Direito Internacional

“Neopatriotismo”, Bush e Obama

“Neopatriotismo”, Bush e Obama

 

 

Francisco César Pinheiro Rodrigues*

 

 

Vez por outra alguém cria um termo novo. Se a idéia foi feliz, “pega”. Fixa residência no idioma. Ingressa nos dicionários, enriquece e sintetiza a comunicação. A nova palavra é útil até mesmo para economizar a energia em seu aspecto muscular. Poupa diafragma, língua, lábios e até mesmo movimentos braçais — principalmente se o vigoroso expositor é italiano — com perdão pelo pleonasmo. A impressão popular — ainda não comprovada cientificamente apenas porque ninguém se interessou pela tarefa — é que esses passionais europeus e seus descendentes gesticulam mais que povos de outras raças. Seguramente mais que os comedidos japoneses, nórdicos e ingleses.  

 

Sempre me preocupou a idéia de que a humanidade precisa de uma nova forma de comunicação; ou, melhor ainda, de um novo cérebro. Cérebro mesmo, mais neurônios, aos bilhões. Já ao nascer, pois do contrário, por mais que estude, não conseguirá acompanhar o avanço vertiginoso do conhecimento. O homem, mesmo culto, é hoje mal informado — porque incapaz de assimilar, analisar e sintetizar a grande massa de notícias e saberes que não conseguem espaço na fina camada — entre um e quatro milímetros — do córtex. Conseqüentemente,  opinará errado, ou só parcialmente certo, em quase tudo: sobre si mesmo e sobre os demais; na escolha de líderes, nas eleições; sobre qual a legislação mais adequada ao interesse geral; o que seja realmente “interesse geral” (distinção dificílima); exercício das profissões; escolha do cônjuge ou equivalente; alimentação e tudo o mais.

 

Há quem preveja que, com o tempo — já disse isso em outro espaço de leitura — o computador, muito mais rápido e racional que o ser humano, tomará as rédeas do poder, bastando, para isso, que sua “inteligência” artificial avance a ponto de tomar consciência de si mesma. Tal idéia pode, hoje, parecer um exagero, ficção científica, mas é uma possibilidade na área da ciência. E, indo além, quem sabe os cientistas do futuro conseguirão acrescentar, à inteligência artificial, uma Ética a esta correspondente, até mesmo superior à nossa, atual, inerente aos seres vivos. Talvez nem seja necessário a programação, pelos cientistas, de uma Ética pois esta não é inimiga da racionalidade — pelo contrário. Não há porque presumir que, criada a inteligência artificial, esta não “segregue”, espontaneamente, uma ética mais limpa, descontaminada de influências instintivas, glandulares, tais como a inveja, o ciúme carnal, a sede de vingança e coisas do gênero. Restará, aos cientistas da informática — após a criação da completa inteligência artificial — apenas a cautela de manter ao alcance da mão o botão que desligará os supercomputadores caso estes pretendam iniciar o “grande motim”. Servirão, no entanto, os computadores autonomamente inteligentes, como lúcidos coordenadores dos “think tank”, pensando com velocidade mil vezes superior a de seus lerdos colegas de carne e osso.

 

Considerando que o avanço acima só ocorrerá daqui a muitas décadas, ou séculos, dependente que é dos avanços da engenharia genética ou manipulação bem-intencionada das células-tronco, fiquemos, por enquanto, na questão dos “neologismos”, esse sintetizador de idéias novas.

 

Patriotismo é uma palavra muito valorizada.  Expressa uma idéia que já vem acoplada a um emoção. Sugere altruísmo, auto-sacrifício pelo seu país. Quando Samuel Samuel Johnson, o grande erudito e dicionarista inglês, disse que o patriotismo pode ser “o último refúgio de um canalha” ele atacava o canalha, o blasfemo; não o patriotismo em si, merecedor de uma aura de respeito no simples enunciado.

 

Ocorre que o mundo deu muitas voltas. Tornou-se cada vez mais unificado, globalizado. O que acontece em um país repercute nos demais. A última eleição presidencial americana parecia ser uma eleição mundial, com pessoas de todos os continentes dando “seu voto” a favor de um candidato que mais “as representava”, de certo modo. Um Estados Unidos da América bem conduzido significa, em razão de seu poder, maior potencial de felicidade para todos os demais países. Mais um indício de que caminhamos — mesmo sem perceber — para uma federação mundial, obviamente democrática. Quando os EUA erram quem sofre não é apenas o norte-americano.

