as entidades beneficentes de assistência social que atendam às exigências estabelecidas em lei. §8º O produtor, o parceiro, o meeiro e o arrendatário rurais e o pescador artesanal, bem como os respectivos cônjuges, que exerçam suas atividades em regime de economia familiar, sem empregados permanentes, contribuirão para a seguridade social mediante a aplicação de uma alíquota sobre o resultado da comercialização da produção e farão jus aos benefícios nos termos da lei. §9º As contribuições sociais previstas no inciso I do caput deste artigo poderão ter alíquotas ou bases de cálculo diferenciadas, em razão da atividade econômica, da utilização intensiva de mão-de-obra, do porte da empresa ou da condição estrutural do mercado de trabalho. §10. A lei definirá os critérios de transferência de recursos para o sistema único de saúde e ações de assistência social da União para os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, e dos Estados para os Municípios, observada a respectiva contrapartida de recursos. §11. É vedada a concessão de remissão ou anistia das contribuições sociais de que tratam os incisos I, a, e II deste artigo, para débitos em montante superior ao fixado em lei complementar. §12. A lei definirá os setores de atividade econômica para os quais as contribuições incidentes na forma dos incisos I, b; e IV do caput, serão não-cumulativas. §13. Aplica-se o disposto no § 12 inclusive na hipótese de substituição gradual, total ou parcial, da contribuição incidente na forma do inciso I, a, pela incidente sobre a receita ou o faturamento.

[35] “Classificar é distribuir em classes, é dividir os termos segundo a ordem da extensão ou, para dizer de modo mais preciso, é separar os objetos em classes de acordo com as semelhanças que entre eles existam, mantendo-os em posições fixas e exatamente determinadas relações às demãos classes. Os diversos grupos de uma classificação recebem o nome de espécies e de gêneros, sendo que espécies designam os grupos contidos em um grupo mais extenso, enquanto gênero é o grupo mais extenso que contém as espécies. A presença de atributos ou caracteres que distinguem determinada espécie de todas as demais espécies de um mesmo gênero denomina-se “diferença”, ao passo que “diferença específica é o nome que se dá ao conjunto das qualidades que se acrescentam ao gênero para a determinação da espécie (…)”. (CARVALHO. Paulo de Barros. Direito tributário: linguagem e método. 5ª ed. São Paulo: Noeses, 2013, p. 117/118.

[36] GAMA, Tácio Lacerda. Competência tributária: fundamentos para uma teoria da nulidade. São Paulo: Noeses, 2009, p. 226/227.

[37]O regime que está o legislador brasileiro – e qualquer legislador – em matéria tributária é um regime totalmente estabelecido pelo general, que é a Constituição: em tudo, porque o que não está explícito, está implícito (…) O legislador não pode aumentar, diminuir, modificar esses direitos, nem transferir a titularidade desses direitos, nem anular esses direitos, nem anular esses direitos e nem reduzir esses direitos. Logo, ele não tem o que fazer.” (ATALIBA, Geraldo. Lei complementar em matéria tributária. Revista de Direito Tributário nº. 48, São Paulo: RT, 1989, p. 89.).

[38] ATALIBA, Geraldo. Lei complementar em matéria tributária. Revista de Direito Tributário nº. 48, São Paulo: RT, 1989, p. 90.

[39]Art. 146. Cabe à lei complementar: I – dispor sobre conflitos de competência, em matéria tributária, entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios;

[40] ABBAGNANO. Nicola. Dicionário de filosofia. 5ª Ed. São Paulo: Martins Fontes, 2007, p. 173.

[41] TURIN, Roti Nielba. Aulas: introdução ao estudo das linguagens. São Paulo: Annablumme, 2007, p. 50.

[42] GAMA, Tácio Lacerda. Sentido, consistência e legitimação. In: HARET, Florence e CARNEIRO, Jerson (Orgs.) Vilém Flusser e juristas. São Paulo: Noeses, 2009, p. 236.

[43] ADEODATO. João Maurício. Uma teoria retórica da norma jurídica e do direito subjetivo. São Paulo: Noeses, 2011, p. 142.

