Direito Tributário

Imunidade do livro

Imunidade do livro

 

 

Kiyoshi Harada*

 

 

1. Introdução

 

     A imunidade tributária é um tema bastante amplo, abarcando desde a imunidade recíproca das entidades componentes da Federação até as chamadas imunidades genéricas, em suas variadas espécies.

 

     Abordaremos neste artigo apenas a imunidade do livro e do papel destinado a sua impressão que está previsto no art. 150, VI, d, da CF nos seguintes termos:

 

Art. 150 – Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:

………………………………………

VI – instituir impostos sobre:

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d) livros, jornais, periódicos e o papel destinado a essa impressão.

 

      Nessa abordagem iremos enfrentar a questão da imunidade do livro eletrônico e procurar desfazer a aparente contradição existente na doutrina que consagra, ao mesmo tempo, o caráter objetivo da imunidade do livro e a sua extensão ao livro eletrônico, um bem imaterial.

 

 

2. Conceito

 

     Convém, antes de mais nada, conceituar o que seja imunidade. A imunidade, à quase unanimidade da doutrina abalizada, é uma limitação constitucional do poder de tributar.

     De fato, a doutrina especializada não foge do ensinamento de Aliomar Baleeiro, o pioneiro em proclamar o caráter de limitação do poder de tributar, em sua obra monumental válida até hoje ( Limitações constitucionais ao poder de tributar. Rio de Janeiro : Forense, 1951). Senão vejamos:

 

     Ruy Barbosa Nogueira ensina que a imunidade é categoria constitucional, é precisamente limitação de competência, mais genericamente, é exclusão do próprio poder de tributar ( Curso de direito tributário , 9ª edição. São Paulo : Saraiva, 1989, p. 172).

 

     Para Hugo de Brito Machado, imunidade é o obstáculo decorrente da regra da Constituição à incidência de regra jurídica de tributação. O que é imune não pode ser tributado. A imunidade impede que a lei defina como hipótese de incidência tributária aquilo que é imune. É limitação de competência ( Curso de direito tributário. São Paulo: Malheiros, 1995, p.190).

 

     Ives Gandra da Silva Martins escreve que as imunidades, no direito brasileiro, exteriorizam vedação absoluta ao poder de tributar nos limites traçados pela Constituição ( Imunidades tributárias (coord.) São Paulo: Revista dos Tribunais, 1998, p. 31).

     Roque Antonio Carrazza, por sua vez, prescreve que a imunidade tributária é um fenômeno de natureza constitucional. As normas constitucionais, que, direta ou indiretamente, tratam do assunto fixam, por assim dizer, a incompetência das entidades tributantes para onerar, com exceções, certas pessoas, seja em função de sua natureza jurídica, seja porque coligadas a determinados fatos, bens ou situações ( Curso de direito tributário, 9ª edição, São Paulo: Malheiros, 1997, p. 399).

 

     Para Misabel Abreu Machado Derzi a imunidade é regra constitucional expressa (ou implicitamente necessária), que estabelece a não-competência das pessoas políticas da Federação para tributar certos fatos e situações, de forma amplamente determinada, delimitando negativamente, por meio de redução parcial, a norma de atribuição do poder tributário. A imunidade é, portanto, regra de exceção e de delimitação de competência, que atua, não de forma sucessiva no tempo, mas concomitantemente ( Anotações atualizadoras, in Baleeiro, Aliomar, Direito tributário brasileiro. Rio de Janeiro : Forense, 11ª edi., 2000, p. 116).

     Para Ricardo Lobo Torres a imunidade é limitação do poder de tributar fundada na liberdade absoluta, tendo por origem os direitos morais e por fonte a Constituição, escrita ou não; possui eficácia declaratória, é irrevogável e abrange assim a obrigação principal que a acessória ( Os direitos humanos e a tributação – Imunidades e isonomia. Rio de Janeiro, Renovar, 1995, p. 400).

 

     Esse renomado autor, ao fundar a imunidade na liberdade de expressão, valor preexistente, abrangido pelo legislador constituinte, sustenta a sua irrevogabilidade, inserindo-a no rol das cláusulas pétreas (art. 60, § 4º, IV da CF). O STF deu acolhida a essa tese, quando invalidou o dispositivo da EC nº 3/94 que excepcionou o IPMF da regra de imunidade contida no art. 150, VI da CF (Adim 939-7, Rel. Min. Sydney Sanches, T. Pleno, RDA – 198/123). Registre-se, outrossim, que a imunidade só se refere à obrigação principal, e não à obrigação acessória como dá a entender o texto acima transcrito, que nos parece truncado.

