Direito Tributário

Invasão de empresas por suspeita de fraude tributária

Invasão de empresas por suspeita de fraude tributária

 

 

Kiyoshi Harada*

 

 

    Essa questão das invasões de empresas em busca de provas de fraudes de natureza tributária vem ganhando as manchetes de jornais e revistas. O clima esquentou bastante com as invasões de escritórios de advocacia ligados às empresas sob investigação do fisco. Os ânimos se acirraram, os advogados indignados com a violação do sigilo profissional, resultante da apreensão indiscriminada de computadores, papéis e documentos pertinentes à atividade profissional; membros do Ministério Público e alguns magistrados reafirmando necessidades de buscas e apreensões e condenando a ação da OAB em forma de defesa de suas prerrogativas; os policiais alegando cumprimento de ordens judiciais e necessidade de utilização de algemas como regra geral, porque imprevisível a reação dos que devem ser presos.


     A matéria deve ser tratada à luz de preceitos constitucionais e legais vigentes, sem paixões que vêm contaminando o debate produtivo e democrático.


     Fiscalizar empresas faz parte do poder impositivo, inserindo-se na chamada administração tributária, que é considerada atividade essencial do Estado, a ser exercida por servidores públicos de carreiras específicas, que deverão ter recursos prioritários para sua atuação integrada com os fiscais dos três entes políticos (art. 37, XXII da CF).


     Isso porque tributo é bem público indisponível, inegociável e irrenunciável por vontade do seu titular, por ser fonte principal e regular de receita pública indispensável ao cumprimento das finalidades do Estado que, em última análise, resume-se na realização do bem comum.
     Sempre que o agente administrativo encontrar resistência do fiscalizado, pode requisitar o auxílio policial, independentemente de mandado judicial.


     Terminada a fiscalização e lavrado o auto de infração, quando for o caso, devem ser devolvidos os eventuais documentos ou mercadorias apreendidas como prova material da infração. O autuado terá direito ao contraditório e à ampla defesa, nos termos do art. 5º, LV da CF. Esse direito fundamental não pode ser suprimido, direta ou indiretamente mediante ameaças de sanção penal. Por isso, o art. 83 da Lei nº 9.430/96 proíbe a representação fiscal para fins penais antes da ultimação do respectivo processo administrativo onde o crédito tributário constituído pelo lançamento está sendo discutido.


     O STF tem determinado a suspensão da ação penal por crime contra a ordem tributária, intentada na pendência do processo administrativo tributário. No caso, ficariam suspensos tanto o processo criminal, quanto o prazo prescricional da ação penal, enquanto perdurar o processo administrativo tributário (HC nº 81.611-DF, Rel. Min. Sepúlveda Pertence).


     A Jurisprudência da Corte Suprema não deve ser entendida como absoluto impedimento de qualquer procedimento criminal contra contribuinte que esteja discutindo administrativamente o crédito tributário.


     O exercício do poder investigatório da polícia não está, evidentemente, condicionado à prévia exaustão da via administrativa para discussão do crédito tributário. O que a lei veda e a jurisprudência proíbe é que ao auto de infração lavrado enseje, ipso fato, a representação fiscal para fins penais. Nenhuma lei proíbe a investigação policial antes do lançamento tributário e nem o poderia. Havendo indícios de crime, seja de natureza tributária ou não, é dever da polícia investigar.


     Havendo necessidade de efetuar busca e apreensão de determinados documentos comprobatórios da infração penal deve obter, previamente, o mandado judicial respectivo.
     O mandado de busca deverá conter os requisitos do art. 243 do CPP, o que exclui a possibilidade de mandado genérico, bem como busca no escritório do advogado da empresa investigada salvo para a apreensão de documento que constitua elemento do corpo de delito.
     Execução de mandado judicial não específico, em relação às pessoas e documentos, a ponto de possibilitar buscas em locais que nada têm a ver com os estabelecimentos investigados, como já aconteceu, caracteriza o que a mídia denominou de ‘invasão’. Execução de mandado regularmente expedido pela autoridade judiciária competente, assim entendido aquele que preencher os requisitos do art. 243 do CPP, jamais poderá ser considerada como invasão, mas, cumprimento estrito da ordem judicial.


