Direito Internacional

O Petróleo para os Estados Unidos da América: Mais do que um produto energético, o resultado da política externa de uma nação.

 

Resumo

 

Este trabalho apresenta, a partir de uma retrospectiva histórica, os elementos que foram indexados, a partir de uma série de ações empreendidas, desde o colonialismo do século XIX até a gestão republicana de George W. Bush, a fim de constituir a política externa apresenta na atualidade, por parte dos Estados Unidos da América. A análise tem como foco de atenção a questão secular dos conflitos, independente de qual natureza estes possuam, intrínsecos ao Oriente Médio, mais especificamente, no Golfo Pérsico.

 

Palavras – chave

Petróleo; Estados Unidos da América; Poder; Iraque.

 

 

 

 

O petróleo é mais do que um fator delimitador da política externa dos Estados Unidos da América para o Golfo Pérsico. É um imperativo das ações empreendidas durante uma retrospectiva histórica que abarca acontecimentos muito anteriores à escalada nacionalista que sucedeu o neocolonialismo estadunidense na região. A análise do petróleo como fonte de energia utilizada e demandada por todas as regiões do planeta, cuja importância expandiu-se conforme a economia global e as relações diplomáticas se tornaram mais complexas, aliás, inicia-se com Estrabão, um dos primeiros geógrafos citados na história escrita.

 

 

Um dos trunfos, por assim dizer, do petróleo é servir para quase todas as necessidades imediatas, desde movimentar os meios de transporte até gerar energia elétrica, passando por uma imensa diversidade de subprodutos. Não é estranho que represente 40% de toda a energia consumida no planeta. Aliás, Segundo a Agência internacional de Energia, continuará o combustível mais importante até 2030, sendo que a demanda crescerá 37%. O petróleo ocupa posição de primazia por diversos motivos, entre eles: ainda não há fonte capaz de substituí-lo com tamanha eficácia, o investimento inicial de descoberta e instalação pode ser alto, mas depois o gasto de produção é baixo relativamente às demais fontes e, também porque pode ser transportado com maior rapidez e com custo inferior. Ironicamente, também existem outras funções: como disse Yaves Lacoste, entre uma das utilidades do petróleo está a de fazer a guerra.

 

Quanto à importância do petróleo do Golfo Pérsico, há que se avaliarem algumas particularidades. Em primeiro lugar está a capacidade de elevar significativamente a produção em curtíssimo prazo: ali estão os únicos países do mundo ainda possuidores de reservas ociosas prontas para serem acionadas. Depois, que dentre estes estão os poucos países com reais possibilidades de aumentar a produção de forma sustentável, por pouco consumirem de todo o volume produzido. Afora as polêmicas sobre o esgotamento das reservas, que é um debate constante que envolve pessimistas e otimistas, isso a um nível mundial, não restam dúvidas que é sobre o Oriente Médio – especificamente sobre o Golfo Pérsico – que reside a esperança do suprimento de demandas cada vez mais exigentes e maiores.

 

Igor Fuser, jornalista especialista em coberturas a nível internacional, posiciona-se a respeito da polêmica sobre o esgotamento das reservas, por tal assunto suscitar divergentes opiniões. As duas visões principais envolvidas em tal debate são: pessimistas, os quais acreditam que o pico da produção está próximo (2010) e a defasagem entre demanda e oferta se tornará insustentável, e os otimistas, defensores de que novas tecnologias levariam a novas reservas e maiores níveis de recuperação do petróleo já existente. É nesse grupo que se situa a AIG (Agência Internacional de Energia), organização que divulga a opinião mais aceita e considerada coerente no cenário internacional, apesar de que muitos dos cálculos pequem por falta de transparência.

 

             Com certeza, o petróleo já tinha utilidades que vão além das descobertas realizadas pela história contemporânea, isso mesmo na antiguidade. Entretanto foi apenas em meados do século XIX que o petróleo foi redescoberto e começou a ser inserido no rol das grandes mercadorias influenciadoras do mercado mundial. Passando da exploração do primeiro poço, em 1859, nos EUA, ao primeiro monopólio de integração vertical, a Standart Oil de John Rockfeller, o primeiro boom petrolífero caracterizou-se basicamente pelas demandas por iluminação e propulsão de grandes navios transatlânticos.

