Direito Tributário

Anistia do icm/icms por Decreto

Anistia do icm/icms por Decreto

 

 

Kiyoshi Harada*

 

 

O Decreto nº 48.237, de 13-11-03, concedeu a anistia parcial do icm/icms, relativamente aos débitos oriundos de fatos geradores ocorridos até 31 de julho de 2003.

 

Dispensou-se do pagamento das multas, bem como reduziu os juros em 50%, desde que pagos o valor do débito, devidamente atualizado, até o dia 22 de dezembro de 2003. Os débitos decorrentes exclusivamente de aplicação de penalidades pecuniárias, por descumprimento de obrigações acessórias do icm/icms, por fato geradores ocorridos até 31 de julho de 2003, podem também ser pagos com redução de 70%, até o dia 22 de dezembro de 2003.

 

     Esse benefício alcança os débitos representados por parcelamentos em curso, com exclusão do acréscimo financeiro, previsto para as parcelas vincendas.

 

     A adesão aos termos da anistia parcial implica confissão irretratável do débito fiscal e expressa renúncia a qualquer defesa ou recurso, bem como desistência dos já interpostos. Com isso pretendeu-se não só afastar o vício material na constituição do crédito tributário, como também a prescrição, notadamente, em relação aos débitos do extinto icm.

 

     O mesmo Decreto concedeu, ainda, um parcelamento em até 36 meses, desde que requerido até o dia 15-12-2003 e pago a primeira parcela até o dia 22-12-2003,. Excluiu-se desse regime, os débitos já objetos de parcelamento, os decorrentes de desembaraço aduaneiro e de débitos oriundos do regime de substituição tributária.

 

     Tanto a anistia parcial quanto ao parcelamento do icm/icms têm o nítido propósito de fazer caixa para as despesas do final do ano. Tanto é assim, que no mesmo dia da publicação do Decreto nº 48.237 vários outros decretos foram publicados, referentes a abertura de crédito adicional suplementar em inúmeras dotações consignadas na lei orçamentária anual em curso.

 

     Embora formalmente invocado o art. 100 da Lei nº 6.374/89 e o Convênio ICMS-104/03, o Decreto sob exame padece do vício de inconstitucionalidade e afronta dispositivos da LRF.

 

     De fato, o art. 100 da Lei nº 6.374/89 autoriza o Executivo a conceder parcelamento do imposto, o que é bem diferente da remissão total ou parcial de crédito tributário, matéria inserida no campo da reserva legal (arts. 97, VI e 172 do CTN). Nem se diga que tem amparo no Convênio-104/03, pois esse Convênio extrapolou do âmbito da matéria reservada a celebração de convênios entre Estados membros, limitada às hipóteses de isenção e de revogação da isenção do icms, nos estritos termos do art. 1º da Lei Complementar nº 24 de 7 de janeiro de 1975.

 

     Mas não é só. Essa anistia parcial viola o art. 14 da Lei de Responsabilidade Fiscal (Lei Complementar nº 101/00), por implicar renúncia de receita, sem prévia estimativa de impacto orçamentário-financeiro para o biênio seguinte ao exercício da concessão do benefício; nem atende às normas da Lei de Diretrizes Orçamentárias, por não estar a outorga do favor fiscal acompanhada de medidas de compensação. Nos termos do § 1º, a renúncia compreende anistia, remissão, subsídio, crédito presumido, concessão de isenção em caráter geral, alteração de alíquota ou modificação de base de cálculo que implique redução discriminada de tributos, e outros benefícios que correspondam a tratamento diferenciado. Nos termos do inciso II, do § 3º a proibição de renúncia não se aplica à hipótese de cancelamento de débito cujo montante seja inferior ao dos respectivos custos de cobrança, o que não é o caso sob exame. Em tese, estão vedadas as transferências voluntárias da União para o Estado de São Paulo, pois a instituição, previsão e efetiva arrecadação de tributos constituem requisitos essenciais da responsabilidade na gestão fiscal (art. 11 e parágrafo único da LRF).

 

     Se alguém é dispensado de pagar o tributo devido, outro alguém deverá cobrir essa dispensa, pois as necessidades do Estado não desaparecem com a anistia parcial. Em outras palavras, o benefício outorgado a inadimplentes, com ou sem medida de compensação previamente estabelecida, deverá traduzir-se em elevação da carga tributária geral para todos: adimplentes e inadimplentes, sob pena de desequilíbrio orçamentário.

 

     Esse Decreto, que desperta e alimenta o interesse na sonegação, ainda que com o propósito de fechar as contas do exercício de 2003, é exemplo típico da negação do principal objetivo da LEF, consubstanciado no conteúdo da responsabilidade na gestão fiscal, que consiste ‘na ação planejada e transparente para prevenir os riscos e corrigir os desvios capazes de afetar o princípio do equilíbrio orçamentário, isto é, evitar o déficit público’ (Cf. nosso Responsabilidade fiscal. São Paulo : Juarez de Oliveira, 2002, p. 12). A medida adotada representa mera operação ‘tapa buraco’, para resolver o problema atual e agravar os problemas no futuro. Faltou ao administrador a visão global do aspecto jurídico que envolve a renúncia de receitas públicas de natureza compulsória.

 

SP, 17.11.03

 

 

* Especialista em Direito Tributário e em Ciência das Finanças pela FADUSP. Professor de Direito Tributário, Administrativo e Financeiro. Presidente do Centro de Pesquisas e Estudos Jurídicos. Conselheiro do Instituto dos Advogados de São Paulo. Ex Procurador-Chefe da Consultoria Jurídica do Município de São Paulo.

 

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Como citar e referenciar este artigo:
HARADA, Kiyoshi. Anistia do icm/icms por Decreto. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2009. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/direito-tributario/anistia-do-icmicms-por-decreto/ Acesso em: 28 mar. 2024