Direito do Trabalho

EC nº 45/2004 e a Competência da Justiça do Trabalho para Apreciar as Questões Relativas aos Descontos do IR incidentes sobre a Remuneração do Trabalhador

EC nº 45/2004 e a Competência da Justiça do Trabalho para Apreciar as Questões Relativas aos Descontos do IR incidentes sobre a Remuneração do Trabalhador

 

 

Jouberto de Quadros Pessoa Cavalcante *

 Francisco Ferreira Jorge Neto **

 

 

I. A Emenda Constitucional nº 45

 

            Com a Emenda Constitucional nº 45, do final do ano de 2004, ocorreu o que se denominou de “reforma do judiciário”, sendo que, dentre as alterações mais relevantes, houve a reformulação do art. 114, CF, e a competência da Justiça do Trabalho foi ampliada. Em outras palavras, houve um deslocamento de competência de outros Órgãos do Poder Judiciário para a Justiça do Trabalho.

 

            Diante do novo Texto Constitucional, a competência da Justiça do Trabalho para as questões relativas aos descontos de Imposto de Renda e Proventos de Qualquer Natureza (IR) incidentes sobre a remuneração do empregado também passa a se estender para todas as demais relações de trabalho (art. 114, I).

 

 

II. Relação de Trabalho

 

            Com a EC nº 45, a competência da Justiça do Trabalho não se limita mais às controvérsias decorrentes da relação de emprego, mas passou a abranger “as ações oriundas da relação de trabalho, abrangidos os entes de direito Público externo e da administração pública direta e indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios” (art. 114, I).

 

            De forma breve, podemos dizer que “relação de trabalho”


[1] é um conceito amplo, abrangendo toda relação jurídica, pouco importando o ramo do Direito que a discipline, em que haja trabalho humano, de modo que ficam excluídos os serviços prestados por pessoa jurídica, máquinas e semoventes. O Pleno Supremo Tribunal Federal, mesmo após a EC nº 45, ratificando decisão liminar do Min. Nelson Jobin, entendeu que as relações administrativas de trabalho com o Estado fogem à competência da Justiça do Trabalho (ADIn nº 3.395-6 – Rel. Min. Cezar Peluso – j. 5/4/2006).

 

 

III. A Competência

 

            Etimologicamente,[2] o termo “competência”, derivado do latim competentia, de competere (estar, no gozo ou no uso de, ser capaz, pertencer ou ser próprio, aptidão), possui, na técnica jurídica, dois sentidos: a) a capacidade, no sentido de aptidão, pela qual a pessoa pode exercitar ou fruir um direito; b) a capacidade, no sentido de poder, em virtude do qual a autoridade possui legalmente atribuição para conhecer certos atos jurídicos e deliberar a seu respeito.

 

            O termo competência, no primeiro caso, revela a faculdade que é assegurada por lei, para que se possam exercitar direitos, autorizando a prática de todos os atos defensivos dos mesmos, ou necessários para mantê-los.

 

            Na segunda hipótese, significa o poder que outorga à pessoa, instituição ou autoridade jurisdicional para deliberar sobre determinado assunto, resolvendo-o segundo as regras ou os limites que a investem nesse mesmo poder.

 

 

IV. O Sistema Federativo e a Repartição de Competência Tributária

 

            O sistema federalista[3] possui algumas características próprias, que também podem ser chamadas de garantias, na exata medida em que buscam preservar a manutenção do pacto federativo.

 

            Dalmo Dallarri[4] aponta como características fundamentais do Estado Federal: a) a União faz nascer um novo Estado e, concomitantemente, aqueles que aderiram à federação perdem a condição de Estados; b) a base jurídica do Estado Federal é uma Constituição e não um tratado; c) na federação não existe direito de secessão; d) as atribuições da União e as das unidades federadas são fixadas na Constituição, por meio de uma distribuição de competências; e) cada esfera de competência se atribui renda própria; f) o poder político é compartilhado pela União e pelas unidades federadas; g) os cidadãos do Estado que adere à federação adquirem a cidadania do Estado Federal e perdem a anterior.

 

            Necessariamente, a autonomia dos estados-membros e dos municípios pressupõe repartição constitucional de competências para o exercício e o desenvolvimento de suas atividades normativas.[5] Assim, no que tange à autonomia, acrescente-se que a estrutura federativa, para a sua manutenção, necessita de uma distribuição de competência nas questões de ordem financeira,[6] para permitir que cada Ente federado atinja seus objetivos, “num clima de segurança, equilíbrio e harmonia.

 

            Para tanto, a comunidade política tem o poder de decretar impostos, cobrar taxas e contribuições de melhoria, em suma, lançar mão de diferentes meios e medidas, que lhe permitam uma justa organização dos serviços públicos. Sobretudo, o esteio mais forte dessa competência tributária e financeira reside na possibilidade da arrecadação de impostos, como a fonte precípua de sua receita”.[7]

 

 

4.1. Competência Tributária do Imposto de Renda e Proventos de Qualquer Natureza

 

            No federalismo brasileiro, há um sistema constitucional de repartição de competência do poder de tributar, ou seja, aptidão para criar tributos, entre a União, Estados-Membros, Distrito Federal e Municípios.

 

            Constitucionalmente, a União tem competência tributária sobre as situações materiais elencadas no art. 153, enquanto os Estados-Membros e o Distrito Federal possuem sua competência prevista no art. 155 e, por último, os Municípios com competência descrita no art. 156.

