Direito Tributário

A Coisa Julgada e o Poder Público

A Coisa Julgada e o Poder Público

 

  

Ives Gandra da Silva Martins*

 

 

Desde o momento em que o governo federal obteve o direito de apropriar-se dos depósitos judiciais, como renda própria, nas discussões em que há contestação da legalidade dos tributos lançados, os recordes de arrecadação têm superado todas as expectativas, sempre, inclusive, maiores do que as próprias previsões governamentais.

 

Tal receita, mesmo quando resta judicialmente demonstrado que foi impropriamente recebida, raramente é devolvida. É que assenhorando-se a União Federal dos recursos dos contribuintes, sempre que estes ganham na justiça, o governo passa a utilizar-se de estratagemas protelatórios, que raramente permitem que a coisa julgada tenha eficácia e gere direitos aos vitoriosos no litígio judicial.

 

Em outras palavras: recebe os valores discutidos antes do julgamento e quando perde o direito de retê-los, passa a opor à decisão embargos de declaração, com efeitos infringentes ou não, com dois objetivos: primeiro, protelar a entrega do que detém indevidamente, contando com a lentidão do Poder Judiciário, que demora anos para apreciar os embargos; segundo, impedir que a questão jurídica transite em julgado, contando com a possibilidade de, no futuro, o Tribunal via a mudar seu entendimento sobre a matéria, e aí não precisará mais devolver os recursos que mantém em seu poder.

 

Desta forma, com embargos protelatórios de declaração, quase sempre buscando efeitos modificativos, a Receita, que já se apropriou de recursos do contribuinte na fase dos depósitos judiciais ou das “penhoras on line”, não devolve o que recebe, e pereniza o estado de insegurança jurídica, impedindo que decisões favoráveis aos contribuintes sejam executadas, ou pelo menos, retardando ao extremo sua execução pela oposição de expedientes processuais protelatórios, que não são atalhados prontamente, pois, com a carga de trabalho que têm, os tribunais superiores levam anos para julgá-los.

 

Argumentam os áulicos do Poder Público que o interesse público está sempre acima do interesse privado da sociedade. A argumentação é falsa, pois o interesse público primário envolvido é a segurança jurídica que advém do cumprimento da lei e da Constituição, e não, que o Estado se aproprie de recursos que não lhe pertencem.

 

Ademais, é público e notório que grande parcela dos tributos são destinados apenas a manter no poder políticos e burocratas – concursados estes ou não – sendo a máquina administrativa do Brasil considerada entre as três mais ineficientes do mundo, segundo relatórios de instituições internacionais. Em outras palavras, o “interesse” que no caso se sobrepõe ao interesse privado é, fundamentalmente, o interesse dos próprios detentores do poder, que não criam riquezas, nem desenvolvimento, muitas vezes mais atrapalhando a sociedade do que incentivando a geração de empregos e progresso.

 

À luz de legislação que o governo consegue fazer aprovar por meios espúrios, sempre contra o cidadão, tanto autorizando a Fazenda Pública a receber sem ter direito assegurado, quanto dificultando a devolução dos recursos, sempre que a isso é obrigada pelo Poder Judiciário, justificam-se todos os recursos protelatórios. Vêem-se, pois, os contribuintes, privados de processo administrativo digno deste nome – após a desfenestração dos Conselheiros versados em direito tributário, que os representavam nos Colegiados Administrativos – a suportar a pior das ditaduras fiscais que a história do Brasil já presenciou, ditadura esta que possibilita recordes de arrecadação, que superam 1/3 do PIB e não 2/5, visto que, em sua nova fórmula, é este composto pela integração dos próprios tributos indiretos na sua determinação!!!

 

Não sem razão, no dia 23/4/2007, a ex-vice presidente do Fundo Monetário Internacional, Ana Krueger, formulou diversas críticas ao governo brasileiro, que impõe pesada carga tributária sobre os brasileiros, com notórios desperdícios, crítica esta estendida à CPMF, considerado por ela o “pior tributo do mundo”.

 

Percebe-se, pois, que o instituto da coisa julgada, que veria garantir os resultados favoráveis aos contribuintes, propiciando-lhes a devolução daquilo que o Fisco, sem causa legítima, tenha recebido previamente, mediante depósitos judiciais e “penhoras on line” – foi nulificado, quando a parte perdedora é o Poder Público. Tornou-se um instituto a ser objeto de discussões nas Academias de Direito ou em tertúlias intelectuais, mas nada garante, na atualidade, em que os processos a favor do contribuinte levam anos para que sejam realmente encerrados – ou, pura e simplesmente, nunca o são.

 

Como se percebe, a Emenda Constitucional n. 45, que veio introduzir o inciso LXXVIII ao art. 5º da CF, para garantir a celeridade processual, tornou-se, talvez, a mais romântica e lírica das formulações da Lei Maior, devendo ingressar no terreno da ficção científica do Direito, concorrendo com a saga do “Senhor dos Anéis”, sem, todavia, ter o final feliz, que Tolkien formulou para sua obra.

 

Não só o sertanejo de Euclides da Cunha era, antes de tudo, um forte. O contribuinte brasileiro merece, certamente, idêntico elogio.

 

 

* Professor Emérito das Universidade Mackenzie e UNIFMU e da Escola de Comando e Estado maior do Exército. Presidente do Conselho de Estudos Jurídicos da Federação do Comércio do Estado de São Paulo, da Academia Paulista de Letras e do Centro de Extensão Universitária – CEU. Site: http://www.gandramartins.adv.br

 

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Como citar e referenciar este artigo:
MARTINS, Ives Gandra da Silva. A Coisa Julgada e o Poder Público. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2008. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/direito-tributario/a-coisa-julgada-e-o-poder-publico/ Acesso em: 29 mar. 2024