Direito do Trabalho

Unicidade sindical como entrave à representatividade dos trabalhadores

Rodrigo de Castro Veiga Boleta

Resumo: O presente artigo tem como campo de estudo o princípio da unicidade sindical e sua aplicabilidade nas relações trabalhistas. Descrito na constituição federal de 1988 e na Consolidação das Leis do Trabalho, referido princípio é também conhecido como princípio do sindicato único. Neste sentido, o objetivo deste artigo é mostrar como a unicidade sindical é falha na hora de representar, verdadeiramente, os interesses dos trabalhadores, pois o mesmo limita a liberdade de escolha do trabalhador, haja vista que determina a existência de apenas um sindicato por área, conforme o que determina o artigo 8º da constituição de 1988. Para apaziguar essa situação, propõe-se a ratificação da Convenção nº 87 da Organização Internacional do Trabalho, que versa sobre a liberdade sindical, ou seja, o trabalhador escolhe se filiar àquele sindicato que julga representar melhor seus interesses.

Palavras – Chaves: Unicidade Sindical; Sindicato Único; Convenção nº 87; Liberdade Sindical.

Abstract: This article is to study the field of the principle of trade union uniqueness and its applicability in labor relations. Described in the federal constitution of 1988 and the consolidation of labor laws, that principle is also known as the single union principle. In this sense, the purpose of this article is to show how trade union unity is lacking in time to represent truly the interests of workers, because it limits the freedom of choice of the worker, considering that determines the existence of only one union by area, as that stipulated in Article 8 of the constitution of 1988. to appease this situation , we propose the ratification of Convention 87 of the International Labour Organization , which deals with freedom of association , that is, the worker chooses to join to that union I think best represent their interests.

Keywords: Oneness Trade Union; Single Union; Convention nº 87; Freedom of Association.

 

SUMÁRIO: 1) INTRODUÇÃO; 2)    SINDICATOS:  DEFINIÇÕES, ORGANIZAÇÕES E FUNÇÕES; 3) LIBERDADE SINDICAL x PRINCIPIO DA UNICIDADE SINDICAL: E A REPRESENTATIVIDADE OBREIRA?; 4) CONSIDERAÇÕES FINAIS; 5) REFERÊNCIAS BIBLIOGRAFICAS

1.                  INTRODUÇÃO

Quando fazemos qualquer abordagem do direito coletivo de trabalho, é muito difícil, senão impossível não citar a questão do direito sindical. A construção dos sindicatos e do sindicalismo como um todo foi um processo paulatino ao longo da história. Conforme Mauricio Godinho Delgado, “os sujeitos do direito coletivo são, portanto, essencialmente os sindicatos, embora também os empregadores possam ocupar essa posição, mesmo que agindo de modo isolado” (DELGADO, 2015, p. 1422) A sua função de representar os trabalhadores ao passar dos tempos foi se consolidando até chegar à importância que os sindicatos possuem hoje na representatividade dos trabalhadores nas negociações coletivas.

Nessa linha histórica acerca do surgimento e formação dos sindicatos, é possível observar, precisamente, três fases que contribuíram para a referida formação e para a estruturação dos sindicatos nos dias atuais. Nos dizeres de Amauri Mascaro Nascimento foram três fases para formação de um denominado “direito sindical”: uma fase de proibição, uma fase de tolerância e uma fase de reconhecimento. Vamos a breves apontamentos sobre cada uma dessas fases.

Os primórdios do que hoje chamamos de sindicato remontam ao tempo da Revolução Francesa, com seus ideais de liberdade, igualdade e fraternidade. O referido movimento histórico ocorrido no século XVIII trouxe um combate à ideia de associação personificada nas corporações de oficio (corporações essas bastante semelhantes ao ideal de sindicato que temos hoje). Portanto, podemos concluir que as corporações de oficio foram duramente combatidas à época revolucionaria. Conforme Amauri Mascaro Nascimento, “para ser livre, o homem não pode estar subordinado à associação, porque esta suprime a sua livre e plena manifestação, submetido que fica ao predomínio da vontade grupal” (NASCIMENTO, 2011, p. 1229). Nesta seara, o código penal napoleônico chegou a tratar a associação como questão policial.