 

            No caso específico do IR, a competência constitucional tributária é da União (art. 153, III, CF) e compete privativamente à autoridade administrativa constituir o crédito tributário pelo lançamento (art. 142, CTN).

 

 

V. Competência Jurisdicional

 

            Embora o Estado seja uno, como se sabe, ele possui três funções: a legislativa, a executiva e a jurisdicional. Constitucionalmente, o legislativo, o executivo e o judiciário são poderes independentes e vivem em harmonia (artigo 2º, CF). O Poder Legislativo, Executivo e Judiciário “… são expressões com duplo sentido. Exprimem, a um tempo, as funções legislativa, executiva e jurisdicional e indicam os respectivos órgãos, conforme descrição e discriminação estabelecidas no título da organização dos poderes (respectivamente, nos arts. 45-75, 76-91 e 92-135).[8]

 

            É a clássica tripartição dos poderes apresentada por Montesquieu em O espírito das leis.

 

            Deixando as funções legislativa e executiva um pouco de lado[9], coube ao Poder Judiciário “… a função de dizer o direito no processo de conhecimento e, quando necessário, de realizá-lo coativamente (processo de execução)”.[10]

 

            A jurisdição é uma das funções do Estado, “… mediante a qual este se substitui aos titulares dos interesses em conflito para, imparcialmente, buscar a pacificação do conflito que os envolve, com justiça”.[11]

 

            Vicente Greco Filho ensina que a competência “… é o poder de fazer atuar a jurisdição que tem um órgão jurisdicional diante do caso concreto. Decorre esse poder de uma delimitação prévia, constitucional e legal, estabelecida segundo critérios de especialização da justiça, distribuição territorial e divisão de serviço.”[12]

 

            A competência possui estreita relação com a jurisdição,[13] exatamente por ser a competência a forma pela qual o Estado presta a sua função jurisdicional no caso particular,[14] a qual “… é a um só tempo poder do Estado, expressão da soberania nacional, e função, que corresponde especificamente (não exclusivamente) aos órgãos jurisdicionais”.[15]

 

            A jurisdição do Estado é una, sendo múltiplos os órgãos incumbidos da prestação jurisdicional estatal. A divisão em jurisdição comum e especial dos órgãos que compõem o Poder Judiciário é feita pela Constituição Federal.

 

 

5.1. Organização Jurisdicional

 

            Constitucionalmente, são órgãos do Poder Judiciário: a) Supremo Tribunal Federal; b) Conselho Nacional de Justiça; c) Superior Tribunal de Justiça; d) Tribunais Regionais Federais e Juízes Federais; e) Tribunais e Juízes do Trabalho; f) Tribunais e Juízes Eleitorais; g) Tribunais e Juízes Militares; h) Tribunais e Juízes dos Estados e do Distrito Federal e Territórios (art. 92).

 

            Compõem a Justiça Federal: os Tribunais Regionais Federais e os Juízes Federais (art. 106, CF). Enquanto, integram a Justiça do Trabalho: o Tribunal Superior do Trabalho, os Tribunais Regionais do Trabalho e os Juízes do Trabalho (artigo 111).

 

 

5.2. Competência Constitucional Jurisdicional

 

            A própria Constituição elenca as matérias de competência jurisdicional de cada um dos órgãos que integram o Poder Judiciário.

 

            O STF tem a incumbência de guardião da Constituição, com sua competência fixada no artigo 102, enquanto o STJ tem a incumbência jurisdicional delineada pelo artigo 105 e os Tribunais Regionais Federais e Juízes Federais nos artigos 108 e 109, respectivamente.

 

            A competência constitucional da Justiça do Trabalho está prevista no art. 114.

 

 

VI. Competência da Justiça Federal

 

            Nos termos da Constituição, dentre outras matérias, compete aos juízes federais processar e julgar as causas em que a União, entidade autárquica ou empresa pública federal forem interessadas na condição de autoras, rés, assistentes ou oponentes (art. 109, I), cabendo ao Tribunal Regional Federal a revisão desses julgados (art. 108, II).

 

            No caso do IR, ter a União competência exclusiva para constituir o crédito tributário faz com que parte da doutrina e da jurisprudência trabalhista entenda ser de competência da Justiça Federal as questões que envolvam o IR ainda que decorrentes da relação de trabalho.

 

            Isso porque, na visão dessa corrente, o Fisco não é chamado a intervir no processo trabalhista (terceiro na relação processual entre empregado e empregador), de modo que, independentemente da decisão judicial trabalhista, poderia o Fisco cobrar diferenças tributárias do contribuinte ou da fonte pagadora pela via administrativa ou judicial perante a Justiça Federal e os juízes e Tribunais do Trabalho seriam meros agentes arrecadadores de receita. Tratar-se-ia de competência administrativa tributária para verificar e determinar a cobrança do IR.

 

            O TST e a maior parte da doutrina e jurisprudência trabalhista, contudo, entendem que a competência é da Justiça do Trabalho e não da Justiça Federal, em que pese serem controvertidos os efeitos da decisão que julga a relação de trabalho entre empregado e empregador perante o Fisco federal.[16]  [17]

 

            O que se verifica no curso dos processos trabalhistas é que a execução judicial do IR se dá no âmbito do processo de execução trabalhista, seja com o pagamento voluntário (apresentação de guias de recolhimento do tributo perante o juiz trabalhista) ou pela execução forçada (transferência dos valores arrecadados pelo juiz da execução ao erário federal), não cabendo mais à União lançar ou promover a execução do tributo pago, o que inevitavelmente configuraria um bis in idem.

