Direito Tributário

Execução fiscal. Ilegalidade da penhora do faturamento bruto

Execução fiscal. Ilegalidade da penhora do faturamento bruto

 

 

Kiyoshi Harada*

 

 

A execução para cobrança de dívidas tributárias e não tributárias das Fazendas Públicas e suas autarquias é regida pela Lei nº 6.830, de 22 de setembro de 1980 com a aplicação subsidiária do CPC, conforme prescreve o seu art. 1o. Trata-se de um procedimento simplificado, que privilegia a Fazenda Pública, cuja petição inicial, instruída com a certidão de dívida ativa, limitar-se-á a indicar o juiz a quem é dirigida, o pedido e o requerimento de citação do executado. O despacho de deferimento da inicial importa sucessivamente na citação, penhora ou arresto, seu registro e avaliação dos bens penhorados ou arrestados pelo oficial de justiça. O art. 11 da lei estabelece ordem de preferência para a penhora, elegendo em primeiro lugar o dinheiro. Essa ordem é válida tanto para a hipótese de nomeação de bens pelo executado, como também para o caso de livre penhora pelo exequente. A substituição dos bens penhorados em qualquer fase do processo, a pedido da Fazenda, independentemente daquela ordem estabelecida (art. 15, II) deverá fundamentar-se em motivação relevante, pois a finalidade da penhora não é a de criar transtornos ao executado mas, a de garantir o direito do credor. Nunca se pode perder de vista o disposto no art. 620 do CPC que determina a execução pelo modo menos gravoso para o devedor. Importante, porém, ressaltar que a preferência ao dinheiro previsto no art. 11 refere-se ao numerário existente, determinado e disponível no patrimônio do executado, inconfundível com mero fluxo de caixa ou faturamento bruto da empresa executada. Contudo, a penhora pura e simples do faturamento bruto vem ocorrendo com freqüência cada vez maior nos juízos de primeira instância com o beneplácito das instâncias superiores. Alguns julgados têm tolerado a constrição de até 30% do faturamento bruto (Resp nº 36.535-SP, Rel. Min. Garcia Vieira, DJ de 04/10/93, p. 20.524). O fundamento legal para tal medida repousaria na excepcionalidade prevista no § 1o do art. 11. Essa excepcionalidade surgiria sempre que resultasse infrutífera a tentativa de constrição de outros bens arrolados no citado art. 11 (Resp nº 13.565-SP, Rel. Min. Adhemar Maciel, DJ de 03/03/97, p. 4.618).

   

Na verdade o referido § 1o prescreve que “excepcionalmente, a penhora poderá recair sobre estabelecimento comercial, industrial ou agrícola, bem como em plantações ou edifícios em construção”.

    

Verifica-se, pois, tratar-se não de penhora pura e simples do faturamento bruto da empresa, mas, de constrição judicial do próprio estabelecimento empresarial enquanto unidade produtiva. Nesta hipótese impõe-se a nomeação de administrador que deverá apresentar em juízo, no prazo de dez dias, um plano de administração da empresa apenhada, conforme determina o art. 797 do CPC, aplicável subsidiariamente. Esse tipo de penhora pressupõe, necessariamente, um regime de administração processual, sob pena de acarretar a insolvência e final extinção da empresa devedora.

    

A penhora de dinheiro disponível do executado, referida no inciso I do art. 11 e que é convertida em depósito em estabelecimento oficial de crédito, à disposição do juiz da causa (§ 2o do art. 11 c/c art. 9o, inciso I), difere, também, da penhora de renda diária da empresa executada ou da penhora na boca do caixa. Nesta hipótese impõe-se, igualmente, a nomeação de administrador na forma do art. 719 do CPC com as atribuições previstas no art. 728 do CPC que incluem as de prestar contas mensalmente (Resp nº 35.838-SP, Rel. Min. Hélio Mosimann, DJ de 27/09/93, p. 19.815). Inexiste no sistema jurídico vigente a penhora pura e simples de determinado percentual do faturamento bruto da empresa devedora. Essa constrição de até 30% do faturamento bruto, mensalmente, até atingir o valor do débito sob execução, sem nomeação de administrador, sem qualquer preocupação com a saúde financeira da empresa, configura ilegalidade e abuso de poder reparável por via do mandamus. Essa arbitrariedade poderá resultar no descumprimento de obrigações líquidas e certas por parte da empresa executada, inclusive as de natureza tributária a ensejar nova execução fiscal. Poderá, ainda, levar ao cometimento, pelo dono da empresa, de crime tributário previsto no art. 2o, inciso II da Lei nº 8.137/90, decorrente da falta de numerário para recolher, no prazo legal, o tributo retido na fonte. Enfim, poderá resultar na decretação de quebra de fatoda empresa devedora, com total prescindência das normas legais que regem a matéria. Por tudo isso impõe-se o cuidado de nomear administrador sempre que a penhora recair sobre o faturamento bruto da empresa, pois, tal medida confunde-se com a constrição judicial do próprio estabelecimento empresarial.

 

 

* Advogado e professor de Direito Administrativo, Financeiro e Tributário, Diretor da Escola Paulista de Advocacia e Ex-Procurador-Chefe da Consultoria Jurídica da

  Procuradoria Geral do Município de São Paulo.

 

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Como citar e referenciar este artigo:
HARADA, Kiyoshi. Execução fiscal. Ilegalidade da penhora do faturamento bruto. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2008. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/direito-tributario/execucao-fiscal-ilegalidade-da-penhora-do-faturamento-bruto/ Acesso em: 19 abr. 2024