     O mandado regularmente expedido deve ser cumprido nos termos do art. 245 do CPP, bem como com estrita observância das determinações específicas constantes do mandado. Exorbita das atribuições legais o policial que fizer a busca e apreensão mediante cobertura da imprensa, ignorando a discrição determinada no mandado judicial. Igualmente, exorbita a autoridade judiciária que expedir mandado genérico, bem como o representante do      Ministério Público que o requerer.


     Eventuais excessos praticados pelas autoridades judiciais, policiais e membros do Ministério Público encontram corretivos na lei. Só para circunscrever na esfera cível, as referidas autoridades, pelo excesso que cometerem a pretexto de cumprir a lei, estarão sujeitas à ação de indenização por danos materiais e morais, sem prejuízo de a vítima pleitear indenização contra ente político a que pertencerem ditas autoridades, por via da responsabilidade objetiva prevista no art. 37, § 6º da CF.


     A condenação do ente político no pagamento da indenização, entretanto, de certa forma, representa a ‘condenação’ da própria vítima, autora da ação, considerando que o Estado deve arrecadar por via de tributos os recursos financeiros para fazer face ao pagamento da indenização imposta pelo Judiciário.


     Assim, na ação indenizatória contra o Estado devem ser incluídos no pólo passivo os agentes públicos responsáveis pelos danos decorrentes do excesso praticado, assim entendido a conduta timbrada por culpa, ou dolo em sua modalidade eventual, nos termos da parte final do § 6º do art. 37 da CF. Se o Estado pode promover ação regressiva, em caso de dolo ou culpa do agente público, nada impede de a vítima promover diretamente a ação contra os agentes públicos responsáveis em litisconsórcio passivo, até mesmo por razões de economia processual.


     Contra o Estado bastará o nexo causal entre a ação do agente público e o dano verificado (material ou moral). Contra os agentes do Estado é preciso comprovação do nexo causal entre o dano verificado e a conduta culposa ou dolosa dos agentes públicos.


     Examinada com serenidade essa questão, que se tornou explosiva, conclui-se que não há necessidade de produzir novos instrumentos normativos.


     Não tem sentido, data vênia, a proposta legislativa, apresentada no calor da discussão exacerbada, para regulamentar o uso de algemas. Há exageros da polícia, que sustenta ser regra geral algemar a pessoa a ser presa, para evitar reações imprevisíveis, como se fosse prender um perigoso assaltante ou homicida. O grande número de policiais envolvidos na operação, todos eles fortemente armados, dá ao chefe da operação, que se presume ser um policial experiente, aquela tranqüilidade para avaliar a situação e dispensar as algemas, se for o caso. Outrossim, há exagero da autoridade legislativa, quando se pretende regular a execução de um ato discricionário, que tem por limite a lei. Contudo, a própria lei não poderia, evidentemente, esmiuçar a execução de um ato que, pela sua natureza, insere-se no campo do poder discricionário, sob pena de torná-la inexeqüível.. É como se lei regulamentasse a perseguição policial de um indivíduo flagrado na prática de um crime, ou que a lei regulamentasse a hipótese de o policial atirar em legítima defesa.

 

* Especialista em Direito Tributário e em Ciência das Finanças pela FADUSP.

   Professor de Direito Tributário, Administrativo e Financeiro.

   Presidente do Centro de Pesquisas e Estudos Jurídicos.

   Conselheiro do Instituto dos Advogados de São Paulo.

   Ex Procurador-Chefe da Consultoria Jurídica do Município de São Paulo.

   kiyoshi@haradaadvogados.com.br

   www.haradaadvogados.com.br

 

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Como citar e referenciar este artigo:
HARADA, Kiyoshi. Invasão de empresas por suspeita de fraude tributária. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2009. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/direito-tributario/invasao-de-empresas-por-suspeita-de-fraude-tributaria/ Acesso em: 28 mar. 2024