 

            Tanto é assim que os juízes trabalhistas não se limitam a determinar o recolhimento do imposto, mas adentram em questões de natureza tributária, fixando muitas vezes a base de cálculo do tributo, aplicação ou não do princípio da progressividade, mesmo quando os valores são pagos de uma única vez, e o responsável pelo pagamento do tributo.

 

 

VII. Competência Legal da Justiça do Trabalho

 

            Além dos dispositivos constitucionais que fixam a competência da Justiça do Trabalho, a CLT também traz alguns dispositivos que tratam da competência da Justiça do Trabalho, arts. 1º, 7º, 652, 678, 679, 876, 877, 877-A, 878 e 878-A.

 

            O art. 114, da Constituição, em sua redação original, previa de forma clara que também competia à Justiça do Trabalho julgar “os litígios que tenham origem no cumprimento de suas próprias sentenças.”

 

            Nesse sentido, dispõe o art. 877, da CLT, “é competente para a execução das decisões o juiz ou presidente do tribunal que tiver conciliado ou julgado originariamente o dissídio.”

 

 

VIII. Competência da Justiça do Trabalho para Apreciar e Julgar Questões de Descontos Legais (Retenção do IR) Incidentes sobre a Remuneração do Trabalhador

 

            Com a EC nº 20, de 15/12/98, a Justiça do Trabalho passou a ter competência constitucional para determinar a apuração e a execução, de ofício, dos valores referentes às contribuições sociais (art. 195, I, a, e II) e seus acréscimos que se originem ou decorram de suas decisões, tendo sido disciplinada no âmbito infraconstitucional pela Lei nº 10.035, de 25/10/2000, alterando parte da CLT. Atualmente, a competência da Justiça do Trabalho para as questões previdenciárias está estampada no art. 114, VIII.

 

            Por força da EC nº 20, foi atribuída ao juiz do trabalho a competência jurisdicional para decidir sobre um universo de questões que até então ele não se detinha com grande afinco, são as questões de natureza tributária. Como apontam Luiz Eduardo Gunther e Cristina Maria Navarro Zornig: “Atribuída por lei esta competência, o judiciário trabalhista obriga-se a tomar as providências jurisdicionais para o efetivo recolhimento das contribuições devidas ao INSS e, por extensão, como dito, à Receita Federal, em face do crédito recebido pelo empregado. O Juiz do Trabalho terá de se pronunciar sobre a base de cálculo/salários-de-contribuição, bem assim sobre quem será o responsável pelos recolhimentos.”[18]

 

            Ocorre que mesmo muito antes da EC nº 20, a Justiça do Trabalho já se preocupava com o recolhimento dos tributos, em especial, do Imposto de Renda e das contribuições previdenciárias,[19] decorrentes das suas decisões, principalmente, porque a legislação tributária do IR determina a incidência do tributo quando da disponibilidade econômica ou jurídica da renda e proventos (art. 43, CTN) e porque é de sua atribuição apreciar e julgar questões de pagamento de salários e os descontos realizados pelo empregador, ainda que determinada por disposições legais.

 

            A legislação tributária determina expressamente que os rendimentos do trabalho assalariado ficam sujeitos à incidência do IR na fonte, a ser retido por ocasião de cada pagamento pela fonte pagadora (art. 7º, I, § 1º, Lei nº 7.713, de 22/12/88).

 

            Em relação ao cumprimento de decisões judiciais, o legislador tributário determina que o IR sobre os valores pagos será retido pela fonte pagadora no momento em que, de qualquer forma, se dê sua disponibilidade (art. 7º, § 2º, Lei nº 7.713/88, art. 46, Lei nº 8.541, 23/12/92).

 

            Diz o art. 28, da Lei nº 10.833/2003, que cabe à fonte pagadora, no prazo de 15 dias da data da retenção que trata o caput do art. 46, da Lei nº 8.541/92, comprovar, nos respectivos autos, o recolhimento do IR na fonte incidente sobre os rendimentos pagos em cumprimento de decisão da Justiça do Trabalho.

 

            Ainda em relação ao cumprimento das decisões trabalhistas, o juiz do trabalho é competente constitucionalmente para decidir os litígios que tenham origem no cumprimento de suas próprias sentenças e a determinação legal para que se procedam aos descontos do IR no curso do processo nada mais é que um incidente da execução[20] a ser resolvido pelo juiz da causa.

 

            O Min. Marco Aurélio, acompanhado pelos Ministros da 2ª Turma do STF, entendeu que a competência é da Justiça do Trabalho para apreciar as questões que envolvam descontos legais – Imposto de Renda e contribuições previdenciárias – durante a execução de suas decisões.[21]

 

            Diz o Min. Marco Aurélio em sua decisão: “… Cabe examinar, assim, o enquadramento do extraordinário na alínea ‘a’ do inciso III do artigo 102 da Carta da República, considerada a alegação de desrespeito ao artigo 114 dela constante no que define a competência da Justiça do Trabalho.

 

            Os descontos aludidos dizem respeito à execução, em si, do título executivo judicial formalizado pela própria Justiça do Trabalho. Daí competir-lhe definir os descontos que, na forma da lei, incidem sobre os valores a serem satisfeitos pela executada. Esta está compelida, por lei, a certos descontos, considerando a época própria do pagamento, e tal definição não pode ser postergada a fase diversa, muito menos com envolvimento de Justiça estranha àquela que julgou a lide. De qualquer forma, tem-se que os pagamentos a serem feitos decorrem do liame empregatício e, surgindo conflito sobre o valor respectivo e os descontos, cumpre à Justiça do Trabalho dirimi-lo.

