Direito Penal

A tipicidade e sua íntima relação com o Direito Penal do Inumano

Fernando Gentil Gizzi de Almeida Pedroso

Martha Angélica Sossai

RESUMO: Empós o fatídico, e funesto, episódio de 11 de setembro de 2001, o mundo, perplexo, assistiu o desenrolar da denominada guerra ao terrorismo, bem como a supressão de garantias materiais e processuais perpetradas pela incansável busca ante ao terror. Em contrapartida a tal evento, no universo jurídico, duas mentes brilhantes se debruçaram sobre o assunto e desenvolveram o denominado direito penal do inumano (ou inimigo). É sob essa perspectiva, diga-se en passant, que se almeja averiguar a relação havida entre a tipicidade e este movimento de política criminal.

PALAVRAS-CHAVE: Tipicidade; Direito Penal do Inimigo; Política Criminal.

A tipicidade[1], que exsurge como último substrato do crime tão-somente em 1906 (mais precisamente na obra de Ernst von Beling: Die Lehre vom Verbrechen), traduz a descrição de determinada conduta sancionadora – sobre a qual recairão os juízos de ilicitude e de culpabilidade.

Nesse passo, por mais paradoxal que seja, apesar de ter sido o último elemento da estrutura do crime a eclodir, vem a ser o primeiro a ser valorado, uma vez que possibilita a existência dos demais[2].

Decerto, não por outra razão, é possível pontuar que o direito penal é construído e pensado por intermédio de tipos[3]. Id est, sem sua existência, se esvaziaria o conteúdo deste direito material, haja vista que, para que algum fato indesejado da vida ganhe relevância penal, se faz necessária sua consolidação em lei como ato deletério penal.

De tal arte, e justamente em razão dessa assertiva, a crise hodierna pela qual passa o direito penal parte de referido substrato – seja pela falta de preparo técnico do aplicador ou, por outro lado, seja pela má técnica do Poder Legiferante na construção dos contornos típicos.

É nesse ponto, diga-se en passant, que exsurge o interesse em uma das leis[4] de Isaac Newton (1643-1727 d.C.) – físico e matemático inglês, criador da lei da gravitação: a ideia de que toda ação leva a uma reação[5]. Até porque, nosso poder legiferante não fica estanque a este fenômeno.

Ora, ao invés de termos leis elucubradas antecipadamente, sob o pálio de outros estudos interdisciplinares, não raras vezes, nossos legisladores têm editado normas em virtudes de casuísticas isoladas e, em regra, de grande repercussão midiática[6]. Ou seja, criam-se tipos penais com celeridade (fruto, muitas vezes, de um populismo penal), mas sem observar os contornos típicos desejados para tanto[7].

Ao se deixar o cenário brasileiro, verifica-se que este mesmo fenômeno, traçado em uma época distante, também se aplica a outras nações.

Com lastro nos atentados terroristas de 11 de setembro de 2001 – quando, na manhã de uma terça-feira, dois aviões Boeing 767 se chocaram com as torres gêmeas do World Trade Center e ceifaram a vida de 2.996[8] pessoas – além da guerra ao terrorismo e ao autor intelectual de tal atrocidade (o saudita Osama Bin Laden), passou-se a debater em diversos centros acadêmicos acerca das funções[9] do direito penal e, precipuamente, da pena.

Foi num desses acalorados debates, por sinal, que se desenvolveu a tese acerca do direito penal do inimigo, na Universidade de Bonn, na Alemanha – segundo a qual onde “já não existe a expectativa séria (…) de um comportamento pessoal – determinado por direitos e deveres -, a pessoa degenera até converter-se em um (…) individuo perigoso, o inimigo[10]”, razão pela qual estes indíviduos deveriam ser segregados dos cidadãos comuns, tratados com austeridade e, inclusive, com a supressão de garantias.

É que, de acordo com ROSSEAU, “qualquer malfeitor que ataque o direito social deixa de ser membro do Estado, posto que se encontra em guerra com este[11]”, de tal arte “ao culpado se lhe faz morrer mais como inimigo que como cidadão”[12], já que, como menciona FICHTE[13], haveria a perda de todos os seus direitos como cidadão e como ser humano.

