Direito Tributário

Imposto sobre transmissão “inter vivos”

Imposto sobre transmissão “inter vivos”

 

 

Kiyoshi Harada*

 

 

Sumário:

 

1. Generalidades

2. Fato Gerador

3. Contribuinte

4. Alíquota

5. Base de Cálculo

6. Obrigações dos Notários e Oficiais de Registro de Imóveis.

 

1. Generalidades

 

    

Esse imposto, conhecido como sisa, já era de competência impositiva municipal antes da Reforma implantada pela Emenda nº 18/65. Com a Reforma de 1965 o imposto de transmissão de bens imóveis, a qualquer título, passou para a competência estadual, abarcando o imposto causa mortis e o inter vivos. A Constituição de 1988, por razões políticas, cindiu esse imposto sobre transmissão de bens, deixando com o Município a transmissão inter vivos, a título oneroso, e, conferindo ao Estado-Membro a transmissão causa mortis, bem como a gratuita, ampliando ainda seu fato gerador, de sorte a abranger, também, a transmissão de quaisquer bens ou direitos, voltando ao sistema constitucional de 1946. Portanto, hoje, como todos sabem, o Estado-Membro tributa as transmissões de quaisquer bens, corpóreos e incorpóreos.

 

2. Fato Gerador

 

    

A CF de 1988 prescreve em seu art. 146, inc. III, letra a, que compete à lei complementar estabelecer, em relação aos impostos previstos, a definição dos respectivos fatos geradores, bases de cálculo e contribuintes.

    

Como é do conhecimento de todos, o STF declarou a inconstitucionalidade da lei do estado do Rio de Janeiro que instituiu o adicional do Imposto de Renda, sob o fundamento de que faltou a previsão na lei complementar. O mesmo aconteceu, recentemente, em relação à lei de nosso Estado, pelo que, nesses dois Estados, esse adicional, certo ou errado, não pode ser cobrado, independentemente de qualquer medida do Senado Federal, pois a declaração de inconstitucionalidade deu-se no bojo de uma ação direta, irradiando efeitos imediatos erga omnes.

    

Será inconstitucional o imposto sobre a transmissão inter vivos já que não houve edição de lei complementar a respeito, após o advento da Carta Política de l988?

    

Entendo que não, pois o art. 35 do CTN, que define o fato gerador do imposto sobre transmissão de bens imóveis em geral, restou recepcionado pela Constituição de 1988, que se limitou a subdividir esse imposto em causa mortis e inter vivos. Ainda que assim não fossa o preceito do art. 146,III, a, da CF não poderia ser interpretado com abstração do princípio maior, que é o princípio federativo, o qual constitui uma das cláusulas pétreas referidas no § 4º do art. 60 da CF.

    

No Município de São Paulo, esse imposto foi implantado pela Lei nº 10.721, de 17 de janeiro de 1989, que, por padecer de graves defeitos, foi logo substituída pela Lei nº 11.154, de 30 de dezembro de 1991.

    

Essa lei, em seu art. 1º, define como fato gerador:

 

a transmissão inter vivos, a qualquer título, por ato oneroso:

de bens imóveis, por natureza ou acessão física;

de direitos reais sobre bens imóveis, exceto os de garantia e as servidões;

a cessão, por ato oneroso, de direitos relativos à aquisição de bens imóveis.

    

Examinaremos esses conceitos de direito civil referidos pela lei tributária.

    

Os bens imóveis por natureza são os definidos no art. 43, I, do CC, isto é, o solo com a sua superfície, os seus acessórios e adjacências naturais, compreendendo as árvores e frutos pendentes, o espaço aéreo e o subsolo. S quedas d’água, bem como as riquezas do subsolo pertencem à União. Bens imóveis por acessão física, nos termos do inc. II do citado art. 43, compreendem tudo que o homem incorporar ao solo de forma permanente, como a semente lançada à terra, os edifícios e construções, de modo que não se possa retirar sem destruição, modificação, fratura ou dano. Os direitos reais são definidos no art. 674 do CC, ou sejam, a efiteuse, o usufruto, o uso, a habitação, etc., com exclusão dos de garantia, como a hipoteca e a anticrese. Cessão de direitos imobiliários, para fins de tributação, é equiparada à transmissão de propriedade imobiliária, porque, na prática, configura um verdadeiro instrumento de transmissão econômica de bens imóveis. Como o imposto é uma exação do tipo captação de riqueza, nada mais lógico do que eleger, como veículo de incidência tributária, atos ou fatos providos de conteúdo econômico.

