Direito Sucessório

Planejamento Sucessório e os Instrumentos Contratuais

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Laísa Santos

plaNo último artigo publicado pela área de Planejamento Patrimonial, Família e Sucessões do escritório, abordou-se o tema do planejamento sucessório de uma maneira bastante ampla, trazendo-se o seu conceito e a sua finalidade. No presente texto, pretende-se abordar, brevemente, alguns dos instrumentos de natureza contratual que que estão à disposição e podem ser utilizados na hora de planejar a sucessão.

É importante destacar que a escolha dos critérios, estratégias e instrumentos dependerá dos objetivos do titular do patrimônio, dos seus familiares e de terceiros que porventura vierem a ser contemplados. Assim, a estrutura deve ser individualizada e personalizada conforme as peculiaridades do caso concreto e do grupo familiar.

Abaixo serão abordados alguns instrumentos de natureza contratual que são rotineiramente utilizados quando do planejamento:

Contrato de compra e venda entre ascendente e descendente

É muito comum, como medida integrante do planejamento sucessório, a realização de venda de bens entre ascendente e descendente.

Mas é necessário ter cautela com este instrumento. Para impedir que o ascendente possa beneficiar um dos seus descendentes em prejuízo dos demais, desrespeitando a legítima, o Código Civil veda a alienação do bem sem que os outros herdeiros expressamente consintam com o ato. A finalidade da norma é evitar a desigualdade na atribuição dos herdeiros necessários, o que pode ser feito através de uma venda simulada ou fraudulenta, como aquela efetivada a preço vil. Em outras palavras, o objetivo é coibir doações inoficiosas, camufladas de compra e venda.

Ainda, é necessário que haja o consentimento do cônjuge para a venda, na medida em que este também é considerado herdeiro necessário – salvo se o casamento foi celebrado sob o regime de separação obrigatória de bens.

Evidencia-se que o consentimento para a venda de ascendente a descendente pelos demais herdeiros deve se dar por escrito, podendo tal anuência ser ou não contemporânea àquele ato negocial.

Se, entretanto, um dos descendentes ou mesmo o cônjuge recusar consentimento à venda desmotivadamente, poderá o descendente comprador ou o ascendente vendedor requerer o suprimento daquele assentimento em juízo.

Importante destacar, ainda, que se o referido ato de alienação não atender aos requisitos dispostos em lei, poderá ser anulado. Assim, é necessário que todos os requisitos intrínsecos e extrínsecos sejam rigorosamente cumpridos.

Abaixo, faz-se um breve apanhado sobre as principais utilidades da venda de ascendente para descendente como providência pertinente ao planejamento patrimonial e sucessório:

  •  Atribuir a determinado descendente bem que se revele indispensável à sua sobrevivência ou desenvolvimento;
  • Propiciar ao ascendente os recursos advindos da alienação para a sua manutenção e subsistência, garantindo, ainda, que o referido bem continue no seio familiar;
  • Quando o ascendente, ciente das possibilidades de divergência entre os herdeiros, queira pôr termo a qualquer possibilidade de questionamento futuro acerca da destinação que em vida foi por ele outorgada a determinado bem, já que, ao contrário da doação, a compra e venda, uma vez feita com anuência dos demais herdeiros, dificilmente poderá vir a ser impugnada; e
  • Quando o ascendente deseja transferir a um de seus descendentes algum bem determinado e já comprometeu a parcela disponível do seu patrimônio ou extrapolou a legítima.

O contrato de compra e venda entre ascendente e descendente pode ser um excelente instrumento para o planejamento sucessório, desde que tais transações sejam sempre pautadas pela boa-fé e desde que sejam observados os requisitos para a sua perfectibilização.

Contrato de doação

Assim como o contrato de compra e venda entre ascendente e descendente, o contrato de doação é um instrumento extremamente utilizado durante a elaboração de um planejamento sucessório.

A doação é, de maneira bastante simplista, um contrato por meio do qual uma pessoa – denominada doadora – transfere a outra – designada donatária –, por mera liberalidade, bens ou vantagens integrantes do seu patrimônio.

De modo geral, as doações de ascendentes a descendentes ou de um cônjuge ao outro – desde que sejam herdeiros – importam em adiantamento de herança. Ou seja, os bens recebidos em doação deverão ser levados à colação por ocasião do inventário dos bens deixados pelo doador com vistas à equalização da legítima. Na hipótese de o donatário não levar o bem recebido a título de liberalidade à colação, sujeitar-se-á ele à pena de sonegados e à perda do direito sobre o bem. Cumpre destacar que é nula a doação da parte que exceder àquela que o doador, no momento da liberalidade, poderia dispor em testamento (doação inoficiosa).

Não obstante, pode o doador dispensar o donatário de levar o bem doado à colação, esclarecendo expressamente que a liberalidade se comporta em sua metade disponível e que dela foi retirado.

Diferentemente do contrato de compra e venda, a doação não reclama o consentimento dos demais descendentes, pois é, de antemão, considerada adiantamento de herança. Contudo, é necessária a outorga uxória – salvo se o casamento foi celebrado sob o regime da separação de bens ou se o bem doado for incomunicável.

Ainda, é indispensável que o contrato de doação seja instrumentalizado por escrito, através de escritura pública ou instrumento particular, permitindo-se a doação verbal apenas quando esta versar sobre bens de pequena monta.