 

     Para nós, a imunidade tributária é um instituto de natureza constitucional, destinado a restringir o exercício do poder tributário do Estado. Como limitação constitucional é uma vedação, uma inibição para o exercício do poder impositivo do Estado. A Constituição Federal, ao proceder a repartição do poder de tributação, pelo mecanismo da competência tributária, colocou fora do campo de tributação reservado a cada ente político (União, Estados, Distrito Federal e Municípios) certos bens, serviços ou pessoas. A Carta Política, sub-limitou , pois, o campo de tributação, por meio da imunidade. Em outras palavras, cada ente tributante já recebeu a competência tributária de forma restrita não a podendo exercer em relação aos bens, pessoas e serviços considerados imunes.

 

     Daí a precisa lição de Rubens Gomes de Souza para quem uma hipótese especial de não incidência é a imunidade ( Compêndio de legislação tributária , 4ª edição. São Paulo : Resenha Tributária, p.71). No mesmo sentido Amilcar de Araújo Falcão para quem a imunidade é uma forma qualificada ou especial de não-incidência, por supressão, na Constituição, da competência impositiva ou do poder de tributar, quando se configuram certos pressupostos, situações ou circunstâncias previstas pelo estatuto supremo ( Apud Ruy Barbosa Nogueira, ob. cit. P. 171).

 

     Acrescente-se que, por força do disposto no § 7º do art. 195 da CF, as entidades beneficentes de assistência social são imunes em relação à contribuição para a seguridade social. Com isso rompeu-se a longa tradição de circunscrever a imunidade tributária à espécie impostos.

 

     Depreende das conceituações acima que a imunidade é uma forma de limitação do poder de tributar.

 

     É preciso esclarecer, contudo, que essa limitação ao poder de tributar deve ser expressa , deve traduzir-se por um princípio expresso como está no art. 150, VI, d, em relação à imunidade. Alguns princípios, notadamente, os de natureza geral, não estão expressos, isto é, não são traduzidos em normas. Não é o caso da imunidade tributária, que é uma limitação constitucional do poder de tributar, em forma de princípio expresso na Carta Política, dirigido ao legislador infraconstitucional das três esferas impositivas.

 

 

3. Distinção entre limitações e princípios

 

     Alguns autores negam à imunidade o caráter de limitação ao poder de tributar, situando-a como um princípio tributário. Enquanto as limitações constitucionais impõem restrições ao exercício do poder impositivo estatal, os princípios constitucionais tributários serviriam para veicular as diretrizes positivas, isto é, apontar um norte para elaboração ou aplicação de normas tributárias materiais. Logo, o campo de abrangência dos princípios constitucionais tributários seria bem maior do que o das limitações constitucionais.

 

     Na verdade, não há razão para essa discussão entre o campo das limitações constitucionais e o campo de atuação dos princípios tributários para conceituar o que seja imunidade . Sem razão, também, as demais distinções feitas por alguns autores entre imunidades e proibições ou vedações constitucionais; imunidades e direitos fundamentais etc., na verdade, com todas as vênias, desnecessárias à conceituação da imunidade tributária como uma limitação do poder de tributar.

 

     A própria Constituição Federal situa os princípios tributários, dentre os quais, a imunidade tributária, na Seção 1I, concernente a ‘Limitações do Poder de Tributar’, com exceção do princípio da capacidade contributiva inserido na seção I, concernente a princípios gerais. A doutrina de abalizados autores, nem todos citados para abreviar a matéria, como vimos, também, não foge do ensinamento de Aliomar Baleeiro.

 

     As limitações do poder de tributar constituem o gênero de que são espécies os princípios tributários enumerados nos artigos 145, § 1º, 150, incisos I a VI e 151, incisos I a III da CF. Se vários são os princípios tributários, parece óbvio, um não pode confundir-se com outro. Da mesma forma, se cinco são as espécies tributárias, cada uma difere da outra, embora pertençam todas elas ao gênero tributo. Lamentavelmente, na prática judiciária não é assim: basta dar à determinada espécie condenada pela doutrina e jurisprudência, uma roupagem jurídica nova, para imediatamente validar aquele tributo condenado. É o caso do IPMF/CPMF; da Taxa de iluminação/Contribuição de iluminação; agora, surge o segundo imposto de renda dos inativos com o nome de contribuição previdenciária dos inativos.