Desta sorte, com o fim de confirmar a estrutura normativa da sociedade, exsurge a primeira regra deste direito penal, que é a interceptação, em estado prévio, do inimigo – a quem se combate por sua periculosidade.

Cumpre obtemperar, passa-se a punir o planejamento, os atos preparatórios. Tem-se, decerto, uma antecipação do iter criminis, com a imposição de reprimenda prévia aos atos executórios do ílicito colimado. Inicia-se a punir não a concreção de um real vilipêndio à norma (como assevera o princípio da lesividade ou ofensividade – nullun crime sine injuria –, por nós adotado), mas, em verdade, um fato vindouro (futuro[14]), ainda idealizado[15].

Destarte, criam-se verdadeiros tipos de perigo abstrato (presumido ou de simples desobediência), bem como de mera conduta, sob o estofo de Leis de combate e com penas desproporcionais[16] àquilo faticamente perpetrado.

De igual modo, outro grande problema desta antecipação é o retrocesso ao direito penal do autor, e não mais do fato, o que ocasiona punições por aquilo que se é, e não pelo que se faz[17]. Tal marca, historicamente, remonta aos tatertypus de CESARE LOMBROSO ou, ainda, das perseguições nazistas aos judeus[18].

Em nossos tempos, tem trazido grandes problemas com a caça àqueles que representam tradições islâmicas, precipuamente, nos Estados Unidos da América – que, não raras vezes, são julgados sem nem sequer ter a garantia ao devido processo legal (due process of law[19]), como a possibilidade de um preso entrar em contato com seu defensor[20].

Vislumbra-se, de mais a mais, o esboroar do princípio da presunção da não culpabilidade (presunção de inocência – artigo 5°, inciso LVII, da CRFB; artigo 8°, n° 2 e 9, do Pacto de San José da Costa Rica, promulgado pelo Decreto n°678, de 6 de novembro de 1992), com a concreção de prisões como as de Abu-Ghraib (Iraque) ou de Guantánamo (Cuba), onde, por intermédio de técnicas agressivas de interrogatórios, se averiguam eventuais suspeitos de terrorismo.

Tudo isso pautado no pensar de que “quem não presta uma segurança cognitiva suficiente de um comportamento pessoal, não só não pode esperar ser tratado ainda como pessoa, mas o Estado não deve tratá-lo, como pessoa, já que vulneraria o direito à segurança das demais pessoas[21]”.

Sob essa premissa, até então estudada, como o direito penal do inimigo tende a combater o perigo, no quadrante de uma imaginária periculosidade social, emergem, nesse esteio, verdadeiras supressões de garantias materiais e processuais (que não deveriam se perfazer dado o efeito cliquet, que obsta qualquer retrocesso de garantias já adquiridas).

Nasce, nesse jaez, o que SILVA SÁNCHEZ denominou de terceira velocidade punitiva – em contraposição à tradicional imposição de penas privativas de liberdade, nos quais se mantêm os princípios político-criminais e as regras de imputação (primeira velocidade) e as medidas despenalizadoras, pautadas no princípio da intervenção mínima, ultima ratio (segunda velocidade) –, onde sopesa a maquiavélica cognição de que os funestos meios seriam capazes de justificar o aclamado fito de combate à criminalidade hodierna.

Noutros dizeres! Com pálio em uma nova política criminal (direito penal do inimigo), haveria a necessidade de se permutar a estruturação típica prévia, haja vista ser a tipicidade elemento essencial para a imputação, bem como o seu limite.

Porém, o direito penal do inimigo (ou do inumano), no afã de reprimir todo indivíduo que, aparentemente, externa certa periculosidade social, não parece ser, das políticas criminais havidas, a mais adequada para este propósito.

Isso porque, regride às ideias de Estados totalitários, onde o jus se reduzia a Lex[22] e as leis e atos governamentais objetivavam a população no seu todo, pouco importando o sacrifício ou a negação de interesses ou direitos individuais, uma vez que o Estado era o absoluto e os indivíduos e grupos o relativo[23].

