Direito do Consumidor

Cofre de Segurança Bancário

Cofre de Segurança Bancário

 

 

Afranio Carlos Moreira Thomaz*

 

 

1 – Generalidades

 

Pelo contrato de cofre de segurança, uma instituição bancária põe à disposição do cliente um compartimento fechado (receptáculo) destinado à guarda e proteção de bens móveis, mediante remuneração. Tais bens móveis, em regra, são dotados de alto valor econômico, e devem ser de dimensões reduzidas, a fim de que caibam no compartimento disponibilizado pelo banco – o que exclui, por evidente, máquinas, veículos, etc.. Assim, tal contratação, na grande maioria das vezes, é celebrada pelo cliente com a intenção de guardar dinheiro (especialmente moeda estrangeira), joias, metais preciosos e/ou documentos, por acreditar – não sem razão – que no banco estarão mais bem protegidos do que em suas casas ou em seus locais de trabalho, assumindo a instituição financeira verdadeiro dever de vigilância como obrigação de resultado, e não simplesmente de meio. Valendo-nos das palavras de Carlos Henrique Abrão, temos então que…

 

“Aquele que deposita valores no cofre de segurança o faz fundado na segurança, na proteção e acima de tudo na confiança que mantém com a instituição financeira, até porque os locais de guarda são de acesso restrito, dotados de maior conforto, inclusive contra fogo, altas temperaturas, inundações e intempéries, significando uma especificidade que descarta, por si só, os incômodos em simples depósito comum” (in COFRES DE SEGURANÇA, pág. 146, São Paulo, editora Quartier Latin, 2006).

 

É possível ainda – embora menos usual – que a contratação de cofres de segurança bancários tenha por finalidade não propriamente a guarda de bens de elevado valor econômico, mas sim aqueles que, por qualquer motivo, tenham grande valor sentimental para o cliente, como no caso de cartas, fotos, objetos pertencentes a antepassados, etc.. Certo é que, em qualquer caso, a remuneração devida ao banco será a mesma, não se submetendo a qualquer variação decorrente do valor ou da qualidade dos bens guardados no cofre. O que eventualmente poderá haver será a cobrança de preços diferenciados de acordo com o tamanho e o padrão do compartimento, quando a agência bancária possuir unidades com dimensões variadas.

 

Na maioria das vezes os locais destinados aos cofres de segurança estão situados no subsolo das agências bancárias, tendo apenas uma porta de entrada acionada por dispositivos elétricos e/ou hidráulicos, além de contarem com alarmes que disparam quando do ingresso indevido de pessoas no recinto, e com a permanente captação de imagens através de câmeras filmadoras – isso sem falar do policiamento realizado por empresas particulares especialmente contratadas para esse fim. Os compartimentos, por sua vez, são protegidos por materiais refratários revestidos de chapas blindadas, apresentando, por isso, grande resistência a ataques e intempéries de quaisquer tipos.

 

O compartimento do cofre de segurança possui duas chaves, sendo que uma delas fica em poder do cliente, enquanto a outra permanece com o banco (“chave mestra”). Somente com o uso simultâneo de ambas será possível a abertura do cofre, a cujo acesso o cliente terá apenas mediante a prévia assinatura de um “livro de visitas” e durante o período de expediente bancário, fazendo-se necessária a presença e a cooperação de preposto da agência naquele ato, bem assim quando do fechamento do compartimento. Todavia, tão logo o cofre já possa ser aberto e estar acessível ao cliente, o funcionário da agência bancária se afasta, e não exerce qualquer interferência na colocação ou na retirada de objetos de seu interior.

 

O contrato de cofre de segurança se caracteriza pela vigilância que o banco deve exercer sobre o compartimento utilizado pelo cliente, devendo ser adotadas todas as medidas cabíveis e necessárias à sua inviolabilidade, e à consequente preservação da integridade dos bens lá guardados, da qual o banco é garantidor, impedindo que se extraviem, se deteriorem ou sejam subtraídos em roubos ou furtos. Há uma cláusula de segurança ínsita a esse contrato, que foi o que motivou o cliente a celebrar tal contratação com o banco. Também se faz presente, de parte a parte, a questão do segredo quando da contratação do cofre, já que o cliente, em regra, não revela ao banco a relação dos objetos a serem guardados, e o banco, por outro lado, não confere e nem apura a natureza e o valor desses bens, deixando a livre critério do contratante optar pelo que será colocado no compartimento do cofre. Isto significa que o banco não recebe materialmente os objetos que o cliente irá manter no interior do compartimento, exercendo apenas uma custódia indireta do cofre, abstraindo-se o seu conteúdo. É comum, no entanto, que os bancos insiram uma cláusula no contrato pela qual o cliente se obriga a se abster de guardar produtos ilícitos (v.g. drogas, mercadorias roubadas), bem como explosivos, substâncias inflamáveis ou que possam emitir gases tóxicos – o que certamente colocaria em risco a segurança e a integridade das pessoas que transitam pela agência bancária, das instalações do prédio e de outros bens pertencentes aos demais clientes. Porém, em que pese a frequência com que cláusulas desse tipo são inseridas em tais contratos, o certo é que, em razão do sigilo inerente ao cofre de segurança, é muito improvável que o banco contratado venha a tomar conhecimento da eventual guarda, pelo cliente, daqueles produtos proibidos, já que, objetivamente, não tem a instituição financeira meios de aferir o conteúdo do compartimento, embora participe de seus respectivos procedimentos de abertura e fechamento.

