Direito Internacional

Jeronimo E.K.I.A

 

Barack Obama, o diretor da CIA e outros membros do primeiro escalão estavam de plantão quando por volta das 11.30 p.m. chegou a notícia de que a operação ultras-secreta tinha sido bem sucedida. A mensagem em código era: Jerônimo E.K.I. A, i.e. Jerônimo enemy killed in action (Jerônimo inimigo morto em ação).

 

Quem era Jerônimo? Famoso cacique apache que espalhou terror e devastação nas proximidades da fronteira do Texas com o México e acabou sendo morto pelo exército americano. Mas este já tinha morrido há muito tempo e não poderia ser o que morreu em ação no domingo 2/5/2011.

 

Era óbvio que o “morto em ação” da mensagem codificada referia-se ao tempo presente e o “Jerônimo” não se referia àquele apache sanguinário, personagem histórico retratado em filmes de Hollywood.

 

Os mesmos cartazes espalhados pelo Texas com uma foto do famoso apache e dizendo wanted dead or alive (Procurado Vivo ou Morto) bem que poderiam ser espalhados pelo Afeganistão e pelo Paquistão, com a diferença de que o meliante era outro: Osama Bin Laden, o líder supremo de Al Káeda. Por precaução, Barack Obama não deu imediatamente a grande notícia à nação: aguardou confirmação do chefe da operação.

 

Eu estava assistindo ao canal Globo News quando a programação foi interrompida para dar uma notícia extra e apareceu um repórter anunciando o grande evento e dizendo que ficaria aguardando um pronunciamento do Presidente dos EEUU à nação.

 

Mais ou menos meia hora de espera, mas finalmente Obama apareceu na tela da TV e, com um ar solene e empolgação contida, deu a esperada confirmação do grande evento.

 

 Procurou frisar que o indivíduo, morto em ação numa operação ultrassecreta no Paquistão, não era apenas o inimigo número um dos EEUU, mas também um facínora que matara centenas de muçulmanos pacíficos. Não mencionou, mas poderia ter mencionado que Al Káeda não tinha poupado nem mesmo uma mesquita no Iêmen.

 

Alguns canais de TV americanos se apressaram em mostrar uma fotografia de Osama Bin Laden após ter levado um tiro de fuzil na cabeça. Isto levantou a suspeita de que se tratava de uma farsa. Apesar da foto apresentar fortes semelhanças com o líder de Al Káeda, havia indícios de que não era ele.

 

E aqui entre nós e que ninguém nos ouça: um indivíduo que leva um tiro de fuzil na cabeça fica sem um bom pedaço da mesma com seu cérebro pulando para fora, como foi o caso de JFK naquele atentado em Dallas.

 

É bastante provável que a foto fosse uma falsificação, mas disto não se pode apressadamente inferir que a morte de Bin Laden fosse uma empulhação, mesmo porque a morte foi anunciada pelo governo americano, mas a foto não foi exibida por ele, porém por canais de TV motivados pelo sensacionalismo.

 

Não gostamos nem um pouco de Obama como governante, principalmente pelo colossal déficit público que tem provocado suas ajudas a instituições financeiras, mas não o consideramos um governante açodado e destemperado capaz de anunciar a nação uma morte que não passava de pífia encenação.

 

Em sua campanha à reeleição que já está a todo vapor seria algo politicamente desastroso ser desmentido por veicular uma informação falsa de tamanha envergadura. O resultado seria um descrédito tão grande que poderia mesmo lhe custar a perda da eleição.

 

Informações oficiais adicionais revelaram que havia sido feito um teste do ADN comparando o de Osama com o de sua irmã e este havia mostrado uma probabilidade de 99,9 por cento – o máximo que o referido teste pode atingir – de aquele corpo ser o cadáver do líder de Al Káeda.

 

Informaram ainda que o referido cadáver havia sido jogado ao mar, mas não deixando de atender ao rito islâmico de lavá-lo, envolvê-lo em um pano branco e sepultá-lo em não mais de 24h após o falecimento.

