Direito Internacional

Vargas Llosa Sobre Assange

 

16/01/2011

 

É irrelevante saber se Julian Assange, na sua vida privada, é um devasso amante de suecas desprotegidas, se toma drogas ou e tem delírios de grandeza. Importa saber se sua vida empresarial e pública está de acordo com a lei e com as necessidades do bem público. Afirmo que sim, que Julian Assange tem cumprido um papel de suma importância para que a sociedade aberta seja mantida. O que temos visto nas últimas décadas, inclusive nos EUA e na Europa, é o crescimento desordenado e alarmante do Estado policial que, em nome de uma suposta segurança que nunca se contenta com nada, tem se agigantado, esmagando a liberdade individual. E, nesse esmagamento, tolhe também o direito à livre informação.

 

Se quisermos reduzir o Estado e não permitir que o Leviatã ultrapasse a fronteira que separa o legítimo exercício do poder do totalitarismo puro e simples temos que apoiar as ações de Julian Assange e do Wikileaks. Por isso discordo frontalmente do que escreveu Mario Vargas Llosa no artigo publicado no Estadão de hoje (Conceitos vazios sobre o público e o privado). Llosa escreveu:

 

“A revolução audiovisual de nosso tempo violentou as barreiras que a censura opunha à livre informação e à dissidência crítica. Graças a isso, os regimes autoritários têm muito menos possibilidade do que no passado de manter seus povos na ignorância e de manipular a opinião pública. Evidentemente, trata-se de um grande progresso para a cultura da liberdade e é preciso se beneficiar disso. Mas daí a concluir que a prodigiosa transformação das comunicações representada pela internet nos autoriza a saber tudo e a divulgar tudo o que acontece debaixo do sol (ou debaixo da lua), fazendo desaparecer de uma vez por todas a linha de demarcação entre o público e o privado, há um abismo que, se abolido, poderá significar, não uma façanha libertária, mas pura e simplesmente um liberticídio que, além de solapar as bases da democracia, infligirá um rude golpe à civilização”.

 

 

 

Llosa, sem se perceber, fez uma apologia à censura e deu cheque em branco àsburocracias militar e diplomática para seu arbítrio. Ao jornalista, mesmo um estranho jornalista como Julian Assange, cabe sempre divulgar qualquer informação legítima que lhe caia às mãos, mesmo que os donos do poder fiquem desgostosos. Esse é o preço para a manutenção da sociedade aberta. Enquanto Assange puder publicar os Telegramas (e mais material que tenha) estou seguro de que estarei vivendo no mundo ainda livre. Se ele não puder mais exercer o seu mister estaremos no preâmbulo do totalitarismo mundial. Nada que seja do interesse público deve ficar oculto e se as burocracias querem ou precisam de segredo, que façam seus documentos permanecerem em segredo. Seus membros são contratados para isso e são muito bem remunerados para isso. Pedir a um jornalista que guarde segredos dos burocratas já revelados é algo insólito, que só um ditador pediria (ou exigiria). A sociedade aberta não suporta conluio entre imprensa e poder.

 

Llosa acrescentou:

 

“Libertinagem informativa. Nenhuma democracia poderá funcionar se desaparecer a confidencialidade das comunicações entre funcionários e autoridades, nenhuma forma de política nos campos da diplomacia, da defesa, da segurança, da ordem pública e até da economia terá consistência se os processos que estas políticas determinam forem expostos totalmente à luz em todas as suas instâncias. O resultado de semelhante exibicionismo informativo seria a paralisia das instituições e tornaria mais fácil para as organizações antidemocráticas a criação de obstáculos e a anulação de todas as iniciativas dotadas de seus propósitos autoritários. A libertinagem informativa não tem nada a ver com a liberdade de expressão e, ao contrário, é seu oposto”.

 

 

 

Obviamente que não há libertinagem informativa se a burocracia não falhar na sua ação. A própria expressão “libertinagem informativa” é vazia, dentro de uma sociedade aberta. A confidencialidade é garantida pela discrição da burocracia e não pela imprensa. Llosa não meditou sobre o que escreveu. Por definição, a sociedade aberta é a sociedade da libertinagem informativa, única maneira de pôr freios ao poder burocrático estatal. Protestar contra isso é dar coito aos que conspiram contra a liberdade.

 

Vida longa a Julian Assange e ao Wikileaks!

 

 

* José Nivaldo Cordeiro, Executivo, nascido no Ceará. Reside atualmente em São Paulo. Declaradamente liberal, é um respeitado crítico das idéias coletivistas. É um dos mais relevantes articulistas nacionais do momento, escrevendo artigos diários para diversos jornais e sites nacionais. É Diretor da ANL – Associação Nacional de Livrarias.

Como citar e referenciar este artigo:
CORDEIRO, José Nivaldo. Vargas Llosa Sobre Assange. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2011. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/direito-internacional/vargas-llosa-sobre-assange/ Acesso em: 29 mar. 2024