Denotada similaridade, en passant, vislumbra-se na afirmação trazida por BENITO MUSSOLINI e ROCCO: “la dottrina fascista nega il dogma della sovranitá populare, che é ogni giorno smentido della realtá, e proclama in sua vece il dogma della sovranitá dello Stato”.[24]

Vai-se além. Com a eventual aplicação deste direito, o Estado se tornaria criador exclusivo do direito e da moral[25], não encontrando limites morais ou materiais à sua autoridade.[26] Daí aquela máxima: “Tudo dentro do Estado, nada fora do Estado, nada contra o Estado”.

Finca-se, assim, a ponderação de que “os paradigmas preconizados pelo direito penal do inimigo mostram aos seus inimigos, toda a incompetência Estatal, ao reagir com irracionalidade, ao diferenciar o cidadão normal do outro[27]”.

Como nos parece salutar, a contenda entre posições extremadas é o prelúdio de sempre ao advento ou retorno do meio termo, que é a expressão do equilíbrio ou da justa medida[28]. Nesse cipoal, com lastro no princípio constitucional da razoabilidade ou da proporcionalidade, deve-se buscar um ponto de equilíbrio entre o direito de punir aquele indivíduo, não raras vezes, mais bem preparado que o próprio Estado (direito penal subjetivo). E, de outro turno, aquele interesse de assegurar os direitos fundamentais de todo e qualquer cidadão.

Vale elucubrar. Deve-se ponderar, sopesar, a relação custo-benefício da medida. Ou seja, balancear os danos que possa causar e os resultados a serem obtidos.

Por enquanto, pode-se asseverar que “a supressão e a relativização das garantias constitucionais despersonalizam o ser humano, fomentando a metodologia do terror, repressiva de idéias, de certo grupo de autores, e não de fatos[29]”.

Fato que, nos leva a crer, que aquilo que se denomina direito penal do inimigo não pode ser Direito[30]. Direito penal do cidadão é um pleonasmo; direito penal do inimigo uma contradição em seus termos[31]           

Referências Bibliográficas

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[1] Tipologia preteritamente atrelada ao campo processual, como “corpo de delito” (parágrafo 133 da Ordenança Criminal da Prússia, de 1805), ganhou, com Beling, a nomenclatura de Tatbestand. O substantivo masculino da língua alemã provém da união de dois outros substantivos – o substantivo feminino Tat, que significa ato e o substantivo masculino Bestand, que significa existência.

 Desmiúde, entrementes, que a tradução do vocábulo não foi unívoca. Na Itália, as traduções da primeira metade do século XX tomaram o vocábulo alemão por fato (v.g. Petrocelli e Delitala); na Argentina, Soler o traduziu como delito-tipo. Mas, a tradução que se consolidou no Brasil foi realizada na Espanha, por Luis Jiménes de Asúa, que traduziu livremente referido vocábulo por tipicidade (BRANDÃO, Cláudio. Tipicidade Penal – dos elementos da dogmática ao giro conceitual do método entimemático. São Paulo: Almedina. Pp.38-41).

[2] a) Da antijuridicidade – esquadrinhada por Merkel e Von Liszt – e; com base na imputatio romana, traduzida para o alemão como Schuld, b) da culpabilidade. Idem. P.30.

[3] SAUER, Guillermo. Derecho Penal. Barcelona: Bosch, 1956. P.114. apud BRANDÃO, Cláudio. Ob.cit. P.19.

[4] Suas famosas três leis foram descritas no ano de 1687, em seu aclamado trabalho de três volumes intitulado Philosophiae naturalis principia mathematica. PEDROSO, Fernando Gentil Gizzi de Almeida. Direito penal do inumano e a nova ordem constitucional. In: PEDROSO, Fernando Gentil Gizzi de Almeida; RIBEIRO, Roberto Victor Pereira. Questões Relevantes do Direito Penal e Processual Penal. Porto Alegre: Lex Magister, 2012. P.159.

[5] Lex III: Actioni contrariam semper et aequalem esse reactionem: sine corporum duorum actiones in se mutuo semper esse aequales et in partes contrarias dirigi. (A toda ação há sempre oposta uma reação igual, ou as ações mútuas de dois corpos um sobre o outro são sempre iguais e dirigidas a partes opostas).

