Direito Tributário

Aplicabilidade da prescrição intercorrente no processo administrativo tributário

Carolina Ribeiro Botelho *

 

 

 

Não obstante a grande maioria da doutrina e jurisprudência pátria defenda a idéia da inaplicabilidade da prescrição intercorrente no processo administrativo tributário, razões serão apresentadas para justificar a plausibilidade de meu posicionamento divergente.

Caracteriza-se a prescrição intercorrente como a perda do direito do sujeito ativo de cobrar o que fora exigido inicialmente com a lavratura do auto de infração, em face do escoamento de determinado prazo, sem a devida manifestação da autoridade competente.

No presente caso, a perda do direito seria do Fisco em cobrar seus “contribuintes”, caso o processo administrativo permanecesse parado, pendente de julgamento, por mais de 5 anos.

Os doutrinadores, ao posicionarem-se contra a sua aplicabilidade, apontam como motivo principal o fato de que, enquanto a decisão não houver sido prolatada de forma definitiva, o débito decorrente deste, permanece suspenso, assim como a prescrição. Este é o posicionamento de doutrinadores como Aliomar Baleeiro e Sacha Calmon Navarro Coelho.

No entanto, restará demonstrado que a suspensão do débito, ao contrário do que aparenta e do que se defende, não inviabiliza a aplicação da prescrição intercorrente e ainda, poderá gerar ao contribuinte graves prejuízos.

Antes de serem apresentadas as razões que justificam a aplicação, torna-se importante realizar uma pequena ressalta acerca da presente hipótese de prescrição: esta se aplica em diversos outros tipos processuais, entre eles, na Execução Fiscal (art. 151, III do CTN e Súmula nº 314, aprovada em 28 de fevereiro de 2006, pelos Ministros da 1ª Seção do STJ1) e em Processos Administrativos como um todo, conforme determina a Lei 9.873/992, sendo que, curiosamente, os Processos Administrativos Tributários forma excluídos desta norma geral3.

Diversos argumentos devem ser observados para motivar a aplicação da prescrição da prescrição intercorrente no processo administrativo tributário, a começar com princípios e prerrogativas Constitucionais.

O primeiro a ser destacado é a garantia a todos do Direito de Petição, expressamente determinado no art. 5º, inc. XXXIV, “a”, da Constituição Federal, no entanto, esta garantia não deve ser observada isoladamente. Posto que, ao analisar a situação fática, onde o contribuinte protocola seu Recurso no prazo legal, bastaria para a Administração efetuar o protocolo com sucesso?

É claro que o simples protocolo não satisfaz a pretensão do Contribuinte, pois é evidente, que, ao procurar a Administração Pública por meio de petição, requer deste, uma resposta – em tempo razoável.

Neste sentido, encontra-se garantido o Direito de Resposta no próprio art. 5º, V da Constituição Federal, e ainda, neste mesmo artigo, após a Emenda Constitucional nº 45, foi instituída, expressamente, a obrigatoriedade de uma duração razoável do processo administrativo ou judicial4.

É certo que existe prazo a ser observado pela Administração Pública para decidir sobre defesas ou recursos administrativos, desta forma prevê o art. 49 da Lei nº 9784/99, que regula o Processo Administrativo no âmbito da Administração Pública Federal:

Art. 49. Concluída a instrução de processo administrativo, a Administração tem o prazo de até trinta dias para decidir, salvo prorrogação por igual período expressamente motivada.

Na realidade atual, admite-se até a extrapolação do prazo previsto, por total impossibilidade de sua observação, em razão do enorme número de Processos Administrativos lavrados, no entanto, resta claro que não deve ser admitida a perpetuação do aguardo pelo contribuinte por uma decisão do órgão competente.

Devem ainda ser observados os Princípios basilares que regem a Administração Pública, como forma de garantir a plena satisfação do direito do contribuinte, entre os princípios que merecem destaque, deve ser observado o princípio da Eficiência – que impõe a todo agente público o dever de realizar suas atribuições com presteza, perfeição e rendimento funcional.

Questiona-se assim, como se garantiria a aplicação da Prescrição Intercorrente, já que a mesma não está prevista de forma expressa em qualquer Legislação específica referente ao Processo Administrativo Tributário?

O i. Professor assistente no Curso de Pós-Graduação “Lato Sensu” em Direito Tributário da PUC/SP, Mestrando em Direito Tributário pela PUC/SP, Marcos Rogério Lyrio Pimenta, solucionou a presente omissão da seguinte forma:

… não existe previsão expressa de prescrição intercorrente. Todavia, o Código Tributário Nacional, em seu art. 108, I, prevê o uso da Analogia para a aplicação da legislação tributária, na ausência de disposição expressa.

