Direito Tributário

ISS: tributação de franquia

 

Há dúvida quanto à tributação de franquia (franchising) à luz da Lei Complementar n° 116/2003 que a incluiu na lista de serviços tributáveis, conforme item 17.08.

 

Sobre o conceito de franquia ou franchising assim nos manifestamos:

 

“Modalidade peculiar de contrato mercantil, relativamente nova entre nós, consistente na cessão de uma marca ao franqueado pelo franqueador, para utilização exclusiva em determinada área geográfica, e prestação de serviços de treinamento de pessoal envolvendo fornecimento de máquinas e equipamentos pelo cedente. Normalmente, o franqueador transmite ao franqueado todo Know-How para eficiente exploração da marca cedida. Difere portanto, das modalidades similares de contrato de representação comercial de concessão de venda e de mandato” [01].

 

Esse conceito harmoniza-se com o conceito legal de franquia empresarial previsto no art. 2°, da Lei n° 8.955, de 15-12-1994.

 

Importante observar que o serviço de franquia não estava contemplado na lista de serviços anexa ao Decreto-lei n° 406/68, com a redação dada pela Lei Complementar n° 56/87.

 

O que existia era a previsão de tributação pelo ISS da atividade de “agenciamento, corretagem ou intermediação de contratos de franquia (franchising) e de faturação (factoring)” excetuados os serviços prestados por instituições autorizadas a funcionar pelo Banco Central, conforme item 48 da lista de serviços. Não se tratava da tributação da atividade de franquia, mas a de intermediação, corretagem ou agenciamento que conduza à celebração do contrato de franquia entre as partes interessadas.

 

Essa atividade, que estava no item 48 da lista antiga, encontra-se, atualmente, no item 10.04 da lista anexa à Lei Complementar n° 116/2003 que não se confunde com o item 17.08 da mesma lista, que se refere à própria atividade de franquia.

 

À luz da lista de serviços anterior à Lei Complementar n° 116/2003 floresceram no STJ julgados pela não incidência do ISS nas atividades de franquia:

 

“TRIBUTÁRIO. ISS. “FRANCHISING”.

 

1. Franquia empresarial está conceituada no art. 2º, da Lei nº 8.955/94.

 

2. O referido contrato é formado pelos seguintes elementos: distribuição, colaboração recíproca, preço, concessão de autorizações e licenças, independência, métodos e assistência técnica permanente, exclusividade e contrato mercantil (Adalberto Simão Filho, “Franchising”, SP, 3ª ed. Atlas, 1988, pp. 33/55).

 

3. Compreende-se dos elementos supra que o referido contrato é formado por três tipos de relações jurídicas: licença para uso da marca do franqueador pelo franqueado; assistência técnica a ser prestada pelo franqueador ao franqueado; a promessa e as condições de fornecimento dos bens que serão comercializados, assim como, se feitas pelo franqueador ou por terceiros indicados ou credenciados por este (Glória Cardoso de Almeida Cruz, em “Franchising”, Forense, 2ª ed.).

 

4. É, portanto, contrato de natureza complexa, afastando-se da caracterização de prestação de serviço.

 

5. ISS não devido em contrato de franquia.

 

Ausência de previsão legal. (Resp n° 221577/MG, Relator para acórdão Min. José Delgado, DJ de 3-4-2000, p. 117, RSTJ-134/120)

 

“RECURSO ESPECIAL – CONTRATO DE FRANCHISING – NÃO INCIDÊNCIA DE ISS – PRECEDENTES.

 

“O contrato de franquia não se confunde com nenhum outro contrato, porquanto possui delineamentos próprios que lhe concederam autonomia. Ainda que híbrido, não pode ser configurado como a fusão de vários contratos específicos” (voto-vista proferido por este signatário no julgamento do REsp 189.225/RJ, in DJ de 03.06.2002). Dessa forma, o contrato de franquia não pode ser qualificado como uma espécie de contrato de locação de bem móveis, consoante entendeu a Corte de origem, pois que configura um contrato complexo, autônomo e não subordinado a nenhuma outra figura contratual.

 

Assim, “em obediência ao princípio tributário que proíbe a determinação de qualquer tipo de fato gerador sem apoio em lei, não incide o ISS sobre as atividades específicas do contrato de franquia” (REsp 189.255/RJ, Rel. Min. Peçanha Martins, DJ de 03.06.2002).