 

             No século XIX foi o petróleo que aumentou os interesses das nações pela região do Oriente Médio e do Golfo Pérsico, ou seja, os conflitos por energia já tem, ao menos, um século de existência. Como exemplo desta afirmação, há o Primeiro “Great Game”, confronto que opôs Inglaterra imperial e Rússia Czarista pelo controle de reservas na Ásia Central. Ainda que não tenha acontecido literalmente no Médio Oriente, o embate situou-se na segunda região com maiores reservas energéticas do planeta, o que já indica a relevância que tais produtos adquiriam na economia. Deste conflito, resultaram novas fronteiras que ainda hoje marcam o panorama geopolítico e geoestratégico.

 

             Já na Primeira Guerra Mundial, acontece o primeiro confronto de fato pela expropriação petrolífera na região analisada. Nitidamente, o interesse britânico e francês era de expulsar o Império Otomano das reservas. Por conseqüência, no pós-guerra, foram criados os chamados paises árabes protetorados, o que fez com que tais nações não alcançassem à autonomia almejada. Durante a Segunda Guerra Mundial, em contrapartida, uma significativa alteração no contexto mundial vigente: União das Repúblicas Socialistas Soviéticas e EUA, as potências que assumiram o poder em um novo sistema bipolar, compreenderam que o acesso às reservas petrolíferas era condicionante para o sucesso em confrontos futuros. Particularmente os EUA, que transformou o petróleo em arma para derrotar, nas batalhas terrestres e na velocidade de deslocamento de tropas, tanto Alemanha quanto Japão. Os próprios países aliados encontravam-se profundamente devastados. Foi o dinheiro do petróleo estadunidense que patrocinou, ainda que relativamente, a recuperação destes países e o surgimento dos Estados de bem-estar social.

 

             Quase que simultaneamente ao período pós-guerra explodiram na região alguns movimentos nacionalistas pró-descolonização. No entanto, apesar da suposta nobreza de seus objetivos, o foco da atenção estava notoriamente deslocado. É bem verdade que o domínio político residia nos países do Norte, mas, ao menos até o choque petrolífero de 1973, a oligarquia dominante do ramo era um conjunto de transnacionais intituladas “as sete irmãs”, formadoras de um cartel que dominava a tecnologia de exploração e refinação. A respeito dos lucros obtidos por estas empresas, que ousaram desafiar a ordem econômica vigente, é suficiente citar o historiador John Blair, que os definiu como algo “além dos sonhos da avareza”.

 

             Diz-se, aliás, que o grande lance da influência norte-americana na região deu-se através da sua entrada na Arábia Saudita, processo este que já decorria desde 1902, mas que se aprofundou rapidamente na década de 1930. A fim de minar a influência britânica do país, os EUA apresentavam a sua disposição ideológica de “portas abertas”, ao menos até 1945, pela ineficiência das iniciativas estatais britânicas quando da tentativa de competir com o cartel de empresas estadunidense que dominavam a prospecção no país.

 

Também na concernente ao período pós-guerra está a Doutrina Truman, que foi um princípio organizador de uma sucessão de iniciativas que ajudaram o governante, o presidente Harry Truman, a identificar e priorizar os interesses geopolíticos mais relevantes da nação que administrava. Anunciada em 12 de março de 1947 era um conjunto de normas pelas quais os EUA poderiam “apoiar os povos livres na resistência a tentativas de dominação por minorias armadas ou por pressões externas”. Ou seja, a administração elencou alguns países, como a Turquia e o Irã, aos quais foram disponibilizados pacotes de auxílio financeiro, que atuariam como uma espécie de barreira natural ao expansionismo soviético na região. É fato que os interesses, ou ao menos o posicionamento de Washington perante o anticolonialismo era ambíguo: de acordo com Truman, a independência política prematura, sem a necessária preparação econômica e social poderia submeter os povos ao jugo colonial. Citando o historiador Gabriel Kolko: “a independência, quando e de viesse, seria para os países capazes de desempenhar um papel numa ordem mundial integrada e compatível com os interesses dos EUA (…)”.

 

Na década de 1950, tamanho era o poder norte-americano na localidade, que apenas um aspecto impunha-se como delimitador das suas intenções: o crescente “nacionalismo de recursos”, uma força que começava a ganhar espaço até mesmo nos debates na ONU, onde, apoiados pela URSS, os novos estados independentes questionavam a expropriação da matéria prima a que se julgavam donos, por um suposto “sistema capitalista expropriador de riquezas”, representado pela junção entre o poder estatal e a iniciativa privada dos EUA.

