Direito Internacional

As Balanças de Poder: as Interferências do Realismo Político na Construção de um Novo Paradigma de Justiça Internacional

As Balanças de Poder: as Interferências do Realismo Político na Construção de um Novo Paradigma de Justiça Internacional

 

 

Leonardo de Camargo Subtil[1]

Raquel Fabiana Lopes Sparemberger[2]

 

 

Resumo: Na concepção realista de política internacional, o poder constitui a “raison d’être do Estado-Nação. Neste âmbito realista de incidência, surge um conceito específico de justiça, o qual está desvinculado do conceito clássico de moral. Este artigo propõe entender qual a concepção de justiça e de direito mundial que está incorporada na estrutura de poder da teoria realista das relações internacionais.

 

Palavras-chave: Direito Internacional Público. Relações Internacionais. Filosofia Política.

 

Abstract: In the realistic conception of the international relations, the power constitutes the “raison d’être” of the National State. In this realistic context, it emerges a particular concept of justice, which is unlinked to the classical moral concept. This article proposes to understand which conception of justice and of the international law is incorporated into the power structure of the realistic theory of the international relations.

 

Key words: International Public Law. International Relations. Political Philosophy.   

 

 

 

A Teoria Realista das Relações Internacionais

 

A teoria Realista das Relações Internacionais, Realpolitik, Paradigma Hobbesiano ou, então, Power Politics, recebeu esta denominação, pois o seu enfoque principal dá-se na realidade política internacional. Nesta interação, a anarquia á o elemento onipresente nas relações interestatais, nas quais o Estado-Nação surge como único ator racional, não existindo princípios normativos, ou seja, autoridades universais para ordená-las. Além disso, a luta pelo poder corresponde à exata definição do processo político, no qual as primazias da capacidade militar e da estruturação da ordem mundial fazem-se latentes. No campo realista, a justificação do uso da força dá-se como condição inevitável do sistema de interações transfronteiriças entre os Estados-Nação.

 

No meio público externo, a teoria Realista foi introduzida com a obra de Reinhold Niebuhr, o chamado “pai dos Realistas norte-americanos”. A consecução de suas críticas ao liberal-idealismo nas Relações Internacionais deu-se na obra Moral Man and Immoral Society (1932), na qual o filósofo político travou um diálogo com os liberais políticos, especialmente com o filósofo alemão Immanuel Kant, preconizando o chamado ceticismo ético. Na perspectiva de Niebuhr os Estados sempre atuam de forma a obter poder e prestígio internacionais. Nesta compreensão, considera secundária a execução das políticas externas a partir de princípios morais universais, como bem delineados por Kant na sua Paz Perpétua. No panorama internacional, a moralidade é fator secundário, sendo a luta pelo poder o “núcleo-eficácia”[3] do sistema de Estados-Nação.

 

Neste entendimento, os liberalistas políticos buscaram inspiração no iluminismo[4] do século XVIII e no liberalismo[5] do século XIX para explicar que a não participação dos Estados Unidos na Primeira Grande Guerra Mundial dava-lhes o título de moralistas, bem como o de continente ausente de políticas de equilíbrio de poder. Já os Realistas preocupavam-se estritamente com questões de poder, de segurança nacional, bem como das forças militares.

 

Hans J. Morgenthau, considerado um dos maiores expoentes da teoria realista, ao fixar-se nos Estados Unidos da América do Norte, fugindo do regime nazista alemão, tinha como motivação construir um conhecimento científico com caráter normativo sobre o correto modelo de sistema social para um mundo melhor, baseado empiricamente, e não em utopismos e especulações de moralistas internacionais, como o ordenamento liberal preconizado por Immanuel Kant.

 

O objetivo de Morgenthau era o de descobrir e o de compreender as forças que determinam as relações políticas entre as Nações, bem como o de entender os meios pelos quais essas forças agem umas sobre as outras e sobre as relações políticas e as instituições internacionais.

 

Em A Política entre as Nações: A luta pelo poder e pela Paz, Morgenthau estabelece as suas seis regras consecutórias sobre o Realismo Político, quais sejam:

 

(1) O Realismo político acredita na objetividade das leis da política, que são determinadas pela natureza humana, que, por sua vez é e sempre será orientada pela busca da realização de poder.

