Direito Tributário

Demanda contratada de potência de energia elétrica e a incidência do ICMS

Demanda contratada de potência de energia elétrica e a incidência do ICMS

 

 

José Benedito Miranda*

 

 

Recentemente, o Min. Teori Albino Zavascki, tendo em vista o elevado número de recursos alçados ao conhecimento do Superior Tribunal de Justiça, em que se controverte acerca da incidência do ICMS sobre a denominada “demanda contratada”, deliberou afetar o julgamento do Recurso Especial nº 960.486 à 1ª Seção, na forma do art. 2º, § 1º, Resolução 08/2008, cuja solução constituirá, então, súmula impeditiva de recursos futuros que versarem a mesma matéria.

 

Na ocasião, abriu oportunidade para os Estados, principais interessados, e para a Confederação Nacional das Indústrias, manifestarem-se, presumindo-se, então, que dentro de poucas semanas a controvérsia estará definitivamente solucionada.

 

Em momento anterior, à mesma seção de direito público fora submetido o julgamento do REsp nº 586.120/MG,  diante da divergência com a jurisprudência até então formada em torno do tema, inaugurada, no âmbito da respectiva Turma, pelo Min. Castro Meira, tendo sido acompanhado, na ocasião, pelos Ministros Humberto Martins e Herman Benjamin.

 

A correta compreensão do tema a ser decidido pressupõe o conhecimento, ainda que sumário, da estrutura tarifária do setor elétrico, a partir da qual fica fácil identificar a natureza jurídica da demanda contratada, uma vez que não é isolado o entendimento de que se trata de aquisição de energia elétrica para formação de uma reserva, fruto do compromisso com o pagamento de um valor mínimo e independentemente do consumo verificado, assumido pelo consumidor intensivo com o único propósito de prevenir-se do risco de ser surpreendido pela eventual insuficiência de energia.

 

A afetação do julgamento da matéria à 1ª Seção decorre, precisamente, da necessidade antevista de corrigir o equivocado entendimento formado em torno do tema.

 

Estudos realizados na década de oitenta revelavam que o perfil de comportamento do consumo ao longo do dia encontra-se vinculado aos hábitos do consumidor e às características próprias do mercado de cada região. No regime tarifário anterior, o sistema convencional utilizado não permitia que o consumidor percebesse os reflexos decorrentes da forma de utilizar a eletricidade, já que não havia diferenciação de preços segunda sua utilização durante as horas do dia e períodos do ano.

 

Embora o consumo de energia varie ao longo das 24 horas do dia, atingindo valores máximos entre as 17 e 22 horas, em que as redes de distribuição assumem maior carga, o sistema de geração de energia deve ter capacidade para suprir o pico de consumo neste horário, denominado “horário de ponta”, gerando para a concessionária maiores custos para atender a crescente demanda dos consumidores.

 

Segundo a agência reguladora do sistema “cada tipo de consumidor usa a rede de maneira diferente durante as horas do dia. Por exemplo, o perfil de consumo (curva de demanda) de um consumidor residencial é diferente do de um grande consumidor industrial. A forma como os consumidores usam a rede tem impacto direto no dimensionamento da rede a ser disponibilizada e, portanto, na necessidade de novos investimentos necessários para viabilizar o consumo”.

 

Por isso, conforme se colhe da literatura especializada, o modelo das condições de fornecimento da energia elétrica e de formação das tarifas, tradicionalmente utilizado, leva em conta os grupos e classes de consumidores de energia elétrica, divididos conforme a tensão de fornecimento (altas, médias e baixas tensões) e a atividade para qual a energia se destina (industrial, comercial, rural, residencial, serviço público e iluminação pública). As características de cada unidade consumidora é que determinam o seu enquadramento na estrutura tarifária.

 

Assim, enquadram-se na modalidade denominada Tarifa Convencional, em que a medição contempla apenas a quantidade da energia consumida no período, os consumidores residenciais e as pequenas instalações industriais e comerciais. São os consumidores atendidos em tensão secundária de distribuição, que celebram contrato de adesão com a concessionária.