 

Talvez essa tenha sido uma cuidadosa medida de caráter diplomático, visando a não desagradar ao mundo muçulmano por um gesto de desrespeito de seus costumes religiosos. É difícil mesmo imaginar que outro sentido teria o mencionado rito funerário!

 

Mas é difícil também compreender a razão pela qual o mar foi seu túmulo, como seria compreensível caso se tratasse de um oficial da marinha sepultado no oceano em plena guerra. Mas no caso de Osama, por que não enterrá-lo numa cova rasa em local não revelado?

 

A pífia alegação oficial foi a de que não seria adequado que sua sepultura fosse conhecida, pois se estaria correndo o sério risco dela se tornar um local “sagrado” com peregrinação de devotos, semelhantemente ao ocorrido naquela localidade na Bolívia onde foi velado o cadáver de Che Guevara e, posteriormente, se tornou tão visitada pelas esquerdas fanáticas quanto o Santo Sepulcro em Jerusalém pelos cristãos.

 

Tal como a OTAN fez na Líbia e posteriormente na Costa do Marfim, a sigilosa operação de caça a Bin Laden violou o espaço aéreo paquistanês como quem entra despreocupadamente em sua própria casa não devendo satisfações a ninguém.

 

Tal coisa é injustificável, porém compreensível: os EEUU não revelaram a operação ao governo do Paquistão com temor de que a informação vazasse, Bin Laden tivesse sido advertido e prontamente fugido.

 

Por sua vez, o governo do Paquistão reclamou de não ter sido comunicado e alegou desconhecer o esconderijo de Bin Laden em seu território, apesar de o casarão estar situado a uns 100 km de Islamabad – capital do país – e a uma distância muito menor de umas centenas de metros de uma academia militar, uma espécie de West Point paquistanês.

 

Muita gente considerou essa alegação de “não saber de nada” uma deslavada mentira, algo semelhante à idêntica declaração de Lula ao ser indagado pela mídia sobre o mensalão. Mas eu acredito que o governante do Paquistão – ao contrário do ex-governante do Brasil – pode ter dito a mais pura e sincera verdade.

 

Considerando que o Paquistão consegue ter instituições mais precárias e ser  culturalmente mais indigente do que o Brasil – a Bruzundanga de Lima Barreto – seu serviço secreto deve ser algo semelhante à polícia brasileira. Um ponto de venda de drogas pode estar bem alojado a alguns metros de uma delegacia de polícia; mas, ao ser informado pelos jornais, o delegado alegar não saber de nada!

 

 Safadeza ou incompetência? Muitas vezes ficamos com essa dúvida atroz diante do que já chamamos de Dilemma Brasiliensis que pode muito bem ser também um Dilemma Paquistanensis.

 

Quanto ao cenário da operação, sabe-se que foram enviados três ou quatro grandes helicópteros transportando cerca de 40 soldados de uma tropa de elite. Enquanto os outros davam cobertura, um desses helicópteros despejou um pequeno grupo de soldados que invadiram o casarão pelo teto.

 

Daí para diante, temos duas versões veiculadas pela mídia. Em uma delas, Bin Laden, embora desarmado, reagiu usando uma de suas mulheres como escudo num gesto não só de covardia como também de desprezo total por uma de suas muitas escravas esposas. Noutra versão, Bin Laden teria sido morto por seus próprios acólitos, para não desejaram correr o risco de vê-lo aprisionado pelos soldados americanos, que poderiam torturá-lo ou mesmo levá-lo para a prisão em Guantánamo em Cuba, onde ele poderia ser interrogado e revelado top secrets de Al Káeda.

 

Independentemente dessas versões, a CIA revelou ter recolhido uma grande quantidade de informações encontradas em CDs e DVDs apreendidos no casarão e que essas informações já estão sendo examinadas. Supondo que isso seja procedente, os EEUU ficarão de posse de valiosas informações sobre futuros planos de Al Káeda, embora todos já tenham sido abandonados por precaução.