 

De um modo geral, os cofres de segurança não proporcionam ao banco uma rentabilidade compensadora, uma vez que a remuneração a partir daí auferida não se revela das mais expressivas, em comparação com outros produtos e serviços colocados à disposição pelas instituições financeiras aos seus clientes – isso sem falar dos investimentos em recursos materiais e humanos necessários à manutenção da vigilância inerente a essa atividade. No entanto, tal serviço constitui, muitas vezes, um interessante expediente de atração e captação de clientela, que acabará fatalmente realizando outras contratações de maior vulto com aquele banco.

 

2 – Natureza jurídica

 

Por inexistirem em nosso Direito positivo normas que disciplinem de forma clara e específica o contrato de cofre de segurança bancário, tem-se que sua natureza jurídica é controvertida.

 

De toda sorte, sobressai, sem dúvida alguma, a natureza de prestação de serviço, por envolver atividades relacionadas à manutenção da inviolabilidade do compartimento utilizado pelo cliente, bem como do segredo dos bens guardados em seu interior, representando, como já se disse, uma custódia indireta, consistente na vigilância externa da coisa, com abstração de seu conteúdo. A propósito, temos ainda que ao contrato de cofre de segurança se aplica o dever de sigilo bancário de que trata a LC 105/01, que em seu art. 1º, caput estabelece que…

 

“Art. 1º, caput – As instituições financeiras conservarão sigilo em suas operações ativas e passivas e serviços prestados”.

 

A presença desse elemento faz com que tal atividade esteja inserida na definição de serviço contida no art. 3º, § 2º do CDC, segundo o qual…

 

“§ 2° Serviço é qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, salvo as decorrentes das relações de caráter trabalhista”.

 

Mas é importante se ressalvar que a incidência do CDC ficaria afastada se o contratante – pessoa física ou jurídica – celebrasse o ajuste com nítidos propósitos econômicos e/ou empresariais, quando então não seria possível qualificá-lo como destinatário final do serviço, na acepção do art. 2º do referido diploma legal.

 

Especula-se também sobre uma possível natureza de depósito que estaria contida no cofre de segurança, em modalidade análoga àquela prevista no art. 630 do CC, segundo o qual…

 

“Art. 630 – Se o depósito se entregou fechado, colado, selado, ou lacrado, nesse mesmo estado se manterá”.

 

Todavia, não se pode afirmar se tratar de um depósito genuíno. Embora a lógica nos leve a concluir que ninguém contrataria a utilização de um cofre de segurança bancário para deixá-lo vazio, tal ajuste, a rigor, não pressupõe necessariamente a efetiva guarda de algum objeto pertencente ao cliente, que poderá, em determinados momentos e circunstâncias, deixá-lo sem qualquer conteúdo. Por outro lado, os bens guardados no cofre de segurança não são entregues ao poder fático-jurídico imediato do banco, inexistindo por parte deste a possibilidade de administrá-los na qualidade de depositário, e, consequentemente, de restituí-los na forma do art. 629 (segunda parte) do CC. A rigor, a vigilância a ser exercida pelo banco se relaciona com a inviolabilidade do compartimento, e não propriamente com os bens lá guardados pelo cliente, havendo, como já se disse, mera custódia indireta do cofre.

 

Discute-se ainda se haveria nesse contrato um componente de locação, porquanto o cliente efetua periodicamente um pagamento (“aluguel”) ao banco pela utilização do compartimento. Ao se admitir tal natureza jurídica, teríamos de considerar que o cliente passaria a exercer poderes fáticos semelhantes aos do locatário, diante da possibilidade de usar com exclusividade o compartimento objeto do contrato, incumbindo ao banco, tal como verdadeiro locador, pôr à disposição do contratante o receptáculo, assegurando-lhe seu uso pacífico.

 

Tal locação, no entanto, teria um caráter sui generis, pois, de acordo com o CC, …

 

“Art. 569 – O locatário é obrigado:

I – a servir-se da coisa alugada para os usos convencionados ou presumidos, conforme a natureza dela e as circunstâncias, bem como tratá-la com o mesmo cuidado como se sua fosse”.

 

Tal previsão do digesto civil não se aplica ao caso específico do cofre de segurança, já que nesta modalidade de contratação, diversamente do estatuído no preceptivo legal acima transcrito, o banco (“locador”) – ou seja, a parte que recebe a remuneração do cliente (“locatário”) – é quem tem a obrigação de zelar pela guarda e vigilância do compartimento que lhe fora disponibilizado. Assim, a natureza de contrato de locação não explica completa e satisfatoriamente o dever de vigilância que incumbe ao banco exercer sobre o cofre no qual se encontram os bens pertencentes ao cliente. Ou seja, a vigilância que deve ser exercida pelo banco não se mostra compatível com a obrigação imposta ao locatário pelo art. 569, I do vigente CC. Além disso, a partir do momento em que o cliente guarda seus bens no interior do cofre, ele não mais os detém, limitando-se a possuir uma das chaves do respectivo compartimento.

 

Enfim, não se pode concluir pela caracterização de uma relação locatícia autêntica, pois o banco não se restringe a ceder onerosamente o compartimento do cofre, na medida em que lhe incumbe, também, adotar as medidas de segurança necessárias para garantir sua inviolabilidade, vinculando-se a atividades de vigilância que extrapolam a simples garantia do uso pacífico do bem.

