Direito Tributário

Decreto 5057/2004 – Isenção do PIS/COFINS Importação e Receita Bruta na Atividade da Indústria Farmacêutica

Decreto 5057/2004 – Isenção do PIS/COFINS Importação e Receita Bruta na Atividade da Indústria Farmacêutica

 

 

Antonio Carlos Ariboni*

 

 

A presente análise pretende identificar pontos obscuros do Decreto nº. 5057/2004, DOU de 19/05, que tratou da redução a zero das alíquotas do PIS/COFINS IMPORTAÇÃO e RECEITA BRUTA, para a atividade da indústria farmacêutica, que contrariam as disposições da lei nº. 10.865/2004, com o fito de buscar uma justificativa de alteração seja esta através da edição de novo decreto pelo Poder Executivo federal ou, caso isto não ocorra, mediante a proteção do Poder Judiciário.

 

Essencialmente, dois pontos apresentam dubiedade. O primeiro é a previsão de isenção do PIS/COFINS receita bruta de vendas (considerando-se que a atividade farmacêutica submete-se à sistemática monofásica da Lei nº 10.147/2000 e subseqüentes alterações) e, o segundo, a divulgação da lista de produtos beneficiados com alíquota zero, o Anexo I.

 

Dada a diversidade de legislações, para que se consiga discernir com clareza as mudanças havidas e os motivos pelos quais o Governo Federal editou o Decreto nº. 5057/2004 de 30/04 e sua reedição de 19/05, se faz necessário destrinçar a legislação do PIS NÃO CUMULATIVO; da COFINS NÃO CUMULATIVA e das alterações que referidas leis sofreram com a edição da Lei nº 10.865/2004.

 

 

I- Preliminarmente façamos a transcrição do Decreto nº. 5057, republicado aos 30/05/2004:

 

Decreto nº 5.057 de 30.04.2004 – D.O.U.: 30.04.2004

 

Obs.: Rep. DOU de 19.05.2004

 

Reduz a zero as alíquotas específicas do PIS/PASEP e da COFINS, dos produtos que menciona

 

“O PRESIDENTE DA REPÚBLICA, no uso da atribuição que lhe confere o art. 84, inciso IV, da Constituição Federal, e tendo em vista o disposto no art. 2º da Lei nº 10.637, de 30 de dezembro de 2.002, art. 2º da Lei nº 10.833, de 29 de dezembro de 2.003, e no § 11 do art. 8º da Lei nº 10.865, de 30 de abril de 2.004.”

 

Analisemos preliminarmente os fundamentos jurídicos da edição do decreto presidencial. Traz o intróito do decreto o art. 84, inciso IV da Constituição Federal que atribui ao Chefe do Poder Executivo federal a competência para editar decretos necessários à regulação de leis elaboradas pelo Poder Legislativo. Esta é uma competência constitucional, perfeitamente adequada e que legitima esta norma regulamentaria. Passemos aos fundamentos infraconstitucionais, sendo o primeiro o artigo 2º da lei 10.637. Aqui já temos uma irregularidade formal pois o artigo 2º, sem fazer menção aos §§ que foram acrescentados pelas disposições do artigo 37 da lei 10.865/2004 enseja uma interpretação equivocada do alcance da isenção concedida.

 

Com efeito, o artigo 2º em seu “caput” não sofreu alteração alguma, sua redação é a original da lei 10.637/2002 e textualmente estabelece: “Art. 2º Para determinação do valor da contribuição para o PIS/Pasep aplicar-se-á, sobre a base de cálculo apurada conforme o disposto no art. 1o, a alíquota de 1,65% (um inteiro e sessenta e cinco centésimos por cento).”. A redação do Decreto comete uma atrocidade técnica pois refere-se exclusivamente ao artigo 2º, esquecendo-se o Excelentíssimo Senhor Presidente da República e seu Ministro da Fazenda que referido dispositivo havia sido alterado pelo Congresso Nacional.

 

Ora, se o próprio decreto só menciona o caput do artigo 2º e este, refere-se à base de cálculo e respectiva alíquota de 1,65%, a interpretação primeira do decreto 5057/2004 leva a crer que a base de cálculo do PIS para a indústria farmacêutica e sua respectiva alíquota passou a ser alíquota “zero”. Por outro lado, se adotarmos uma interpretação mais flexível e considerarmos os acréscimos feitos pela 10.865, teremos a seguinte conclusão:

 

Ao artigo 2º acrescentaram-se os seguintes dispositivos de interesse da indústria farmacêutica:

 

“§ 1º Excetua-se do disposto no caput a receita bruta auferida pelos produtores ou importadores, que devem aplicar as alíquotas previstas:

 

(…)

 

II – no inciso I do art. 1º da Lei nº. 10.147, de 21 de dezembro de 2000, e alterações posteriores, no caso de venda de produtos farmacêuticos, de perfumaria, de toucador ou de higiene pessoal nele relacionados;

 

§ 2º (…)

 

Numa primeira análise, da leitura do § 1º combinado com o inciso II, constata-se que a receita bruta auferida pela indústria farmacêutica não poderia utilizar a base e alíquota prevista no artigo 2º (1,65%) mas, a alíquota fixada pela lei nº. 10.147/2000 com a alteração dada pela 10.865/2004 (2,1%).