(2) O interesse definido em termos de poder constitui o conceito fundamental da política internacional, distinguindo a política da economia, da ética e da religião.

(3) O conceito-chave do realismo é o interesse definido como poder, o qual constitui uma categoria objetiva que é universalmente válida, mas não outorga a esse conceito um significado fixo e permanente.

(4) O Realismo político é consciente da significação moral da ação política, como o é igualmente da tensão inevitável existente entre o mandamento moral e as exigências de uma ação política de êxito.

(5) O realismo político recusa-se a identificar as aspirações morais de uma determinada nação com as leis morais que governam o universo.

(6) O realismo apresenta uma singular atitude intelectual e moral com respeito a matérias ligadas à política.

 

A partir desses princípios, cabe perguntar quais seriam os fundamentos de uma teoria da justiça entre os Estados-Nação, nos moldes estabelecidos pelo realismo político?

 

O conceito de interesse definido em termos de poder sustenta o realismo, estabelecendo uma ligação entre a razão e os fatos a serem avaliados em política internacional, procedendo as suas devidas compreensões racionalistas.

 

Neste campo acerca do chamado ceticismo moral do realista, entende-se que, quando da identificação de qual política externa será mais benéfica ao Estado, o vetor hermenêutico é o interesse definido em termos de poder, embora se reconheça a existência da moral. Assim, caso a política externa obedeça a critérios morais será válida somente caso o seu objetivo principal seja atingido, qual seja, o da conquista ou o da manutenção de poder.

 

A moral política do governante, nos moldes estabelecidos pelo realismo, não deve ser avaliada conforme as leis abstratas universais, mas sim, no sentido do reconhecimento das suas responsabilidades para com os seus representados, ou seja, para com o Estado que representa.

 

Desse modo, percebe-se que a justiça no realismo político está diretamente relacionada à luta constante pela conservação (status quo) e aumento (imperialismo) do poder. Justiça refere-se, então, ao alcance do equilíbrio de poder entre as Nações. Esse equilíbrio tem o objetivo de manter a estabilidade do sistema, porém sem destruir a multiplicidade dos elementos que o compõem. Outrossim, este tem o objetivo de evitar que um Estado conquiste a supremacia sobre os demais. Para manter o equilíbrio, os países devem seguir suas tendências conflitantes, até o ponto em que a tendência de cada nação deixe de ser forte para superar a tendência dos demais, mas bastante vigorosa para impedir que as políticas do outros países a subjuguem.

 

O equilíbrio de poder, como foi descrito por Morgenthau, pode ser entendido como a essência de uma teoria da justiça realista entre os Estados. A justiça nas relações transfronteiriças estaria, dessa forma, garantida pela manutenção da distribuição eqüitativa de poder. Dessa forma, o respeito aos tratados internacionais dependeria da eficácia desse equilíbrio. Sendo assim, o referido equilíbrio proporcionaria, além disso, um Direito Internacional Público mais eficaz, pois os Estados aceitariam a jurisdição compulsória, com vistas a não sobreposição de uma única nação em relação às outras.

 

Quanto ao seguimento das regras morais nas escolhas racionais de condução da política internacional, o realismo, seguindo sua tradicional visão de Estado como ente racional, repugna a sua incidência no campo político. Assim, define o seu campo de incidência exclusivamente às ações dos Estados em matéria de política externa, constituindo, as regras morais, um objeto secundário.

 

Por estas razões é que o realismo político discorda do enfoque “moralista-legal” quando aplicado às relações internacionais, visto que, a seu ver, invade a sua área de atuação. Cada paradigma teórico, seja econômico, seja histórico, seja jurídico, seja antropológico, tem sua função e uma esfera de funcionamento adequadas, sob pena de incompreensão de suas estruturas originais.

 

Neste ínterim, o Realismo não aceita a idéia de que uma determinada nação possa moldar suas próprias aspirações com fins morais e universais. A paz constitui elemento transitório e só pode ser obtida como resultado do sistema de equilíbrio de poder entre os Estados-Nação. Na elaboração dessa regra política do realismo, assevera Morgenthau:

 

Todas as Nações são tentadas a vestir suas próprias aspirações e ações particulares com a roupagem dos fins morais do universo – e poucas foram capazes de resistir à tentação por muito tempo. Uma coisa é saber que as Nações estão sujeitas à lei moral, e outra, muito diferente, é pretender saber, com certeza, o que é bom ou mau no âmbito das relações entre Nações (MORGENTHAU, 2003, p.21).

