Direito Internacional

Caso Battisti: uma oportuna correção

 

No meu artigo anterior “Ainda sobre o caso Battisti”, fiz a seguinte afirmação: “Não cabe ao governo brasileiro, a nenhum membro dos Três Poderes, darem palpites sobre a Justiça de outro país e sim respeitar suas decisões soberanas. Mas, observando a reciprocidade, não caberia ao governo italiano respeitar também as decisões do chefe do Executivo brasileiro”?

 

Um jurista amigo meu fez uma oportuna observação: “É preciso considerar que a Lei 6850, artigo 77, dispõe exatamente ao contrário:

 

Art. 77. Não se concederá a extradição quando: (Renumerado pela Lei nº 6.964, de 09/12/81)

I – se tratar de brasileiro, salvo se a aquisição dessa nacionalidade verificar-se após o fato que motivar o pedido.

II – o fato que motivar o pedido não for considerado crime no Brasil ou no Estado requerente.

 III – o Brasil for competente, segundo suas leis, para julgar o crime imputado ao extraditando.

IV – a lei brasileira impuser ao crime a pena de prisão igual ou inferior a 1 (um) ano.

 V – o extraditando estiver a responder a processo ou já houver sido condenado ou absolvido no Brasil pelo mesmo fato em que se fundar o pedido.

VI – estiver extinta a punibilidade pela prescrição segundo a lei brasileira ou a do Estado requerente.

  VII – o fato constituir crime político; e

  VIII – o extraditando houver de responder, no Estado requerente, perante Tribunal ou Juízo de exceção.

 

Com base no disposto pela referida Lei 6850, artigo 77, ele inferiu três importantes coisas:

 

 1° A exceção do item VII não impedirá a extradição quando o fato constituir, principalmente, infração da lei penal comum, ou quando o crime comum, conexo ao delito político, constituir o fato principal. [Este parece ser o caso de Battisti].

 

 2º Caberá, exclusivamente, ao Supremo Tribunal Federal, a apreciação do caráter da infração.

 

 3° O Supremo Tribunal Federal poderá deixar de considerar crimes políticos os atentados contra Chefes de Estado ou quaisquer autoridades, bem assim os atos de anarquismo, terrorismo, sabotagem, seqüestro de pessoa, ou que importem propaganda de guerra ou de processos violentos para subverter a ordem política ou social.”

 

 

                                                  * * *

 

Pelo que entendi do disposto acima, especificamente no item 2.o, o STF, e somente o STF, teria competência para decidir se era o caso de crime político ou não. Supondo que decidisse que não era crime político, caberia a ele, e somente a ele, extraditar, no caso, Battisti.

 

Decorre daí que o Presidente não era a autoridade legalmente competente para extraditar Battisti, mesmo assim tomou a decisão errada na hora errada, excedendo os limites de sua atuação legal enquanto chefe do Poder Executivo.

 

O governo italiano enviou ao Supremo um pedido de revisão do caso. Resta a ver o que fará o STF. Poderá o STF revogar o ato do Executivo que negou o pedido de extradição de Battisti? E tendo poder para tal, será que não se acanhará em exercê-lo?

 

No entanto, as nefastas consequências desse ato arbitrário já começam a se mostrar no exterior. A Itália suspendeu um importante acordo militar com o Brasil, aguardando a resposta do STF.

 

 E, caso seu pedido de extradição não seja atendido, terá toda razão de não querer fazer mais acordos com uma Banana republic, que desrespeita o direito internacional descumprindo acordos por motivos puramente ideológicos.

 

Penso que isso constitui um duro golpe na credibilidade do País, tão desastroso quanto à bravata de José Sarney, quando ele era Presidente, decretando moratória unilateral com o FMI.

 

Durante anos a imagem de país-caloteiro dificultou bastante a tomada de empréstimos internacionais, coisa imprescindível para nosso desenvolvimento socioeconômico.

 

Como sabemos, a credibilidade internacional é um importante item da política externa de qualquer nação séria. Mas esperamos sinceramente que essa deletéria decisão de Lula e uma subseqüente omissão do STF não desencadeie um indesejável efeito-dominó…

 

 

* Mário Antônio de Lacerda Guerreiro, Doutor em Filosofia pela UFRJ. Professor Adjunto IV do Depto. de Filosofia da UFRJ. Ex-Pesquisador do CNPq. Ex-Membro do ILTC [Instituto de Lógica, Filosofia e Teoria da Ciência], da SBEC [Sociedade Brasileira de Estudos Clássicos]. Membro Fundador da Sociedade Brasileira de Análise Filosófica. Autor de Problemas de Filosofia da Linguagem (EDUFF, Niterói, 1985); O Dizível e O Indizível (Papirus, Campinas, 1989); Ética Mínima Para Homens Práticos (Instituto Liberal, Rio de Janeiro, 1995). O Problema da Ficção na Filosofia Analítica (Editora UEL, Londrina, 1999). Ceticismo ou Senso Comum? (EDIPUCRS, Porto Alegre, 1999). Deus Existe? Uma Investigação Filosófica. (Editora UEL, Londrina, 2000) . Liberdade ou Igualdade? ( EDIPUCRS, Porto Alegre, 2002). Co-autor de Significado, Verdade e Ação (EDUF, Niterói, 1985); Paradigmas Filosóficos da Atualidade (Papirus, Campinas, 1989); O Século XX: O Nascimento da Ciência Contemporânea (Ed. CLE-UNICAMP, 1994); Saber, Verdade e Impasse (Nau, Rio de Janeiro, 1995; A Filosofia Analítica no Brasil (Papirus, 1995); Pré-Socráticos: A Invenção da Filosofia (Papirus, 2000) Já apresentou 71 comunicações em encontros acadêmicos e publicou 46 artigos. Atualmente tem escrito regularmente artigos para www.parlata.com.br,www.rplib.com.br , www.avozdocidadao.com.br e para www.cieep.org.br , do qual é membro do conselho editorial.

Como citar e referenciar este artigo:
GUERREIRO, Mário Antônio de Lacerda. Caso Battisti: uma oportuna correção. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2011. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/direito-internacional/caso-battisti-uma-oportuna-correcao/ Acesso em: 28 mar. 2024