 

            Conheço do extraordinário e o provejo para, afastando a incompetência assentada pela Justiça do Trabalho, determinar que prossiga no exame da matéria. É o meu voto” (RE nº 196.517-7 – Rel. Min. Marco Aurélio – j. 14/11/2000 – DJ 20/4/2001 – p. 138).

 

            Além desses dispositivos legais de natureza tributária, a CLT veda expressamente ao empregador a possibilidade de efetuar qualquer desconto nos salários dos seus empregados, salvo se resultante de adiantamento, de dispositivo legal ou de contrato coletivo (artigo 462, CLT). É o princípio da intangibilidade salarial.[22]

 

            A proteção ao salário é fator decorrente do princípio tutelar do direito do trabalho.

 

            Os descontos nos salários autorizados por lei são: a) contribuição sindical (art. 582, CLT); b) mensalidades devidas pelo empregado sindicalizado (art. 548, c, e 545, CLT); c) retenção de saldo de salário quando o empregado pede demissão e não cumpre o aviso prévio; d) pagamento de pensão alimentícia e de pena criminal pecuniária; e) até 6% do salário do empregado para custear o vale-transporte (art. 9º, I, Decreto nº 95.247/67); f) até 20% do custo direto da refeição (art. 2º, I, Decreto nº 5/91); g) dívidas contraídas para aquisição da casa própria pelo Sistema Financeiro da Habitação (art. 1º, Lei nº 5.725/71); h) multa em relação ao jogador de futebol (art. 15, Lei nº 6.334/76); i) contribuição previdenciária (art. 30, I, a, Lei nº 8.212/91); j) Imposto de Renda na fonte (art. 7º, Lei nº 7.713/88); k) os valores referentes ao pagamento de empréstimos, financiamentos e operações de arrendamento mercantil concedidos por instituições financeiras e sociedades de arrendamento mercantil desde que autorizados previamente (art. 1º, Lei nº 10.820/2003).

 

            Dispositivos como esses fizeram com que a Justiça do Trabalho se preocupasse com os descontos legais efetuados pelo empregador nos salários dos seus empregados e a correta retenção do IR e das contribuições previdenciárias incidentes sobre esses valores, seja durante a vigência do contrato de trabalho, seja na extinção do pacto laboral ou quando de pagamentos feitos perante a Justiça do Trabalho.

 

            Tanto é verdade que em julho de 1984, o TST, em ato administrativo do Corregedor Geral, editou o Provimento nº 3, de 9/7/84, determinando que nas hipóteses de condenação do empregador ao cumprimento de obrigação de dar, a decisão deveria registrar, quando cabível, a incidência dos descontos legais relativos à contribuição previdenciária e ao imposto de renda.

 

            Em fevereiro de 1990, outro Provimento do Corregedor Geral do TST tratou da matéria (Provimento nº 1, de 20/2/90), determinando aos Tribunais Regionais a adoção de medidas objetivando alcançar a demonstração pelos devedores do recolhimento das importâncias devidas à Previdência Social.

 

            O Provimento do Ministro Corregedor Geral nº 1/93, de 12/1/93, determinava a apuração e o pagamento dos valores devidos à União pela incidência do Imposto de Renda e Proventos de Qualquer Natureza quando do pagamento de créditos trabalhistas por acordo ou cumprimento de decisão judicial (Provimento TST/CG nº 1, de 12/1/93).

 

            Alguns meses após aquele Ato Administrativo, outro Provimento do Min. Corregedor tratou do recolhimento das contribuições previdenciárias, determinando que as decisões condenatórias da Justiça do Trabalho observassem a necessidade dos recolhimentos das contribuições previdenciárias devidas ao INSS, inclusive destacando os valores devidos quando dos cálculos de liquidação da sentença pelo empregado e empregador (Provimento TST/CG nº 2, de 27/8/93).

 

            Em dezembro de 1996, novo Provimento do Corregedor-Geral da Justiça Especializada cuidou do tema (Provimento TST/CG nº 1, de 5/12/96), atribuindo unicamente ao empregador o ônus de calcular, deduzir e recolher à União o IR relativo às importâncias pagas ao reclamante quando do cumprimento das decisões daquela Justiça (artigos 1º e 2º, Provimento TST/CG nº 1, de 5/12/96), bem como determinava aos juízes a adoção das medidas necessárias ao cálculo, dedução e recolhimento das contribuições previdenciárias devidas pelo empregado ao INSS (art. 3º).

 

            O Provimento TST/CG nº 1, de 16/4/97, determinou a aplicação do Provimento nº 1/96 às execuções de débitos trabalhistas realizadas por precatórios.

 

            Ante tais determinações legais e administrativas, alguns questionamentos judiciais surgiram, principalmente no tocante a competência jurisdicional da Justiça do Trabalho para determinar e resolver algumas questões jurídicas de natureza tributária, bem como em relação à incidência dos tributos sobre algumas verbas, como a indenização recebida pela adesão ao programa de demissão voluntária.

 

            Após vários anos de questionamento, atualmente, o debate dessas questões encontra-se pacificado pela Súm. 368, TST, in verbis:

 

Súm. nº 368 DESCONTOS PREVIDENCIÁRIOS E FISCAIS. COMPETÊNCIA. RESPONSABILIDADE PELO PAGAMENTO. FORMA DE CÁLCULO (inciso I alterado).

