Direito Internacional

O Advogado – No Império Romano, na França e no Brasil

 

Hélio Maciel França Madeira, no seu precioso livro “História da Advocacia – Origens da Profissão de Advogado no Direito Romano” (RT, 2002), traz informações curiosíssimas sobre o assunto em apreço.

 

1) Apesar de a advocacia já existir desde a República (que se iniciou com a revolução de 509 a.C.), somente no período imperial (que se seguiu à República), a advocacia passou a ser uma verdadeira “profissão”, pois antes era exercida por qualquer pessoa, não havia remuneração e não havia uma entidade de classe. Na fase republicana ou na anterior (realeza), mesmo aqueles que, como Marco Túlio Cícero, se destacaram, não foram advogados no sentido atual da palavra.

 

2) Quando passou a ser uma verdadeira “profissão”, ganhou destaque e pessoas de grande e de pequena expressão social chegaram a advogar, dentre as quais os futuros imperadores Tibério, Calígula e Cláudio.

 

3) Quanto à legislação sobre as “ordens de advogados” as primeiras foram, no Império Romano do Ocidente, dos imperadores Teodósio I (379-395 d.C.) e Artêmio, e, no Império Romano do Oriente, Valentiniano (364-375 d.C.), Marciano, Leão, Justino e Justiniano.

 

4) As “ordens de advogados” eram entidades com personalidade jurídica, criadas onde existiam os tribunais mais importantes e, apesar de independentes umas “ordens” em relação às outras, eram fiscalizadas pelos referidos tribunais, que podiam, inclusive, regulamentá-las em determinados casos.

 

5) Em cada “ordem” existiam três “classes” de advogados (observado o critério de antiguidade da inscrição na “ordem”): a) os “primates” (mais graduados, inclusive com poder de punir os infratores, observado o “quorum” de pelo menos 20 votos), b) os demais estatutários e c) os advogados estagiários. O número de advogados (computados somente os “primates” e os demais estatutários, excluídos desse número os advogados estagiários) não podiam ultrapassar a 30, 40, 50, 80 ou 150, de acordo com a importância da “ordem”. Os advogados estagiários somente podiam mudar de classe na “ordem”, passando a integrar o número dos demais estatutários quando houvesse alguma vaga por falecimento ou aposentadoria, dada preferência para aqueles que tivessem pai advogado de uma das classes mais graduadas (daí uma tendência para a hereditariedade). Esse admissão era procedida pelo chefe da jurisdição local. Os advogados estagiários somente podiam exercer seu ofício em tribunais menos importantes.

 

6) O nível de exigência para ingressar na “ordem” dependia da importância de cada “ordem”. Assim, numa “ordem” mais importante, as exigências eram mais rigorosas para os candidatos, que, em princípio, eram as seguintes: a) moralidade, b) prestígio social e c) conhecimento jurídico. Nas regiões menos adiantadas admitiam-se até candidatos sem conhecimento jurídico. No entanto, de forma alguma podiam exercer a profissão: a) os escravos, b) os libertos, c) os não-católicos (depois de adotada oficialmente no Império a fé católica), d) os condenados a determinadas penas, e) os surdos, f) as mulheres, g) os menores de 17 anos e h) os infames.

 

De nossa parte, fazendo um paralelo entre as realidades do Império Romano, da França e do Brasil de hoje, podemos dizer que o sistema francês manteve basicamente o antigo esquema romano, tanto que existem três categorias totalmente diversas de advogados (em sentido amplo), que são: a) os advogados dos Conselhos, b) os “avoués” e c) os advogados (em sentido estrito). Observa-se que o número das duas primeiras categorias é limitado (respectivamente, 89 e 407) e há uma tendência para a hereditariedade e o elitismo (pois, na verdade, esses cargos são “comprados” dos titulares dos cargos pelos interessados, encarregando-se o Governo apenas de verificar se os tais interessados têm conhecimento jurídico suficiente). Enquanto isso não há limitação numérica para a última categoria e o ingresso é imensamente mais fácil, apesar da exigência de bom conhecimento jurídico. (Informações precisas a respeito estão no nosso livro “A Justiça da França – um Modelo em Questão”, LED, 2001).

 

Quanto ao Brasil, como se sabe, há somente uma classe de advogados, sem limitação numérica de inscritos e nota-se o esforço significativo da Ordem dos Advogados do Brasil em procurar selecionar os candidatos através de provas de conhecimento jurídico cada vez mais exigentes, mas os critérios adotados são extremamente democráticos, concorrendo os candidatos em igualdade de condições, independentemente de classe social.

 

 

* Luiz Guilherme Marques, Juiz de Direito da 2ª Vara Cível de Juiz de Fora (MG).

Como citar e referenciar este artigo:
MARQUES, Luiz Guilherme. O Advogado – No Império Romano, na França e no Brasil. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2009. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/direito-internacional/o-advogado-no-imperio-romano-na-franca-e-no-brasil/ Acesso em: 28 mar. 2024