 

Recurso especial provido.” (Resp n° 403799/MG, Rel. Min. Franciulli Netto, DJ de 26-4-2004, p. 159, RSTJ 296/206).

 

“TRIBUTÁRIO – ISS – “FRANCHISING” OU CONTRATO DE FRANQUIA – DL 406/68 – LEI Nº 8.955/94 – PRECEDENTES.

 

Não sendo o contrato de franquia uma simples prestação de serviço, mas de natureza complexa, não consta no rol das atividades especificadas pela Lei 8.955/94, para fins de tributação do ISS.

 

Em obediência ao princípio tributário que proíbe a determinação de qualquer tipo de fato gerador sem apoio em lei, não incide o ISS sobre as atividades específicas do contrato de franquia.

 

Recurso especial não conhecido”(Resp n° 189225/RJ, Rel. Min. Francisco Peçanha Martins, DJ de 3-6-2002, p. 169, RSTJ 158/167).

 

“TRIBUTÁRIO. ISS. FRANCHISING. DEC.-LEI Nº 406/68. LEI Nº 8.955/94.

 

1. Acórdão a quo que julgou improcedente ação declaratória cumulada com repetição de indébito ajuizada pela recorrente, insurgindo-se contra a cobrança de ISS, ao argumento de não constar da Lista de Serviços anexa ao Decreto-Lei nº 406/68 (art. 79) a prestação dos serviços de franquia, sendo indevidos os pagamentos que efetuou.

 

2. O art. 2º, da Lei nº 8.955/94, define o contrato de franquia do modo seguinte: “Franquia empresarial é o sistema pelo qual o franqueador cede ao franqueado o direito de uso de marca ou patente, associado ao direito de distribuição exclusiva ou semi-exclusiva de produtos ou serviços, e eventualmente, também ao direito de uso de tecnologia de implantação e administração de negócio ou sistema operacional desenvolvidos ou detidos pelo franqueador, mediante remuneração direta ou indireta, sem que, no entanto, fique caracterizado vínculo empregatício”.

 

3. O “franchising”, em sua natureza jurídica, é “contrato típico, misto, bilateral, de prestações recíprocas e sucessivas com o fim de se possibilitar a distribuição, industrialização ou comercialização de produtos, mercadorias ou prestação de serviços, nos moldes e forma previstos em contrato de adesão”.

 

4. O conceito constitucional de serviço tributável somente abrange: “a) as obrigações de fazer e nenhuma outra; b) os serviços submetidos ao regime de direito privado não incluindo, portanto, o serviço público (porque este, além de sujeito ao regime de direito público, é imune a imposto, conforme o art. 150, VI, “a”, da Constituição); c) que revelam conteúdo econômico, realizados em caráter negocial – o que afasta, desde logo, aqueles prestados a si mesmo, ou em regime familiar ou desinteressadamente (afetivo, caritativo, etc.); d) prestados sem relação de emprego – como definida pela legislação própria – excluído, pois, o trabalho efetuado em regime de subordinação (funcional ou empregatício) por não estar in comércio.”

 

5. […]

 

6. O contrato de franquia é de natureza híbrida, em face de ser formado por vários elementos circunstanciais, pelo que não caracteriza para o mundo jurídico uma simples prestação de serviço, não incidindo sobre ele o ISS. Por não ser serviço, não consta, de modo identificado, no rol das atividades especificadas pela Lei nº 8.955/94, para fins de tributação do ISS.” (Resp n° 222.246/MG, Rel. Min. José Delgado, DJU de 4-9-2000).

 

“PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. AGRAVO REGIMENTAL. ISS. FRANCHISING.

 

DECRETO-LEI Nº 406/68. LC Nº 56/87. LEI Nº 8.955/94. PRECEDENTES.

 

1. Agravo regimental contra decisão que negou provimento a agravo de

 

instrumento.

 

2. O acórdão a quo considerou indevida a tributação, por meio de ISSQN, sobre serviços postais que prestam os recorridos como franqueados da ECT, uma vez que o contrato de franquia não está previsto na lista de serviços da LC nº 56/87.

 

3. O art. 2º da Lei nº 8.955/94 define o contrato de franquia do modo seguinte: “Franquia empresarial é o sistema pelo qual o franqueador cede ao franqueado o direito de uso de marca ou patente, associado ao direito de distribuição exclusiva ou semi-exclusiva de produtos ou serviços, e eventualmente, também ao direito de uso de tecnologia de implantação e administração de negócio ou sistema operacional desenvolvidos ou detidos pelo franqueador, mediante remuneração direta ou indireta, sem que, no entanto, fique caracterizado vínculo empregatício”.