 

Já a Tarifa Binômia contempla dois componentes básicos na definição do seu valor: o componente relativo à demanda de potência elétrica e o componente relativo à energia consumida. É a tarifa devida pelos grandes consumidores, ligados em média e alta tensão, cujas curvas de carga das plantas industriais podem variar em função do ciclo de operação previsto para os diferentes setores de produção e do período de funcionamento diário estipulado.

 

O seguinte exemplo fornecido pela Eletropaulo, em sua página na internet, ilustra bem o tema:

Em uma instalação existem 3 lâmpadas coloridas de iluminação de potência de 100 W cada uma. Às 18 horas da tarde você liga a lâmpada vermelha e a deixa ligada. Às 19 horas você liga a lâmpada amarela e mantém a lâmpada vermelha acesa. A partir das 20 horas você mantém as 3 lâmpadas acesas.

 

Cada uma destas lâmpadas representa uma carga (de uma potência especifica de 100 W) que fica solicitando energia do sistema de fornecimento elétrico.

 

No exemplo,  a demanda a cada período seria a seguinte:

 

Às 18 horas: 100 W;

Às 19 horas: 200 W (2X100);

Às 20 horas: 300 w (3X100).

 

Portanto, no caso, a demanda máxima provável seria de 300 KW; diferentemente, o consumo, a seu turno, importaria 600 KWh (100+200+300).

 

O exemplo revela que o sistema elétrico é deve ser dimensionado pela demanda e não pelo consumo de energia. Revela também que o consumo medido da energia elétrica não coincide com a demanda de potência elétrica utilizada no mesmo período.

 

Nesse contexto, para o setor elétrico, conhecer a demanda de potência de energia elétrica necessária para assegurar o simultâneo funcionamento do conjunto dos aparelhos e equipamentos de uma unidade consumidora intensiva é essencial, uma vez que o dimensionamento do sistema elétrico depende não só da quantidade de energia absorvida, mas também da intensidade em que é consumida, denominada demanda de potência, que é a soma das cargas a serem atendidas.

 

 

Natureza jurídica da demanda contratada

 

Como, para atender um intenso consumo de energia, é necessária uma rede de alta potência, com linhas de distribuição que operam em alta tensão e condutores com grandes bitolas, os próprios consumidores, tendo em consideração a soma das potências nominais dos equipamentos elétricos instalados em sua unidade, de que são conhecedores, devem dimensionar e contratar a demanda de potência máxima provável que estimam necessária para que a concessionária possa dimensionar, com segurança, a capacidade da rede de distribuição, para disponibilizá-la (Res. ANEEL nº 456, art. 3º, “c”).

 

Definida pela Agência Reguladora como sendo a “demanda de potência ativa solicitada ao sistema elétrico, que a concessionária se obriga contratualmente a disponibilizar ininterrupta e continuamente para o consumidor, no ponto de entrega, conforme valor e período de vigência ajustados e que deve ser paga, seja ou não utilizada durante o período contratado” (Res. ANEEL nº 456, art. 2º, IX), a potência contratada, que deve corresponder à soma das diversas cargas que serão ligadas simultaneamente em uma instalação, de acordo com as particularidades de uso de cada consumidor, constitui mecanismo fundamental para administrar a segurança e a estabilidade do sistema elétrico.

 

Segundo a ANEEL, “não há como consumir energia elétrica sem que haja a provisão das condições de potência, que pode ser traduzida como a capacidade para suprir o pico de consumo no horário de ponta ou de demanda contratada”.

 

Como se sabe, ao receber a energia elétrica, os equipamentos transformam-na em outra forma de energia. Quanto mais energia é transformada em um menor intervalo de tempo, mais intensa é a potência contratada utilizada e é aí que a demanda de potência utilizada, se não estiver adequadamente dimensionada, pode gerar riscos para o sistema.