Passados esses ares revolucionários, começou-se a tolerar mais a presença dos sindicatos, a sua atuação, diante da supracitada importância que fora adquirindo ao longo do tempo. Diversas leis penais europeias que criminalizavam os sindicatos começaram a serem revogadas. Neste sentido, é mais uma vez importante citar o professor Amauri Mascaro: “a organização dos trabalhadores prosseguiu desafiando as leis e as sanções aplicadas pelo Estado. Aos poucos, as ideias foram se modificando, por força da ação direta dos operários e das doutrinas sociais, que começavam a ter aceitação” (NASCIMENTO, 2011, p. 1231).

Por último, podemos pugnar, de acordo com Mascaro, por uma fase de reconhecimento dos sindicatos (do direito sindical como um todo). Neste período (que dura até o presente momento), os sindicatos foram reconhecidos pela sua importância na representatividade obreira. “Os sindicatos fortaleceram-se e passaram a exercer influência nas decisões estatais concernentes à criação de direitos e garantias dos trabalhadores” (MONGE, 2014, p.441). Os pontos atinentes a liberdade sindical foram se concretizando. Com esse princípio, por exemplo, o cidadão ira ter a liberdade para criar e/ou extinguir os sindicatos, bem como o de ter o direito a livre vinculação e desvinculação do sindicato (sobre essa questão da liberdade sindical, haverá as devidas abordagens posteriormente). Por isso, Mauricio Godinho Delgado alega que: “direcionado ao universo do sindicalismo, o princípio mais amplo especifica-se na diretriz da liberdade sindical (ou princípio da liberdade associativa e sindical) ” (GODINHO, 2015, p. 1405).

2.                  SINDICATOS: DEFINIÇÕES, ORGANIZAÇÕES E FUNÇÕES

No tópico anterior, foi observado o percalço histórico dos sindicatos. Aqui, iremos nas definições, na estrutura dos sindicatos e como a legislação brasileira dispõe sobre isso.

Há várias definições acerca do que realmente um sindicato é, do que realmente ele significa. Conforme Ivan Horcaio,

o sindicato é a pessoa jurídica sem fins lucrativos que detém a prerrogativa legal de representar determinada categoria, entendida esta como o conjunto de pessoas com interesses profissionais ou econômicos em comum decorrentes de identidade de condições ligadas ao trabalho. (HORCAIO, apud. MONGE, 2014, p. 441)

Já para o professor e ministro do Tribunal Superior do Trabalho, Mauricio Godinho Delgado, sindicatos são “entidades associativas permanentes, que representam trabalhadores vinculados por laços profissionais e laborativos comuns […] com o objetivo de lhes alcançar melhores condições de labor e vida” (GODINHO, 2015, p. 1423). É importante destacar que por essa definição, não podemos restringir, no geral, a atuação dos sindicatos somente ao âmbito obreiro, dos trabalhadores. O próprio Godinho, na sua obra “curso de direito do trabalho” aduz que empresários também podem formar sindicatos (no caso, o que é conhecido por sindicatos patronais).

Na Consolidação das Leis Trabalhistas (C.L.T), encontramos a definição de sindicato no caput do artigo 511, ipsis litteris:

Art. 511 – É licita a associação para fins de estudo, defesa e coordenação dos seus interesses econômicos ou profissionais de todos os que, como empregadores, empregados, agentes ou trabalhadores autônomos, ou profissionais liberais, exerçam, respectivamente, a mesma atividade ou profissão ou atividades ou profissões similares e conexas

O já mencionado Amauri Mascaro Nascimento assim define sindicato:

uma organização social constituída para, seguindo um princípio de autonomia privada coletiva, defender os interesses trabalhistas e econômicos nas relações coletivas entre os grupos sociais.  (NASCIMENTO, 2011, p. 1302)