 

     A imunidade é um princípio tributário expresso no art. 150, VI da CF, sendo evidente que não pode se confundir com outros princípios tributários como, por exemplo, com aquele previsto no art. 151, I da CF, que proíbe a União de instituir tributo que não seja uniforme em todo o território nacional, que tem fundamento no regime federativo. Aquele princípio, a exemplos de outros, também, integra a categoria de limitações ao poder de tributar.

 

 

4. Inexistência de imunidade implícita

 

     Não há imunidade implícita como querem alguns autores. O que existe são os direitos e garantias fundamentais implícitos, além daqueles enumerados no art. 5º da CF, por força de expressa disposição do seu § 2º. São exatamente esses direitos e garantias fundamentais expressos e outros que decorrem do regime e dos princípios adotados pela Carta Magna, que levou o legislador constituinte a criar um escudo de proteção dos contribuintes, prescrevendo inúmeros princípios tributários expressos, que no seu conjunto, formam o sistema de limitações do poder de tributar, onde se insere a imunidade, a vedação do efeito confiscatório, a isonomia, a uniformidade geográfica, a capacidade contributiva etc.

 

     No caso de imunidade do livro, a limitação imposta pela Carta Política tem fundamento na disposição expressa no art. 5º, IV da CF, que assegura a livre manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato . Se não existisse esse preceito do inciso IV, nem por isso a imunidade do livro deixaria de ser considerada pelo legislador constituinte , pois, a livre manifestação do pensamento é valor inerente a todo regime político que consagra o Estado Democrático de Direito, como expresso no art. 1º de nossa Carta Magna.

 

     É preciso ter em mente a escala de concreção do direito. Em primeiro plano temos os valores; e em segundo plano vem os princípios que se situam entre os primeiros e as normas munidas de sanção. Os princípios representam o marco inicial na escala de concreção do direito; por isso são munidos do elevado grau de abstração a exemplo de normas gerais. Muitos dos princípios são traduzidos por meio de preceitos constitucionais como aqueles destinados a limitar o poder tributário do Estado. Constituem, pois, normas cogentes, cuja inobservância é sancionada com nulidade do instrumento normativo subalterno afrontoso.

 

 

5. A questão da interpretação extensiva do texto constitucional

 

     Um princípio expresso, como o da imunidade tributária, não dá margem à interpretação ampla ou analógica. Se essa limitação ao poder de tributar está expressa na Constituição em forma de imunidade exteriorizada pela norma constitucional retro apontada, parece-nos impossível falar em interpretação extensiva dessa norma.

 

     Outrossim, a palavra ‘livros’ não comporta extensão transformando-os em CD-Rom’s ou Disquetes. Nem a Carta Política, nesse particular, deixou qualquer espaço ou lacuna para que pudesse ser suprida por meio de uma interpretação integrativa.

 

     Se é uma limitação constitucional do poder de tributar, a primeira conclusão que se impõe é que as hipóteses de imunidade não podem ser interpretadas ampliativamente. A imunidade configura uma exceção ao princípio da universalidade e da generalidade da tributação. Em princípio, todos os bens, serviços e patrimônios devem ser tributáveis, assim como, todas as pessoas físicas e jurídicas devem ser contribuintes.

 

     Não tem fundamento científico, data vênia, afirmar que a imunidade por ser um instituto de natureza constitucional interpreta-se de forma mais ampla possível, ao passo que a isenção por ser um instituto de natureza infraconstitucional interpreta-se de forma restritiva, conforme regra expressa no art. 111 do CTN. A omissão do CTN em relação à imunidade nada significa.

 

     É um grande equívoco supor que poderia o Código Tributário Nacional dispor sobre interpretação de princípio tributário expresso na Constituição. Por isso, o capítulo IV do CTN, que dispõe sobre a ‘Interpretação e Integração da Legislação Tributária’ não inclui na expressão ‘Legislação Tributária’ as normas constitucionais de natureza tributária. A Constituição Federal, como Lei das leis, só pode ser interpretada por meio de seus princípios e normas; nunca por meio de normas de natureza infraconstitucional que devem, isto sim, ser interpretadas conforme os textos constitucionais.

 

 

6. O caráter objetivo da imunidade do livro

 

     Conjugando os diversos métodos interpretativos, o literal, o histórico, o lógico-sistemático e sobretudo o teleológico, a doutrina chegou a um consenso quanto ao caráter objetivo da imunidade do livro.