 

Uma dos acontecimentos representantes desse contexto foi a crise do Canal de Suez, um imbróglio provocado pela política de hostilidade praticada por parte de Gamal Abdel Nasser, o novo soberano egípcio, contra os interesses britânicos e de aproximação para com a URSS. O presidente, em 26 de julho de 1956 decidiu apropriar-se do canal, o que avultou todos os desentendimentos ocidentais quanto às iniciativas no Oriente Médio. A administração que ocupava o poder norte-americano, neste momento, era a de Eisenhower, o qual resumiu o significado da crise para o país: “OS EUA não podem deixar um vácuo no Oriente Médio e supor que os soviéticos vão ficar de fora”. A formulação de uma nova Doutrina, então, previa a concretização de dois objetivos imediatos: a) confiar aos regimes pró-ocidente que estes poderiam contar com os Estados Unidos em sua defesa, e b) tolher quaisquer governante vizinho que tentasse depor tais regimes simpáticos aos seus objetivos. No entanto, hoje se sabe que o foco principal da doutrina era o regime nasserista do Egito.

 

Vale ressaltar que a Doutrina Eisenhower foi a justificativa apresentada para o primeiro desembarque de marines, no Líbano, atendendo a um pedido de ajuda solicitado pelo presidente do país, Camille Chamoun que temia pelos confrontos entre muçulmanos e cristãos em seu território, haja vista a Jordânia, um país próximo, estar enfrentando uma tentativa de deposição governamental. Era também um meio de confirmar a suposta promessa feita pelos norte-americanos de proteger os países que se mostrassem aliados. Mas o contingente enviado estava lá para cobrir outra demanda: no mesmo instante, o Iraque enfrentava uma sublevação que derrubou a monarquia vigente e colocou no poder um grupo de militares de pretensões puramente nacionalistas. Logo, se tropas fossem necessárias para uma ação em Bagdá, estas já estariam prontas para entrarem no território inimigo. Foi a primeira vez em que tropas norte-americanas se infiltraram diretamente nas terras do Oriente Médio, abrindo um precedente sem tamanho para com as futuras questões que poderiam existir.

 

Ainda que houvessem tentado articular dois embargos petrolíferos durante as duas guerras do Oriente Médio (1956 e 1967), os quais foram mal-sucedidos graças à possibilidade do atendimento à demanda por parte dos EUA, os países árabes estavam descontentes, em meados de 1960, com as políticas excessivamente agressivas empreendidas pelas companhias em seu território. Cinco destes – Irã, Iraque, Kuwait, Arábia Saudita e Venezuela – reuniram-se e ratificaram a formação da Organização dos Países Exportadores de Petróleo, a OPEP, mesmo que mantivessem laços coloniais com os países europeus. Atualmente, tal bloco, que integrou novos membros, responde por 40% da produção mundial, mas estima-se que suas reservas correspondam a 77% do total. Em suas decisões, a OPEP continuamente tenta conciliar dois objetivos quase que paradoxais: o maior preço possível e a maior parcela do mercado mundial.

 

             Durante aproximadamente uma década as intervenções dos países coloniais foram restritas: os EUA mantiveram-se envolvidos com a Guerra do Vietnã – confronto este justificado pela Doutrina Truman – e a Grã-Bretanha, cada vez mais abandonava sua posição de voz ativa quanto aos conflitos no Oriente Médio. Paralelamente, a OPEP dispunha de um poder muito reduzido, dado o excesso de petróleo ainda facilmente encontrado no mundo.  No entanto, a partir de 1948, aconteceu o primeiro sinal de uma possível incoerência interna quanto aos interesses norte-americanos de manutenção do poderio no Oriente Médio: o apoio político a Israel se tornou irrestrito depois da Guerra dos Seis Dias. A irritação dos líderes árabes foi uma conseqüência imediata, o que refletiu em maior vulnerabilidade nas negociações de tais governos com as transnacionais estadunidenses. “Pela primeira vez, manifestava-se uma contradição importante entre os interesses de segurança nacional dos Estados Unidos e os interesses corporativos das grandes empresas norte-americanas no exterior.” (FUSER, 2008, P. 100). A incoerência destas atitudes proporcionou à OPEP e aos outros países árabes um impulso, ainda que desigual, nas rodadas de negociações comerciais: a cada uma obtinham preços mais altos e maior participação nos lucros. A manutenção do seu fim original – instituir uma suposta aliança entre governos soberanos em prol da maximização do poder e da gratificação financeira – foi um fator de grande importância para que a organização se afirmasse no cenário internacional.