            I. A Justiça do Trabalho é competente para determinar o recolhimento das contribuições fiscais. A competência da Justiça do Trabalho, quanto à execução das contribuições previdenciárias, limita-se às sentenças condenatórias em pecúnia que proferir e aos valores, objeto de acordo homologado, que integrem o salário-de-contribuição.

II. É do empregador a responsabilidade pelo recolhimento das contribuições previdenciárias e fiscais, resultante de crédito do empregado oriundo de condenação judicial, devendo incidir, em relação aos descontos fiscais, sobre o valor total da condenação, referente às parcelas tributáveis, calculado ao final, nos termos da Lei nº 8.541, de 23.12.1992, art. 46 e Provimento da CGJT nº 01/1996.

III. Em se tratando de descontos previdenciários, o critério de apuração encontra-se disciplinado no art. 276, §4º, do Decreto n º 3.048/99 que regulamentou a Lei nº 8.212/91 e determina que a contribuição do empregado, no caso de ações trabalhistas, seja calculada mês a mês, aplicando-se as alíquotas previstas no art. 198, observado o limite máximo do salário de contribuição.

 

            O STJ, por vezes, foi invocado para decidir questões de natureza tributária decorrentes do contrato de trabalho, chegando inclusive a editar algumas súmulas sobre seu posicionamento jurídico (Súm. nº 125, 136 e 215).

 

            Apesar das posições contrárias,[23] a competência da Justiça do Trabalho para apreciar e julgar as questões que envolvam os tributos incidentes sobre a remuneração do empregado e agora de todo e qualquer trabalhador justifica-se na própria legislação tributária que determina a incidência do IR no momento da disponibilidade da remuneração mensalmente ou quando do cumprimento da decisão trabalhista (art. 43, CTN, art. 28, da Lei nº 10.833/2003, art. 7º, Lei nº 7.713/88, art. 46, Lei nº 8.541/92, art. 114, CF) e porque constitucionalmente compete à Justiça Especializada decidir litígios decorrentes da relação de trabalho, sendo a retenção do imposto pela fonte pagadora, não diz respeito apenas à matéria tributária, mas também à realização de descontos legais incidentes sobre a remuneração do trabalhador (art. 462, CLT, princípio da intangibilidade salarial) e, por último, as controvérsias sobre a retenção do imposto, no curso do processo de execução, são incidentes a serem solucionados pelo juiz do trabalho (art. 114, CF, art. 877, CLT).

 

            Essa é a posição pacífica do TST esboçada em inúmeros julgados, entre os quais destacamos parte do acórdão proferido nos autos do Recurso de Revista nº 423.269/1998.9, da lavra do Min. Rider de Brito. Destacamos parte do voto: “Quanto aos descontos para o Imposto de Renda, os argumentos expostos no exame do art. 114 da CF/88 são os mesmos. Quanto à lei ordinária, é o art. 46 da Lei n. 8.541, de 23.12.93 que trata do assunto e assim dispõe: ‘art. 46. O imposto sobre a renda incidente sobre os rendimentos pagos em cumprimento da decisão judicial será retido na fonte pela pessoa física ou jurídica obrigada ao seu pagamento, no momento em que, por qualquer forma, o recebimento se torne disponível para o beneficiário.’ Se estamos em sede de decisão judicial trabalhista, e se a lei afirma que o imposto sobre a renda será retido na fonte pela pessoa física ou jurídica obrigada ao seu pagamento, em decorrência de decisão judicial, a toda evidência é a autoridade judicial trabalhista que assim determinará. CONHEÇO do Recurso por violação dos arts. 43 e 44 da Lei nº 8.212/91 e 114 da Constituição Federal e por divergência jurisprudencial com os arestos de fls. 546/549. …

Isto posto, acordam os Ministros da Quinta Turma do Tribunal Superior do Trabalho, por unanimidade, conhecer do recurso de revista apenas quanto ao tema ‘Descontos Previdenciários e Fiscais. Competência da Justiça do Trabalho’ por divergência jurisprudencial e por violação dos arts. 43 e 44 da Lei nº 8.212/91 e 114 da Constituição Federal e, no mérito, dar-lhe provimento para, declarando a competência da Justiça do Trabalho, determinar que sejam efetuados os descontos de Imposto de Renda e da Previdência Social sobre o montante a ser pago ao reclamante, conforme for apurado em liquidação de sentença’. Brasília, 20 de fevereiro de 2002. Rider de Brito Ministro Relator.

 

 

Conclusão

 

       Feitas essas considerações, estamos convictos de que, independentemente de menção constitucional ou legal expressa, compete à Justiça do Trabalho apreciar e julgar questões inerentes ao Imposto de Renda e Proventos de Qualquer Natureza incidentes sobre a remuneração do trabalhador. Isso porque a legislação tributária é inequívoca quando determina a incidência do IR no momento da disponibilidade da remuneração mensalmente ou quando do cumprimento da decisão trabalhista (art. 43, CTN, art. 28, Lei nº 10.833/2003, art. 7º, Lei nº 7.713/88, art. 46, Lei nº 8.541/92, art. 114, CF), além disso, constitucionalmente compete à Justiça Especializada decidir litígios decorrentes da relação de trabalho e a retenção do imposto pelo empregador, na qualidade de fonte pagadora, não diz respeito apenas à matéria tributária, mas também à realização de descontos legais sobre a remuneração do trabalhador (art. 462, CLT, e princípio da intangibilidade salarial), e as controvérsias sobre a retenção do tributo, no curso do processo de execução, são incidentes a serem solucionados pelo juiz do trabalho (art. 877, CLT).