É interessante mencionarmos, a título de esclarecimento, como é estruturado um sindicato. Pois bem, um sindicato é dividido em uma diretoria, assembleia e um conselho fiscal. Esses três “órgãos” formam a administração dos sindicatos e estão contidos no artigo 522, §§ 1º e 2º, in verbis:

Art. 522 – A administração do sindicato será exercida por uma diretoria constituída, no máximo, de sete e, no mínimo, de três membros, eleitos esses órgãos pela Assembleia Geral.

§1º – A diretoria elegerá, dentre os seus membros, o presidente do sindicato;

§2º – A competência do Conselho Fiscal é limitada à fiscalização da gestão financeira do sindicato.

Sérgio Pinto Martins, em seu “Comentários à CLT”, sobre o artigo antecedente, assim dispõe:

os associados irão eleger a diretoria do sindicato. Os Membros da diretoria, posteriormente irão escolher, entre eles, o presidente do sindicato. Não é, portanto, a categoria que escolhe o presidente do sindicato, mas a diretoria do sindicato. O conselho fiscal […] [tem como] função apenas a fiscalização da gestão financeira do sindicato. Não tem, portanto, função consultiva […] (MARTINS, 2011, p. 587).

Fasear-se agora alguns breves apontamentos sobre as funções dos sindicatos. A primeira função dos sindicatos a ser mencionada é a função negocial, já que os sindicatos podem ajustar convenções coletivas de trabalho que acabarão por refletir nos contratos individuais de trabalho dos empregados sindicalizados, conforme vão indicar os artigos 611, 612 e 616, ambos da C.L.T. Outra função destacada dada ao Sindicato é a função assistencial, uma atribuição disposta por lei ou pelos estatutos sindicais para que assim haja a prestação de serviços a todos os filiados. Outras funções dos sindicatos são as funções de arrecadação e colaboração.  

3.                  LIBERDADE SINDICAL x PRINCIPIO DA UNICIDADE SINDICAL: E A REPRESENTATIVIDADE OBREIRA?

Agora, vamos adentrar no cerne deste artigo, a sua, talvez, parte principal. O título deste tópico é sugestivo no sentido de tentar mostrar as contradições que existem no direito sindical nacional, incluindo ai as disposições constitucionais e celetistas sobre a temática, e os impactos sobre a representação dos trabalhadores nas negociações coletivas.

Primeiramente, vamos tecer algumas considerações sobre a negociação coletiva como um todo.

Juntamente com a sindicalização e a greve, a negociação coletiva forma a concepção triangular do direito sindical e coletivo do trabalho. Citando a opinião de Sergio Pinto Martins, Luís Eduardo Gunther e Noeli Gonçalves da Silva Gunther mencionam que “a negociação coletiva é uma forma de ajustes de interesses entre as partes, que acertam os diferentes entendimentos existentes, visando encontrar uma solução capaz de compor suas posições”. Segundo Vólia Bonfim Cassar, a negociação coletiva tem como objetivo a adequação das relações trabalhistas à realidade que os trabalhadores enfrentam, com “busca a harmonia temporária de interesses antagônicos” (CASSAR, 2014, p. 1282). Ainda de acordo com Cassar, negociação coletiva,  

É a forma primaria de um interessado obter daquele que tem interesse contraposto uma solução que atenda aos dois. As partes buscam aproximar seus entendimentos, discutindo e rediscutindo o assunto, sempre com a finalidade de resolver as questões” (CASSAR, 2014, p.1298)

Ainda segundo GUNTHER e GUNTHER, as negociações coletivas possuem algumas funções, quais sejam: jurídicas (que por sua vez se divide em normativa, obrigacional e compositiva), política, econômica, ordenadora e social. “A negociação coletiva, como sistema, permite solucionar com maior equidade, os conflitos trabalhistas, eis que sobrelevam a racionalidade e o acordo mutuo, afastando a arbitrariedade e a anarquia”. Ela pode ser vista e considerada como atos preparatórios para a formação de uma Convenção, ou até mesmo um Acordo Coletivo de Trabalho.  