    

O art. 2º passa a enumerar, de forma desnecessária, os casos de incidência do imposto, como a compra e venda, a dação em pagamento, a permuta, o uso, o usufruto, etc.

    

Discute-se muito acerca da incidência ou não do imposto na aquisição da propriedade por usucapião.

    

Pela doutrina dominante, a transmissão pressupõe uma vinculação decorrente da vontade ou da lei entre o titular anterior (promitente) e o novo titular (adquirente). No usucapião não há transmissão porque não há um alienante voluntário. De fato, inexiste vínculo entre aquele que perde o direito à propriedade e aquele que o adquire; por isso a aquisição é originária, isto é, o direito do usucapiente não se funda no direito do titular anterior. Por isso o STF considera inconstitucionais as leis que exigem o imposto nas aquisições por usucapião, no que estamos de pleno acordo. Dentro dessa linha de raciocínio alguns doutrinadores entendem que a desapropriação promovida por empresas públicas ou sociedades de economia mista, portanto, não protegidas pela regra da imunidade recíproca, não se sujeita à incidência desse imposto, argumentando que a desapropriação é modo originário de aquisição. É verdade que a doutrina assim considera fundada no preceito da lei expropriatória, segundo o qual eventuais vícios ou ônus do título de propriedade sub-rogam-se no preço da indenização. Contudo, na prática, todos os Registros Imobiliários, com amparo na jurisprudência, só vêm promovendo o registro da carta de adjudicação, extraída dos autos da expropriatória, mediante a expressa menção do título anterior, pelo que a originalidade da aquisição fica apenas no plano da teoria, insuficiente para afastar a incidência do imposto.

    

Outra questão que tem sido suscitada na doutrina é a exigência desse imposto antes da transmissão, isto é, antes da ocorrência de fato gerador. Trata-se de discussão meramente acadêmica. Ninguém vai a juízo para reclamar contra esse fato. Se é verdade que a transmissão só ocorre com o registro do título de transferência, não menos verdade é que pela assinatura das partes no instrumento de transmissão ocorre a transferência econômica do bem, tornando certo a ulterior ocorrência do fato gerador, isto é, o registro desse instrumento no Registro de Imóveis competente. Daí a inquestionabilidade desse recolhimento antecipado, que ocorre, também na área do ICMS, relativamente à entrada de mercadorias importadas em que o imposto, por razões práticas, é cobrado no desembaraço aduaneiro e não no momento da entrada dessa mercadoria no estabelecimento do importador, quando ocorreria o fato gerador desse imposto.

 

3. Contribuinte

 

    

O art. 42 do CTN deixa a critério da lei tributária de cada entidade política a eleição do contribuinte, que poderá ser qualquer uma das partes na operação tributada. A nossa lei considera como contribuinte do imposto o adquirente em relação à transmissão de bens ou direitos, e o cedente, em relação à cessão de direitos decorrentes de compromissos de compra e venda.

 

4. Alíquota

 

    

A partir do advento da Lei nº 11.154/91 foram instituídas as alíquotas progressivas de 2% a 6%, de conformidade com o valor venal do imóvel. A progressividade é do tipo gradual, isto é, cada alíquota maior é calculada sobre a parcela do valor compreendido entre o limite inferior e o limite superior de renda das pessoas físicas. Nas aquisições compreendidas no SFH a alíquota continua sendo fixa de 0,5%, relativamente aos valor financiado. Sobre o valor restante incide a tributação progressiva.