[44] MECEDO, Alberto. ISS e IPI: a lei complementar e o desenho das fronteiras competenciais. In: SOUZA, Priscila de. (Org). Sistema tributário brasileiro e a crise atual. São Paulo: Noeses, 2009, p. 2.

[45] Cumpre vislumbrar que o Distrito Federal, por cumular a competência tanto dos Estados quanto a dos Municípios, não cria nova classe, apenas cumula classes já existentes. Por isso a existência de somente três classes.

[46] SCHOUERI, Luís Eduardo. Direito tributário. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 257.

[47] Imposto sobre circulação de mercadorias e serviços.

[48] Imposto sobre serviço de qualquer natureza.

[49] Ibdem.

[50] Imposto sobre produtos industrializados.

[51] “Para a teoria dos sistema, no modelo luhmanniano, o direito constitui um sistema autopoiético de segundo grau, tendo adquirido autonomia em face do sistema autopoiético geral, que é a sociedade. Surgem os ordenamentos jurídicos como subsistemas autônomos pela emergência de uma código próprio e diferenciado (lítico/ilícito), pronto para dar estabilidade a um processo equilibrado de autoprodução recursiva, fechada e circular de comunicações exclusivamente jurídicas. Em outras palavras, um sistema autopoiético se qualifica por um perpetuum mobile autorreprodutivo, de modo que seus elementos, seus processos e suas estruturas são construídos a partir do próprio sistema, e não pela influência direta de outros sistemas. (CARVALHO, Paulo de Barros. Direito tributário: fundamentos jurídicos da incidência. 9ª ed. rev., São Paulo: Saraiva, 2012, p. 159/160.

[52] ATALIBA, Geraldo. Lei complementar em matéria tributária. Revista de Direito Tributário nº. 48, São Paulo: RT, 1989, p. 90.

[53] SCHOUERI, Luís Eduardo. Discriminação de competências e competência residual. In: SCHOUERI, Luís Eduardo. e ZILVETI, Fernando Aurélio (Orgs.). Direito tributário – estudos em homenagem a Brandão Machado. São Paulo: Dialética, 1998, p. 112 a 115.

[54] CARVALHO, Paulo de Barros. Direito tributário: linguagem e método. 5ª ed. São Paulo: Noeses, 2013, p. 391/392.

[55] CARVALHO, Paulo de Barros. Direito tributário: fundamentos jurídicos da incidência. 9ª ed. rev. São Paulo: Saraiva, 2012, p.97/98.

[56] VILANOVA, Lourival. Estruturas lógicas e o sistema de direito positivo. 4ª Ed., São Paulo: Noeses, 2010, p. 127.

[57] SCHOUERI. Luís Eduardo. A lei complementar e a repartição de competências tributárias. In: SOUZA, Priscila de. (Org.). Sistema tributário nacional e a estabilidade da federação brasileira. Noeses: São Paulo, 2012, p. 701.

[58] CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário. 16ª ed., São Paulo: Saraiva, 2004, p. 199/200.

[59] CARRAZZA, Roque Antonio. Impossibilidade de conflitos de competência no sistema tributário brasileiro. In: SOUZA, Priscila de. (Org.). Direito tributário e os conceitos de direito privado. São Paulo: Noeses, 2010, p. 1.141.

[60] CARVALHO, Paulo de Barros. A concessão de isenções, incentivos ou benefícios fiscais no âmbito do ICMS. In: CARVALHO, Paulo de Barros. e MARTINS, Ives Gandra da Silva. (Orgs.). Guerra fiscal: reflexões sobre a concessão de benefícios no âmbito do ICMS. São Paulo: Noeses, 2012, p. 151. 

[61] FERRAZ JÚNIOR. Tércio Sampaio. Segurança jurídica e as normas gerais tributárias. Revista de Direito Tributário – 17-18. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, p. 54.

Como citar e referenciar este artigo:
LUCCI, Leonardo. A Lei Complementar como veículo introdutor hábil a mitigar conflitos de competência em matéria tributária. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2018. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/direito-tributario/a-lei-complementar-como-veiculo-introdutor-habil-a-mitigar-conflitos-de-competencia-em-materia-tributaria/ Acesso em: 19 abr. 2024