 

             Ainda assim, o governo norte-americano tentava assegurar uma resolução positiva para as duas preocupações centrais da sua política externa: o receio de que a União Soviética se aproveitasse do declínio britânico para estender sua influência àquela região e a necessidade de garantir o controle das imensas reservas de petróleo. Contudo, os movimentos nacionalistas não-alinhados começaram a significar uma ameaça vertiginosa à realização dos objetivos propostos. A solução encontrada pelo presidente Richard Nixon, que assumiu a cadeira de chefe de Estado em 1969 e cuja popularidade estava ameaçada graças à lastimosa campanha do Vietnã, foram alianças, cristalinamente instáveis e passageiras, com soberanos de regimes conservadores e autocráticos, como o xá do Irã e a monarquia saudita, os quais passariam a representar regionalmente os interesses advindos de Washington. A proposta do presidente era de diminuir a inclusão dos EUA nos conflitos do chamado “terceiro mundo”. Esta estratégia, primariamente denominada de Doutrina Nixon, foi conhecida como a política dos “dois pilares”. Apoiando as forças autoritárias, os EUA conseguiram sufocar a possibilidade de uma modernização política, econômica, cultural e social no Oriente Médio. Em resumo, porém, ao realizar-se, tal política tinha maior efeito quanto à estabilidade da região, e ao suprimento energético desejado pelos EUA, do que contra o inimigo externo, a URSS, e seus ataques cada vez mais improváveis.

 

             No intervalo de aproximadamente cinco anos (1969 – 1973) que dividiu a proclamação da Doutrina Nixon e a primeira crise do petróleo, o que se deu foi uma clara escalada armamentista, tanto nos próprios Estados Unidos da América quanto nos seus países aliados, que além de disporem do dinheiro oriundo do petróleo ainda contavam com investimentos estadunidenses. O país ainda enviava emissários militares cuja função era organizar a estratégia bélica e o armamento tecnológico das nações atrasadas. No entanto, os profissionais eram vistos como infiéis, nos países de ardor religioso, o que se tornou um motivo de descontentamento populacional generalizado.

 

             Em 1972, os iraquianos decidiram nacionalizar por completo a Irak Petroleum Company, fato este inaceitável para os investidores e para o governo norte-americano. O petróleo iraquiano foi sistematicamente retirado da tabela de vendedores, e outros produtores foram indexados a ela, o que gerou um aumento da oferta e conseqüente queda nos preços. Mas apesar dessas alterações comerciais, os compradores ocidentais não estavam prontos para uma possível empreitada árabe que transformasse o petróleo em “arma política”. Foi o que aconteceu durante a quarta-guerra árabe-israelense (Yom Kippur), de 1973, em que os EUA empenharam-se em uma ajuda bélica a Israel. O que ocorreu foi que a OPEP ganhou um impulso imediato, desta forma os países do bloco decidiram cortar o fornecimento de petróleo, declarando um embargo para os EUA, Países Baixos e Portugal.

 

             Resumindo, houve uma formidável alteração no comércio mundial de petróleo: os países produtores finalmente ditavam o ritmo de produção o que os dotou de uma enorme influência nos preços, afinal todos os países membros unidos representavam 80% das exportações mundiais. A consolidação da OPEP representava uma tentativa de mudar o cartel privado para um governamental (FAY, 2003, p. 63). A nova conjuntura causou um temor e uma repugnância total entre os países do primeiro mundo, que iniciaram uma busca incessante atrás de petróleo de outros fornecedores, o que refletiu em uma alta imediata e exponencial nos preços. Foi o primeiro choque petrolífero da história.

 

             Ao contrário do que seria natural essa crise trouxe aos EUA mais vantagens, haja vista serem menos dependentes do petróleo do Oriente médio do que outros países, como Japão, e também porque os países desta região investiram os lucros obtidos na maximização das próprias rendas não nas economias locais, mas no mercado financeiro norte-americana, gerando uma imediata valorização do dólar. Os reais prejudicados foram os países subdesenvolvidos, por serem excessivamente dependentes do petróleo árabe. Todavia, as nações árabes adquiriram maior autonomia, e se tornou, para os EUA, cada vez mais dispendioso iniciar uma intervenção militar. O embargo só acabou cinco meses depois, em março de 1974, por força do rei da Arábia Saudita e do presidente do Egito “como testemunho de boa vontade dos árabes”, apesar da continuidade das invasões israelitas e da não aceitação dos pedidos dos povos árabes em prol dos direitos do povo palestino.                 O segundo choque petrolífero ocorreu em janeiro de 1979, como conseqüência da queda do xá da Pérsia.