[6] Verbi gratia, tão somente como ilustração, pode-se rememorar o exsurgir da Lei 8.072, de 25 de julho de 1990 (Lei dos crimes hediondos), que, a grosso modo, foi fomentada pelo sequestro do conceituado empresário Abílio Diniz (do grupo Pão de Açúcar) na plácida manhã de 11 de dezembro de 1989. Outrossim, pode-se relembrar, de igual maneira, a inclusão do homicídio qualificado naquela lege, empós o nefasto homicídio da atriz global Daniella Perez Gazolla, morta, de maneira brutal (18 golpes vibrados com instrumento perfurante), na lúgubre noite de 28 de dezembro de 1992.

[7] Como exemplificação de lei penal sem técnica em sua elaboração, Cláudio Brandão traz o parágrafo único do art.4 da Lei 7492, de 11 de setembro de 1996: “Se a gestão é temerária. Pena – reclusão de 2 (dois) a 8 (oito) anos e multa.” Isso porque, o núcleo do tipo penal, como sabido, é sempre um verbo, “que, conceitualmente, expressa uma conduta” e, “nesta hipótese, entretanto, o legislador se utilizou de um verbo de ligação, demonstrando uma total ausência de técnica” (BRANDÃO, Cláudio. Ob.cit. P.20).

[8] Se somadas as mortes dos outros dois aviões que chegaram a cair naquele dia.

[9] Note que tal direito se enquadra no denominado funcionalismo sistêmico ou radical, elaborado por GÜNTHER JAKOBS.

[10] JAKOBS, Günther; MELIÁ, Manuel Cancio. Direito penal do inimigo – noções críticas. Org. e Trad. André Luís Callegari e Nereu José Giacomolli. 2ª edição. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007. pp.9-10.

[11] JAKOBS, Günther; MELIÁ, Manuel Cancio. Ob.cit.p.25.

[12] JAKOBS, Günther; MELIÁ, Manuel Cancio. Ob.cit.p.26.

[13] Idem ibidem.

[14] JAKOBS, Günther; MELIÁ, Manuel Cancio. Ob.cit.p.44.

[15] De passagem, calha acentuar que parcela dos doutrinadores pátrios tem sustentado que o delito de associação criminosa, outrora quadrilha ou bando (tipificado no artigo 288 do Código Penal), traduz uma aplicação de tal postura em nossa sistematização. Acontece, todavia, data venia, que tal ato deletério representa um delito autônomo, consistindo num crime formal (de resultado cortado ou consumação antecipada).

[16] JAKOBS, Günther; MELIÁ, Manuel Cancio. Ob.cit.p.56.

[17] Amiúde! Em nosso ordenamento, apesar de já ter sido debelada a contravenção penal de mendicância (artigo 60, da Lei 3.688, de 3 de outubro, de 1941), resiste a aplicação do direito penal do autor no delito liliputiano de  vadiagem (artigo 59, da mesma lege).

[18] Com um saldo de 50 milhões de mortos, sendo 6 milhões de judeus, a segunda guerra mundial fora marcada por diversos horrores.

[19] Consagrado, liminarmente, na excelsa Magna Charta Libertatum de João Sem Terra, de 1215, tornou-se influência para o resto do mundo, sendo, dessarte, previsto em diversas constituições de inúmeros países. Nessa vereda, não quedando de fora das demais, a Constituição Cidadã traçou, em seu artigo 5°, LIV, que “ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal”.

 Trata-se, desta feita, de um princípio base – norma-mãe –, donde todos os demais axiomas se sustentam, haja vista o seu conteúdo normativo aberto – que acarreta interpretações variáveis, de acordo com a necessidade histórica –, traduzindo uma garantia com caráter subsidiário e geral (Auffanggrundrecht) em relação às demais garantias, porquanto, em determinados casos, tem-se limitado o Tribunal a fazer referências diretas ao due process of law, ao invés de se referir às garantias específicas ou decorrentes. (NERY JÚNIOR, Nelson. Princípios do processo civil na Constituição Federal. 8ª edição. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2004. p.60; THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil: teoria geral do direito processual civil e processo de conhecimento. 42ª. edição. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2005. v. I. p.24; MARQUES, José Frederico. Tratado de direito processual penal. São Paulo: Editora Saraiva, 1980. v.I, p.151-152; TUCCI, Rogério Lauria. Direitos e garantias individuais no processo penal brasileiro. 2ª edição. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2004. p.84; ALVIM, Eduardo Arruda. Direito processual civil. 2ª edição. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008. p.105).