 

Conforme mencionado no item 5 infra, existe até mesmo precedente jurisprudencial do TJDF que considerou que “o contrato de locação de cofre tem natureza de depósito” (sic) (TJDF – 3ª Turma Cível – Apelação Cível 2002.01.1.029194-5 – Rel. Des. Nídia Corrêa Lima – julgado em 14.02.2007). De fato, a análise da natureza de um determinado negócio impele o intérprete e o aplicador do Direito a, instintivamente, procurar enquadrá-lo no arcabouço das formas jurídicas já existentes, de modo que somente em caso de absoluta incompatibilidade entre as características envolvidas é que se conclui ao final ser o contrato em questão uma figura atípica ou híbrida. No entanto, pelo que pudemos observar, o contrato de cofre de segurança possui mesmo natureza jurídica sui generis, apresentando-se como contrato atípico e misto, integrado por elementos heterogêneos que reúnem simultaneamente características do depósito e da locação (mas sem ser uma coisa, nem outra), revelando-se, em essência, como prestação de serviço de segurança.

 

3 – Classificação

 

O contrato de cofre de segurança pode ser classificado da seguinte forma:

 

CONSENSUAL

 

Basta o acordo de vontade das partes na celebração do ajuste, independentemente de qualquer outra formalidade, para que o contrato se repute perfeito e acabado. Não se trata de contrato real, pois não se requer a efetiva guarda de algum objeto, podendo o contrato se configurar ainda que o cliente mantenha o compartimento vazio, bastando que o cofre seja colocado à sua disposição.

 

BILATERAL

 

O cofre de segurança é um contrato que produz obrigações recíprocas para as partes, caracterizando o sinalágma. No caso, o banco tem a obrigação de exercer a guarda e a vigilância sobre o compartimento utilizado pelo cliente, e este a obrigação de remunerar a instituição financeira pelo serviço que lhe é prestado.

 

ONEROSO

 

O cofre de segurança pressupõe ônus (sacrifícios) recíprocos para as partes, estando o banco autorizado a efetuar a cobrança do usuário desse serviço pelo art. 5º, IV da Resolução 3.518/07 do CMN. Têm as partes, por outro lado, proveitos igualmente recíprocos. Para o cliente, existe o ônus de efetuar o pagamento devido ao banco, enquanto para este há o encargo de utilizar todos os meios de que dispõe para exercer correta e adequadamente a vigilância sobre o compartimento contratado. Quanto ao proveito, para o cliente este é representado pela segurança que o contrato lhe proporciona no que diz respeito à guarda dos bens inseridos no compartimento, ao passo que para o banco há a remuneração percebida pelo serviço prestado.

 

COMUTATIVO

 

As prestações recíprocas são perfeitamente definidas e conhecidas pelas partes – o banco, com a obrigação de disponibilizar o compartimento e exercer a guarda e a vigilância sobre o seu conteúdo, e o cliente com a obrigação de remunerar periodicamente o banco pela utilização do serviço, pelo preço ajustado no contrato.

 

IMPESSOAL

 

 Embora o banco, ao celebrar o contrato de cofre de segurança, colha informações acerca da idoneidade do cliente, e franqueie seu acesso a dependências onde devem imperar o sigilo e a vigilância, tem-se que esse ajuste não se qualifica como intuitu personae, pois se admite, em tese, a cessão do direito de utilização do compartimento a terceiros, podendo, inclusive, prosseguir a avença com os herdeiros do contratante, na hipótese de falecimento deste. Admite-se também a outorga de procuração para que terceiro possa ter acesso ao cofre. De acordo com Lauro Muniz Barreto, …

 

“O direito de usar e de desfrutar da caixa de segurança tem sido considerado sempre transferível a terceiros, que podem substituir o titular originário no direito de entrada no recinto de localização das caixas”.

 

Mas em seguida o autor adverte:

 

“Convém notar que há muitos bancos que subordinam esta faculdade de transferência ao prévio consentimento da direção do banco, passando assim a considerar-se como um contrato ‘intuitu personae’” (in DIREITO BANCÁRIO, págs. 493/493, 1975).

 

ATÍPICO

 

Não existe lei específica dispondo sobre o contrato de cofre de segurança, podendo o intérprete e o aplicador do Direito se valer apenas de preceitos do CDC e de alguns dispositivos esporádicos do CC eventualmente aplicáveis. Justamente por se tratar de um contrato atípico, é possível, em tese, que o cliente opte por declinar expressamente os bens que irá guardar no compartimento, embora isso não constitua prática usual.

 

Decorre daí tratar-se o cofre de segurança um contrato não solene, porquanto a inexistência de norma legal que o discipline faz com que incida, em relação a esse tipo de ajuste, o disposto no art. 107 do CC.

 

DE ADESÃO

 

Como regra geral, as cláusulas dos contratos de cofres de segurança são elaboradas unilateralmente pela instituição bancária, que, ao oferecê-los a seus clientes, não lhes proporciona outras alternativas senão assiná-los ou simplesmente desistir de sua contratação (CDC art. 54). Não é dado ao cliente discutir a modificação, exclusão ou inserção de alguma cláusula que seja de seu interesse, cabendo-lhe tão-somente aceitar os termos propostos pelo banco, ou buscar a contratação junto a outra instituição financeira. Em tais contratos a interpretação das cláusulas se dará da forma que for mais favorável ao aderente (CDC art. 47 e CC art. 423).

 

DE EXECUÇÃO CONTINUADA (OU SUCESSIVA)

 

 O cofre de segurança é um contrato que se estende ao longo do tempo, em que as obrigações das partes remanescem e se renovam continuamente por meio de atos reiterados, até a extinção do ajuste pelo advento de seu termo, ou por alguma outra causa.