 

Tendo em vista que as Nações têm essa tendência em querer se sobrepor sobre as demais, especialmente devido à conflituosidade do sistema internacional, surge a necessidade de uma teoria da justiça entre os Estados, que considere o equilíbrio de poder transnacional como fator determinante da sua justificação e da sua fundamentação.

 

O Realismo político, portanto, tem o objetivo, através da manutenção do equilíbrio de poder entre as Nações, de contribuir para a autonomia da esfera política nas relações internacionais, bem como o de minimizar os riscos e maximizar as vantagens dos Estados-Nação.

 

Nesta compreensão realista de política internacional, o conceito de poder é tido como elemento incorporado à vida política internacional. Assim, o Estado-Nação, como ente racional que o é, tem sua existência condicionada, ao mínimo, à conservação do seu poder nacional.

 

No mesmo sentido, Hans J. Morgenthau asseverara, clausewitzianamente, que pela palavra poder “designamos a força de um homem sobre as mentes e as ações de outros homens.” (MORGENTHAU, 2003, p.199). Da mesma forma, o poder pode ser considerado, no cenário internacional, o meio do Estado atingir os objetivos da Nação, na intermitente luta pelo poder, na qual as relações humanas estão inseridas.

 

Nesta compreensão acerca do conceito de poder como razão de ser do sistema internacional, o elemento psicológico surge como fator indispensável à sua definição, bem como preconizara Raymond Aron:

 

O fato de que os homens essencialmente aplicam seu poder sobre outros homens dá ao conceito, na política, seu significado autêntico. O poder de um indivíduo é a capacidade de fazer, mas, antes de tudo, é a capacidade de influir sobre a conduta ou aos sentimentos dos outros indivíduos. No campo das relações internacionais, poder é a capacidade que tem uma unidade política de impor suas vontades às demais. Em poucas palavras, o poder político não é um valor absoluto, mas uma relação entre os homens (ARON, 2002, p.99).

 

Deste modo, conforme visto na apreciação sobre o conceito de equilíbrio de poder como base de uma teoria da justiça internacional, a concepção realista das relações internacionais tem o Direito Internacional Público como um limitador do poder nacional, devendo o mesmo ser usado somente quando da sobreposição brusca do poder de uma nação em relação às outras e quando do descontrole absoluto dos atos de política internacional.

 

No Realismo político, diversas são as estratégias e as políticas necessárias à manutenção, à conquista e à demonstração de poder internacional, dentre as quais se destacam as formuladas por Hans J. Morgenthau (imperialistas e status quo), bem como por Carl von Clausewitz (a guerra). A seguir, serão demonstradas as referidas estratégias.

 

 

As políticas de “status quo

 

Primeiramente, cabe ressaltar que as políticas de status quo visam conservar o poder de um determinado Estado-Nação, em um dado momento histórico. A expressão status quo pode ser entendida como status quo ante bellum, “expressão diplomática que engloba as usuais cláusulas dos tratados de paz que dispõem sobre a evacuação do território de tropas inimigas e sua restauração à soberania do período anterior às hostilidades.” (MORGENTHAU, 2003, p.89).

 

Deste modo, em uma interpretação realista, a manutenção do poder de um Estado no sistema internacional implica numa postura estatal conservadora, isto é, numa abstenção na distribuição do poder internacional em seu favor e no conseguinte equilíbrio de poder.

Exemplo das políticas de status quo temos nos tratados de paz, visto que ao formularem mudanças legais nos jogos de poder, garantem a estabilidade da nova distribuição de poder por meio de dispositivos legais.

 

O Pacto da Liga das Nações teve “como seu mais importante objetivo manter a paz mediante a preservação dos “status quo” de 1918, tal como formulado nos tratados de paz de 1919.” (MORGENTHAU, 2003, p.90).