 

Embora reconhecida a distinção entre os conceitos de “potência” e “energia”, há entre eles uma íntima relação, pois potência é a energia dividida pelo tempo; reciprocamente, energia é a potência multiplicada pelo tempo. Por isso, quanto mais intenso é o consumo da energia em dado espaço de tempo, maior é a potência utilizada, pois o consumo de energia depende da potência do aparelho em funcionamento e do tempo em que permanece ligado. A intensidade do consumo é ditada, por conseguinte, pela potência dos equipamentos em uso.

 

O consumo medido refere-se ao registro do quanto da energia elétrica foi consumida durante o período de um mês, uma vez que nada mais é do que a quantidade de energia elétrica absorvida por uma instalação, enquanto que a demanda de potência elétrica representa a relação entre energia e tempo, vale dizer, é a medida do fluxo da energia consumida na instalação no período considerado.

Por outro lado, como o sistema elétrico é dimensionado para entregar energia com as características de demandas específicas, previstas em contrato, que, como visto, variam de consumidor para consumidor, é natural que a conta de energia elétrica leve em consideração as duas grandezas que concorrem para a formação da tarifa, que se diz binômia, pois uma reflete a quantidade de energia elétrica consumida  em um dado período de tempo (kWh) e a outra, sua intensidade (ou potência), determinada pela demanda (KW), rateando-se, com isso, os custos de forma proporcional ao impacto que cada grande consumidor causa ao sistema elétrico.

 

Essa segregação dos custos possibilita reconhecer o preço da energia consumida em grande intensidade (alta potência) daquele em que a energia é consumida em pequena intensidade (baixa potência), devendo ambos ser discriminados na fatura de energia elétrica, segundo prevê o Decreto nº 62.724, de 17 de maio de 1968, que, ao estabelecer normas gerais de tarifação para as empresas concessionárias de serviços públicos de energia elétrica, assim dispõe:

 

“Art. 11. As tarifas a serem aplicadas aos consumidores do Grupo A serão estruturadas sob forma binômia, com uma componente de demanda de potência e outra de consumo de energia.

Art. 12. A demanda de potência faturável para as unidades consumidoras do Grupo A será a maior dentre as seguintes:

I – a maior demanda medida, integralizada no intervalo de quinze minutos durante o período de faturamento;

II – a demanda contratada, observado o disposto no art. 18 deste Decreto e no art. 3º do Decreto nº 86.463, de 13 de outubro de 1981.

§ 1º A demanda de potência, bem como o consumo de energia de cada usuário desse grupo, deverão ser verificados, sempre por medição”.

 

A medição da demanda de potência de energia elétrica utilizada, além de possibilitar a identificação do grau de regularidade com que a energia é consumida, permite que se impute àquele que exige dimensionamento maior do sistema elétrico uma tarifa diferenciada, fixada em função das características técnicas e dos custos específicos, provenientes do atendimento aos distintos segmentos de usuários (Lei nº 8.987, de 13.02.95, art. 13). E esse tratamento diferenciado apresenta-se legítimo, segundo se decidiu, em hipótese assemelhada, no REsp 873.647, Relator Min. Humberto Martins.

 

De resto, parece não existir dúvida quanto à legitimidade da cobrança desse componente tarifário, já reconhecida em acórdão da lavra da eminente Ministra Eliana Calmon (REsp nº 609.332), mesmo porque, se a tarifa deve assegurar justa remuneração do capital, os investimentos feitos para atender a demanda de potência contratada devem ser naturalmente computados no valor da tarifa, custos incorridos que são com a boa prestação do serviço que nela necessitam abrigar-se, pois, a ser de outro modo, a tarifa não estaria incorporando todos os componentes que devam concorrer para sua formação. Como é de todos sabido, assim se compõe normalmente o regime tarifário, segundo o magistério de Celso Antônio Bandeira de Mello (“Taxa de Serviço”, in RDT 9/10)

 

Incidência do ICMS – Núcleo de seu fato gerador

 

 

Alguns, pouco preocupados em sindicar a natureza jurídica da demanda de potência, têm examinado a matéria em face da própria hipótese de incidência do ICMS, de que, entretanto, tanto ela como o consumo da energia são ambos meras medidas de sua expressão financeira, integrando, portanto, sua base de cálculo e não o núcleo da materialidade de sua hipótese descritiva.