 

SUJEITO AO CDC

 

Como regra geral, o contrato de cofre de segurança celebrado entre o banco e o cliente está submetido aos preceitos da Lei 8.078/90, desde que, ressalvamos, seu titular se enquadre no conceito de destinatário final de que trata o art. 2º, caput daquele diploma, e que o compartimento não esteja sendo utilizado para fins econômicos e/ou empresariais.

 

4 – Da responsabilidade civil do banco no caso de furto ou roubo dos bens guardados no cofre de segurança

 

Questão importante acerca do contrato de cofre de segurança bancário diz respeito à responsabilidade da instituição financeira na hipótese de furto ou roubo dos objetos guardados por seus clientes nos respectivos compartimentos.

 

Considerando-se que a prestação de serviço constitui elemento integrante de sua natureza jurídica, e que tal contratação, como regra geral, está submetida aos preceitos do CDC (Súmula 297 do STJ), inexiste qualquer dificuldade para que se conclua que a responsabilidade civil do banco, na hipótese em cogitação, é objetiva, a teor do que estatui o art. 14 da Lei 8.078/90:

 

“Art. 14 – O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos.

§ 1° O serviço é defeituoso quando não fornece a segurança que o consumidor dele pode esperar, levando-se em consideração as circunstâncias relevantes, entre as quais:

I – o modo de seu fornecimento;

II – o resultado e os riscos que razoavelmente dele se esperam;

III – a época em que foi fornecido”.

 

Esse foi o entendimento do STJ ao proferir os seguintes julgados:

 

“DIREITO CIVIL. RESPONSABILIDADE CIVIL. BANCOS. ASSALTO. COFRES DE ALUGUEL. RESPONSABILIDADE OBJETIVA. DEVER DE INDENIZAR OS DANOS MATERIAIS. LEGITIMIDADE ATIVA. PRINCÍPIO DA IDENTIDADE FÍSICA DO JUIZ.

1. Afasta-se a alegada violação do art. 535, II, do CPC na hipótese em que o não-acatamento das argumentações deduzidas no recurso tenha como consequência apenas decisão desfavorável aos interesses do recorrente.

2. O princípio da identidade física do juiz não é absoluto, sendo ultrapassado quando o Juiz responsável pela instrução do feito for afastado por qualquer motivo. Em tal hipótese cabe a seu sucessor decidir sobre a repetição das provas colhidas em audiência caso não se sinta apto a julgar.

3. É de responsabilidade do banco a subtração fraudulenta dos conteúdos dos cofres que mantém sob sua guarda. Trata-se do risco profissional, segundo a qual deve o banco arcar com os ônus de seu exercício profissional, de modo a responder pelos danos causados a clientes e a terceiros, pois são decorrentes da sua prática comercial lucrativa. Assim, se a instituição financeira obtém lucros com a atividade que desenvolve, deve, de outra parte, assumir os riscos a ela inerentes.

4. Está pacificado na jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça o entendimento de que roubos em agências bancárias são eventos previsíveis, não caracterizando hipótese de força maior, capaz de elidir o nexo de causalidade, requisito indispensável ao dever de indenizar.

5. Recurso Especial não-conhecido” (STJ – 4ª Turma – REsp 1.093.617/PE – Rel. Min. João Otávio de Noronha – Dje 23.03.2009).

 

“Os bancos depositários são, em tese, responsáveis pelo ressarcimento dos danos materiais e morais causados em decorrência do furto ou roubo dos bens colocados sob sua custódia em cofres de segurança alugados aos seus clientes, independentemente da prévia discriminação dos objetos ali guardados” (STJ – 4ª Turma – REsp 767.923/DF – Rel. Min. César Asfor Rocha – DJ 06.08.2007, pág. 501).

 

Assim, a ocorrência de furto ou roubo dos bens guardados em cofres revela que o serviço de segurança prestado pelo banco não funcionou de acordo com a presumida expectativa do cliente/consumidor, nos termos do art. 14, § 1º do CDC, evidenciando-se daí a responsabilidade objetiva desse fornecedor, a quem foi incumbida a missão de vigilância ínsita a esse tipo de contratação.

 

De nada adianta a instituição bancária alegar que o furto ou roubo ocorrido em sua agência representaria uma situação do fortuito ou força maior eximente de sua responsabilidade, porquanto se trata de evento perfeitamente previsível nos dias atuais, já que é notória a cobiça de meliantes aos objetos de presumido valor guardados no interior de tais cofres, para cuja atuação os bancos devem estar precavidos e prevenidos. Também de nada adianta o banco inserir no contrato de adesão submetido ao seu cliente a chamada “cláusula de não indenizar”, através da qual se esquivaria de assumir os ônus decorrentes de sua responsabilidade no caso de eventual sinistro ocorrido com os bens guardados no cofre, porquanto qualquer previsão nesse sentido esbarraria no comando contido no art. 25, caput do CDC – a menos que se tratasse da hipótese excepcional de consumidor-pessoa jurídica, quando então sobre tal contratação poderia incidir o preceito do art. 51, I, parte final, do referido diploma legal. O banco somente estaria liberado de promover a indenização ao cliente se demonstrasse a ocorrência de algum evento que, absolutamente, não pudesse ser imputado ao serviço de vigilância que lhe incumbia exercer (fortuito externo), como, v.g., a queda de um avião sobre o prédio da agência, ocasionando a sua completa destruição.

 

Para os contratos fora do âmbito de incidência do CDC, celebrados com fins econômicos – aplica-se, ao invés do art. 14 do CDC, o disposto no art. 927, parágrafo único do CC, que assim estabelece:

 

“Art. 927 – (…)

Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.