 

Ocorre que os acréscimos da lei 10.865/2004 não se limitaram ao § 1º. Inseriu-se o § 3º que assim dispôs:

 

“§ 3º Fica o Poder Executivo autorizado a reduzir a 0 (zero) e a restabelecer a alíquota incidente sobre receita bruta decorrente da venda de produtos químicos e farmacêuticos, classificados nos Capítulos 29 e 30, sobre produtos destinados ao uso em laboratório de anatomia patológica, citológica ou de análises clínicas, classificados nas posições 30.02, 30.06, 39.26, 40.15 e 90.18, e sobre semens e embriões da posição 05.11, todos da TIPI” (NR)

 

Veja-se que a mesma irregularidade formal se repete no caso do artigo 2º da 10.833/2003, cujo caput não foi objeto de alteração pela lei 10.865/2004, que manteve a redação original: “Art. 2º Para determinação do valor da COFINS aplicar-se-á, sobre a base de cálculo apurada conforme o disposto no art. 1º , a alíquota de 7,6% (sete inteiros e seis décimos por cento).”

 

O fundamento utilizado pelo Decreto 5057/2004, novamente, leva a uma interpretação dúbia. Efetivamente, se o fundamento é exclusivamente o caput do artigo 2º da 10.833/2003, logo o decreto isenta as saídas, reduzindo a alíquota de 9,9% para “zero”.

 

Da mesma forma que o ocorrido com a 10.637/2002, a 10.833/2004 também teve inseridos §§ a saber:

 

1º Excetua-se do disposto no caput deste artigo a receita bruta auferida pelos produtores ou importadores, que devem aplicar as alíquotas previstas:

 

I – (…)

 

II – no inciso I do art. 1º da Lei nº 10.147, de 21 de dezembro de 2000, e alterações posteriores, no caso de venda de produtos farmacêuticos, de perfumaria, de toucador ou de higiene pessoal, nele relacionados;

 

(…)

 

§ 2º (…)

 

Também aqui se verifica a possibilidade de o Executivo reduzir a alíquota para “zero”.

 

§ 3º Fica o Poder Executivo autorizado a reduzir a 0 (zero) e a restabelecer a alíquota incidente sobre receita bruta decorrente da venda de produtos químicos e farmacêuticos, classificados nos Capítulos 29 e 30, sobre produtos destinados ao uso em laboratório de anatomia patológica, citológica ou de análises clínicas, classificados nas posições 30.02, 30.06, 39.26, 40.15 e 90.18, e sobre semens e embriões da posição 05.11, todos da TIPI.” (NR)

 

Em suma, a lei 10.865/2004 previu e autorizou o Poder Executivo a reduzir a “ZERO” as alíquotas tanto do PIS como da COFINS monofásicos, na venda de produtos farmacêuticos das posições 29 e 30 da NCM. Essa previsão de redução do PIS/COFINS receita bruta acarreta considerável modificação da própria legislação que rege a sistemática monofásica que regula a atividade farmacêutica, constante da lei nº 10.147/2000 e alterações posteriores. De fato, concedida a isenção para os produtos do Anexo I, do Decreto nº 5057/2004, indaga-se: Ter-se-ia extinguido a apuração do PIS e da COFINS monofásicos ? Ou pelo menos, sua aplicação teria sido reduzida de forma significativa ?

 

Com efeito, se imaginarmos que pela lei nº 10.147/2000 a indústria farmacêutica atualmente está obrigada ao pagamento do PIS/COFINS receita bruta sobre os medicamentos constantes da lista negativa e, considerando-se que face as disposições da 10.865/2004, a indústria passa a ter direito ao aproveitamento dos créditos na aquisição de seus insumos, a possível isenção de pagamento na saída levará a surpreendente renúncia fiscal, acarretando ainda para alguns contribuintes excesso de créditos passíveis de compensação com outros tributos federais. Tal redução ou quase extinção das contribuições do PIS/COFINS receita bruta tem reflexos diretos na legislação que cuida dos preços dos medicamentos, impondo uma manifestação por parte da CMED.

 

 

II- Prosseguindo a análise, vejamos o que o decreto propriamente dito estabeleceu:

 

DECRETA:

 

“Art. 1º Ficam reduzidas a zero as alíquotas da Contribuição para o PIS/PASEP e da Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social – COFINS, incidentes sobre a operação de importação e sobre a receita bruta da venda no mercado interno, dos seguintes produtos:

 

I – químicos e farmacêuticos, classificados nos Capítulos 29 e 30 da Nomenclatura Comum do Mercosul – NCM, relacionados no Anexo I;

 

II – destinados ao uso em laboratório de anatomia patológica, citológica ou de análises clínicas classificados nas posições 30.02, 30.06, 39.26, 40.15 e 90.18 da NCM, relacionados no Anexo II; e

 

III – (…)

 

Art. 2º Este Decreto entra em vigor na data de sua publicação, produzindo efeitos em relação aos fatos geradores ocorridos a partir de 1º de maio de 2004.