 

     Logo, não seria livro um objeto que não representasse reunião de folhas ou cadernos, soltos ou cosidos, ou montados em capas, como é conhecido tradicionalmente e expresso está no Dicionário Aurélio. Exatamente porque objetivo é imunizar o livro, o seu conteúdo é indiferente; não precisa revestir-se de caráter jornalístico, literário, artístico, científico ou cultural.

 

     Por isso, os catálogos telefônicos, ainda que com inserção de propagandas, encontram-se sob a proteção da imunidade, conforme inúmeras decisões da Corte Suprema: RE 87.049, RTJ 87/611; RE 86.026, RTJ 84/270; RE 71.307, RTJ 61/455; RE 100l.441, RTJ 126/216 e RE 134.071, JSTF 171/58.

 

     Se assim é, como se explica a forte corrente doutrinária, com apoio em jurisprudência, advogando a tese da imunidade do livro eletrônico? Este, embora cumpra a mesma finalidade de livro comum, ainda de forma limitada a contingente de usuários informalizados, não tem enquadramento naquela conceituação tradicional antes referida. Se a imunidade é objetiva, como proclamada pela doutrina, de forma unânime, haveria contradição no fato de enxergar imunidade em relação a um objeto que não fosse livro.

 

     Procuraremos desfazer essa aparente contradição sem entrar em detalhes técnicos distinguindo o livro impresso constituído de átomos, e o livro eletrônico constituído de bits.

 

     A interpretação teleológica do texto do art. 150, VI da CF permitirá explicar a razão de forte corrente doutrinária pró-imunidade do livro eletrônico.

 

 

7. A imunidade do livro eletrônico e de cd-rom’s e disquetes

 

     Segundo os ensinamentos de Aliomar Baleeiro, com que estamos de acordo, o objetivo de imunizar o livro é o de garantir a liberdade de manifestação do pensamento. Na verdade, aquele saudoso autor alinhava, também, o objetivo de amparar e estimular a cultura por meio de livros.

 

     Ora, um livro eletrônico, tanto quanto um livro tradicional, expressa e difunde para o mundo sensorial a manifestação de um pensamento de alguém. O que se tem que fazer é, senão substituir a “cultura gutemberguiana” pela “cultura eletrônica”, ao menos, reconhecer a existência desta última com a mesma finalidade do primeiro.

 

     No dizer de Marco Aurélio Greco, a civilização nos últimos milênios estruturou-se a partir de átomos, porém, na nova civilização em formação o conceito mais relevante não seria mais o átomo, mas sim o bit que traz uma profunda alteração na estrutura das relações e na relevância dos objetos, pois a mensagem se desatrela do mundo físico, passando a ter vida própria, independentemente de estar superposta a átomos ( Imunidades tributárias. Coord. Ives Gandra da Silva Martins. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1998, p. 712).

 

     Assim teríamos dois livros com idêntica finalidade: o ‘livro atomizado’ e o ‘livro bitizado’ ou ‘informatizado’. É a evolução dos tempos, a impor a substituição das coisas pelas mais modernas, eficientes e vantajosas. Na antiguidade, os livros eram manuscritos à pena de aves; depois, impressos e agora, informatizados.

 

     Com o avanço da moderna tecnologia na área da informática, o conceito de livro deixou de considerar o aspecto físico, apegando-se ao objeto cultural, ou seja, o livro passou a ser assim entendido pela sua função básica de transmitir e conservar informações. Com a larga visão que lhe era peculiar, já dizia Aliomar Baleeiro que livros, jornais e periódicos são todos os impressos ou gravados, por quaisquer processos tecnológicos , que transmitem aquelas idéias, informações, comentários, narrações, reais ou fictícias, sobre todos os interesses humanos, por meio de caracteres alfabéticos ou por imagens e, ainda, por signos de Braille destinados a cegos (Limitações constitucionais ao poder de tributar, atualizada por Misabel Abreu Machado Derzi . Rio de Janeiro : Forense, 7ª ed., 2003, p. 354).

 

     Não vemos qualquer razão para desprezar a interpretação do texto constitucional à luz de nova realidade , que deixou de considerar o livro como objeto físico, apegando-se a um conceito ultrapassado, vigente à época de sua elaboração. A legitimidade do direito repousa exatamente no seu caráter dinâmico, muitas vezes, exteriorizado por meio de interpretações à luz da realidade vigente. Aliás, registre-se que a conceituação tradicional do livro é incapaz de traduzir como instrumento de transmissão de idéias, informações, dados, narrativas etc, os livros de registro de atas em branco, por exemplo.