 

Desta forma, em quaisquer litígios internacionais, através do uso de políticas conservatórias de poder, os países litigantes evitariam uma instabilidade política no mundo, bem como resolveriam às questões sem maiores alardes, visto que em uma concepção global ou comunitária, qualquer Estado-Nação que se sentisse prejudicado com o conflito, poderia pleitear judicialmente a adoção de medidas conservatórias à manutenção do equilíbrio.

 

Outrossim, numa perspectiva realista, beneficiar-se-iam mutuamente, com vistas ao pleno desenvolvimento político-econômico das suas Nações. Assim, na troca de informações diplomáticas sobre resolução de controvérsias, os litigantes estabeleceriam pactos de garantias mútuas, típica solução realista, com conseqüências na manutenção do equilíbrio de poder internacional.

 

Neste sentido, poderiam firmar alianças recíprocas com outros Estados, na tentativa de exploração dos recursos econômicos e de fortalecimento das estruturas políticas, em prol dos seus desenvolvimentos político-econômicos no sistema internacional de Estados-Nação.

 

A preservação do poder nacional seria permanente, e a manutenção do equilíbrio das estruturas hegemônicas seria latente, visto que nenhum Tribunal Internacional, nem outros países saberiam dos problemas ocorridos, evitando, assim, interferências em suas soberanias.

 

Neste campo de incidência, o entendimento de poder aponta para a preservação do Estado como único meio de manter-se o equilíbrio internacional, bem como de salvaguardar-se das ações humanas prejudiciais à manutenção do poder nacional, como concluíra Nicolau Maquiavel, quando da análise do sistema de equilíbrio[6] de poder na República Florentina do século XVI:

 

Um príncipe prudente não deverá, pois agir com boa-fé, quando, para fazê-lo, precise agir contra seus interesses, e quando os motivos que o levaram a empenhar a palavra deixarem de existir. Este preceito não seria bom se todos os homens fossem bons; mas como eles são maus, e não mantêm a palavra, não se está obrigado a agir de boa-fé. E nunca faltaram razões legítimas para mascarar a inobservância das promessas. Seria possível apresentar incontáveis exemplos atuais, mostrando como muitas vezes tratados de paz foram rompidos e promessas anuladas pela infidelidade dos príncipes (MACHIAVELLI, 2006, p.107).

 

Desta maneira, as negociações diplomáticas entre eventuais Nações litigantes seriam as medidas racionais adequadas, sob o ponto de vista realista da política internacional, o que poderia ser feito através de um simples sistema de consultas. Caso entendessem pela necessidade de neutralidade do processo diplomático, poderiam fazê-lo através da intervenção de aliados regionais, com os quais mantessem estritas relações políticas, através de bons ofícios, de mediação ou de conciliação internacional.

 

Portanto, com a adoção dessas práticas e políticas de “status quo”, os Estados-Nação instrumentalizariam as suas políticas externas de poder, sempre em busca da manutenção do equilíbrio internacional e de um uso limitado dos instrumentos jurídicos internacionais.

 

 

As Políticas Imperialistas

 

Uma das importantes análises da política internacional acerca da sua instrumentalização subordina-se ao exame das chamadas políticas imperialistas, quais sejam, aquelas que “visam à demolição do status quo, que buscam uma alteração nas relações de poder entre duas ou mais Nações.”(MORGENTHAU, 2003, p.98).

 

Outrossim, há de se ter claro que o termo “imperialista” não se refere à preservação de um sistema nacional hegemônico, pois assim estaríamos diante de política de “status quo”. Costumeiramente, resume-se o imperialismo àquilo que não é aceito em política externa, bem como àquilo que há de ruim, ideologicamente, em políticas econômicas.

 

 O processo dinâmico das políticas imperialistas incide sobre “a aquisição de um novo império.” (MORGENTHAU, 2003, p.99). Desta forma, a subversão do “status quo” constitui-se no elemento característico dessas práticas de ampliação do poder do Estado-Nação.

 

Destarte, o cenário propício à execução dessas políticas de aquisição de poder é o da fraqueza de um dos Estados litigantes, eis que um dos pólos da relação de poder faz-se debilitado para resistir ao jogo político, bem como ao uso da força. Dessa forma, faz-se necessária a configuração do equilíbrio de poder na superação da instabilidade do sistema realista de conflitos internacionais.