 

             Até que, no início da década de 1980, o Presidente Jimmy Carter utilizou a expressão “interesse vital” para descrever a relação que os EUA mantinham com o Golfo Pérsico, e que usariam qualquer maneira considerada necessária para assegurar o acesso seguro à região. Este discurso, apresentado em um momento em que as relações internacionais, concernentes ou não ao Golfo, estavam passando por uma conjuntura caótica, foi uma ruptura com as políticas empreendidas desde 1945 até então, as quais tentavam assegurar o fluxo da matéria-prima sem empregar o uso do poderio bélico. É relevante assinalar que a Doutrina Carter – definida pelo historiador Douglas Little como uma doutrina Monroe para o Oriente Médio – possuía um desafio duplo: 1) assegurar o controle das reservas de petróleo do Golfo Pérsico e 2) reagir à ação militar da Ásia Central, interpretada, ao menos publicamente, como uma ameaça. Frente às ameaças regionais, segundo o pesquisador Charles Kupchan, “as mudanças na postura militar associadas com a doutrina Carter realçaram a capacidade dos EUA de intervir em um conflito envolvendo atores locais”. Ou seja, é possível que a maior inovação da Doutrina Carter tenha sido o reconhecimento público de que o país possuía sim interesses que iam além da esfera econômica, como os estratégicos e militares, no Golfo Pérsico, e que desta forma, envolviam em seu círculo de parceiros ou inimigos externos, nações de independência tardia as quais eles próprios haviam tentado “neocolonizar”.

 

Além disso, havia a possibilidade de concretizar outros objetivos considerados mais político-ideológicos, como: reorganizar plenamente a influência estadunidense no Oriente Médio e maximizar a cooperação dos países da região para com os objetivos internacionais do país, aproximando, para tanto, o maior número de nações possíveis de Israel, além de estruturar uma maneira de contenção dos ideais da Revolução Iraniana. Cinco dias depois da declaração da Doutrina Carter o Secretário de Defesa, Harold Brown veio a público para anuncia o orçamento militar do ano, e disse: “Num mundo de disputas e violência, nós não temos condições de ir desarmados para o exterior. A maneira particular pela qual a nossa economia se expandiu significa que hoje o nosso bem-estar material depende, num grau não pequeno, de importações, exportações e rendas de investimentos em países estrangeiros.”. Ou seja, a proteção do fluxo de petróleo do Oriente Médio era uma necessidade inerente à economia norte-americana, e para tanto, quaisquer ações que fossem julgadas precisas seriam empreendidas, inclusive o uso da força militar.

 

             Fazendo um apêndice, vários são os documentos, encontrados na atualidade, que revelam que a disposição dos EUA em iniciar uma invasão militar no Golfo Pérsico, já era cogitada desde a década de 1970. Já em agosto de 1975 a Comissão de Relações Internacionais do Congresso encomendou ao Congressional Research Service (espécie de centro de pesquisas) um relatório que foi intitulado Oil Fields as Military Objectives – A Feasibility Study (Campos de petróleo como objetivos militares – um estudo de viabilidade). De acordo com o documento, o sucesso de uma intervenção militar dependeria de duas condições elementares: a) a tomada dar instalações deveria ocorrer sem que as mesmas fossem largamente devastadas, e b) a URSS não poderia tomar parte no conflito. O relatório, também lançava questões a respeito de quais seriam motivos coerentes que validariam um confronto. De acordo com seus autores, a resolução de tais questões deveria permear três bases fundamentais: a) as leis internacionais, b) as responsabilidades constitucionais, e c) a opinião pública doméstica e internacional.