Assim sendo, pensamos que neste caso podemos aplicar o art. 174 do Código Tributário Nacional combinado com o art. 5º do Decreto n. 20.910/32. Esclarecemos melhor.

Dispõe o art. 174 do CTN que o Fisco dispõe do prazo de 5 anos para exercer o seu direito de cobrança . O art. 5º do Decreto n. 20.910/32 estabelece que “não tem efeito de suspender a prescrição a demora do titular do direito ou do crédito ou do seu representante em prestar esclarecimentos que lhe forem reclamados ou o fato de não promover o andamento do feito judicial ou do processo administrativo durante os prazos respectivamente estabelecidos para a extinção do seu direito à Ação ou Reclamação.

Ora, se a negligência do contribuinte, nos termos que determina o dispositivo supra, não suspende o sue prazo de acionar a Administração, do mesmo modo, pensamos que a desídia do Fisco em decidir o processo Administrativo tributário, também, não deve sustar o prazo para a cobrança.”

Em análise à Lei 20.910/32, observa-se que o mencionado art. 5º foi revogado pela Lei nº 2.211/31.05.1954, no entanto, a Lei 4.597/42, que também dispõe sobre o direito de Ação do Contribuinte contra o fisco, estabeleceu em seu artigo 3º:

Art. 3º A prescrição das dívidas, direitos e ações a que se refere o decreto n. 20.910, de 6 de janeiro de 1932, somente pode ser interrompida uma vez, e recomeça a correr, pela metade do prazo, da data do ato que a interrompeu, ou do último do processo para a interromper; consumar-se-á a prescrição no curso da lide sempre que a partir do último ato ou termo da mesma, inclusive da sentença nela proferida, embora passada em julgado, decorrer o prazo de dois anos e meio.

Desta forma, os argumentos expostos pelo i. doutrinador acima citado permanece válido, bastando apenas a mudança da Lei a que se faz referência.

Em consonância com o cabimento da mencionada Prescrição, decidiu de forma isolada o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro:

Imposto – Lançamento – Recurso – Exigibilidade Suspensa – Prazo Prescricional Intercorrente – Preliminar Acolhida.

O lançamento do crédito tributário importa a sua constituição definitiva.

O recurso administrativo suspende sua exigibilidade, interrompendo, por isso, a prescrição. Se porém, o aparelho fiscal não decide o recurso a tempo, deixando transcorrer espaço de tempo superior ao do prezo prescricional, ocorre a prescrição intercorrente. (Embargos Infringentes na Apelação Cível 16.246 – Duque de Caxias – 2º Grupo de Câmaras – Rel. Dês. Orlindo Elias.)

Ainda como jurisprudência referente ao caso, destaca-se:

Acórdão: Origem: TRF – PRIMEIRA REGIÃO
Classe: AC – APELAÇÃO CIVEL – 9401323836
Processo: 9401323836 UF: MG Órgão Julgador: TERCEIRA TURMA
Data da decisão: 16/10/1998 Documento: TRF100072320

DJ DATA: 12/2/1999 PAGINA: 181

Relator: JUIZ LUIZ AIRTON DE CARVALHO

Decisão: Por unanimidade, negar provimento à apelação.

Ementa: TRIBUTÁRIO. NOTIFICADO O LANÇAMENTO EX OFFICIO, INOCORRE A DECADÊNCIA. INÍCIO DA CONTAGEM DO PRAZO PRESCRICIONAL, APÓS A CONSTITUIÇÃO DEFINITIVA DO CRÉDITO PREVIDENCIÁRIO. APRESENTAÇÃO DE RECURSOS ADMINISTRATIVOS. DEMORA NO JULGAMENTO DO RECURSO.

OCORRÊNCIA PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE. APELAÇÃO DESPROVIDA. SENTENÇA CONFIRMADA.

3 – Todavia, se a autoridade fiscal demora mais de 5 anos para julgar o recurso administrativo contra o lançamento, ocorre a prescrição intercorrente.

4 – Apelação desprovida.

5 – Sentença confirmada.

Manifesta-se ainda, o Doutor Djalma Bittar, advogado, professor de Direito Tributário da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e Juiz do Tribunal de Impostos e Taxas de São Paulo, em Texto editado na 72ª edição da Revista Dialética de Direito Tributário (2001,18-22):

E a primeira norma que nos vem à mente é a do art. 179 do Código Civil em que os melhores doutrinadores asseveram que, “na sistemática do Código não existe ação imprescritível”.

