Direito do Trabalho

Métricas de aplicação da litigância de má fé na Justiça do Trabalho

I. CONCEITO E ORIGEM

A constituição das relações processuais é regida intimamente pelo princípio da boa-fé, haja vista que a inserção dos fatos no universo jurídico ocorre por meio da narrativa das partes a respeito do fato gerador da lide. Desta forma, um mesmo fato pode gerar inúmeras interpretações, o que costumeiramente gera dissabores e falsas alegações dentro dos processos judiciais.

O sistema jurídico, munido pelo espírito das leis, visa perquirir a verdade real contida em cada caso que se achega ao Poder Judiciário, de sorte a valer-se da utilização de instrumentos processuais para alcança-la.

Vale pontuar que a verdade real é obtida por meios investigativos e instrumentos processuais, diferentemente da verdade formal que é manifesta nos atos comprovados através de provas nos autos, ainda que não reflitam fidedignamente os fatos.

Neste contexto, emplaca-se o instituto da litigância de má-fé, descrito no rol do Art. 80 do CPC, qual seja:

“Art. 80.  Considera-se litigante de má-fé aquele que:

I – deduzir pretensão ou defesa contra texto expresso de lei ou fato incontroverso;

II – alterar a verdade dos fatos;

III – usar do processo para conseguir objetivo ilegal;

IV – opuser resistência injustificada ao andamento do processo;

V – proceder de modo temerário em qualquer incidente ou ato do processo;

VI – provocar incidente manifestamente infundado;

VII – interpuser recurso com intuito manifestamente protelatório. ”

Conforme leciona o dicionário jurídico De Plácido e Silva, compreende como ‘litigar’ o ato de discutir, lutar ou pelejar por algo. Pelo mesmo dicionário, compreende-se como ‘má-fé’ a certeza do engano e do vício contido no ato. Na junção de ambas explicações, conclui-se que na litigância de má-fé, uma das partes pleiteia direito intencionalmente com deslealdade e com certeza do vício que incorre o fato.

II. APLICAÇÃO DE FONTE SUBSIDIÁRIA

Importante elucidar sobre o fato de que a CLT não possuía instrumentos próprios para perseguir a verdade real e garantir a segurança jurídica no dizer do direito ao fato concreto. Tal aplicação ocorria por meio do CPC como fonte subsidiária na Justiça do Trabalho, com fulcro no Art. 8° parágrafo único da CLT.

“Art. 8º – As autoridades administrativas e a Justiça do Trabalho, na falta de disposições legais ou contratuais, decidirão, conforme o caso, pela jurisprudência, por analogia, por eqüidade e outros princípios e normas gerais de direito, principalmente do direito do trabalho, e, ainda, de acordo com os usos e costumes, o direito comparado, mas sempre de maneira que nenhum interesse de classe ou particular prevaleça sobre o interesse público.

Parágrafo único – O direito comum será fonte subsidiária do direito do trabalho, naquilo em que não for incompatível com os princípios fundamentais deste. ”

No entanto, com a recentíssima alteração da legislação trabalhista, as disposições instrumentais relativas ao dano processual – litigância de má-fé – foram inseridas na CLT, por meio da SEÇÃO IV-A. No que pese a norma estar em vacatio legis, vale observar o que dispõe a nova métrica da litigância de má-fé. Vejamos:

“Art. 793-A.  Responde por perdas e danos aquele que litigar de má-fé como reclamante, reclamado ou interveniente. “

“Art. 793-B. Considera-se litigante de má-fé aquele que:

I – deduzir pretensão ou defesa contra texto expresso de lei ou fato incontroverso;

II – alterar a verdade dos fatos;

III – usar do processo para conseguir objetivo ilegal;

IV – opuser resistência injustificada ao andamento do processo;

V – proceder de modo temerário em qualquer incidente ou ato do processo;

VI – provocar incidente manifestamente infundado;

VII – interpuser recurso com intuito manifestamente protelatório.”

“Art. 793-C.  De ofício ou a requerimento, o juízo condenará o litigante de má-fé a pagar multa, que deverá ser superior a 1% (um por cento) e inferior a 10% (dez por cento) do valor corrigido da causa, a indenizar a parte contrária pelos prejuízos que esta sofreu e a arcar com os honorários advocatícios e com todas as despesas que efetuou.

§ 1o  Quando forem dois ou mais os litigantes de má-fé, o juízo condenará cada um na proporção de seu respectivo interesse na causa ou solidariamente aqueles que se coligaram para lesar a parte contrária.

§ 2o  Quando o valor da causa for irrisório ou inestimável, a multa poderá ser fixada em até duas vezes o limite máximo dos benefícios do Regime Geral de Previdência Social.

§ 3o  O valor da indenização será fixado pelo juízo ou, caso não seja possível mensurá-lo, liquidado por arbitramento ou pelo procedimento comum, nos próprios autos. “

“Art. 793-D.  Aplica-se a multa prevista no art. 793-C desta Consolidação à testemunha que intencionalmente alterar a verdade dos fatos ou omitir fatos essenciais ao julgamento da causa.