 

Finda a gestão de Jimmy Carter, o posto foi assumido por Ronald Reagan, que o derrotou nas eleições, o qual imprimiu uma postura mais conservadora e direitista à política externa norte-americana. A intensidade das ingerências estadunidenses aumentou, de fato: o momento Reagan correspondeu à entrada do país numa dependência aceita e assumida. A proposta foi de uma série de medidas que conjugasse a segurança de expropriação do petróleo das reservas com a própria segurança do Oriente Médio. O ideal era de instaurar uma política de portas abertas no Oriente Médio, cujo fim seria ampliar a oferta de petróleo a nível mundial e, paralelamente enfraquecer a OPEP.  Para tanto, Reagan enviou tropas para que combatessem na Guerra Civil do Líbano e envolveu definitivamente o país no confronto Irã – Iraque, ao lado do Iraque.  

 

O que Reagan conseguiu, na verdade, foi se mostrar capaz de agir no cenário externo de um modo mais assertivo que Carter. Ele aparelhou uma equipe que compartilhava integralmente dos seus ideais de direita, além de estar menos comprometido com imbróglios domésticos. Por fim, o petróleo do Oriente Médio era preocupação primordial e, mais do que isso, pública, da administração republicana. Uma de suas buscas era a exploração de possibilidades ditas inexploradas para a consolidação da hegemonia no Golfo Pérsico. Além de, logicamente, continuar com a estratégia de contenção dos objetivos da URSS.

 

Alguns anos depois, durante a Guerra do Golfo (1990-1991), pela primeira vez os EUA declararam Guerra contra um país árabe inteiro, imprimindo, em sua totalidade, o enunciado da doutrina Carter. O conflito foi uma conseqüência da invasão do Kuait pelo Iraque, e pela primeira vez o domínio sobre determinada região petrolífera era, e abertamente, o fator central determinante de um confronto. Isto é, o Presidente George Bush (pai), eleito em 1989, assim como aqueles que o haviam antecedido e os que o sucederam, interligou o interesse “vital” com a garantia da segurança nacional norte-americana. Assim sendo, alegou que sua preocupação fundamental seria conter o avanço de alguma potencia regional com ambições hostis. No entanto, é fato que nesta época, o perigo do expansionismo soviético não era mais insurgente, ou seja, estava nitidamente referindo-se aos países do próprio Oriente Médio, neste caso o Iraque de Saddam Hussein, mesmo que este fosse um país subdesenvolvido que estava interessado na concretização de interesses intrínsecos ao próprio crescimento econômico, e não a citada superpotência. O inimigo havia deixado de ser externo ao Oriente Médio e passava a ser um país da região, o que transmutava os objetivos iniciais da doutrina Carter, a qual fora inicialmente utilizada em referência aos soviéticos.

 

             Além disso, por ter acontecido depois da Guerra Fria, tomou um rumo que dificilmente teria tomado caso os países ainda recebessem os conselhos da extinta URSS. Assim, certas decisões, como o emprego de todo o armamento bélico contra um único inimigo regional, foram colocadas em prática sem o receio de um embate global. No entanto, o que se pode afirmar é que a Guerra do Golfo está ligada com desavenças muito anteriores à própria Guerra Fria, haja vista o domínio norte-americano na região, e o seu interesse pelo petróleo, ser imensamente superior ao interesse apresentado pelos soviéticos.

 

             Acabado tamanho confronto, ainda durante uma década, o objetivo norte-americano continuou sendo derrubar o governo Saddam Hussein por meios indiretos. Porém, por tal meta não ser suficiente para a manutenção do seu poder na localidade, no governo Bill Clinton partiu-se para uma dupla contenção, direcionada simultaneamente para Irã e Iraque. Acreditavam que só assim, garantindo que as forças armadas atuassem na região, alcançariam o que prescreve a doutrina Carter.

 

             Uma das conclusões que submergem depois da análise deste período histórico é que, quanto à preocupação acerca dos interesses petrolíferos, não existem muitas diferenças, consideradas as administrações democratas e republicanas, inclusive os republicanos neoconservadores. As diretrizes fundamentais não se alteram substancialmente, sendo que ganharam elevada importância na plataforma de George W. Bush, antes mesmo dos ataques terroristas de 11 de setembro. O que há de novo é a intenção de projetar a força nacional em regiões distantes, sendo que estas, obviamente, interessariam economicamente o país.