 

Na verdade, a grande dificuldade no deslinde dessas questões relacionadas com o furto ou o roubo ocorrido em cofres de segurança bancários diz respeito à fixação do quantum indenizatório devido ao cliente que experimentou o prejuízo. Por esse motivo, aliás, alguns bancos reduziram (ou mesmo eliminaram) a oferta de seus serviços de cofre de segurança, já que a incerteza acerca do valor dos bens guardados por seus clientes deixava a instituição financeira exposta a indenizações de grande vulto, sem que pudesse dispor de elementos para impugnar de forma pontual e objetiva o montante reclamado pelo cliente a título de dano material.

 

Por outro lado, não se mostra adequado, à luz dos arts. 5º e 170, V da CF, que o banco, sob o argumento da inexistência de parâmetros para a fixação do quantum indenizatório, ficasse totalmente isento de ressarcir seus clientes que tiveram seus bens subtraídos em cofres de segurança através de alguma atividade criminosa.

 

Vimos anteriormente que no contrato de cofre de segurança bancário o cliente, em regra, não revela à instituição financeira nem a natureza, nem o valor dos objetos guardados no respectivo compartimento, sendo inerente a esse tipo de ajuste o sigilo acerca do seu conteúdo. Assim, intui-se que os objetos guardados possuem elevado valor econômico, mas não tem o banco elementos para aferir exatamente o quanto. Vimos ainda que, embora menos frequente, é possível também que o cliente utilize o cofre com o único intuito de guardar objetos desprovidos de grande valor econômico, mas de enorme valor sentimental, além da hipótese em que o cofre é mantido momentaneamente vazio, quando então se deu o seu arrombamento indevido na agência bancária.

 

Rui Stoco destaca que…

 

“… algumas instituições bancárias da Europa, rendendo-se às decisões judiciais determinando a indenização por objetos furtados, passaram a desenvolver sistema de fotografia reservada dos bens guardados nas caixas, que é (a fotografia) lacrada em envelope inviolável, e só aberto no momento oportuno, na presença de testemunhas ou em Juízo, de modo a preservar o sigilo exigido pelo cliente e comprovar, quando necessário, o conteúdo da caixa de segurança” (in A PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS BANCÁRIOS DE COFRES DE SEGURANÇA À LUZ DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR – RT 728/37, pág. 43 – junho de 1996).

 

Não consta, todavia, que algum sistema desse gênero seja utilizado pelas instituições bancárias que atuam no Brasil – o que certamente eliminaria a principal dificuldade para o justo arbitramento do quantum indenizatório. Então, partindo-se da premissa de que tem o consumidor o direito básico à efetiva reparação de danos patrimoniais e morais (CDC, art. 6º, VI), e sendo a responsabilidade do banco de natureza objetiva, qual o critério a ser utilizado para se apurar o valor do ressarcimento devido ao cliente lesado em seu patrimônio?

 

É sabido que, para que haja concretamente a obrigação de indenizar, não basta o reconhecimento da responsabilidade do banco em razão do insucesso no cumprimento de sua obrigação de vigilância, impondo-se a existência efetiva de um dano, que, por sua vez, deve ser certo, não se admitindo que seja hipotético ou eventual.

 

Em atenção a essa premissa, alguns julgados do TJRJ enfrentaram a controvérsia em apreço, concluindo que, para que alguma indenização seja arbitrada em favor do cliente, faz-se necessário que haja ao menos um início de prova, algum indício de que o contratante do serviço realmente possuía “este” ou “aquele” bem guardado no compartimento do cofre de segurança, não bastando meras alegações genéricas nesse sentido. Confira-se:

 

“Responsabilidade. Civil. Banco do Brasil. Cofre de aluguel. Arrombamento. Ação civil coletiva. Procedência do pedido. Reforma, para excluir a obrigação de reparar o dano moral. Dano material. Liquidação de sentença. Bens pertencentes a terceiros. Ilegitimidade. Inexistência de indícios acerca de valores alegadamente acautelados no cofre. Os bancos, como depositários dos bens colocados sob sua custódia nos cofres de segurança alugados aos seus clientes, em linha de princípio, são responsáveis pelos danos materiais e moral causados em decorrência de furto ou roubo. O locatário do cofre não está obrigado a revelar o seu conteúdo, contudo, na hipótese de perda destes bens, há necessidade de um mínimo de prova a embasar a liquidação da sentença que julgou procedente o pedido indenizatório, o que inocorre na espécie. Recurso desprovido” (TJRJ – 13ª Câmara Cível – Apelação Cível 2007.001.19238 – Rel. Des. Nametala Machado Jorge – julgado em 16.05.2007).

 

“Apelação. Liquidação de sentença. Ação civil coletiva movida pela Associação dos Locatários Vítimas do Arrombamento de Cofres do Banco do Brasil, com o objetivo de ressarcirem-se dos prejuízos advindos desse ilícito praticado. Sentença que em sede de liquidação condenou o banco réu ao pagamento de indenização com relação às jóias existentes no cofre alugado pelo apelante, bem como o reembolso pelo desaparecimento de dólares americanos. Ausência de prova capaz de ensejar qualquer indenização com relação a esses dólares americanos. Correta a sentença no que considerou como cabível o pagamento da indenização referente às jóias subtraídas do cofre com base no laudo do perito do juízo e não com base no laudo do assistente técnico do réu. Precedentes desta Câmara. Recurso conhecido e provido em parte” (TJRJ – 13ª Câmara Cível – Apelação Cível 2008.001.50680 – Rel. Des. Azevedo Pinto – julgado em 29.10.2008).

