Direito Tributário

Câmara aprova mais tributos para a classe média

Câmara aprova mais tributos para a classe média

 

 

Kiyoshi Harada*

 

 

“Parlamentos que se afastam dos anseios do povo, que legislam com displicência, ou que são apáticos, preguiçosos, ausentes, são parlamentos que quebram os quadros de seu sistema de referência, violam o imperativo ético que é a razão de ser de sua existência, e perdem o excelso título de representantes políticos do povo ” Golfredo da Silva Telles Jr.

 

     No projeto de conversão da Medida Provisória nº 66/02, que resultou na Lei nº 10.637, de 30-12-2002, foram introduzidas várias disposições inovadoras, dentre as quais, o art. 22, assim redigido:

 

    Art. 22. Fica reaberto, por 120 (cento e vinte) dias a contar da data da publicação desta Lei, o prazo de opção ao Programa de Recuperação Fiscal – Refis, de que trata a Lei nº 9.964, de 10 de abril de 2000, com as alterações promovidas pela Lei nº 10.189, de 14 de fevereiro de 2001.

 

     O art. 56, por sua vez, mediante alteração do art. 15 da Lei nº 9.964/00, determinava a suspensão da pretensão punitiva do Estado, referente aos crimes previstos nos arts. 1º e 2º da Lei nº 8.137, de 27 de dezembro de 1990, e no art. 95 da Lei nº 8.212, de 24 de julho de 1991, durante o período em que a pessoa jurídica relacionada com o agente dos aludidos crimes estiver incluída no Refis.

 

     Ambos os dispositivos foram vetados, porque a reabertura do prazo para opção pelo Refis conflitava com as normas da Lei de Responsabilidade Fiscal e desatendia ao interesse público, à medida em que os excluídos do programa nada, ou quase nada recolheram aos cofres públicos, beneficiando-se, tão somente, da suspensão punitiva do Estado, até mesmo nos casos de denúncias criminais já acolhidas pela autoridade judiciária competente.

 

     Outros dispositivos, dentre os quais, aquele pertinente à utilização do crédito presumido, a ser deduzido da contribuição do PIS/PASEP, pelos produtores e comerciantes de produtos de origem animal ou vegetal (§ 5º do art. 3º), bem como, aquele dispositivo que excluía da incidência de tributos, no âmbito do SIMPLES, o valor de venda, no comércio exterior, de produtos industrializados (art. 48) foram, igualmente, vetados pelo Executivo em função de alargamentos das hipóteses normativas, feitos pelo Legislativo, por meio de Projeto de Lei de Convesão.

 

     Para contornar o inconformismo do Legislativo, que poderia rejeitar os vetos, por maioria absoluta dos votos da duas Casas do Congresso Nacional (§ 4º do art. 66 da CF), se quisesse, foi enviado pelo governo atual, para deliberação do Congresso Nacional, a Medida Provisória nº 107, de 10-2-2003, restabelecendo os dispositivos originariamente previstos na Medida Provisória nº 66/02 (art. 1º), assim como, ampliando as hipóteses de opção pelo SIMPLES (art. 2º).

 

     Acontece que, a exemplo da anterior, essa nova Medida Provisória, também, sofreu modificações pelo Projeto de Lei de Conversão. Esse projeto de conversão, reintroduziu a abertura do prazo para adesão ao Refis, importando na suspensão da pretensão punitiva do Estado, mediante simples inclusão ao programa.

 

     Não se preocupou em distinguir os sonegadores involuntários (aqueles materialmente impossibilitados de pagar os tributos, em face de sua carga excessiva), daqueles sonegadores voluntários que, dolosamente, se apropriaram de tributos, que não lhes pertenciam (tributos retidos na fonte). Mais uma vez, confirmou-se o ditado: o crime compensa. No caso, crime do art. 168-A do Código Penal, que comina pena de reclusão de 2 a 5 anos, sem prejuízo da pena pecuniária.

 

     Parece óbvio, que aqueles maus contribuintes, que dolosamente descumpriram o primeiro Refis (mais de 2/3) irão fazer o mesmo com esse segundo Refis. Para compensar a perda de arrecadação com esse privilégio outorgado aos sonegadores contumazes, nem todos, evidentemente, novamente, o setor de prestação de serviços, onde se concentra a classe média, foi escolhido como bode expiatório. Assim é que, a alíquota da COFINS irá para 4% contra os 3% atuais. E a contribuição social sobre o lucro líquido – CSLL – passará a incidir sobre 32% do faturamento contra os 12% atuais.