 

 

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* Advogado. Professor da Faculdade de Direito Mackenzie. Coordenador do Curso de Direito da Faculdade Integração Zona Oeste (FIZO). Ex-procurador chefe do Município de Mauá. Mestre em Direito Político e Econômico pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. Mestre em Integração da América Latina pela Universidade de São Paulo (USP/PROLAM).

 

** Juiz Titular da 1ª Vara do Trabalho de São Caetano do Sul. Professor convidado no curso de pós-graduação lato sensu da Universidade Presbiteriana Mackenzie. Professor do Centro Universitário de Santo André (UNI-A) nas matérias de Direito do Trabalho e Processo do Trabalho. Mestre em Direito das Relações Sociais – Direito do Trabalho pela PUC-SP

 

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[1] “Relação de Trabalho. Vínculo contratual de prestação de serviços em que o prestador trabalha sem subordinação e por conta própria. Não se confunde com a relação de emprego, que tem natureza não eventual e exige subordinação de empregado e empregador. Ensejam mera relação de trabalho os contratos de prestação de serviços, de empreitada ou o mandato. …” (Marcus Cláudio Acquaviva. Dicionário Jurídico Brasileiro Acquaviva, 13ª ed., p. 735-736).

[2] De Plácido e Silva. Vocabulário Jurídico, 27ª ed., p. 318. Luiz Pinto Ferreira. Federação. In: Enciclopédia Sarava do Direito, v. 36, p. 424. Ester C. Piragibe Magalhães; Marcelo C. Piragibe Magalhães. Dicionário Jurídico Piragibe, 9ª ed., p. 264.

[3] O termo “federação”, etimologicamente, derivado do latim foederatio, de foederare (unir, ligar por aliança), é empregado na técnica do Direito Público, como a união indissoluvelmente instituída por Estados independentes ou da mesma nacionalidade para a formação de uma só entidade de soberania (De Plácido e Silva. Ob. cit., p. 606).

            Nas palavras de Manoel Gonçalves Ferreira Filho, “por Federação deve-se entender, em direito público, um tipo de coletividade caracterizado pela associação parcial de coletividades em vista da realização de interesses comuns e, reciprocamente, pela autonomia parcial dessas mesmas coletividades em vista do atendimento a seus interesses particulares. A Federação é mais do que uma simples aliança. Ela forma uma nova coletividade pública, com órgão próprio e competência própria, o que não se dá com a mera aliança entre Estados. Todavia, essa nova coletividade não importa no desaparecimento das que a formaram, as quais conservam autonomia, portanto órgãos e competências próprias.” (Comentários à Constituição Brasileira de 1988, v. 1, p. 137)

            Nas palavras de Pinto Ferreira: “O Estado federal é uma organização, formada sob a base de uma repartição de competências entre o governo nacional e os governos estaduais, de sorte que a União tenha supremacia sobre os Estados-membros, e estes sejam entidades dotadas de autonomia constitucional perante a mesma União.” (Ob. cit., p. 424)

[4] Dalmo Dallari. Elementos de Teoria Geral do Estado, p. 227.

[5] Raul Machado Horta. Estudos de Direito Constitucional, p. 363.

[6] “A autonomia do Estado-Membro sofre o condicionamento da repartição de competências e, portanto, das normas primárias da Constituição Federal. Essa verificação conduz a uma outra, no domínio do ordenamento jurídico do Estado-Membro. Se, como é da natureza do sistema federal, a discriminação de competências estabelecida pela Constituição Federal vai condicionar a autonomia do Estado-Membro, o ordenamento jurídico resultante da atividade autonômica será, sob muitos aspectos, ordenamento jurídico derivado e não originário.

            O ordenamento jurídico pressupõe relação de dependência com ordenamento jurídico superior, a cujas normas se submete … “ (Raul Machado Horta. Ob. cit., p. 372).

[7] Luiz Pinto Ferreira. Ob. cit., p. 433.

[8] José Afonso da Silva. Curso de Direito Constitucional Positivo, p. 97.

[9] Cada um dos Poderes exerce uma função típica, qual seja: o Executivo, administrar; o Legislativo, normativa; o Judiciário, prestação jurisdicional. Ocorre que além das funções típicas, também exercem funções atípicas, assim denominadas aquelas funções que, via de regra, pertencem a outro Poder. “O Legislativo, por exemplo, além da função normativa, exerce a função jurisdicional quando o Senado processa e julga o Presidente da República nos crimes de responsabilidade (art. 52, I, CF) ou os Ministros do Suprem Tribunal Federal pelos mesmos crimes (art. 52, II, CF). Exerce também a função administrativa quando organiza seus serviços internos (art. 51, IV e 52, XIII, CF).

            O Judiciário, afora sua função típica (função jurisdicional), pratica atos no exercício de função normativa, como na elaboração dos regimentos internos dos Tribunais (art. 96, I, a, CF), e de função administrativa, quando organiza os seus serviços (art. 96, I, a, b, c; art. 96, II, a, b etc.).