Feitas essas considerações sobre negociação coletiva, vamos agora pontuar o implícito (e por que não dizer explicito?) conflito que há entre a liberdade sindical preconizada nas disposições legais trabalhistas e o princípio da unicidade sindical, que é o que atualmente vigora no direito coletivo brasileiro e seus impactos sobre uma efetiva representatividade dos trabalhadores nacionais.

Como podemos aduzir pelo que já foi dito até o presente momento, a liberdade sindical passou por muitos percalços. Vimos na introdução que num dado momento histórico, os sindicatos foram proibidos, mas com o transcorrer do tempo acabaram sendo reconhecidos. Corolário a isso, a liberdade sindical também teve sua evolução. No caso especifico brasileiro, ela teve diversas faces. Na Constituição de 1934, a ideia de uma pluralidade sindical fora consagrada, conjuntamente com a autonomia dos sindicatos. Porém, já na Constituição de 1937, período da ditadura do governo Vargas conhecida como “Estado Novo”, a liberdade sindical foi restringida. Voltou a gozar de uma relativa evolução com a aprovação da Consolidação das Leis do Trabalho, em 1943. Contudo, o período militar iniciado em 1964 voltou a suprimir consideravelmente a liberdade, e até a própria atuação dos sindicatos. Segundo Haline Ottoni Alcântara Costa Monge, “a ditadura militar foi ainda mais repreensiva, tendo em vista que sufocou os entres sindicais de resistência, destituiu, processou e prendeu os dirigentes mais expressivos, além de desviar o sindicalismo para o assistencialismo” (MONGE, 2014, p. 440). Contudo, com os novos ventos democráticos oriundos do fim do período ditatorial e a promulgação da Constituição atual, em 1988, trouxeram a consolidação da liberdade sindical. Ainda segundo Haline Monge, a consagração da liberdade sindical permitiu que os sindicatos pudessem elaborar os próprios estatutos de funcionamento, eleger os seus representantes sem qualquer ingerência externa do governo, organizar sua gestão etc. (Cf. MONGE, 2014, p. 441). Isso é perceptível no artigo 8º da Constituição de 1988, ipsis litteris:

Art. 8º – É livre a associação profissional ou sindical […]

I – a lei não poderá exigir autorização do Estado para a fundação de sindicato, ressalvado o registro no órgão competente vedadas ao poder público a interferência e a intervenção na organização sindical

Como vemos, de um certo modo, a carta constitucional brasileira estabelece o princípio da liberdade sindical (ainda que, conforme veremos, não seja uma liberdade conforme acepção ampla do termo). Nos dizeres de Vólia Bonfim Cassar,

o princípio da liberdade sindical é a espinha dorsal do direito coletivo representado por um estado social e democrático de direito. É um direito subjetivo público que veda intervenção do Estado na criação ou funcionamento do sindicato (CASSAR, 2014, p. 1279).

Neste ponto, pode-se dizer que a liberdade sindical, conforme Cassar, se desdobra em dois ramos: um individual e um coletivo. Segundo a autora, a coletiva é a “liberdade do grupo construir o sindicato de sua escolha, com a estrutura e o funcionamento que desejar” (CASSAR, 2014, p. 1279). Já a liberdade individual abrange vários pontos, como o direito de se reunir para fundar sindicatos, a liberdade para se filiar e desfiliar conforme a vontade do trabalhador e o direito de não se filiar a sindicato algum. Ainda sobre liberdade sindical, Sergio Pinto Martins, em sua obra “direito do trabalho” expõe que referido princípio trata-se de uma espécie de liberdade de associação. Segundo o autor, “é o direito de os trabalhadores e empregadores se organizarem e constituírem livremente as agremiações que desejarem, no número por eles idealizado, sem que sofram qualquer interferência ou intervenção do Estado (…)” (MARTINS, 2012, p. 727).