 

O imposto de que se cuida, segundo o entendimento doutrinário de melhor expressão, tem por hipótese de incidência constitucional a realização de um negócio jurídico de que resulte a mudança de titularidade da mercadoria, aperfeiçoando-se o fato gerador, em se tratando de energia elétrica, com sua entrega no ponto de conexão, definido pela Resolução/ANEEL 456/2000 (art. 9º). Nesse sentido, Ives Gandra da Silva Martins (RDA nº 225, pág. 411). Por conseguinte, a entrega da energia elétrica, mediante sua colocação no ponto de conexão, à disposição do consumidor, é suficiente para exteriorizar a ocorrência do fato gerador do imposto.

 

Por outro lado, como o núcleo da materialidade da incidência reside na expressão “operações”, para Alcides Jorge Costa a afirmativa de Berliri, de que o imposto sobre o valor acrescido é um imposto sobre o consumo e que a conseqüência é a de tornar-se devido apenas quando ocorre o consumo, “resulta da aplicação de um dado econômico a um fato jurídico”, e que, por isso mesmo, “é inaceitável” (“ICM na Constituição e na Lei Complementar”. Editora Resenha Tributária. SP, 1978, pág. 77).

 

Dessa opinião comunga Paulo de Barros Carvalho, para quem está “Corretíssimo o escólio, Berliri edifica suas ponderações utilizando-se de conceitos nitidamente econômicos, inaplicáveis, sem laivos de heresia, à descrição do fenômeno jurídico” (“Hipótese de Incidência do ICM”, RDT, nº 11/12, p. 261).

 

Portanto, as operações é que se constituem no fulcro de toda a preocupação do legislador, devendo, necessariamente, ser também o centro das preocupações dos aplicadores desse imposto, dado que o que se expõe á tributação é o valor da operação que tenha a energia elétrica por objeto e não seu consumo, que podem expressar valores diversos.

 

Afirmar, então, que a incidência do ICMS dá-se com o consumo da energia elétrica implica introduzir na hipótese descritiva do fato gerador do imposto um elemento a ela exógeno, de natureza econômica – metajurídico, portanto – que só se transformaria em jurídico se o legislador constitucional estabelecesse – ele próprio – que o fato gerador é o consumo ou que a incidência do ICMS sobre as operações relativas à circulação de mercadorias somente se aperfeiçoa com seu consumo ou com sua efetiva utilização, em se tratando de demanda de potência.

 

Nesse contexto, a medição da demanda utilizada em cada período só tem interesse para fins de aferição da adequada e regular utilização da demanda contratada, pois seu uso desconforme pode comprometer a segurança do sistema elétrico, prestando-se, ainda, para a determinação do valor devido à concessionária e aplicação, se for o caso, da tarifa de ultrapassagem, que atua como penalidade para quem excedeu o valor contratado. Mas, para efeito de tributação, como se verá, interessa apenas perquirir o valor da operação, isto é, o preço final cobrado com a fatura emitida pela fornecedora da energia elétrica, sobre o qual incidirá o imposto.

 

 

Base de cálculo do imposto

 

Com efeito, em tema de determinação da base de cálculo do ICMS sobre o fornecimento de energia elétrica, interessa apenas o valor da operação, pois, segundo Ataliba, o ICMS onera o negócio jurídico que importa a circulação da mercadoria e não consumo ou a potência utilizada, isoladamente considerados. Excluir, então, do preço cobrado, apenas para efeito de tributação, o componente tarifário relativo à demanda de potência de energia elétrica contratada, equivaleria a mutilar a expressão financeira do fato gerador da obrigação tributária. 