            Por fim o Poder Executivo, ao qual incumbe precipuamente a função administrativa, desempenha também função atípica normativa, quando produz, por exemplo, normas gerais e abstratas através de seu poder regulamentar (art. 84, IV, CF), ou, ainda, quando edita medidas provisórias (art. 62, CF) ou leis delegadas (art. 68, CF).”(José dos Santos Carvalho Filho. Manual de Direito Administrativo, p. 2-3).

[10] Arruda Alvim. Manual de Direito Processual Civil, v. 1, p. 161.

[11] Antonio Carlos de Araújo Cintra; Ada Pellegrini Grinover; Cândido Rangel Dinamarco. Teoria Geral do Processo, 14ª ed., p. 129.

[12] Vicente Greco Filho. Direito Processual Civil Brasileiro, v. 1, p. 177.

[13] A jurisdição é, em primeiro lugar, um poder, porque atua congentemente como manifestação da potestade do Estado e o faz definitivamente em face das partes em conflito; é também uma função. Porque cumpre a finalidade de fazer valer a ordem jurídica posta em dúvida em virtude de uma pretensão resistida; e, ainda, é uma atividade. Consistente numa série de atos e manifestações externas de declaração do direito e de concretização de obrigações consagradas num título (Vicente Greco Filho. Ob. cit., p. 173).

[14] Adolph Sckönke apud José Eduardo Carreira Alvim. Elementos de Teoria Geral do Processo, p. 89.

[15] José Eduardo Carreira Alvim. Ob. cit., p. 89.

[16] A regra geral do artigo 472, CPC, é de que a decisão judicial somente obriga as pessoas entre as quais foi dada (res judicata facit jus inter partes), não prejudicando nem beneficiando terceiros (res inter alios iudicata tertio non nocet).

            Contudo, a questão não é tão simples assim, como afirma José Eduardo Carreira Alvim: “Este tema é dos mais controvertidos, em doutrina, e, até o momento, não se chegou a resultados satisfatórios. …

            Observa Liebman que, na vida real, as relações entre as pessoas interferem de várias maneiras entre elas; e a sentença pode ser indiretamente relevante para terceiros.” (Ob. cit., p. 297).

            Antônio Cláudio da Costa Machado entende que o dispositivo legal (art. 472, CPC) não impede a rediscussão do julgamento do pedido pelo terceiro juridicamente interessado (Código de Processo Civil Interpretado: Artigo por Artigo, Parágrafo por Parágrafo, p. 647).

            Em seus estudos, Carreira Alvim aponta seis teorias que tratam da extensão da coisa julgada a terceiros em relação a lide processual: a) doutrina da identidade objetiva da relação jurídica – defendida por Coglioli, Mendelssohn-Barthold e Sperl, a extensão da coisa julgada a terceiro ocorreria quando as duas relações jurídicas (a resolvida e do terceiro) sejam idênticas; b) doutrina da representação – elaborada por Savigny e defendida por Teixeira de Freitas, João Monteiro e Paula Batista, considera os efeitos da coisa julgada sobre terceiros quando estes fossem de alguma forma representados no processo, como no caso das sucessões das partes; c) doutrina da identidade de posição jurídica – a coisa julgada teria efeitos sobre os terceiros que pleiteassem em Juízo uma relação idêntica à decidida, quanto à coisa pedida e à causa de pedir; d) doutrina da subordinação da posição jurídica – para Emílio Betti, a coisa julgada se estende a terceiro pela condição de subordinação (direito material: sucessão, substituição processual, concorrência alternativa e dependência necessária) em que esse se encontra em face de um dos litigantes; e) doutrina dos efeitos reflexos da coisa julgada – para essa última teoria, baseada nos ensinamentos de Ihering, com adesão de Chiovenda, a coisa julgada (ato jurídico) atinge terceiros como um dos reflexos da decisão judicial, diverso dos efeitos diretos que produz para as partes; f) teoria da eficácia natural da sentença – Enrico Tulio Liebman vê a coisa julgada não como um efeito da sentença, mas uma qualidade desse efeito, de modo que a eficácia natural da sentença vale para todos, enquanto a coisa julgada se forma apenas para as partes, podendo ser questionada por terceiros, desde que sofram prejuízo jurídico e não econômico (Ob. cit., p. 296-302).

[17] “O Coordenador-Geral de Assuntos Tributários desta Procuradoria Geral determinou a elaboração de parecer, para esclarecer a quem cabe a responsabilidade tributária pelo recolhimento do Imposto de Renda, nas hipóteses de tributação exclusiva na fonte, quando houver decisão judicial impeditiva da retenção pela fonte pagadora.

            O esclarecimento se faz necessário em face da jurisprudência administrativa dominante nos Conselhos de Contribuintes no sentido de que a responsabilidade seria unicamente da fonte, excluindo-se a do contribuinte, mesmo quando aquela estiver impedida de exercer sua obrigação por decisão judicial, já que, segundo os julgados dos referidos Colegiados, o contribuinte seria parte ilegítima para ser autuado pelo Fisco, sendo nulo de pleno direito o auto de infração que lhe atribuir a responsabilidade pelo pagamento do tributo não retido.” (Manoel Felipe Rego Brandão. Responsabilidade Tributária nas Decisões Judiciais. Parecer PGFN/CAT nº 2.998, de 18/9/2002, p. 19).

[18] Luiz Eduardo Gunther; Cristina Maria Navarro Zornig. Descontos previdenciários e fiscais na Justiça do Trabalho. Jornal Trabalhista Consulex, n. 893, p. 10.