Agora, vamos abordar o princípio da Unicidade Sindical. Referido princípio é consagrado no inciso II, do artigo 8º da nossa Constituição. Para Mauricio Godinho Delgado,

a unicidade corresponde à previsão normativa obrigatória de existência de um único sindicato representativo dos correspondentes obreiros, seja por empresa, seja por profissão, seja por categoria profissional. […].  É, em síntese, o sistema de sindicato único, com monopólio de representação sindical dos sujeitos trabalhistas (GODINHO, 2015, p.1429).

Nesta linha preconizada pelo professor e ministro Godinho, Sergio Pinto Martins, nos seus “comentários à CLT” aduz o seguinte:

De acordo com o nosso sistema sindical, consagrado no inciso II do artigo 8º da Constituição, não há possibilidade da criação de mais de uma organização sindical – em qualquer grau, o que inclui as federações e confederações – representativa de categoria profissional ou econômica, na mesma base territorial, que não poderá ser inferior à aérea de um município. Assim, a lei maior estabelece que a unicidade compreende a base territorial, impedindo a existência de vários sindicatos de uma mesma categoria, inclusive os sindicatos por empresa. (MARTINS, 2011, p.570)

É interessante mencionar que poderá haver possíveis confusões quanto aos conceitos de unicidade sindical e unidade sindical. Contudo, os conceitos são diferentes. Segundo Amauri Mascaro Nascimento, unicidade “é a vedação legal de mais de um sindicato da mesma categoria na mesma base territorial” (NASCIMENTO, 2011, p. 1296), ao passo que unidade “é a união espontânea dos grupos e sindicatos, não por força de lei, mas por opção própria, valendo-se da liberdade sindical” (NASCIMENTO, 2011, p. 1296). Nesta linha, Mauricio Godinho sustenta que a unicidade “traduz o sistema pelo qual a lei impõe a presença na sociedade do sindicato único” (GODINHO, 2015, p. 1429). Já a unidade sindical “traduz a estruturação ou operação unitárias dos sindicatos, em sua prática, fruto de sua maturidade, e não de imposição legal” (GODINHO, 2015, p. 1429).

Feitas as devidas abordagens, isoladas, sobre os princípios da liberdade sindical e da unicidade sindical, vamos comentar, agora, o dito conflito “implícito”, mencionado a pouco, que há entre a liberdade sindical e a unicidade sindical.

Pois bem, observamos claramente que a legislação trabalhista brasileira prega a liberdade sindical, e isso a Constituição Federal de 1988 já preconiza no caput do artigo 8º. Isso não cabe objeções. O problema, conforme foi até mencionado algumas linhas acima, é que a legislação trabalhista brasileira não concebe a liberdade sindical em seu sentido amplo, em sentido literal. E isso é personificado na figura da já mencionada unicidade sindical. Ou seja, a ideia do sindicato único preconizado por este princípio (unicidade sindical) impede uma efetiva liberdade sindical. A nossa atual constituição prega a liberdade sindical, mas o seu texto veda a criação de mais de um sindicato por causa da necessidade de obediência ao princípio da unicidade.  Alguns doutrinadores do direito do trabalho, como Amauri Mascaro Nascimento e Sergio Pinto Martins, abordam essa contradição que há entre o que a Constituição deseja (ou seja, liberdade sindical) e o que ela dispõe em seu bojo (unicidade sindical). Haline Ottoni Alcântara Monge assevera que “a carta [constituição de 1988] preconizou um sistema sindical contraditório ao manter a unicidade sindical, segundo a qual é vedada a existência de mais de um sindicato, de qualquer grau, na mesma base territorial […]” (MONGE, 2014, p. 442). Nesta linha, Sergio Pinto Martins aduz o seguinte: “no regime de um único sindicato, não se pode dizer que haja liberdade sindical, pois inexiste liberdade de filiação, dado o fato de que há um único sindicato e a pessoa não pode pretender criar ou se filiar a outro” (MARTINS, 2012, p. 731). Ainda criticando o princípio da unicidade sindical, Pinto Martins vai mais fundo, ao asseverar o seguinte: “limita a unicidade sindical o direito de liberdade sindical, sendo produto artificial do sistema legal vigente. Não deixa de ser uma forma de controle, por meio do Estado, do sindicato e da classe trabalhadora […] (MARTINS, 2012, p. 743).  