 

Havendo, por parte do consumidor, algum início de prova ou fundado indício de que realmente possuía os bens alegadamente subtraídos do cofre, poderíamos então concluir que suas alegações se afigurariam verossímeis, para efeito de se promover a inversão do ônus da prova de que trata o art. 6º, VIII do CDC?

 

Tornando à análise dos ensinamentos de Rui Stoco, temos que…

 

“… se o autor da ação não logra a prova cabal, poderá apresentar provas indiretas e indícios poderosos que, conjugados à sua idoneidade e verossimilhança de sua alegação; ao depoimento de pessoas e às circunstâncias do caso, conduzam ao convencimento do julgador, quando então, invertido o ônus de comprovar, caberá ao banco elidir essa presunção.

Cabe advertir, porém, que o julgador haverá de ser cauteloso e parcimonioso, só invertendo o ônus da prova e, portanto, aceitando as alegações do autor da ação em caráter excepcional e quando as circunstâncias justifiquem plenamente essa atitude e, ainda, apenas quando detentor de convicção plena.

Evidentemente que a facilitação da defesa dos direitos do consumidor estabelecida no art. 6º, VIII do CDC traduz apenas regra programática, de modo que a prova do dano continua imperiosa e alçada como conditio sine qua non para o ressarcimento, cabendo ao juiz que preside o processo, segundo seu prudente arbítrio, avaliá-la, mitigando, ou não, o dever da vítima ou sujeito ativo da ação em provar o fato constitutivo de seu direito” (in pág. 51).

 

A inversão do ônus da prova proposta por Rui Stoco já foi acolhida em precedente do STJ, que decidiu incumbir ao banco demonstrar a inexistência dos bens alegados pelo cliente vítima do furto ou do roubo, quando este dispuser de meros indícios:

 

“Processo civil e consumidor. Recurso Especial. Ação de indenização por danos materiais e morais. Violação de cofre durante furto ocorrido em agência bancária. Inversão do ônus da prova. Possibilidade. Aplicação do direito à espécie. Procedência do pedido de indenização pelos danos materiais apontados na inicial.

– Pedido de indenização formulado por consumidor-locatário de cofre alugado em instituição financeira, que perdeu seus bens nele depositados por ocasião de furto ocorrido no interior de instituição bancária.

– Foi reconhecida nas instâncias ordinárias que a consumidora habitualmente guardava bens valiosos (jóias) no cofre alugado pela locadora-instituição bancária, portanto, verossímeis as afirmações.

– Hipótese de aplicação do art. 6º, VIII do CDC, invertendo-se o ônus da prova em favor do consumidor, no que concerne ao valor dos bens depositados no cofre locado.

– Reconhecido o dever de inversão do ônus probatório em favor da consumidora hipossuficiente e com alegações verossímeis que exsurgem do contexto das provas que produziu, aplica-se o disposto no art. 257 do RISTJ e a Súmula 456 do STF, ressaltando-se que a instituição financeira-recorrida nunca impugnou o valor pleiteado a título de danos materiais.

– Recurso Especial provido” (STJ – 3ª Turma – REsp 974.994/SP – Rel. Min. Nancy Andrighi – Dje 03.11.2008) .

 

Não nos parece adequada a inversão do ônus da prova em desfavor da instituição bancária na hipótese em discussão, ainda que se façam presentes os pressupostos da verossimilhança das alegações ou da hipossuficiência do consumidor, que, à luz do art. 6º, VIII do CDC, vão ensejar a decretação dessa medida processual. Com efeito, ainda que verossímeis se afigurem as alegações do consumidor quanto ao valor dos bens por ele guardados no cofre, não se afigura viável que o banco tenha de provar que o cliente não possuía os objetos que alega terem sido subtraídos, sob pena de obrigá-lo a produzir a chamada “prova negativa” (probatio diabolica) – o que se afigura impossível sob o aspecto fático.

 

Carlos Henrique Abrão parece sustentar o mesmo ponto de vista, ao afirmar que…

 

“(…), em caso de roubo ou furto cabe ao cliente consumidor provar a natureza e o montante dos objetos colocados no cofre de segurança a fim de que o banco possa precisar, sem sombra de dúvida, o valor correspondente à indenização. Exige-se um começo de prova seguro e um divisor de águas de molde a cessar dúvida no espírito do julgador, sob pena de ocorrer enriquecimento sem causa” (in COFRE DE SEGURANÇA, pág. 145).

 

O TJRJ também já decidiu que descabe a inversão do ônus da prova no que diz respeito à demonstração dos bens guardados pelo cliente no cofre de segurança bancário:

 

“AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. Guarda de valores em cofre de Banco. Arrombamento do cofre do Agravado, que alega que ali guardava jóias, buscando indenização por danos morais. INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA. A despeito de admitida pelo Código de Defesa do Consumidor, a inversão do ônus da prova somente deve ser deferida após a análise do caso concreto. No feito, compete ao Autor, ora Agravado, comprovar quais objetos estavam no cofre, por qualquer meio de prova, eis que tal é impossível ao Banco Agravante. Deve ser mantida a inversão do ônus da prova, no entanto, quanto à existência do dano moral pelo mero fato do arrombamento. Provimento parcial do recurso” (TJRJ – 3ª Câmara Cível – Agravo de Instrumento 2005.002.10384 – Rel. Des. Leila Albuquerque – julgado em 09.08.2005).