 

A reação do mundo islâmico não foi unânime em seu repúdio pelo assassinato de um herói, embora esta tenha sido a reação de Al Hamas na Faixa de Gaza e de Hugorila Chávez na Venezuela. Países em que predomina o islamismo light houve até congratulações aos EEUU pela eliminação de um perigoso terrorista fundamentalista responsável pela morte de muitos islamitas e pelo estigma de barbarismo produzido por Bin Laden em relação ao islamismo.

 

Quanto aos efeitos políticos da morte de Bin Laden, é quase certo de que surgirão retaliações, só não sabemos de que magnitude e em que extensão. Sabe-se que quando os EEUU ainda estavam nos primeiros momentos da caça a Bin Laden no Afeganistão, Al Káeda lançou uma fatwa: Se Bin Laden fosse morto, eles teriam uma bomba atômica para ser lançada nos EEUU.

 

Cão que ladra não morde? Só se não tiver dentes, mas nunca por falta de vontade. Depois do atentado às Torres Gêmeas, não podemos mais duvidar da ousadia de Al Káeda.

 

Além disso, apesar de seguir as ordens de seu líder supremo em grandes façanhas terroristas exigindo meticuloso planejamento e cega obediência a um comando centralizador, Al Káeda já mostrou que muitas de suas operações são feitas a partir de uma de suas muitas lideranças autônomas, seguindo tão-somente o comando de um líder local.

 

É uma grande ilusão pensar – como muitos americanos pensaram ao festejar a morte do algoz de milhares de seus compatriotas – que Al Káeda tinha morrido juntamente com Bin Laden, quando ela pode ter até mesmo se fortalecido com o fim trágico de um “mártir do Islã”.

 

Talvez, tenha sido melhor para os americanos e para o mundo civilizado que continuássemos em dúvida se Bin Laden estava ainda vivo ou tinha sido morto nas montanhas do Afeganistão num daqueles ataques aéreos.

 

 Com sua morte pode ter sido satisfeito o desejo de vingança – como disse Obama em seu pronunciamento: “Justice has been done” – mas aumentou a insegurança e a apreensão de uma inesperada retaliação colossal, ainda que não seja a da bomba atômica da fatwa de Al Káeda.

 

 

* Doutor em Filosofia pela UFRJ. Professor Adjunto IV do Depto. de Filosofia da UFRJ. Ex-Pesquisador do CNPq. Ex-Membro do ILTC [Instituto de Lógica, Filosofia e Teoria da Ciência], da SBEC [Sociedade Brasileira de Estudos Clássicos]. Membro Fundador da Sociedade Brasileira de Análise Filosófica. Autor de Problemas de Filosofia da Linguagem (EDUFF, Niterói, 1985); O Dizível e O Indizível (Papirus, Campinas, 1989); Ética Mínima Para Homens Práticos (Instituto Liberal, Rio de Janeiro, 1995). O Problema da Ficção na Filosofia Analítica (Editora UEL, Londrina, 1999). Ceticismo ou Senso Comum? (EDIPUCRS, Porto Alegre, 1999). Deus Existe? Uma Investigação Filosófica. (Editora UEL, Londrina, 2000) . Liberdade ou Igualdade? ( EDIPUCRS, Porto Alegre, 2002). Co-autor de Significado, Verdade e Ação (EDUF, Niterói, 1985); Paradigmas Filosóficos da Atualidade (Papirus, Campinas, 1989); O Século XX: O Nascimento da Ciência Contemporânea (Ed. CLE-UNICAMP, 1994); Saber, Verdade e Impasse (Nau, Rio de Janeiro, 1995; A Filosofia Analítica no Brasil (Papirus, 1995); Pré-Socráticos: A Invenção da Filosofia (Papirus, 2000) Já apresentou 71 comunicações em encontros acadêmicos e publicou 46 artigos. Atualmente tem escrito regularmente artigos para www.parlata.com.br,www.rplib.com.br , www.avozdocidadao.com.br e para www.cieep.org.br , do qual é membro do conselho editorial.

 

Como citar e referenciar este artigo:
GUERREIRO, Mário. Jeronimo E.K.I.A. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2011. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/direito-internacional/jeronimo-ekia/ Acesso em: 29 mar. 2024