A bem da verdade, a doação dos pais aos filhos significa, na sua grande maioria, uma verdadeira partilha em vida, produzindo efeitos desde o momento da efetiva transferência do bem.

Uma vez efetivada a doação, pode o doador revogar a liberalidade, através de ação judicial, em apenas quatro hipóteses, quais sejam: (i) se o donatário atentou contra a vida do doador ou cometeu crime de homicídio doloso contra ele, seu cônjuge, ascendente, descendente ou irmão; (ii) se cometeu contra ele ou seus familiares próximos ofensa física; (iii) se injuriou gravemente ou caluniou o doador; e (iv) se recusou ao doador os alimentos de que este necessitava, caso pudesse auxiliá-lo.

O prazo para a revogação da doação por quaisquer dos motivos mencionados é de um ano a contar do conhecimento do fato pelo doador. É importante mencionar que o direito de revogar a doação é personalíssimo e privativo do doador – com exceção do homicídio doloso.

Se assim desejar, o doador poderá, ainda, reservar para si o usufruto do acervo objeto da liberalidade, garantindo-lhe a percepção dos frutos e dos rendimentos daqueles bens, transferindo apenas a nua propriedade aos donatários. Pode, também, celebrar a doação com cláusula de reversão em favor do doador na hipótese de falecimento do donatário.

Cabe destacar que no momento da avaliação da conveniência do uso deste instrumento para o planejamento sucessório, é importante contabilizar a incidência do Imposto de Transmissão Causa Mortis ou Doação (ITCMD), devendo o referido tributo ser recolhido previamente à lavratura da escritura pública ou instrumento particular.

O contrato de doação é um importante instrumento para o planejamento sucessório, uma vez que é por seu intermédio que se permite aos donatários, quando futuros herdeiros, de imediato tornarem-se proprietários de determinados bens. A doação apresenta significativas vantagens. Veja-se:

  •  Possibilita a transferência da titularidade do bem, desde logo, subtraindo a necessidade de partilha, caso seja retirado da parte disponível do titular do patrimônio;
  • Permite que possam os donatários, quando futuros herdeiros, administrar os bens recebidos a título de antecipação de herança;
  • Assegura a propriedade específica de determinado bem em favor de um donatário específico, eliminando, assim, indesejados condomínios;
  • Propicia proteção ao donatário eventualmente desprovido de recursos, pois a doação poderá assegurar, por exemplo, que um imóvel sirva de moradia;
  • Os bens doados podem ser gravados com cláusula de incomunicabilidade e impenhorabilidade, propiciando segurança de que eles permanecerão no seio familiar.

Seguro de vida

O seguro de vida constitui uma modalidade de seguro de pessoas e é feito, em sua grande maioria, para assegurar a sobrevivência de familiares ou pessoas próximas, até que tenham acesso aos bens deixados pelo titular do patrimônio, pois enseja o recebimento imediato do valor pago pela seguradora, o que garante ao respectivo beneficiário numerário suficiente para fazer frente ao recebimento da herança, além de valores para garantir a sua mantença.

Destaca-se que a aplicação da ordem sucessória do Código Civil só ocorrerá se o segurado não indicar beneficiário ou, caso tenha indicado, por qualquer motivo não puder ser respeitada essa indicação, como acontece, por exemplo, na hipótese em que o beneficiário falece antes do segurado.

A relevância como instrumento de planejamento sucessório reside em alguns importantes diferenciais, quais sejam:

  •  O capital será recebido imediatamente pelo beneficiário livremente indicado pelo segurado, independentemente da quantidade de débitos que o falecido tenha deixado;
  • Poderão ser contratadas quantas apólices forem necessárias para atender os anseios do segurado, titular do patrimônio;
  • A escolha do beneficiário é livre;
  • Pode evitar a venda de bens móveis e imóveis para custeio das despesas com inventário e pagamento de impostos, garantindo, também, que seus beneficiários tenham condições econômicas de subsistência.

Evidencia-se, por fim, que o valor do capital segurado não estará sujeito a pagamento de dívidas do seguro e tampouco integrará a herança deste – salvo se houver o falecimento de algum beneficiário.

É notório que há diversos instrumentos contratuais que podem ser utilizados para a realização de um planejamento sucessório eficaz. Para além dos mencionados acima, pode-se citar o pacto antenupcial, o contrato de namoro, o contrato de mandato e o contrato de comodato.

Não obstante, como trazido anteriormente, para a escolha do melhor instrumento para planejar a sucessão, é necessário analisar detalhadamente o caso concreto e a composição familiar para que se possa abarcar os anseios do titular do patrimônio e de todos aqueles que serão beneficiados.

Nos próximos artigos da unidade de Planejamento Patrimonial, Família e Sucessões, continuaremos a abordar mais detalhadamente os principais instrumentos utilizados para a construção de um planejamento sucessório.

Caso você tenha alguma dúvida, entre em contato com um dos especialistas da área através do nosso e-mail  contato@schiefler.adv.br.

Este artigo foi originalmente publicado em: https://schiefler.adv.br/planejamento-sucessorio-instrumentos-contratuais/

Como citar e referenciar este artigo:
SANTOS, Laísa. Planejamento Sucessório e os Instrumentos Contratuais. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2021. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/direito-sucessorio/planejamento-sucessorio-e-os-instrumentos-contratuais/ Acesso em: 19 abr. 2024