 Por tal razão, devido a sua relevância, e por ser considerado mais uma garantia do que propriamente um direito, é hialino que o mencionado axioma possui um âmbito de proteção alargado, necessitando de um fair trial de todo o aparato jurisdicional, abrangendo todos os sujeitos, instituições e órgãos que exerçam, direta ou indiretamente, funções qualificadas, constitucionalmente, como essenciais à Justiça (MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires e BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de direito constitucional. 3ª edição revista e atualizada. São Paulo: Editora Saraiva, 2008. p.642).

Destaca-se, por demais, a probabilidade do devido processo legal configurar uma das mais amplas e relevantes garantias do direito, se considerarmos sua aplicação nas relações de caráter processual e nas relações de caráter material (DIDIER JÚNIOR, Fredie. Curso de Direito Processual Civil: teoria geral do processo e processo de conhecimento. 10ª edição. Salvador: Editora Jus Podivm, 2008. v. I. p.31; MARINONI, Luiz Guilherme. Teoria geral do processo. 3ª edição revista e atualizada. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008. v I. pp. 77-89; SARLET, Ingo Wolfgang. Direitos fundamentais e direito privado: algumas considerações em torno da vinculação dos particulares aos direitos fundamentais. A constituição concretizada – construindo pontes com o público e o privado. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2000. p.155).

[20] JAKOBS, Günther; MELIÁ, Manuel Cancio. Ob.cit. p.40.

[21] JAKOBS, Günther; MELIÁ, Manuel Cancio. Ob.cit.p.42.

[22] FERRAZ, Tércio Sampaio. Introdução ao Estudo do Direito. 3ª edição. São Paulo: Editora Atlas, 2001. p.24.

[23] Supedâneo na filosofia alemã hegeliana.

[24] MALUF, Sahid. Teoria geral do Estado. Revista e atualizada pelo Prof. Miguel Alfredo Malufe Neto. 26ª edição. São Paulo: Editora Saraiva, 2003. p. 141.

[25] No luminar oriundo de THOMAS HOBBES, Auctoritas, non veritas facit legem – a lei é vontade, não vale por qualidades morais e lógicas, mas precisamente como ordem. (apud MARINONI, Luiz Guilherme. Teoria geral do processo. Ob.cit. p.27). 

[26] Dizia-se, inclusive, que “todos os cidadãos e seus bens” pertenciam ao Poder Público (idem, ibidem).

 Observa-se, aqui, a crítica que LOUIS ASSIER-ANDRIEU perpetrou em face deste momento histórico. Para ele, o infortúnio esboçado tão-somente se concretizou uma vez que “os ‘juristas’ denegam a quem não o é, o poder de expressar-se utilmente sobre o direito” (ASSIER-ANDRIEU, Louis. O direito das sociedades humanas. São Paulo: Editora Martins Fontes, 2001. p.XVI.) 

[27] JAKOBS, Günther; MELIÁ, Manuel Cancio. Ob.cit. p.18.

[28] HUNGRIA, Nelson. Comentários ao Código Penal. 4.ed. Rio de Janeiro: Forense, 1958. V.1, t.II. p.195.

[29] Idem ibidem.

[30] JAKOBS, Günther; MELIÁ, Manuel Cancio. Ob.cit. p.13.

[31] JAKOBS, Günther; MELIÁ, Manuel Cancio. Ob.cit. p.54.

Como citar e referenciar este artigo:
PEDROSO, Fernando Gentil Gizzi de Almeida; SOSSAI, Martha Angélica. A tipicidade e sua íntima relação com o Direito Penal do Inumano. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2017. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/direitopenal-artigos/a-tipicidade-e-sua-intima-relacao-com-o-direito-penal-do-inumano/ Acesso em: 28 mar. 2024