 

             Quanto ao Iraque, que no ano de 1982 deixou de pertencer à lista dos países terroristas elaboradas pelos EUA, foi um constante debate para os governos estadunidenses. Na década de 1980, tanto Reagan quanto Bush (pai), apoiaram as iniciativas de Saddam Hussein para tentar conter a influencia do nacionalismo iraniano em toda a região. No entanto, quando o Iraque, por razões ideológicas e, principalmente, econômicas, invadiu o Kwait, EUA liderou uma insurreição mundial contra Bagdá, e desde então as nações voltaram a posicionar-se em pólos antagônicos dos debates mundiais. As obrigações atribuídas pela ONU à população e ao governo iraquiano parecem encobrir um confronto particular entre as duas nações. Desde os bombardeios de 1991, o país não conseguiu se reconstruir, independente do que seja analisado: do bem-estar social até a infra-estrutura civil. É paradoxal pensar que um país com tantas riquezas esteja tão constantemente envolvido em conflitos gerados pelas próprias benesses.

 

             Dono da segunda maior reserva de petróleo do mundo, o Iraque é um foco exeqüível de tensão. Não deixou de ser o “interesse vital” citado por Carter há duas décadas. O obstáculo representado por Saddam Hussein obrigou os EUA à traçarem um plano linear de diminuição de poder que o país poderia atingir, haja vista sua extrema influencia no mercado petrolífero. No entanto, as sanções econômicas e a influência ideológica que possuem no mundo inteiro não eram mais suficientes. Tiveram que partir para o confronto físico, e as conseqüências dessa escolha ainda não são exatamente compreensíveis. Para o sistema internacional, no entanto, a Guerra do Iraque significou a diminuição da produção petrolífera do Iraque, o que gerou um grande problema. Para o equilíbrio das economias o melhor seria, nesse caso, uma vitória rápida dos EUA. Além disso, o controle norte-americano, com a retirada de Saddam do poder, poderia significar um melhor aparelhamento das reservas, sendo as do interior do Iraque as mais competitivas e de mais fácil extração no mundo inteiro. Mesmo que a administração de George W. Bush tenha buscado inúmeras razões para justificar a guerra, fato é que, por trás de um regime ditatorial e de um embargo de 12 anos, estava o destino da segunda maior reserva do mundo, como dito anteriormente.

 

             Concluindo, a projeção de força que o país impôs às nações do Golfo Pérsico apresenta, claramente, uma estratégia de crescimento, que culmina na agressividade utilizada no presente. A eliminação de inimigos incômodos, como o Iraque, e a tentativa de consolidação da hegemonia, provocam uma série de reações adversas e que comprometem o equilíbrio das relações internacionais. As estratégias de maximização dos lucros e de securitização da prospecção petrolífera influenciam a economia e o equilíbrio internacional de maneira sem precedentes, muito além das esferas de negociação primárias empreendidas pelos dirigentes norte-americanos. O risco iminente é o acirramento das tensões nacionalistas, o que pode levar os norte-americanos, voluntária ou involuntariamente, a um envolvimento militar ainda maior no futuro.

 

 


REFERÊNCIAS

 

 

 

FAY, Claudia M. A questão do petróleo e suas implicações na Guerra do Iraque. Rio Grande do Sul, 2003. Disponível em: < http://revistas.fee.tche.br/index.php/indicadores/article/view/193/242>. Acesso em: 25 jun. 2009.

 

FUSER, Igor. O petróleo e a política dos EUA no Golfo Pérsico: A atualidade da doutrina Carter. Disponível em: < http://www.pucsp.br/neils/downloads/v17_18_igor.pdf>.  Acesso em: 25 jun. 2009.

 

FUSER, Igor. Petróleo e Poder: o envolvimento militar dos Estados Unidos no Golfo Pérsico. 1 ed. São Paulo: Editora UNESP: Programa San Tiago Dantas de Pós-Graduação em Relações Internacionais da UNESP, Unicamp e PUC-SP, 2008. 254 p.

 

SALVADOR, Regina; MARQUES, Bruno P. Geopolítica do Petróleo: De Estrabão à(s) Guerra(s) do Iraque. Disponível em: < http://rsalvador.planetaclix.pt/geopoliticadopetroleo.pdf>. Acesso em: 25 jun. 2009.

 

Como citar e referenciar este artigo:
ANÔNIMO,. O Petróleo para os Estados Unidos da América: Mais do que um produto energético, o resultado da política externa de uma nação.. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2010. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/direito-internacional/o-petroleo-para-os-estados-unidos-da-america-mais-do-que-um-produto-energetico-o-resultado-da-politica-externa-de-uma-nacao/ Acesso em: 29 mar. 2024