 

Em controvérsias internacionais, sob o prisma do Realismo político, poderiam ser executadas políticas imperialistas, de modo a impedir a interferência de quaisquer decisões judiciais ou políticas na soberania dos Estados-Nação, embora contribuam na limitação dos instrumentos normativos.

 

No Realismo político existem três métodos de execução de políticas imperialistas, quais sejam, militar, econômico e cultural. O método militar consiste na busca da conquista militar, sendo o domínio político a principal meta de atuação. Já o método econômico tem por fim a exploração e a dependência econômicas de outras Nações. Por fim, o imperialismo de método cultural objetiva “o deslocamento de uma cultura por outra – mas sempre como um meio de atingir o mesmo fim imperialista.” (MORGENTHAU, 2003, p.120).

 

Outrossim, a principal característica dos sistemas realistas é ter na política um meio de instrumentalizar-se o desejo desenfreado pelo poder, este originado pela própria natureza humana. Nessa compreensão, temos a ingerência da busca pelo poder no sistema de equilíbrio das Nações, como bem delineara Hobbes:

 

Assinalo assim, em primeiro lugar, como tendência geral de todos os homens, um perpétuo e irrequieto desejo de poder e mais poder, que cessa apenas pela morte. E a causa disto nem sempre é que se espere um prazer mais intenso do que aquele que já se alcançou, ou que cada um não possa contentar-se com um poder moderado, mas o fato de não se poder garantir o poder e os meios para viver bem que atualmente se possuem sem adquirir mais ainda. E daqui se segue que os reis, cujo poder é maior, se esforçam por garanti-lo no interior através de leis, e no exterior através de guerras (HOBBES, 1974, p.64).

 

Dentro da estruturação realista, portanto, a racionalidade da política externa aponta no sentido de que o Estadista possa usar de quaisquer meios à consecução das suas metas, sempre se atentando ao crescimento do poder nacional. Assim, quando do nivelamento dos níveis de poder entre as Nações, a distribuição eqüitativa potencial estaria configurada no sistema internacional.

 

 

A Guerra: a recaída no “status naturae” hobbesiano

 

Nesta concepção realista das Relações Internacionais, em que o poder é latente, preconiza-se a condição de anarquia no sistema de Estados-Nação, ou seja, a impossibilidade de regulação do sistema.

 

Na tentativa de demonstrar a inexistência de uma autoridade eficaz na regulação dos conflitos inerentes à natureza internacional, o Realismo político aufere fundamentos no “status naturae” hobbesiano, qual seja, aquele em que a força e a natureza conflitiva dos homens prevalecem, como afirmara Thomas Hobbes:

 

Com isto se torna manifesto que, durante o tempo em que os homens vivem sem um poder comum capaz de mantê-los a todos em respeito, eles se encontram naquela condição a que se chama guerra; e uma guerra que é de todos os homens contra todos os homens. Pois a guerra não consiste apenas na batalha, ou no ato de lutar, mas naquele lapso de tempo durante o qual a vontade de travar batalha é suficientemente conhecida (HOBBES, 1974, p.79).

 

Desta maneira, na ausência de uma contratualismo internacional, qual seja, aquele sistema em que a sociedade é explicada através de um contrato social, hipotético, não escrito e que indica a existência de associados, em que estes cedem parte de sua liberdade em favor de uma autoridade, o Estado, não haveria ordem[7], e sem esta, a anarquia[8] prevaleceria entre os confrontantes.

 

Ressalte-se que o poder constitui-se na inerência do uso da ameaça da força como nexo propulsor da dominação mental dos Estados-Nação confrontantes; assim, necessita diferenciar-se que quando a ameaça “se transforma em realidade, no caso de uma guerra, ocorre à substituição do poder político pelo militar.” (MORGENTHAU, 2003, p.52).

 

Destarte, na substituição da relação psicológica entre duas mentes pela efetividade da violência, exclui-se o poder político para dar lugar ao poder militar, os quais, na concepção realista, têm ressonância incidental diversas.

 

Neste posicionamento, situara-se Carl von Clausewitz, principal inspirador dos realistas modernos, como Henry Kissinger, Raymond Aron e Hans Morgenthau, eis que tinha na guerra o meio de violência necessário para a continuação da política nacional no exterior, sendo condição indispensável à vida dos Estados como entes racionais soberanos as Nações e à felicidade humana.

