Direito Eleitoral

A Ética Compete aos Políticos e aos Eleitores

 

O Consultor Jurídico (www.conjur.com.br), na sua edição de 21/06/2008, traz um informativo intitulado Fidelidade em números – Mais de 700 vereadores já foram cassados por infidelidade:

 

      Pelo menos 723 vereadores foram cassados por infidelidade partidária pelos Tribunais Regionais Eleitorais até quarta-feira (18/6), desde a resolução do Tribunal Superior Eleitoral, de 27 de março de 2007, que definiu que os mandatos pertencem aos partidos e não aos candidatos eleitos. O levantamento é do site <I>G1</I>. […]

 

Fico “matutando” sobre a questão da “infidelidade partidária” e acabo pensando que, acima dessa matéria e outras, debatidas no momento (nepotismo, regras sobre propaganda, voto eletrônico, “compra” de votos etc.), está uma muito mais ampla, norma de caráter geral para qualquer ser humano, sem importar se estamos diante de um intelectual ou um analfabeto, se se trata de pessoa de grande prestígio no meio social ou se é conhecido apenas de um círculo restrito de pessoas.

 

Trata-se da Moralidade, a qual vive sob o olhar atento e percuciente da consciência, e não admite sofismas nem desculpismos…

 

Quanto especificamente à questão da Política, entendo que tanto são culpados os políticos anti-éticos quanto os seus eleitores que neles votam sabendo da sua postura amoral ou imoral. O poder dos políticos não lhes pertence, mas simplesmente é-lhes emprestado pelo povo. Quanto aos desonestos, basta não se votar mais neles.

 

Na análise de quem seja o culpado pela desonestidade de alguns políticos, não devemos criticar apenas os eleitos, mas também quem os elege sabendo dos seus defeitos morais. Uns querem o poder para se locupletarem do patrimônio público e os outros querem ser co-autores na apropriação indébita.

 

Para enriquecimento das nossas reflexões, vejamos a excelente análise encontrável na ENCICLOPÉDIA JURÍDICA LEIB SOIBELMAN sobre o tema Moral e Política:

 