 

Nelson Abrão, por sua vez, assevera que…

 

“… desenvolvendo-se procedimento litigioso colimando o ressarcimento integral dos prejuízos havidos, nas órbitas material e moral, eventual solicitação de fundamentação comprobatória poderá suscitar a imperativa ordem de exibição dos documentos de rendimentos e as declarações enviadas ao Fisco, de tal modo que isto balize o convencimento na formação do juízo valorativo.

Contudo, essa realidade não é de todo imprescindível, quando a coisa é proveniente de herança, legado, ou mesmo tem valor pessoal superior ao material, cabendo análise e indícios probatórios que assegurem o nexo causal em prol do indenizado” (in DIREITO BANCÁRIO, 11ª edição, págs. 257/258, São Paulo, editora Saraiva, 2008).

 

Na esteira de tal raciocínio, sustentamos que a melhor solução para esses casos seria o arbitramento do quantum indenizatório por estimativa, levando-se em conta os inícios de prova e indícios colhidos ao longo da instrução do processo, à luz das condições sociais, econômicas e profissionais do cliente prejudicado, sem que se chegue ao ponto de decretar a inversão do ônus prevista no art. 6º, VIII do CDC, de impossível produção para o estabelecimento bancário. Nesse sentido, apresenta-se a seguir um antigo – mas emblemático – acórdão do TJRJ, a respeito do tema:

 

“(…). Em face do principio da liberdade probatória, a prova do conteúdo do cofre pode ser feita por todos os meios admitidos em juízo, entre os quais a relação das jóias feita pela vitima logo após o furto, mormente se coincidente com parte dos bens recuperados; as informações do joalheiro da vítima e outras pessoas que lhe venderam as jóias; os depoimentos de amigos e testemunhas idôneas; credibilidade emanada da idade, condição econômica, posição social e profissional do cliente, e, sobretudo, as regras da experiência comum subministradas pela observação do que ordinariamente acontece. Pessoas honradas não alugam cofres bancários só para ficarem aguardando eventual furto a fim de obterem um ganho fácil. (…)” (TJRJ – 2ª Câmara Cível – Apelação Cível 1998.001.13442 – Rel. Des. Sérgio Cavalieri Filho – julgado em 23.02.1999).

 

É de se reconhecer, porém, que, mesmo se atentando para todas essas circunstâncias, o quantum indenizatório poderá não refletir com exatidão o prejuízo efetivamente sofrido pelo cliente do banco, diante da ausência de elementos precisos para a sua apuração. Um cliente poderá, por exemplo, sofrer um prejuízo material de cerca de R$ 200 mil, e somente lograr reunir indícios que sugiram a perda de bens avaliados em cerca de R$ 120 mil – ou até mesmo o contrário.

 

Mas pior do que deixar o banco exposto a injustiças decorrentes da inexistência de parâmetros seguros para se arbitrar o quantum indenizatório devido a seu cliente, seria deixar este último desprovido de qualquer ressarcimento em caso de roubo ou furto ocorrido no cofre. O que certamente não pode prevalecer é que a ausência de critérios sirva de pretexto para que o banco se exima de responsabilidade, devendo o aplicador e o intérprete do Direito se valer de todos os meios de que dispõe para chegar ao um valor que mais se aproxime da presumida realidade, levando-se em consideração os fatores acima em relevo.

 

Apreciando-se a questão sob outro ângulo, temos também que, conforme analisado supra, uma pessoa de elevado poder aquisitivo pode, eventualmente, manter no interior do cofre objetos de diminuta expressão econômica, de mero valor moral ou sentimental. Por outro lado, embora não seja comum, é possível, em tese, que até mesmo indivíduos pouco abastados venham a guardar em cofres de segurança objetos valiosos adquiridos licitamente. Mas tais situações não representam o que em regra costuma acontecer nas contratações desse serviço bancário.

 

Verifica-se, assim, que o arbitramento do quantum indenizatório por mera estimativa não se revela imune a injustiças, podendo proporcionar ao cliente do cofre de segurança violado por roubo ou furto um ressarcimento maior ou menor do que aquele que seria concretamente devido. De toda sorte, pensamos que o arbitramento por estimativa é, indubitavelmente, o critério que mais se aproxima da provável realidade, sendo preferível a adoção desse sistema do que considerar inexistente a obrigação do banco de indenizar o cliente na hipótese de roubo ou furto dos pertences guardados no cofre. 

 

5 – Subtração dos bens guardados no cofre e danos morais

 

Outro aspecto a ser discutido diz respeito ao cabimento, ou não, de indenização por danos morais em caso de subtração dos pertences guardados no cofre de segurança bancário.

 

O direito à reparação por danos morais encontra fundamento no art. 5º, X da CF, bem como no art. 186 do CC e no art. 6º, VI do CDC, e aí cabe analisar se, diante das características e das peculiaridades do contrato de cofre de segurança bancário, seria cabível o pagamento de alguma indenização a esse título.

 

De início, é importante destacar que a análise acerca da ocorrência de dano moral em determinado caso concreto pressupõe uma significativa ofensa à imagem, à honra, à dignidade e/ou à integridade psíquica do indivíduo, não sendo suficiente que episódios tidos como “simples aborrecimentos” do cotidiano possam dar margem a esse tipo de prejuízo. Isso significa que o episódio deve ser substancialmente impactante na vida do indivíduo, atingindo-o de maneira severa, excluindo-se, portanto, os dissabores mais brandos do dia a dia, que, embora desagradáveis, não chegam a comprometer qualquer atributo moral. Por isso é que Sérgio Cavalieri Filho leciona que…

 

 “Ultrapassadas as fases da irreparabilidade do dano moral e da sua inacumulabilidade com o dano material, corremos, agora, o risco de ingressar na fase da sua industrialização, onde o aborrecimento banal ou mera sensibilidade são apresentados como dano moral, em busca de indenizações milionárias.