 

Sendo assim, e como garantia de preservação e de aumento do poder nacional, os litigantes do sistema internacional poderiam aumentar o seu poder nacional à custa de outras Nações, visto que a força surge como fator compulsório de aceitação da vontade, a qual deve dar-se dar pela normalidade da guerra.

 

Ressalte-se que a guerra, especificamente como instrumento de manutenção do equilíbrio de poder e da resolução dos litígios internacionais, tem legitimidade na construção de uma teoria realista da justiça internacional. Assim, constitui-se em meio de impedimento ao desequilíbrio potencial do sistema, bem como de não violação das regras de convivência mútua.

 

Consectário lógico das concepções do Realismo clássico é de que o poder político internacional constitui-se nas “relações mútuas de controle entre os titulares de autoridade pública e entre os últimos e o povo de modo geral” (MORGENTHAU, 2003, p.51), instrumentalizando-se através da expectativa de benefícios, do receio de desvantagens e do respeito por indivíduos ou instituições, exercido por meio de ordens, ameaças, autoridade e carisma.

 

No Paradigma Realista-Clássico da Política Internacional, os Estados-Nação são entes institucionais otimizadores das relações de poder. Nesse campo, as suas ações são alimentadas por um desejo irrestrito pela manutenção e pelo aumento do poder internacional.

 

Neste mesmo campo de incidência acerca da conflituosidade inerente à condição humana, está a filosofia política de Thomas Hobbes, a qual preconizara que:

 

[…] os homens não tiram prazer algum da companhia uns dos outros (e sim, pelo contrário, um enorme desprazer), quando não existe um poder capaz de manter a todos em respeito. Porque cada um pretende que seu companheiro lhe atribua o mesmo valor que ele se atribui a si próprio e, na presença de todos os sinais de desprezo ou de subestimação, naturalmente se esforça, na medida em que a tal se atreva (o que, entre os que não têm um poder comum capaz de submetê-los a todos, vai suficientemente longe para levá-los a destruir-se uns aos outros), por arrancar de seus contendores a atribuição de maior valor, causando-lhes dano, e dos outros também, através do exemplo (HOBBES, 1974, p.79).

 

Neste campo de inferências, Karl Deutsch analisara o poder como: “[…] a expectativa coordenada de sanções significativamente prováveis.” (DEUTSCH, 1980, p.56). Assim, o elemento da expectativa, ou seja, o elemento psicológico da ação humana é onipresente nas relações políticas internacionais, bem como estruturadas por Raymond Aron:

 

O poder constitui-se na capacidade de fazer, mas, antes de tudo, é a capacidade de influir sobre a conduta ou aos sentimentos dos outros indivíduos. No campo das relações internacionais, poder é a capacidade que tem uma unidade política de impor suas vontades às demais. Em poucas palavras, o poder político não é um valor absoluto, mas uma relação entre os homens.” (ARON, 2002, p.99).

 

O escritor russo Léon Tolstói já dissertava acerca da necessidade de dominação na mente humana de Dólokov: “[…] o próprio mecanismo de dominar a vontade de outra pessoa era em si mesmo um prazer, um hábito e uma necessidade para Dólokov.” (TOLSTÓI, 1993, p.685).

 

No mesmo posicionamento encontra-se Georges Burdeau, o qual dissertara: “O poder é uma força a serviço de uma idéia. É uma força nascida da consciência social, destinada a conduzir o grupo na procura do Bem Comum e capaz de em caso contrário, impor aos membros a atitude que comanda” (BURDEAU, 1970, p.59).

 

Como fora observado, quando da introdução do realismo político na construção de uma teoria da justiça internacional, o equilíbrio de poder é um conceito chave da teoria realista da política internacional e que, segundo nossa compreensão, abre a possibilidade para uma nova compreensão de justiça internacional, nos moldes do realismo político.

 

A justiça internacional, dessa forma, e nos moldes estabelecidos pelo realismo político, tem suas bases fundadas no equilíbrio de poder, ou seja, numa eqüitativa distribuição de poder, especialmente nas relações mútuas de controle entre os Estados-Nação.