 

O velho patriotismo — aquele que só leva em conta as vantagens de seu próprio país — já se tornou ultrapassado, até mesmo pernicioso. A médio ou longo prazo torna-se um tiro pela culatra. Daí a quase euforia da juventude e dos idealistas de todo o planeta com a vitória de Barack Obama, que promete dialogar até mesmo com os “maus”. Não esquecer que quase sempre o “mau” sinceramente se imagina “bom”. Por acaso, o terrorista que caminha para a morte envolto em colete de explosivo imagina-se um bandido? O rancor pode originar-se de uma invencível sentimento de sentir-se injustiçado. E só o intenso e franco diálogo, com as necessárias e justas concessões, pode remover a espoleta que provocará a explosão, matando de forma não seletiva.

 

Obama, para mim, representa o “neopatriotismo”. Em vez de simplesmente “esmagar” quem nos vê com ódio, tentar também compreender a origem desse ódio. Quem sabe há alguma razão válida para tanto ressentimento. Se houver, cedamos mão à palmatória. Concedamos o que deve ser concedido. Somente se não houver uma injustiça latejando sob a animosidade, se o terrorismo for apenas fruto da prepotência, da má-fé ou do gangsterismo é que caberá o uso da força, até mesmo fulminante. “Neopatriotismo” não significa moleza, passividade. Significa apenas a conscientização de que o planeta está cada vez mais unificado, queiramos ou não. Um imenso organismo social que, à semelhança dos organismos biológicos, só poderá crescer bem com a harmonia de todas as suas partes. E a Organização das Nações Unidas ainda não atingiu essa abrangência. Ela precisa fazer isso o mais cedo possível. A crise financeira atual comprovou essa necessidade. Do contrário, sem uma consciência para orientar ou re-orientar a tal “mão invisível dos mercados”, ou “mão boba” safada de alguns “espertinhos” financeiros, teremos crescimento econômico desordenado, opressão, revolta e conflitos.  O câncer goza de total independência no crescimento, é um ser livre por excelência mas nem por isso um modelo para a humanidade. Quando não controlado acaba ele mesmo dentro de um caixão. Mata os hospedeiro mas também morre.

 

George W. Bush e seu vice, Cheney, representam o velho patriotismo. Talvez até bem-intencionado. Nas suas orações, antes de dormir, W.Bush provavelmente se pergunta, conversando com Deus: “Senhor, onde foi que errei? Agi mal, por acaso, quando, pensando no bem estar do povo americano — que tanto prezo —, alterei ou “forcei” a verdade” sobre a relação de causa e efeito entre o 11 de setembro e Saddam Hussein? Menti, realmente, mas com reta intenção patriótica. O que há de tão censurável nisso? Qual o estadista, em todos os tempos e países, que também não mentiu, em maior ou menor escala, para beneficiar os interesses de seu país? Se menti para meu próprio povo é porque eu não poderia dizer abertamente que estava mentindo. Não poderia fazer um discurso para fora e outro para dentro de meu país. Seria aberrante, contraditório. Agi como um bom advogado que pode até mentir em benefício de seu cliente. Afinal, com a invasão, que não deu muito certo, dei uma “chacoalhada” em todo o Oriente Médio. A modernização do Iraque contagiará toda a vizinhança. Derrubei um tirano sanguinário e ao mesmo tempo tentei beneficiar o meu país, inquietamente dependente do petróleo do Oriente Médio. Há algo de errado em ser patriota, diminuindo essa insegurança? Se Osama Bin Laden não houvesse incentivado a resistência iraquiana, talvez eu fosse considerado o estadista do século. Corri o risco e paguei por isso. “Sorry”, mas não me sinto culpado…”

 

É bem provável que ele ainda pense assim. Vítima de uma desatualização, de um engano: não sabe que tudo evolui neste mundo, inclusive o conceito de patriotismo. O planeta caminha para um mundo só, embora não o perceba.

 

Walter Cronkite, um famoso jornalista americano, adepto de um governo mundial, referindo-se àqueles que consideravam tal idéia utópica, “não prática”, retrucava: “E o que há de “prático” nas guerras?” O problema é que, para evitá-las é preciso dar ao patriotismo um novo sentido.

 

(11-10-08)

 

 

* Advogado, desembargador aposentado e escritor. É membro do IASP Instituto dos Advogados de São Paulo. Site: www.franciscopinheirorodrigues.com.br

 

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Como citar e referenciar este artigo:
RODRIGUES, Francisco César Pinheiro. “Neopatriotismo”, Bush e Obama. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2008. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/direito-internacional/neopatriotismo-bush-e-obama/ Acesso em: 18 abr. 2024