 

Com efeito, de acordo com a inequívoca dicção do art. 13, da Lei Complementar 87/96, a base de cálculo do imposto é, na saída de mercadoria a que se refere o inciso I, do artigo 12, o valor da operação (inc. I), isto é, o valor de que resulta o fornecimento da energia elétrica, ou, por outras palavras, o preço praticado na operação final, por compreender, naturalmente, todos os custos incorridos desde sua produção, pela empresa geradora, até sua entrega ao consumidor, tal como já previa o art. 34, § 9º, do ADCT. Sendo assim ao valor da quantidade de energia elétrica consumida deve ser agregado, então, o valor da demanda de potência, para a formação da base de cálculo do imposto.

 

Se não bastasse, e ainda que o componente tarifário relativo à potência de energia elétrica contratada fosse considerado uma despesa acessória do contrato, dispõe o § 1º, II, “a”, do art. 13, da LC 7/96, que integra a base de cálculo do imposto o valor correspondente a seguros, juros e demais importâncias pagas ou debitadas, o que dá uma exata idéia do campo residual de abrangência da base impositiva do imposto.

 

Por conseguinte, diante do cuidado do legislador em estabelecer a grandeza econômica do fato gerador do ICMS, como sendo o valor da operação, sua base de cálculo não pode, por construção jurisprudencial, sofrer limitações não previstas em lei, em ordem a ficar restrita a um dos elementos que concorrem para a formação do valor da tarifa.

 

Eis porque a generalidade do enunciado legal, “valor da operação”, de que se serve o legislador para eleger a base de cálculo do imposto, sendo por demais ampla, mostra-se capaz de abrigar no campo impositivo do ICMS todos os custos agregados ao valor da energia elétrica desde a geração até sua entrega nas instalações consumidoras, indiscriminadamente, que refletirão o preço final pago pelo consumidor.

 

Não é por outra razão que também as demais despesas cobradas pelo vendedor da mercadoria integram a base de cálculo do imposto, eis que, também nas vendas a prazo, a base de cálculo do ICMS compreende, igualmente, dois componentes distintos, o valor da mercadoria e o dos juros, este último embutido no preço cobrado ou a ele acrescido (AgRg no AG 919.370, AgRg no AG 853.840, AgRg no AG 862.500 e AgRg no REsp nº 818.173, entre inúmeros outros).

 

Além do mais, a contratação da demanda de potência assegura ao consumidor uma franquia de sua utilização até o montante ajustado e a obrigação de seu pagamento, independentemente de sua integral utilização, resulta da política tarifária do setor elétrico, a exemplo do que ocorre nas demais modalidades de prestação de serviços públicos concedidos, sendo pacífica a legitimidade de sua cobrança (AG 10769629, Relator Min. Luiz Fux), – o que afasta mais uma vez a idéia de que a incidência do imposto estaria comprometida apenas com o consumo efetivo da energia elétrica.

Em circunstâncias tais, “É cediço que o fato gerador do ICMS é a saída da mercadoria, considerando-se como base de cálculo o preço da mercadoria fixado na nota fiscal, “ainda que nele esteja incluído valor adicionado em função do diferimento do pagamento – venda a prazo”. (EREsp 234.500/SP, Rel. Min. Teori Albino Zavascki).

 

Eis porque “O componente tarifário de potência é parcela dos custos de fornecimento da energia elétrica”, assegura Ricardo Lobo Torres, em parecer sobre o tema, alojando-se, por conseguinte, no gênero tarifa exigida como contraprestação do fornecimento da energia elétrica e cobrada dos consumidores eletro-intensivos.

 

Como a base de cálculo lógica e típica no ICMS, na hipótese de energia elétrica, é o valor de que decorrer sua entrega ao consumidor, este valor será, por conseguinte, aquele que constituir objeto da fatura emitida pela concessionária, por abrigar naturalmente todos os custos incorridos desde a geração até a entrega do produto.