Dentro deste contexto crítico ao princípio da Unicidade Sindical, algumas linhas sobre a Convenção nº 87 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) devem ser feitas.

Aprovada em 17 de junho de 1948, a Convenção n° 87 busca reforçar o ideário de uma efetiva liberdade sindical. Ela elenca algumas garantias que caracterizam essa liberdade, como o direito de fundar sindicatos, o direito de administrar esses sindicatos, o direito de esses sindicatos atuarem e o direito dos obreiros, por exemplo, de se filiarem e desfiliarem desses sindicatos. Portanto, percebemos que a referida convenção internacional traz uma “inovação”, uma “revolução” no que tange a questão da representatividade obreira nas negociações coletivas (isso, é claro, tomando como local de análise o nosso país). Outro ponto previsto pela Convenção n° 87 é a pluralidade sindical, um “sistema que assegura que na mesma base territorial dois ou mais sindicatos [que] representem empregados da mesma categoria, em oposição ao princípio da unicidade, vigente no país” (MONGE, 2014, p.443). De acordo com Haline Monge, “o pluralismo decorre da existência de formas diversificadas de organização social, as quais certamente exercem influência na composição do Estado Democrático de Direito” (MONGE, 2014, p.443).

Diante desta breve explicação sobre a ideia que a Convenção n°87 traz para uma efetiva liberdade sindical, percebe-se que o Brasil se encontra atrasado neste ponto se comparado a outros países. Até o presente momento, não houve a ratificação da referida Convenção justamente pelo fato de ela ir de encontro ao princípio da unicidade sindical, e, portanto, ir de encontro a uma “infeliz” norma constitucional.

Toda essa questão, todo esse paradoxo, acaba por não dar uma efetiva representatividade aos trabalhadores. José Francisco Siqueira Neto explica que o Brasil tem um sistema sindical que não corresponde a um padrão lógico. Segundo o autor, “o sistema do sindicato único que temos, mesmo com todas as garantias da unicidade […] não será suficiente para conferir aos nossos sindicatos a representatividade que o corporativismo sindical usurpou” (SIQUEIRA NETO, 2012). O referido autor acaba concluindo que diante deste quadro, os sindicatos brasileiros acabam não sendo representativos. Ainda sobre essa contradição existente na organização sindical presente na Constituição de 1988, Amauri Mascaro Nascimento enfatiza:

Reconheça-se, no entanto, que o sistema de organização sindical que acolheu é contraditório; tenta combinar a liberdade sindical imposta por lei e contribuição sindical oficial. Estabelece o direito de criar sindicatos sem autorização prévia do Estado, mas mantem o sistema confederativo, que define rigorosamente bases territoriais, representação por categorias e tipos de entidades sindicais (NASCIMENTO, 2011, p. 1243)

4.                  CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao longo de toda essa exposição, é plenamente perceptível que o princípio da unicidade sindical é, de fato, um óbice, um obstáculo a uma efetiva representatividade obreira perante as negociações trabalhistas.

