Direito Penal

Os ‘gatos’ miam no Carnaval. A cultura da oportunidade criminosa

DECRETO-LEI Nº2.848, DE 7 DE DEZEMBRO DE 1940.

Furto 

“Art. 155 – Subtrair, para si ou para outrem, coisa alheia móvel:

Pena – reclusão, de um a quatro anos, e multa.

(…)

§ 3º – Equipara-se à coisa móvel a energia elétrica ou qualquer outra que tenha valor econômico”.

Em tempo de Carnaval — alguém ainda me perguntará se odeio o Carnaval, ou não tenho nada a fazer —, na terra ‘tudo é correto’, os ‘gatos’ [furto de energia elétrica] miam, as autoridades policiais nada fazem, as Prefeituras se fazem de cegas, surdas e mudas, as concessionárias de serviço público de energia elétrica também nada dizem, fazem.

No meu bairro, nos bairros próximos, no Centro da Cidade, da ‘Cidade Maravilhosa’, os furtos de energia elétrica acontecem, sem qualquer medo. Guarda Municipal, Polícia Militar, todos andando de um lado para outro, alguns de prontidão a qualquer evento perturbador da paz social. Num Estado de Direito, se espera que as leis sejam aplicadas, independentemente da época.

No Brasil, como sempre foi, o ‘jeitinho brasileiro’ — ou seria catarse? — sempre encontra oportunidade para agir. O mais estarrecedor disso tudo se deve ao fato único da verborragia durante as sessões solenes da posse de novos, ou reeleitos, agentes políticos [vereados, prefeitos etc.].

“Prometo exercer com dedicação e lealdade o meu mandato, cumprindo as Leis e respeitando as instituições, promovendo o bem geral do Município e pugnando pela manutenção da Democracia”

O ato solene comove, por dois motivos: primeiro, esquecendo da realidade do Brasil, e só focando a sessão, as lágrimas caem; segundo, esquecendo a ‘fantasia’ da solenidade, quando se sabe da realidade brasileira, as lágrimas verdadeiras, de desgosto, por viver em um país de Pão e Circo, encharcam o solo pátrio.

Já que calaram a jornalista Rachel Sheherazade, do SBT — caso ‘direitos humanos, defensores destes direito e o inimputável’ —, mas concordo em número e grau com os problemas reais do Carnaval brasileiro, não posso de deixar de comentar meu ponto de vista: Carnaval dá lucro para quem? Os acidentes de trânsito aumentam, os casos de jovens sendo atendidos nos postos de saúde, por bebedeira, é assustador — muitos precisam de soro —, doenças Sexualmente Transmissíveis [DST] podem aumentar durante o Carnaval — se não é verdade, por que da intensificação de ações preventivas, no Carnaval, contra DST/Aids? —, caso não se tome as medidas preventivas, como o uso de preservativos [feminino ou masculino]. E o que dizer da pílula do dia seguinte?

Banheiros, no aperto o cidadão tem que pagar. A prática é largamente usada antes e após o Carnaval. Se for cliente, o cidadão poderá aliviar a pressão fisiológica. Muitos dirão que é sensato o lojista cobrar pelo serviço prestado ao indivíduo não consumidor. Ora, o neoliberalismo é uma piada, no Brasil. Quantos banheiros públicos existem em cada bairro? Ou banheiros químicos? E quantos funcionam, realmente?

Se a pessoa for pega fazendo alguma necessidade fisiológica na rua, o Poder de Polícia logo atua, afinal o ‘imundo’ do cidadão está sujando a Cidade, e cometendo ato obsceno. Mas ‘gato’ pode. Ou, em alguns casos, pela quantidade de foliões, e poucos fiscais das necessidade fisiológicas, os logradouros públicos se transformam em charcos nauseabundos. A moradora reclama do mal cheiro, reclama com a Prefeitura, a reclamação é anotada, mas é Carnaval.

Mesmo que a Prefeitura ordene os fiscais repressores das necessidades fisiológicas alheias agirem com eficácia, para demonstrar que a Prefeitura age compromissada com o Estado Democrático de Direito, como tal eficácia do ato administrativo pode ser legal [Presunção de legitimidade] quanto ao fato de que o ser humano é, e sempre foi, uma animal cuja fisiologia, como qualquer ser vivo, exige a eliminação dos resultados metabólicos pelo sistema excretor? Inconcebível o ato administrativo dos fiscais das necessidades fisiológicas alheias quando não há banheiros públicos suficientes para atender a grande demanda excretora líquida. Há de ter razoabilidade [Princípio da razoabilidade] quanto o ato administrativo de tal natureza.

Contudo, razoabilidade é mais uma palavras nas Leis de Papéis brasileira. Se há a finalidade de ser manter as Cidades limpas, de demonstrar que o povo brasileiro é asseado, já que tudo é para ‘inglês ver’, que se coloquem banheiros químicos, suficientes, para a demanda. Outra forma de se tentar diminuir a incidência de líquido urinário é proibir a venda de bebidas alcoólicas, já que são diuréticas. Aí é uma loucura total do articulista. Melhor, cada qual deve andar com fraldão.

Pressupõe-se que os atos punitivos, dentro de uma Democracia, sejam para todos os administrados. Contudo, pelo aqui exposto, a premissa não é racional, lógica e aplicada. A autorização de uso, expedida pela Administração Pública [Prefeitura], de espaço público para barraquinhas deve ser fiscalizada para se evitar furto de energia elétrica. Não obstante, na terra do ‘jeitinho’, a cassação [uma das formas de extinção dos atos administrativos] é inconcebível em épocas de grande emoção popular. E as Prefeituras sairiam perdendo dinheiro para os cofres públicos.

Qual Prefeitura se atreverá em aplicar a revogação (princípio da autotutela) na autorização de barraquinhas nos logradouros públicos no caso dos crimes de furto de energia elétrica em pleno período de felicidade popular?

Sérgio Henrique da Silva Pereira: articulista, colunista, escritor, jornalista, professor, produtor, palestrante. Articulista/colunista nos sites:  Academia Brasileira de Direito (ABDIR), Âmbito Jurídico, Conteúdo Jurídico, Editora JC, Governet Editora [Revista Governet – A Revista do Administrador Público], Investidura – Portal Jurídico, JusBrasil, JusNavigandi, JurisWay, Portal Educação.

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Como citar e referenciar este artigo:
PEREIRA, Sérgio Henrique da Silva. Os ‘gatos’ miam no Carnaval. A cultura da oportunidade criminosa. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2016. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/direitopenal-artigos/os-gatos-miam-no-carnaval-a-cultura-da-oportunidade-criminosa/ Acesso em: 20 abr. 2024