 

     O pior é que esse PLC não foi democraticamente debatido e votado pelos nossos parlamentares, como deveria ter sido. Ele foi aprovado, simbolicamente, na Câmara dos Deputados, ao que tudo indica, para não atrapalhar a pauta dos trabalhos legislativos. Ora, se não tiverem feito emendas, para aumentar a carga tributária dos que já estão contribuindo em seus limites máximos, para compensar a anistia conferida a sonegadores, não haveria necessidade de descongestionar a pauta de votações do Congresso. A conversão pura e simples de uma medida provisória não tomaria tanto tempo!

 

     Interessante notar, que enquanto o senhor Ministro da Fazenda declara, em alto e bom tom que, por ora, não será possível reduzir tributos, o que se infere que, também, não haverá aumentos tributários, os partidos políticos que dão sustentação ao governo na Câmara votam a toque de caixa, mais do que isso, simbolicamente, aumentos tributários dos mais injustos e espúrios, sem qualquer fundamento ético-moral. Uma coisa é o governo aumentar tributos para prover necessidades básicas da população; outra coisa bem diversa é o Legislativo emendar e remendar a Medida Provisória para premiar os sonegadores à custa da imposição de mais sacrifícios a um setor ordeiro e trabalhador, que vem cumprindo com suas obrigações tributárias com grande esforço. O episódio é grave, se atentarmos para o fato de que a maioria absoluta das duas Casas Legislativas não quis derrubar o veto aposto ao dispositivo que, agora, foi reintroduzido por votação simbólica. A maneira esperta de legislar não se harmoniza com o processo legislativo, agasalhado pela Constituição Federal, que consagra o Estado Democrático de Direito, fundado, entre outros valores, na cidadania, nos valores sociais do trabalho e da livre iniciativa e no pluralismo político. Até parece que os nossos representantes no Parlamento Nacional estão legislando com a cartilha de MARSHALL, que antes da Emenda V, havia proclamado que o ‘poder de tributar envolve o poder de destruir’, em oposição à tese de HOLMES para quem o ‘poder de tributar envolve o poder de conservar’.

 

     Claudicou, sem sombra de dúvida, a Casa do Povo. Por isso, seus integrantes perderam o excelso título de representantes políticos do povo, como está no preâmbulo.

 

     Ironicamente, caberá ao Senado Federal, uma vez mais, fazer a defesa dos contribuintes, já que o órgão de representação popular, não só, se omitiu, como também, propôs medidas legislativas contra o cidadão-contribuinte. Essa inversão, talvez, seja resultado do número excessivo de deputados federais. Na Câmara Alta, onde o número é menor, setenta e um Senadores, a possibilidade de debates, de estudos, de análises é maior. Agora, debates na Câmara Baixa, é uma tarefa bastante difícil, ainda que conduzida a sessão por um parlamentar experiente. Daí o apelo ao voto de liderança. É o caso de perguntar: se apenas os líderes de partidos votam, porque remunerar tantos deputados? Estamos convencidos de que a qualidade da representação popular tem muito a ver com a quantidade de parlamentares. Se é verdade que, quanto maior a representação, maior é a possibilidade de abrigar, no seio do Congresso Nacional, parlamentares que expressam pensamentos de todos os segmentos sociais, não é menos verdade, que o seu número excessivo inviabiliza o próprio funcionamento do Órgão Legislativo. É matéria para ser considerada na Reforma do Estado, bem como assunto a ser lembrado nas próximas eleições proporcionais.

 

SP, 12.05.03.

 

 

* Especialista em Direito Tributário e em Ciência das Finanças pela FADUSP. Professor de Direito Tributário, Administrativo e Financeiro. Presidente do Centro de Pesquisas e Estudos Jurídicos. Conselheiro do Instituto dos Advogados de São Paulo. Ex Procurador-Chefe da Consultoria Jurídica do Município de São Paulo.

 

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Como citar e referenciar este artigo:
HARADA, Kiyoshi. Câmara aprova mais tributos para a classe média. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2009. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/direito-tributario/camara-aprova-mais-tributos-para-a-classe-media/ Acesso em: 25 abr. 2024