 

     Por simetria à imunidade do livro em seu sentido atual, a jurisprudência estendeu a imunidade sobre todo material destinado à sua impressão, o que abarca todos os materiais e insumos necessários à confecção do jornal, inclusive o maquinário utilizado para tanto (TRF-5ª Região, Ap.Cív. nº 130.578-SE, Rel. Juiz Geraldo Apoliano, 3ª T., DJ de 21-08-98, p. 000683). O STF, por sua vez, consolidando o entendimento no sentido da ampla interpretação da imunidade do livro e do papel destinado a sua impressão, editou a Súmula 657, que assim expressa: A imunidade prevista no art. 150, VI, d, da CF abrange os filmes e papéis fotográficos necessários à publicação de jornais e periódicos.

 

     A Constituição Federal não se limitou a imunizar o livro, mas também, o papel destinado a sua impressão. A razão é simples. Para assegurar a livre manifestação do pensamento por meio de livros é preciso que a sua matéria-prima não seja onerada excessivamente, de forma a impedir o atingimento do fim visado pelo instituto limitador do poder impositivo. Por essa mesma razão, a imunidade do livro eletrônico há de abranger necessariamente os CD-ROMs e Disquetes destinados à gravação do livro virtual. Essas matérias-primas fazem às vezes do papel destinado à impressão do livro comum, como resultado da natural evolução das coisas de que falamos linhas atrás. Realmente, em uma digressão histórica verifica-se que antes do papel existia o papiro, utilizado pelos egípcios. Hoje, temos CD-ROMs e Disquetes como suportes físicos do livro eletrônico. Vistos sob esse ângulo, isto é, com abstração do aspecto físico, CD-ROMs e disquetes confundem-se com papéis destinados à impressão do livro tradicional.

 

     Repetimos que, por considerarmos a imunidade tributária como limitação constitucional do poder de tributar, não advogamos a tese da interpretação ampla, analógica ou extensiva, o que não nos impede de atualizar o conceito das coisas para incluir o livro eletrônico e seu suporte material no campo abrangido por aquela limitação imposta pela Carta Política.

 

 

8. Conclusões

 

     Não há contradição em defender a tese da imunidade objetiva do livro e, ao mesmo tempo, a inserção dos CD-Rom’s ou Disquetes que contenham idéias, informações, narrativas etc. no campo da imunidade. Aqui é importante sublinhar que não se trata de interpretação ampliativa, analógica ou extensiva da imunidade do livro. Trata-se isto sim, de atualizar o conceito de livro , constituído de átomos sob diferentes formas ao longo da história, admitindo e reconhecendo a realidade dos livros constituídos de bits.

 

     A interpretação teleológica do texto constitucional em questão conduz necessariamente à conclusão a que chegamos. Insta registrar que não se trata se interpretação integrativa , pois, não há omissão no texto constitucional que devesse ser suprida pelo intérprete. A imunidade dos livros a que se refere a norma constitucional apontada abarca qualquer tipo de livro enquanto objeto cultural.

 

     Os CD-ROM’s e Disquetes destinados à gravação do livro eletrônico, vistos sob o ângulo da finalidade, isto é, com abstração de seu aspecto físico, estão abrangidos pela imunidade tributária, contida na expressão papel destinado a sua impressão.

 

     Finalmente, reconhecemos e respeitamos a forte corrente doutrinária e jurisprudencial no sentido da interpretação ampla , quando se tratar de buscar o conteúdo de uma norma constitucional. Só que nessa hipótese parece-nos, smj, que não se pode ancorar a imunidade tributária na limitação constitucional do poder de tributar. Norma restritiva, exatamente por refugir da regra geral, não pode ser interpretada ampliativamente.

 

SP, 12.07.04

 

 

* Professor de Direito Administrativo, Financeiro e Tributário. Conselheiro do Instituto dos Advogados de São Paulo. Presidente do Centro de Pesquisas e Estudos Jurídicos. Ex Procurador-Chefe da Consultoria Jurídica do Município de São Paulo.

kiyoshi@haradaadvogados.com.br

 

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Como citar e referenciar este artigo:
HARADA, Kiyoshi. Imunidade do livro. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2009. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/direito-tributario/imunidade-do-livro/ Acesso em: 29 mar. 2024