Parágrafo único.  A execução da multa prevista neste artigo dar-se-á nos mesmos autos. ”

A permissão concedida pela CLT para aplicação subsidiária do CPC permitiu que os magistrados atuantes na Justiça Do Trabalho garantissem a paridade entre as partes litigantes, pois, ainda que haja a compreensão de uma das partes como hipossuficiente e protegida pela interpretação pro operario, os fatos trazidos aos olhos da Justiça deverão retratar a realidade, sob pena de invalidação do direito e aplicação de multa, nos termos do ainda vigente e aplicável Art. 81 do referido diploma legal, qual seja:

“Art. 81.  De ofício ou a requerimento, o juiz condenará o litigante de má-fé a pagar multa, que deverá ser superior a um por cento e inferior a dez por cento do valor corrigido da causa, a indenizar a parte contrária pelos prejuízos que esta sofreu e a arcar com os honorários advocatícios e com todas as despesas que efetuou.

§ 1o Quando forem 2 (dois) ou mais os litigantes de má-fé, o juiz condenará cada um na proporção de seu respectivo interesse na causa ou solidariamente aqueles que se coligaram para lesar a parte contrária.

§ 2o Quando o valor da causa for irrisório ou inestimável, a multa poderá ser fixada em até 10 (dez) vezes o valor do salário-mínimo.

§ 3o O valor da indenização será fixado pelo juiz ou, caso não seja possível mensurá-lo, liquidado por arbitramento ou pelo procedimento comum, nos próprios autos. ”

 No mesmo sentido incorrem as partes que atentam contra a celeridade processual, interpondo recursos meramente protelatórios ou sem fundamento válido, com o simples fito de refutar a condenação e auferir morosidade ao processo.

III. PRINCÍPIO DA PRIMAZIA DA REALIDADE E A BUSCA DA VERDADE REAL

O dito princípio da primazia da realidade corrobora com a busca pela verdade real, visto que no decorrer do processo, detidamente na fase instrutória e no oferecimento de provas, por força de tal princípio, provas formais que não coadunam com a verdade podem ser desconsideradas, a exemplo dos cartões de ponto que costumeiramente são juntados aos processos com a intenção de afastar a incidência de horas extras ou comprovar outras marcações de ponto, mas que por estarem sob o domínio do empregador, podem ser facilmente alterados.  Vejamos o julgado abaixo que elucida o exposto:

TST – ARR 16699420165120058 (TST)

Data de publicação: 01/09/2017. Ementa: A) AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA INTERPOSTO PELO RECLAMANTE. MULTA POR LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ. Registrada pelo Regional a conduta do reclamante quanto à alteração da verdade dos fatos e a o uso do processo para obter vantagem indevida, descabe cogitar de violação do artigo 80 do NCPC ante o óbice da Súmula 126 do TST. De igual modo, não prospera o inconformismo do reclamante quanto ao valor estipulado à multa, na medida em que o Tribunal de origem se pautou nas peculiaridades do caso concreto e nos parâmetros constantes do artigo 81 do NCPC. Arestos inservíveis. Agravo de instrumento conhecido e não provido. B) RECURSO DE REVISTA INTERPOSTO PELO RECLAMANTE. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. LIDE NÃO DECORRENTE DE RELAÇÃO DE EMPREGO. CONTRATO DE EMPREITADA. Em se tratando de demanda não oriunda da relação de emprego, prescinde de reforma a decisão regional quanto ao pagamento dos honorários advocatícios pela mera sucumbência, porquanto está em conformidade com a Súmula 219, III, parte final, do TST e com o artigo 5º da IN 27/2005 desta Corte. Recurso de revista não conhecido.

IV. CONCLUSÃO

Nos últimos anos, a Justiça do Trabalho viu sua demanda crescer exponencialmente. Além dos fatos políticos e econômicos que vêm assolando o país, a sociedade passou a enxergar nas reclamações trabalhistas fortes possibilidades de enriquecer-se e alcançar os padrões de ascendência social sem seguir o árduo caminho comum aos homens.

O caráter indenizatório, compensativo, alimentar e urgente conferido a esta esfera do sistema jurídico, deve visar dar a cada um o que é seu, sem auferir enriquecimento ilícito a nenhuma das partes, aplicando o direito ao fato concreto.

V. BIBLIOGRAFIA

ARTIGO – “Juiz multa em R$ 5 mil trabalhadora e testemunha que mentiram em processo”. Autor: Marcelo Galli. Acesso em 05/09/2017 as 09:38.  http://www.conjur.com.br/2017-jul-18/juiz-multa-trabalhadora-testemunha-mentirem-processo

SILVA, De Placido e, atualizadores: Nagib Slaibi Filho e Priscila Pereira Vasques Gomes – “Vocabulário Jurídico”. Editora Forense, 31° edição 2014.

Lei 13.105/15 –  http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm. Acesso em 05/09/2017 as 09:41.

DECRETO-LEI N.º 5.452/43 http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del5452.htm. Acesso em 05/09/2017 as 09:42.

Lei 13.467/17 –  http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2017/lei/L13467.htm. Acesso em 05/09/2017 as 10:00.

Como citar e referenciar este artigo:
CAVALCANTI, Mateus Luiz. Métricas de aplicação da litigância de má fé na Justiça do Trabalho. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2017. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/direito-do-trabalho/metricas-de-aplicacao-da-litigancia-de-ma-fe-na-justica-do-trabalho/ Acesso em: 29 mar. 2024