 

Brasília, 30 de abril de 2004; 183º da Independência e 116º da República.

 

LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA

 

Antonio Palocci Filho”.

 

Lembremos que a lei ordinária previu alíquotas “zero” para a importação e para a receita bruta de venda. O Decreto buscou fundamentos legais tanto na lei 10.637/2002, como na lei nº. 10.833/2003 e na lei nº. 10.865/2004, sendo que todos esses dispositivos legais previram e autorizaram a redução à “zero” tanto na importação como na receita bruta originária da venda.

 

Uma outra irregularidade técnica formal deve ser apontada e que diz respeito aos princípios ativos listados no Anexo I do inciso I do Artigo 1º. O texto do artigo 1º está coerente com a autorização legal conferida pelos artigos 2º e § 3º tanto da lei 10.637 como da lei 10.833, porém a parte final do inciso I e que se refere ao Anexo I, apresenta-se absolutamente incoerente pois se de um lado o dispositivo fala em produtos classificados nos Capítulos tanto 29 como 30, por outro o Anexo I só apresenta lista de princípios ativos que, conforme a NCM só estão classificados no Capítulo 29.

 

Ou seja, a redação dada ao Inciso I desfigura a vontade do legislador pois vincula não só os produtos da Classificação 29, ao Anexo I mas, também, os produtos da Classificação 30, acarretando uma série de dificuldades para o desembaraço dos produtos semi-acabados importados.

 

III- Da imperfeição do Anexo I:

 

A previsão de autorização concedida pelo Congresso ao Poder Executivo Federal para isentar, a seu exclusivo critério, as incidências tanto na entrada (importações) como na saída (venda) do PIS/COFINS importação e do PIS/COFINS receita bruta, atendeu a um pleito da Indústria Farmacêutica que, desde a instituição do PIS e da COFINS não cumulativos já vinha sofrendo aumentos de seus custos em função de submeter-se à sistemática monofásica para apuração do PIS/COFINS, fato este que impedia o aproveitamento dos créditos de seus insumos.

 

Com a previsão de criação do PIS/COFINS importação, os custos decorrentes desse acréscimo da carga tributária repercutiriam de forma desastrosa no preço final dos medicamentos. Para solucionar esse previsível repasse de preços, o Congresso Nacional concedeu a possibilidade do Poder Executivo reduzir e, até mesmo reinstituir as alíquotas dessas duas contribuições sociais. Em atenção à determinação legal, foi baixado o Decreto 5057/2004.

 

A irregularidade formal que apresenta o Decreto e que macula e acaba por distorcer os objetivos do legislador ordinário é a vinculação dos produtos do Capítulo 30 à lista de princípios ativos constantes do Anexo I.

 

Primeiramente deve-se atentar para a forma pouco clara adotada na lista dos produtos classificados no Capítulo 29 e que constam do Anexo I. Num primeiro instante o Decreto havia sido publicado apontando o nome do princípio ativo e sua correspondente posição de classificação na NCM. Posteriormente, sem razões lógicas, na segunda edição de 19/05/2004, as classificações da NCM foram extirpadas, fazendo-se constar apenas o nome do princípio ativo, o que vem acarretando grandes dificuldades de desembaraço aduaneiro, quando o adquirente importa produtos semi-acabados, que se constituem por associações de princípios ativos.

 

Por outro lado, ao se fazer referência no artigo 1º e seu inciso I, aos Capítulos 30 e 29 e posteriormente, limitar a lista aos princípios ativos de classificação 29, acabou-se por criar inequívoca confusão, agravada ainda mais pela retirada da classificação NCM.

 

É flagrante a contrariedade, não em relação aos termos legais previstos nos artigos 2º, § 3º respectivamente das Leis nº. 10.637/2002 e 10.833/2003, mas levando-se em conta os objetivos das isenções previstas pelo legislador ordinário, cujo escopo principal era instituir as novas contribuições incidentes sobre as importações, sem que os aumentos de custos tributários fossem repassados aos preços dos medicamentos.

 

Em suma, a redação do Decreto 5057/2004, no que se refere à vinculação dos produtos químicos e farmacêuticos à lista do Anexo I (que só traz princípios ativos) necessita urgente retificação para estabelecer que a isenção ou alíquota zero aplica-se aos produtos do Capítulo 30 e aos princípios ativos da classificação 29, relacionados no Anexo I.

 

Estas são as considerações que entendíamos importantes na elucidação dos dispositivos normativos em tela.

 

 

* Advogado Consultor Tributário

 

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Como citar e referenciar este artigo:
ARIBONI, Antonio Carlos. Decreto 5057/2004 – Isenção do PIS/COFINS Importação e Receita Bruta na Atividade da Indústria Farmacêutica. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2008. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/direito-tributario/decreto-50572004-isencao-do-piscofins-importacao-e-receita-bruta-na-atividade-da-industria-farmaceutica/ Acesso em: 19 abr. 2024