O que a Constituição prega (ou seja, liberdade sindical) é diametralmente oposta ao que dispõe (ou seja, unicidade sindical). Ao pregar a ideia de sindicato único, seguindo as regras do artigo 8º e incisos da Constituição Federal de 1988, indiretamente a Constituição impede o trabalhador de escolher a melhor representatividade de seus interesses. Isso é bem perceptível nesta hipotética situação: o trabalhador “X” exerce um determinado oficio numa determinada empresa e é filiado a um sindicato “Y”. Em obediência ao que dispõe o art. 8°, inciso VI da CF/1988, é obrigatória a participação dos sindicatos nas negociações coletivas, seja na forma de um acordo coletivo ou uma negociação coletiva. Supondo que o Sindicato “Y” participe de um acordo coletivo com a empresa a qual o trabalhador “X” exerça seu oficio. Por algum motivo, que não vem ao caso, o trabalhador “X” discorda do teor do acordo, acreditando que não terá qualquer benefício com ele. Se o acordo for aprovado, o trabalhador “X” nada poderá fazer, tendo em vista que o sindicato aprovou o acordo. Diante destas situações, é que a liberdade sindical, principalmente aquela que a Convenção n° 87 da OIT preconiza, é importantíssima de ser efetivada de fato, pois deste modo, fazendo referência a citada situação, o trabalhador “X” poderá se reunir com outros trabalhadores que por ventura partilham do mesmo pensamento e daí poderá se buscar os interesses que almeja e assim não ficara adstrito àquela decisão aprovada pelo sindicato (lógico que obedecendo a todos os tramites legais) que o desagradou.

Portanto, um bom passo para se iniciar as mudanças em prol de uma efetiva representatividade dos trabalhadores nas relações trabalhistas seria a ratificação da Convenção n° 87 da OIT e mudanças que visem modificar as regras para a constituição de sindicatos, a começar pela mitigação, quiçá extinção, do princípio da unicidade sindical.

5.                  REFERÊNCIAS BIBLIOGRAFICAS

ACKERMAN, Mario. Liberdade sindical e trabalho decente. Revista do Trabalho Superior do Trabalho. São Paulo, v. 78, n°2. pp. 141-152. Abr/Jun, 2012;

CASSAR, Vólia Bonfim. Direito do trabalho. 9 ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2014 (LIVRO DIGITAL);

CASSEP, Alexandre Azambuja. Negociação coletiva e os instrumentos normativos negociados: acordo coletivo e convenção coletiva de trabalho. Disponivel em: www.egov.ufsc.br/portal/conteudo/negociacao-coletiva-e-os-instrumentos-normativos-negociados-acordo-e-convencao-col. Acesso em: 09/11/2015;

DELGADO, Mauricio Godinho. Curso de direito do trabalho. 14 ed. São Paulo: LTr, 2015;

GUNTHER, Luis Eduardo e GUNTHER, Noeli Gonçalves da Silva. A negociação coletiva e o trabalho decente. In: Revista Online do Instituto Brasileiro de Administração do Sistema Judiciário. Disponível em: www.ibrajus.org.br/revista/artigo.asp?idArtigo=207. Acesso em: 09/11/2015;

MARTINS, Sérgio Pinto. Comentários à CLT. 15 ed. São Paulo: Atlas, 2011;

__________. Direito do trabalho. 28 ed. São Paulo: Atlas, 2012 (LIVRO DIGITAL);

MONGE, Haline Ottoni Alcântara Costa. A representatividade dos sindicatos e as negociações coletivas frente à reforma sindical. In: Temas atuais de direito e processo do trabalho. Élisson Miessa e Henrique Correia (orgs.). Bahia: JusPodivm, 2014;

NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Curso de direito do trabalho. 26 ed. São Paulo: Saraiva, 2011;

SIQUEIRA NETO, José Francisco. Liberdade sindical no Brasil: desafios e possibilidades. Revista do Tribunal Superior do Trabalho. São Paulo, v. 78, n. 2, pp. 97-106. Abr./Jun, 2012.

Como citar e referenciar este artigo:
BOLETA, Rodrigo de Castro Veiga. Unicidade sindical como entrave à representatividade dos trabalhadores. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2016. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/direito-do-trabalho/unicidade-sindical-como-entrave-a-representatividade-dos-trabalhadores/ Acesso em: 25 abr. 2024