 

Em suma, sua base imponível deve resultar de ambos os elementos que integram o mesmo e único elemento material, de modo a afirmar, com isso, a objetividade do critério adotado, sem qualquer consideração quanto à demanda utilizada, segundo deixaram consignado, o voto proferido pelo Min. Milton Luiz Pereira, no julgamento do leading case em que se converteu o REsp 222.810/MG, embora vencido, e o voto proferido pelo Min. Castro Meira no julgamento do REsp 520.486/MG.

 

E, realmente, assim deve ser, pois “O ICMS deve incidir sobre o valor real da operação, descrito na nota fiscal de venda do produto ao consumidor” (AgRg/REsp nº 625.001, Relator Min. Castro Meira), documento onde se demonstra a ocorrência da operação de compra e venda, expressando o valor para fins de incidência do ICMS (REsp 137.783, Relator Min. Milton Luiz Pereira).

 

Com efeito, no caso, a expressão financeira da base impositiva do ICMS, dimensão da materialidade da sua hipótese de incidência, é naturalmente revelada na fatura de venda do produto, documento representativo da mudança da titularidade da energia elétrica e versão documental, que a operação subjacente tem por forma de materialização, onde são discriminados os valores das tarifas aplicadas sobre os componentes do consumo e do fluxo da potência utilizada, elementos quantificadores da operação relativa à circulação da energia elétrica.

 

Conclui-se, então, que a controvérsia estabelecida resolve-se, naturalmente, em face da correta compreensão da natureza jurídica da demanda contratada, que, assumindo a feição de um componente da tarifa de energia elétrica, não se confunde com a simples garantia de seu ininterrupto suprimento. Sendo assim, é até mesmo indiferente para a determinação da base de cálculo do imposto saber quais os elementos que o integram e concorrem para a formação do valor da tarifa cobrada pela concessionária, eis que se trata de tema de cunho administrativo, que diz respeito ao regime de remuneração da concessionária do serviço concedido, sem reflexos tributários imediatos.

 

Observa-se, ademais, que, se procedente a ação, da decisão proferida adviria um quadro curioso: afastada a exigência do ICMS, a concessionária, conquanto contribuinte do imposto devido pelo fornecimento da energia elétrica e obrigada a seu recolhimento – e terceiro em relação à lide – passaria, não obstante, a usufruir o direito postulado por outrem, forrando-se, por arrastamento, do pagamento do tributo, conquanto a sentença não possa beneficiar ou prejudicar quem não seja parte no processo (CPC, art. 472), não sendo dado a quem quer que seja postular, em nome próprio, direito alheio, visto que, em caso afirmativo, estaria atuando ao arrepio da vedação posta pelo art. 6º, do CPC.

 

Finalmente, observa-se que a exclusão do componente tarifário da base de cálculo do imposto, nas aquisições feitas pelos grandes consumidores, significa dispensar-lhes tratamento privilegiado, pois os demais, inclusive os residenciais, arcam com seu pagamento, uma vez que, segundo esclarece a ANEEL: “As tarifas do “Grupo B” são estabelecidas somente para o componente de consumo de energia, em reais, por megawatt-hora, considerando que o custo de demanda de potência está incorporado no custo do fornecimento de energia em megawatt-hora” (Cadernos Temáticos, nº 4, 2005), só não sendo objeto de medição porque as variações verificadas no perfil de consumo não são de modo a exigir alterações substantivas no dimensionamento do sistema elétrico. 

 

Entretanto, sobre a legitimidade ou ilegitimidade da inclusão do valor relativo à demanda de potência elétrica contratada pelo consumidor intensivo na base de caldo do ICMS, dirá então o Superior Tribunal de Justiça, de forma definitiva.

 

 

* Procurador do Estado (MG)

 

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Como citar e referenciar este artigo:
MIRANDA, José Benedito. Demanda contratada de potência de energia elétrica e a incidência do ICMS. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2008. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/direito-tributario/demanda-contratada-de-potencia-de-energia-eletrica-e-a-incidencia-do-icms/ Acesso em: 25 abr. 2024