 

4. O “franchising”, em sua natureza jurídica, é “contrato típico, misto, bilateral, de prestações recíprocas e sucessivas com o fim de se possibilitar a distribuição, industrialização ou comercialização de produtos, mercadorias ou prestação de serviços, nos moldes e forma previstos em contrato de adesão”. (Adalberto Simão Filho, “Franchising”, São Paulo, 3a ed., Atlas, 1998, págs. 36/42)

 

5. O conceito constitucional de serviço tributável somente abrange: “a) as obrigações de fazer e nenhuma outra; b) os serviços submetidos ao regime de direito privado não incluindo, portanto, o serviço público (porque este, além de sujeito ao regime de direito público, é imune a imposto, conforme o art. 150, VI, “a”, da Constituição); c) que revelam conteúdo econômico, realizados em caráter negocial – o que afasta, desde logo, aqueles prestados a si mesmo, ou em regime familiar ou desinteressadamente (afetivo, caritativo, etc.); d) prestados sem relação de emprego – como definida pela legislação própria – excluído, pois, o trabalho efetuado em regime de subordinação (funcional ou empregatício) por não estar in comércio.” (Aires F. Barreto, “ISS – Não incidência sobre Franquia”, in Rev. Direito Tributário, Malheiros Editores, vol. nº 64, págs. 216/221)

 

6. O contrato de franquia é de natureza híbrida, em face de ser formado por vários elementos circunstanciais, pelo que não caracteriza para o mundo jurídico uma simples prestação de serviço, não incidindo sobre ele o ISS. Por não ser serviço, não consta, de modo identificado, no rol das atividades especificadas pela Lei nº 8.955/94, para fins de tributação do ISS.

 

7. Precedentes desta Corte Superior.

 

8. Agravo regimental não-provido.” (AgRg no Ag n° 746597/RJ, Rel. Min. José Delgado, DJ de 08/06/2006, p. 134).

 

“TRIBUTÁRIO. ISS. FRANQUIA. EBCT. PRÁTICA DE AGENCIAMENTO. INCIDÊNCIA.

 

1. Não merece reparo o acórdão hostilizado, eis que ausentes as hipóteses do art. 535 do Código de Ritos.

 

2. Esta Corte perfilha o entendimento de que não deve incidir ISS sobre serviços prestados no âmbito do contrato de franquia. Contudo, faz-se a exceção no que se refere à prática de serviços de agenciamento, corretagem e faturação (factoring), eis que expressamente previstos no art. 48 da Lista de Serviços anexa ao Decreto-Lei nº 406/68.

 

3. Recurso especial provido.” (Resp n° 705243/RJ, Rel. Min. Castro Meira, DJ de 12/09/2005, p. 295, RDDT vol. 123, p. 232, Julgamento em 18/08/2005).

 

Por conta desses julgados, parte dos autores de nomeada posicionaram-se contra a tributação da franquia. [02]

 

Não há, ainda, ao que saibamos jurisprudência firmada no STJ à luz da nova lei de regência nacional do imposto sobre serviços de qualquer natureza.

 

A complexidade do contrato de franquia, por si só, não justifica a sua exclusão do rol de serviços tributáveis. Outrossim, os julgados que se ativeram a situações fáticas anteriores ao advento da LC n° 116/2003, também, não servem de parâmetros para sustentar a tese da não incidência do ISS.

 

Segundo a conceituação de início apontada a franquia, por envolver prestação de serviço de treinamento de pessoal e transferência de Know-How, caracteriza-se como produto de esforço humano que resulta em um bem de natureza imaterial. Expressa, pois, uma obrigação de fazer como objeto do contrato, sendo que, a entrega de máquinas e equipamentos ao franqueado não é o objeto principal do contrato.

 

De qualquer forma cabe apenas ao STF decidir definitivamente se a franquia é ou não serviço tributável sendo certo que ele está contemplado no item 17.08 da lista de serviços.