      Tema inesgotável e sem solução até hoje. Os maiores publicistas da antiguidade e da idade média foram também os maiores moralistas: Aristóteles, Platão, Cícero, São Tomás de Aquino. Maquiavel subordinou a moral à política, ao contrário de Platão. Existe uma moral pública diferente da moral privada? Ou em matéria política vale apenas a razão de estado (V.)? Podemos utilizar no exame de uma decisão política os mesmos parâmetros que empregamos quando analisamos moralmente a conduta de um particular? Se a tese da razão de estado está certa, todos os tiranos e monstros da história estão justificados e o julgamento de Nuremberg (V.) foi uma grande farsa. A moral é uma só, seja do indivíduo, seja do Estado, com a única diferença de que esta joga com interesses de maior peso que os de um simples indivíduo, pois tem caráter coletivo visando o bem comum e satisfazendo-se com um mal menor para não causar um mal maior. Os partidários da razão de estado confundem-na com razão pública ou consciência pública, o que é coisa muito diferente. A razão pública pode fazer com que uma solução seja tomada por critérios que seriam até repelidos por uma consciência individual, mas aceitos pelo estado de direito (V.), e onde este impera não há lugar para a razão de estado. É na existência do estado de direito que está a garantia de que as decisões políticas sejam informadas pela moral. Nesta matéria predomina, tal como no direito, o dever ser (V.): o ideal de conduta não é destruído pela existência de realidades que o contradizem, continua sendo o paradigma a ser seguido. Não se pode também exigir do político uma moral mais rigorosa do que a que se exige dos que exercem outras atividades. Mas também não se pode adotar a concepção de Mirabeau que achava que a moral do cidadão (que ele chamava de “pequena moral”) não servia para medir a conduta do estadista, chegando a dizer que “a pequena moral matava a grande”. Aceitar isto é perdoar toda a corrupção do estadista porque faz grandes realizações, a tese do “rouba mas faz”. Nesta matéria o grande perigo consiste em querer fazer do particular ou do estado o objeto de um moralismo cego e absoluto, que redundaria em duas conseqüências: ou entravar os meios de ação do estado, ou permitir que o estado penetrasse em todas as esferas da vida individual. É claro que os conceitos morais devem ser examinados através das condições sócio-históricas em cujo contexto foi tomada a decisão política. Ninguém como Paul Janet, no século passado, sintetizou de forma lapidar a natureza das relações entre a moral e a política, num livro clássico que tem justamente por título “História da ciência política nas suas relações com a moral” (F. Alcan ed., Paris, 1887, 3ª ed. vol. I.): “o liame entre a política e a moral é a idéia do direito. O objeto da política não é o de constranger à virtude, mas proteger o direito. Sem dúvida, o estado repousa sobre a virtude, mas a virtude não é o seu objeto. Aos cidadãos o serem virtuoso ao Estado o ser justo”. Num estado de direito não pode existir nenhuma grande idéia política sem elevação moral. V. direito e moral. Muitos autores estudam este problema apenas em relação ao emprego legítimo da violência. Para os revolucionários de todo tipo (V. violência política e terror), o problema não existe ou não tem relevância alguma, porque partem da premissa de que violento é o regime que pretende derrubar a moral e a luta que eles representam, já que, segundo eles, todo regime não passa da institucionalização da violência a favor de uma classe dominante, usando de um código penal apenas para reprimir a violência individual e das forças armadas para a manutenção violenta do regime. O emprego da violência é problema de adequação de meios para fins, já que quem quer determinado fim não pode recusar ou recuar do emprego de determinado meio. Trotzki escreveu que a relação entre ambos é dialética, um determina ou condiciona o outro, e só através de situações concretas é que se pode saber se existe esta adequação. Maritain, o grande pensador católico, disse que, em épocas de baixo nível moral da sociedade, o que sofre é a aplicação dos princípios morais, mas que eles se mantêm imutáveis, já que mesmo na mais desesperada das situações da vida humana sempre terá lugar a distinção entre meios bons e maus para a obtenção de um fim, sendo que o emprego de um meio intrinsecamente mau para a obtenção de um fim mesmo que bom poderá no máximo causar um êxito imediato, mas compromete irremediavelmente o futuro do resultado alcançado. Há também quem sustente ser o ideal moral inatingível na política, encarando o ético na política como uma impossibilidade trágica ou dramática, considerando o político como o demoníaco, o campo de atuação do diabo (Lutero). Sartre na peça “As mãos sujas” demonstrou que o idealismo moral na política acaba na ineficiência total; e Péguy já havia dito que para ter as mãos sempre limpas nesta matéria preciso o simplesmente não ter mãos. O idealismo moral absoluto pode levar a soluções altamente desastrosas, como foi o caso de Wilson por ocasião do Tratado de Versalhes (V.). Mas, um realismo extremado teria também de eliminar a moral da vida privada, pois também nesta não é possível ficar acima do bem e do mal, além de que seria uma total falta de realismo deixar de contar com o elemento moral que pode influir numa decisão. Frente a estas dificuldades, Max Weber inventou um critério utilitarista para separar a política da moral absoluta: a separação entre a ética da convicção, que se guia pela pureza das intenções e serve para avaliar ações individuais, e a ética da responsabilidade, que se preocupa com os resultados obtidos e serve para avaliar as ações de grupos ou de um indivíduo que fala em seu nome. (Nota do autor – Já estava feito este verbete quando, relendo L’homme revolté de Albert Camus (Gallimard ed., Paris, 1951), encontramos esta frase de Marx: “Um fim que necessita de meios injustos não é um fim justo”. Segundo Camus, a verdadeira grandeza de Marx não está no revolucionário, no economista ou no político, está no moralista que ele foi, o homem que acreditava nos fins morais e racionais da história humana. V. pecado do poder.). B. – José Luís L. Aranguren, Ética e política. Duas Cidades ed. São Paulo, 1967: Norberto Bobbio, O significado clássico e moderno da política, in Curso de introdução à ciência política, I., Universidade de Brasília ed., 1982; Max Weber, A política como vocação, in Ensaios de sociologia, ed. Zahar, Rio, 1971; Jacques Maritain, O homem e o estado, Agir ed., Rio, 1966; Leon Trotzki, Moral e revolução, Paz e Terra ed., Rio, 1976.

 

 

* Luiz Guilherme Marques, Juiz de Direito da 2ª Vara Cível de Juiz de Fora (MG).

Como citar e referenciar este artigo:
MARQUES, Luiz Guilherme. A Ética Compete aos Políticos e aos Eleitores. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2009. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/eleitoral/a-etica-compete-aos-politicos-e-aos-eleitores/ Acesso em: 20 abr. 2024