Direito Eleitoral

Reeleição e Moralidade

Reeleição e Moralidade

 

 

Fernando Machado da Silva Lima*

 

 

27.10.2000

 

 

      Se é verdade que todo poder emana do povo e deverá ser sempre exercido em seu nome e em seu benefício, através de representantes eleitos, de acordo com o princípio fundamental da soberania popular, não há dúvida de que o resultado das eleições precisa corresponder à vontade do povo.

 

Por essa razão, os candidatos à reeleição deveriam ser obrigados a se afastar de seus cargos, como todos os outros candidatos, para que não os pudessem utilizar em seu próprio benefício. A vigente Constituição Federal estabelece uma série de regras a respeito do exercício dos direitos políticos, em seu artigo 14, entre elas as referentes às inelegibilidades, destinadas a garantir a normalidade e a legitimidade das eleições, contra a influência do poder econômico ou o abuso do exercício de função, cargo ou emprego na administração direta ou indireta.

 

Assim, para que fosse evitada a utilização da máquina administrativa em benefício próprio ou de parentes, a Constituição proibia a reeleição do Presidente, dos Governadores e dos Prefeitos, que estariam também impedidos de concorrer a outros cargos, a não ser que renunciassem até seis meses antes do pleito, e determinava, ainda, a inelegibilidade dos parentes dessas autoridades ou de quem as houvesse substituído nos seis meses anteriores ao pleito. 

 

      No entanto, a Emenda Constitucional nº 16, de 04.06.97, elaborada por encomenda para permitir a reeleição do Presidente FHC, alterou apenas o § 5o do art. 14, permitindo a reeleição do Presidente, dos Governadores e dos Prefeitos, mas manteve as normas dos §§ 6o e 7o do mesmo artigo, que estabelecem a inelegibilidade dessas autoridades, para outros cargos, e a de seus cônjuges e  parentes, para qualquer cargo, a não ser que renunciem, até seis meses antes do pleito.

 

 Além dessas normas, continuou em vigor o § 9o do mesmo art. 14, que  determina que outros casos de inelegibilidade sejam estabelecidos através de lei complementar, sempre tendo em vista a proteção da normalidade e da legitimidade das eleições. A matéria foi disciplinada pela Lei Complementar n° 64, de 18.05.90, que estabelece, detalhadamente, os casos genéricos de inelegibilidade, e os específicos, para os cargos de Presidente e Vice-Presidente, Governador e Vice-Governador, Prefeito e Vice-Prefeito, Senador, Deputado Federal, Deputado Estadual, e Vereador, bem como os respectivos prazos de desincompatibilização.

 

         Quase três meses após a edição dessa Emenda Constitucional, o Tribunal Superior Eleitoral, decidindo consulta formulada pelo Senador Freitas Neto, sobre a aplicabilidade dos prazos de desincompatibilização previstos na Lei Complementar nº 64/90, relativamente aos Governadores de Estado e aos Prefeitos, candidatos à reeleição, editou a Resolução nº 19.952, de 02.09.97, pela qual foi decidido, à unanimidade, que os candidatos à reeleição não estão sujeitos à regra da desincompatibilização, e que esse entendimento é aplicável também ao Vice-Presidente, ao Vice-Governador e ao Vice-Prefeito.

 

Na realidade, essa regra da irreelegibilidade, ou seja, da proibição da eleição para um segundo mandato, era tradicional desde a nossa primeira Constituição Republicana, e autores há que a consideram, mesmo, cláusula pétrea, o que seria um dos motivos para a inconstitucionalidade da emenda da reeleição, além, é claro, da ofensa aos princípios constitucionais da moralidade e da impessoalidade, mas da forma como foi aprovada essa Emenda, com a permanência de todas as inelegibilidades anteriormente previstas, ficou evidente o conflito, porque não seria juridicamente possível justificar que o candidato à reeleição possa permanecer no cargo, utilizando a máquina administrativa e abusando do poder político, em seu benefício, e os outros candidatos estejam sujeitos à desincompatibilização.

 

Ou será que para os recandidatos, como vêm sendo chamados, não se aplicam os princípios referentes à probidade administrativa, à moralidade e à proteção da normalidade e legitimidade das eleições contra a influência do poder econômico ou o abuso do exercício de função, cargo ou emprego na administração direta ou indireta ?

 

O absurdo é enorme, porque o próprio Prefeito, que não poderia concorrer a qualquer outro cargo, a não ser que renunciasse, até seis meses antes do pleito, pode no entanto permanecer em exercício, quando candidato à reeleição, e as conseqüências estão evidentes, com a Imprensa noticiando, a todo momento, a utilização da máquina administrativa, e com a tremenda coincidência que tem sido a dispensa das multas pela CTBel, justamente agora, antes do segundo turno.

 

O próprio Presidente do Tribunal Superior Eleitoral declarou, em recente entrevista, que “o Congresso, com uma decisão política, pode extinguir a reeleição, mantê-la ou alterá-la, para exigir a desincompatibilização dos candidatos durante o período eleitoral.”

 

É pena que essa Emenda tenha vigorado por tanto tempo, apesar da disparidade do tratamento dado aos candidatos e aos recandidatos, em claro desrespeito ao princípio democrático básico da soberania popular, e que tenha servido para reeleger FHC, além de muitos Governadores e muitos Prefeitos, que se utilizam do cargo para mentir, e para enganar o povo. Até parece aquela história infantil do boneco de madeira, o Pinóquio, que quanto mais mentia, mais crescia o seu nariz, apenas com a diferença de que entre nós, certos políticos mentem tanto, que como castigo suas línguas cada vez ficam maiores, até que eles já quase nem conseguem mais falar corretamente.

 

 

* Professor de Direito Constitucional

 

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Como citar e referenciar este artigo:
LIMA, Fernando Machado da Silva. Reeleição e Moralidade. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2009. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/eleitoral/reeleicao-e-moralidade/ Acesso em: 29 mar. 2024