Partindo desse enunciado, voltamos o nosso pensamento para o art. 173 do mesmo Código Civil que assim dispõe:

A prescrição interrompida recomeça a correr da data do ato que a interrompeu, ou do último do processo que a interromper.”

Somos dos que pensam que a jurisprudência do Supremo Tribunal é acertada, principalmente hoje diante do texto do art. 173 que comentamos e mesmo porque nenhuma parte do Cód. Civil se encontra dispositivo onde se infira que a contestação da lide perpetuará as Ações (Cfr. Clovis Bevilaqua, ob. Cit., nº 150).

Resulta daí que, se a demanda para seu andamento, o prazo da prescrição começa a correr e será igual o prazo da prescrição da ação…”

Portanto, se nos afigura sem qualquer receio de atentar contra a metodologia científica que deve atentar contra a metodologia científica que deve orientar a tese ora defendida, que o art. 73 do Código Civil serve de substrato para que o enunciado prescritivo relativo à prescrição intercorrente no processo administrativo possa ser admitido sem maiores ressalvas.”

Por fim, ainda que nenhum apontamento se faça na legislação, nem tão pouco na doutrina ou jurisprudência pátria, entende-se que este ponto seja de extrema relevância de modo a favorecer o entendimento pelo cabimento da prescrição intercorrente, qual seja, será que a suspensão da exigibilidade do débito isenta de forma plena qualquer prejuízo que o Contribuinte pudesse ter em razão do questionado crédito tributário?

Opina-se: a suspensão dos efeitos da exigibilidade não ocorre de sua forma plena, explica-se:

Quando um débito permanece com sua exigibilidade suspensa, este continua a ser atualizado monetariamente, utilizando-se o Fisco de índices extremamente altos de correção, o que acarreta um grande aumento do valor do débito, do momento da lavratura do auto de infração à decisão definitiva proferida pela Autoridade Fiscal.

Quantum este, certamente superior a qualquer rendimento de poupança, aplicações e ainda, o valor deverá ser pago de uma única vez, em prazo exíguo existente entre a decisão e notificação para pagamento. Caso não realizado o pagamento no prazo legal, o débito seja inscrito em dívida ativa, oportunidade em que o Contribuinte passará a sofrer inúmeras restrições em sua vida.

No mais, acrescenta-se à questão o seguinte questionamento: não seria um constrangimento ao Contribuinte, que está discutindo a legalidade, a liquidez, ou qualquer outro aspecto do crédito tributário ou de obrigação acessória que lhe está sendo cobrada, ter constante em seu extrato perante o órgão a relação com o número do processo e o valor supostamente devido?

Acreditar em uma resposta negativa seria evidentemente inviável. Por exemplo, em se tratando de um comerciante, no momento em que irá efetuar um contrato ou participar de uma licitação, deverá apresentar uma certidão negativa de débito, que neste caso, será uma certidão positiva com efeitos negativos – onde os débitos e processos pendentes estarão elencados.

Pelo exposto, imaginar que o contribuinte tenha que permanecer por tempo indeterminado, aguardando uma decisão da Autoridade Fiscal seja um ato legítimo, pela simples justificativa de que a exigibilidade do débito encontra-se “suspensa” é uma postura inaceitável.

Notas de rodapé convertidas

1 Súmula 314: Em execução fiscal, não localizados bens penhoráveis, suspende-se o processo por um ano, findo o qual inicia-se o prazo da prescrição qüinqüenal intercorrente.

2 Art. 1º:

§ 1º Incide a prescrição no procedimento administrativo paralisado por mais de três anos, pendente de julgamento ou despacho, cujos autos serão arquivados de ofício ou mediante requerimento da parte interessada, sem prejuízo da apuração da responsabilidade funcional decorrente da paralisação, se for o caso.

3 Art. 5o O disposto nesta Lei não se aplica às infrações de natureza funcional e aos processos e procedimentos de natureza tributária

4 LXXVIII- a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação.

* Advogada área civel empresarial. Pós Graduanda em Civil e Processo Civel do Ciesa

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Como citar e referenciar este artigo:
, Carolina Ribeiro Botelho. Aplicabilidade da prescrição intercorrente no processo administrativo tributário. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2008. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/direito-tributario/prescricao-intercorrente-administrativo/ Acesso em: 20 abr. 2024