 

Portanto, o equilíbrio de poder trata-se de uma ferramenta importantíssima no entendimento da realidade política internacional e nas implicações no campo da ética política entre as Nações. Além disso, pressupõe a existência de uma concepção de justiça internacional entre os Estados, a qual comporta uma acepção limitada das funções do Direito Internacional Público, enquanto limitador do poder nacional.

 

 

 

Referências

 

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HOBBES, Thomas. Leviatã ou Matéria, forma e poder de um estado eclesiástico e civil. São Paulo: Abril Cultural, 1974.

 

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MACHIAVELLI, Niccolo. O príncipe. São Paulo: Martin Claret, 2006.

 

MORGENTHAU, H. A política entre as Nações. Brasília: Funag/IPRI, EdUNB; São Paulo: Imprensa Oficial do Estado, 2003.

 

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TOLSTÓI, Leo. War and peace. Hertfordshire: Wordsworth, 1993.

 

TOCQUEVILLE, Alexis de. O antigo regime e a revolução. 4. ed. Brasília: UNB, 1997.

 

 



[1] Mestrando em Direito Público pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos (UNISINOS), na linha de pesquisa “Sociedade, Novos Direitos e Transnacionalização” (Bolsista CAPES/Prosup). Bacharel em Direito pela Universidade de Caxias do Sul – UCS. Advogado. E-mail: leocamargo15@hotmail.com.

[2] Doutora em Direito. Professora do Programa de Mestrado em Direito Ambiental e Relações de Trabalho   da Universidade de Caxias do Sul e do Programa de Mestrado em Desenvolvimento da Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul. Professora pesquisadora do CNPq e FAPERGS. Grupo de Pesquisa no CNPq – Direito, Meio Ambiente e Desenvolvimento.

[3] Locução utilizada na designação de racionalidade e de otimização de vantagens nas relações transfronteiriças.

[4] Profunda erudição acerca do iluminismo no “l’ancien régime” está contida nas obras de Robert Darnton (DARNTON, Robert. O Iluminismo como negócio: história da publicação da “Enciclopédia” 1775-1800. São Paulo: Companhia das Letras, 1996; DARNTON, Robert. O grande massacre de gatos e outros episódios da história cultural francesa. 4. ed. Rio de Janeiro: Graal, 2001 e DARNTON, Robert. Os best-sellers proibidos da França pré-revolucionária. São Paulo: Companhia das Letras, 1998) e de Alexis de Tocqueville (TOCQUEVILLE, Alexis de. O antigo regime e a revolução. 4.ed. Brasília: UnB, 1997).

[5] Acerca do liberalismo político, consultar as obras de John Rawls (RAWLS, John. O Liberalismo político. 2.ed. São Paulo: Ática, 2000; HABERMAS, Jürgen; RAWLS, John. Débat sur la justice politique. Paris: Cerf, 1997; RAWLS, John. Uma teoria da justiça. Lisboa: Presença, 1993).

[6] Segundo Antonio Gramsci, esse equilíbrio era perseguido em três níveis: 1) o interno face às lutas internas da república florentina; 2) o das lutas entre os Estados italianos por um equilíbrio no âmbito italiano; 3) o das lutas dos Estados italianos por um equilíbrio europeu (GRAMSCI, 1968, p.15).

[7] Entenda-se “ordem” como uma disposição conveniente de coisas ou seres conectada a um fim comum (teleologia). A compreensão dessa expressão está nos estudos de Henri Bergson (BERGSON, M. Henri. Introducción a la metafísica y la intuición filosófica. Buenos Aires: Siglo Veinte, 1956).

[8] O termo anarquia não deve ser entendido como “bagunça”, mas sim como um estado de negação dos ideais hierárquico e autoritário.

Como citar e referenciar este artigo:
SUBTIL, Leonardo de Camargo; SPAREMBERGER, Raquel Fabiana Lopes. As Balanças de Poder: as Interferências do Realismo Político na Construção de um Novo Paradigma de Justiça Internacional. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2009. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/direito-internacional/as-balancas-de-poder-as-interferencias-do-realismo-politico-na-construcao-de-um-novo-paradigma-de-justica-internacional/ Acesso em: 29 mar. 2024