    

Muitos impugnaram essa progressividade acoimando-a de incostitucional, quer por ser confiscatória, quer porque a progressividade é limitada, pela Constituição, ao IPTU. Interessante notar que os opositores da progressividade deste imposto reconhecem que a Constituição não fixou um teto de tributação, de sorte que o alegado efeito confiscatório não pode ser inferido diretamente da progressividade em si. Se se reconhecer que o Município pode estabelecer uma alíquota única de 4%, por exemplo, óbvio que, com muito maior razão, deverá ser reconhecida a faculdade de estabelecer alíquotas progressivas de 0,5% a 4%, por exemplo. Na verdade, a progressividade tem amparo no princípio da capacidade contributiva, previsto no § 1º do art. 145 da CF, que consideramos como norma de carácter programático.

 

5. Base de Cálculo

 

    

Neste particular, muito embora a lei atual tenha uma superioridade técnica em relação à anterior, de curta vigência, ela continua, ainda, apresentando algumas dificuldades.

    

Após prescrever, em seu art. 7º, que a base de cálculo é o valor venal dos bens ou direitos transmitidos, conforme determina o art. 38 do CTN o art. 8º impõe a observância de um valor piso, representado pelo valor vanel do imóvel para efeito de lançamento do IPTU, atualizado desde 1º de janeiro, data da ocorrência do fato gerador daquele imposto, até a data da lavratura da escritura ou do instrumento de transmissão ou cessão. Ora, todos sabem que vários imóveis, por não terem sido vistoriados, e, por conseguinte, Não terem sido levados em conta os fatores desvalorizantes, tiveram os respectivos valores venais superestimados por ocasião do lançamento do IPTU, os quais ficarão agravados com a atrualização monetária, como é óbvio. Por isso entendo que esse art. 8º encerra mera presunção relativa, pois a base de cálculo só pode ser o valor venal, como definido no art. 38 do CTN que, consoante doutrina indiscrepante, corresponde ao preço de venda do imóvel, à vista, em condições normais de mercado.

    

Sobre essa questão é importante ressaltar que a lei municipal faculta o arbitramento do valor venal, sempre que houver fundada suspeita de que a transmissão operou-se pelo valor superior ao mencionado no título respectivo, conforme dispõe o art. 24. Só que o seu parágrafo único faculta ao contribuinte a apresentação de avaliação contraditória, fato que implica, naturalmente, a prévia notificação do sujeito passivo, que não se confunde com a notificação do lançamento, na hipótese em que for apurada a diferença.

 

6. Obrigações dos Notários e dos Oficiais De Registro de Imóveis

 

    

A lei municipal impõe aos notários e oficiais de Registro de Imóveis uma série de obrigações acessórias, consistentes em atos omissivos e comissivos, prescrevendo-lhes multas indexadas em UFMs. Tendo em vista que a competência para legislar sobre registros públicos é da União, pergunta-se: seriam constitucionais as proibições impostas aos oficiais de Registro?

   

Entendemos que a entidade política competente para instituir determinado imposto tem competência, também, para estatuir normas impondo a terceiros, relacionados com o contribuinte, a prática ou abstenção de atos no interesse da fiscalização e arrecadação desse imposto. As chamadas guias de sisa têm sido transcritas pelos notários, nas respectivas escrituras de transmissão de bens imóveis, sem que, até hoje, ninguém tivesse questionado a constitucionalidade dessa exigência.

 

 

* Advogado e professor de Direito Administrativo, Financeiro e Tributário, Diretor da Escola Paulista de Advocacia e Ex-Procurador-Chefe da Consultoria Jurídica da

  Procuradoria Geral do Município de São Paulo.

 

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Como citar e referenciar este artigo:
HARADA, Kiyoshi. Imposto sobre transmissão “inter vivos”. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2008. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/direito-tributario/imposto-sobre-transmissao-qinter-vivosq/ Acesso em: 16 abr. 2024