 

Decidir que a franquia não configura serviço tributável pelo ISS equivale a afirmar que o item 17.08 da lista de serviços anexa à LC n° 116/2003 é inconstitucional, razão pela qual o STJ vem negando conhecimento ao recurso especial que se bate pela tese da intributação, conforme se vê da Ementa abaixo:

 

“Processual Civil. Recurso Especial. Tributário. ISS. Franquia (Franchising). Natureza Jurídica Híbrida (plexo indissociável de obrigações de dar, de fazer e de não fazer). Prestação de serviço. Conceito pressuposto pela Constituição Federal de 1988. Ampliação do conceito que extravasa o âmbito da violação da legislação infraconstitucional para infirmar a própria competência tributária constitucional. Incompetência do Superior Tribunal de Justiça. Não conhecimento do Recurso Especial.” (Resp n° 938133, Rel. Min. Luiz Fux, DJE de 30/03/2009).

 

Outrossim, Recursos extraordinários interpostos contra decisões de tribunais que vêm declarando a legitimidade da cobrança do ISS sobre a atividade de franquia pelo prisma infraconstitucional, com fundamento na LC n° 116/2003, Lei n°

 

8.995/94 e na lei local do ISS, também, vêm sendo desprovidos pela Corte Suprema, afastando a alegação de inconstitucionalidade da tributação, porque eventual ofensa à Constituição dar-se-ia de forma indireta, circunstância que impede a admissão do extraordinário.

 

Transcrevamos, para melhor compreensão, a ementa de um desses acórdãos:

 

“EMENTA: AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. TRIBUTÁRIO. ISS. CONTRATO DE FRANQUIA. MATÉRIA INFRACONSTITUCIONAL. LEGISLAÇÃO LOCAL. OFENSA REFLEXA. IMPOSSIBILIDADE EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO.

 

A controvérsia foi decidida com fundamento em legislação infraconstitucional – Lei complementar n. 116/03 e Lei n. 8.955/94 – bem como na legislação local que disciplina a espécie – Lei municipal n. 8.725/03 [Súmula n. 280 do Supremo Tribunal Federal]. Ofensa indireta à Constituição do Brasil.

 

Agravo regimental a que se nega provimento.” (AgRg no RE n° 603.015/MG, Rel. Min. Eros Grau, DJe n° 45 de 11/3/10).

 

No mesmo sentido, RE n° 148.512, Rel. Min. Ilmar Galvão, DJ de 2-8-96; AI n° 157.906-AgR, Rel. Min. Sydney Sanches, DJ de 9-12-94, AI n° 145.680-AgR, Rel. Min. Celso de Mello, DJ de 30-4-93, e o AI n° 583.632-AgR, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ de 17-8-07 e RE n° 571.256-AgR, Rel. Min. Cármen Lucia, DJe de 9-10-09.

 

Como se vê, no STJ o recurso não é conhecido porque aduzida matéria constitucional, ou seja, inconstitucionalidade da tributação do contrato de franquia. No STF o recurso extraordinário é desprovido porque o acórdão recorrido não abordou questão constitucional.

 

Conclui-se, portanto, que, para lograr pronunciamento do STF quanto ao mérito do ISS incidente sobre a franquia, deve ser questionada a exigência tributária, desde o início, argüindo ofensa ao art. 156, III, da CF.

 

 

Notas

 

Conforme nosso Dicionário de direito público, 2ª ed. São Paulo: MP Magalhães, 2005, p. 183.

 

Entre outros, Marçal Justen Filho (ISS e as atividades de franchising, Revista do Direito Tributário, v. 64, p. 250); Aires F. Barreto (ISS- não incidência sobre a franquia, Revista do Direito Tributário, v. 64, p. 223); José Eduardo Soares de Melo (ISS: aspectos teóricos e práticos. 4ª ed. São Paulo: Dialética, 2005, p. 109.

 

 

* Kiyoshi Harada. Advogado em São Paulo (SP). Especialista em Direito Tributário e em Direito Financeiro pela FADUSP. Professor de Direito Tributário, Administrativo e Financeiro. Conselheiro do Instituto dos Advogados de São Paulo. Presidente do Centro de Pesquisas e Estudos Jurídicos. Membro do Conselho Superior de Estudos Jurídicos da Fiesp. Ex Procurador-Chefe da Consultoria Jurídica do Município de São Paulo. Site:www.haradaadvogados.com.br

Como citar e referenciar este artigo:
HARADA, Kiyoshi. ISS: tributação de franquia. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2011. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/direito-tributario/iss-tributacao-de-franquia/ Acesso em: 28 mar. 2024