[19] O recolhimento das contribuições previdenciárias advindas do cumprimento de decisões judiciais foi disciplinado inicialmente pela Lei n. 7.789, de 30.6.89, artigo 12, o qual dispunha: “Em caso de extinção de processos trabalhistas de qualquer natureza, inclusive a decorrente de acordo entre as partes, de que resultar pagamento de vencimentos, remuneração, salário e outros ganhos habituais do trabalhador, o recolhimento das contribuições devidas à Previdência Social será efetuado incontinenti.”

            Atualmente, a matéria é disciplinada pelos arts. 43 e 44, da Lei nº 8.212, de 24/7/91.

[20] “Diante dessas obrigações estipuladas por dois diplomas diversos, cada qual tratando de um assunto, mas ambos influindo diretamente na execução de parcelas decorrentes de condenações trabalhistas, a Corregedoria-Geral da Justiça do Trabalho orientou os demais órgãos que compõem a Justiça do Trabalho, através de seu Provimento de n. 01/96, atribuindo a responsabilidade de determinar as medidas necessárias ao recolhimento das importâncias devidas em face de ambos os diplomas legais acima mencionados, sobre o montante das condenações advindas de decisões emanadas da própria Justiça Laboral.

            Muitos reclamantes, porém, não se conformaram com tais determinações, passando a sustentar que a Justiça do Trabalho seria incompetente para tanto, em face da natureza da matéria tratada. …

            O Precedente comentado, porém, não sufraga esta tese, confirmando a competência da Justiça Laboral para a realização dos descontos previdenciários e fiscais sobre as condenações trabalhistas, até porque não se pode negá-la. Isso porque a determinação de tais descontos nada mais é do que questão incidental na execução trabalhistas, de competência, portanto, do juízo perante o qual se processa a sua solução. Mais inegável ainda é a competência da Justiça do Trabalho quanto a tais providências, quando o desconto vem determinado na própria sentença exeqüenda, inserindo-se a hipótese na parte final do artigo 114 da Carta Magna.” (José Eduardo Haddad. Precedentes Jurisprudenciais do TST Comentados, p. 285)

[21] “COMPETÊNCIA. EXECUÇÃO. TÍTULO JUDICIAL TRABALHISTA. DESCONTOS PREVIDENCIÁRIOS E DO IMPOSTO DE RENDA. CONTROVÉRSIA. Cumpre à própria Justiça do Trabalho, prolatora do título judicial e competente para a execução respectiva, definir a incidência, ou não, dos descontos previdenciários e para o imposto de renda” (STF – 2ª T. – RE nº 196.517-7 – Rel. Min. Marco Aurélio – j. 14/11/2000 – DJ 20/4/2001 – p. 138).

[22] “O salário deve ser integralmente pago. Esse o princípio. Proíbe a lei que sejam efectuados descontos, mediante os quais se reduziria efectivamente o montante da remuneração ajustada. As conseqüências de tal redução seriam desastrosas para o trabalhador. Como se sabe, o salário é o meio único de sua subsistência, tendo, por conseguinte, indiscutível caráter alimentar. A possibilidade de ser diminuído, por descontos, retenção ou compensação, constituiria grave ameaça ao equilíbrio do orçamento doméstico do empregado. Por outro lado, ensejaria ao empregador a prática de condenáveis abusos, que se concretizariam em absurda especulação sobre o salário. Daí, a proibição estabelecida em lei, e encontradiça nas legislações que protegem o salário.(…)

            O princípio da integralidade do salário sofre exceções. Há descontos que são autorizados pela lei.” (Orlando Gomes. O Salário no Direito Brasileiro, p. 103-104).

[23] Analisando a questão, o Ministro Ari Pargendler do Superior Tribunal de Justiça entendeu que “a Justiça do Trabalho é 
competente para examinar esse pedido, circunstância suficiente para a solução do conflito. Se ele for julgado procedente, a 
pretensão articulada na inicial estará satisfeita. Se for julgado improcedente, a jurisdição trabalhista também estará esgotada, 
porque as implicações tributárias do acordo só podem ser dirimidas na Justiça Federal, tendo como parte passiva a União” 
(STJ – 2ª Seção – CC nº 24.094 (1998/0093032-9) – Rel. Min. Ari Pargendler – j. 9/8/99 – DJ 13/9/99 – p. 38 – DECTRAB vol. 63 – p. 89).

               Em outra oportunidade, o Ministro Ari Pargendler assim se manifestou: “Se esse incidente não se limitasse à competência; 
a ação de repetição dos valores descontados de vencimentos ou proventos, a título de imposto de renda, não pode ser processada sem 
que dela participe, como litisconsorte, a União Federal, que é o sujeito ativo desse tributo e perante a Justiça Federal, a única competente 
para dispor a respeito” (STJ – Primeira Seção – CC nº 18.822 (1996/76948-6) – Rel. Min. Ari Pargendler – j. 9/4/97 – DJ 5/5/97 – p. 16999).

Como citar e referenciar este artigo:
CAVALCANTE, Jouberto de Quadros Pessoa; NETO, Francisco Ferreira Jorge. EC nº 45/2004 e a Competência da Justiça do Trabalho para Apreciar as Questões Relativas aos Descontos do IR incidentes sobre a Remuneração do Trabalhador. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2009. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/direito-do-trabalho/ec-no-452004-e-a-competencia-da-justica-do-trabalho-para-apreciar-as-questoes-relativas-aos-descontos-do-ir-incidentes-sobre-a-remuneracao-do-trabalhador/ Acesso em: 28 mar. 2024