 

 (…). Se dano moral é agressão à dignidade humana, não basta para configurá-lo qualquer contrariedade.

Nessa linha de princípio, só deve ser reputado como dano moral a dor, vexame, sofrimento ou humilhação que, fugindo à normalidade, interfira intensamente no comportamento psicológico do indivíduo, causando-lhe aflições, angústia e desequilíbrio em seu bem-estar. Mero dissabor, aborrecimentos, mágoa, irritação ou sensibilidade exacerbada estão fora da órbita do dano moral, porquanto, além de fazerem parte da normalidade do nosso dia-a-dia, no trabalho, no trânsito, entre os amigos e até no ambiente familiar, tais situações não são intensas e duradouras, a ponto de romper o equilíbrio psicológico do indivíduo. Se assim não se entender, acabamos por banalizar o dano moral, ensejando ações judiciais em busca de indenizações pelos mais triviais aborrecimentos” (in PROGRAMA DE RESPONSABILIDADE CIVIL, 6a edição, págs. 104/105, São Paulo, editora Malheiros, 2006).

 

No mesmo sentido vem se posicionando a jurisprudência do STJ:

 

“(…). Por isso é que, nessa linha de princípio, só deve ser reputado como dano moral a dor, vexame, sofrimento ou humilhação que, fugindo à normalidade, interfira intensamente ao comportamento psicológico do indivíduo, causando-lhe aflições, angústias e desequilíbrios em seu bem-estar. Mero dissabor, aborrecimento, mágoa, irritação, ou sensibilidade exacerbada estão fora da órbita do dano moral” (STJ – 4ª Turma – REsp 348.275/PB – Rel. Min. César Asfor Rocha – DJ 02.09.2002).

 

“(…), certo é que não se deve deferir a indenização por dano moral por qualquer contrariedade. Caso contrário, estar-se-ia colaborando com a vulgarização do dano moral, especialmente com a chamada ‘indústria do dano moral’, tão combatida por este Tribunal” (STJ – 4ª Turma – REsp 504.639/PB – Rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira – DJ 25.08.2003).

 

“Se a descrição dos fatos para justificar o pedido de danos morais está no âmbito de dissabores, sem abalo à honra e ausente situação que produza no consumidor humilhação ou sofrimento na esfera de sua dignidade, o dano moral não é pertinente” (STJ – 3a Turma – REsp 554.876/RJ – Rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito – DJ 03.05.2004).

 

“O mero dissabor não pode ser alçado ao patamar do dano moral, mas somente aquela agressão que exacerba a naturalidade dos fatos da vida, causando fundadas aflições ou angústias no espírito de quem ela se dirige” (STJ – 4a Turma – REsp 215.666/RJ – Rel. Min. César Asfor Rocha – DJ 29.10.2001).

 

Quando ocorre um furto ou roubo em um cofre de segurança bancário, configurado está, sem dúvida, o inadimplemento contratual da instituição financeira, que não se desincumbiu a contento de sua obrigação de exercer de modo eficaz e adequado a vigilância dos compartimentos cedidos aos seus clientes. A segurança a estes prometida não funcionou, e as cautelas que porventura tenham sido tomadas não lograram impedir a ação de delinquentes no interior da agência.

 

De acordo com a doutrina e a jurisprudência dominantes, o mero inadimplemento contratual, em regra, não provoca ofensa moral a ensejar o recebimento de indenização a esse título. Tornando à lição de Sérgio Cavalieri Filho, temos então que..

 

“(…) mero inadimplemento contratual, mora ou prejuízo econômico não configuram, por si sós, dano moral, porque não agridem a dignidade humana. Os aborrecimentos deles decorrentes ficam subsumidos pelo dano material, salvo se os efeitos do inadimplemento contratual, por sua natureza ou gravidade, exorbitarem o aborrecimento normalmente decorrente de uma perda patrimonial e também repercutirem na esfera da dignidade da vítima, quando, então, configurarão o dano moral.

 

O importante, destarte, para a configuração do dano moral não é o ilícito em si mesmo, mas sim a repercussão que ele possa ter” (in PROGRAMA DE RESPONSABILIDADE CIVIL, 6a edição, págs. 105/106, São Paulo, editora Malheiros, 2006).

 

Veja-se o que o STJ tem decidido a esse respeito:

 

“O simples inadimplemento do contrato não enseja a responsabilidade civil por danos morais. Precedentes” (STJ – 3a Turma – AgRg no REsp 702.220/PB – Rel. Min. Nancy Andrighi – DJ 28.08.2006, pág. 283).

 

“O inadimplemento de contrato, por si só, não acarreta dano moral, que pressupõe ofensa anormal à personalidade. É certo que a inobservância de cláusulas contratuais pode gerar frustração na parte inocente, mas não se apresenta como suficiente para produzir dano na esfera íntima do indivíduo, até porque o descumprimento de obrigações contratuais não é de todo imprevisível” (STJ – 4a Turma – REsp 876.527/RJ – Rel. Min. João Otávio de Noronha – DJ 28.04.2008, pág. 1).

 

Em igual sentido foi o posicionamento adotado pelo TJRJ ao proferir a seguinte Súmula:

 

Súmula 75 – “O simples descumprimento de dever legal ou contratual, por caracterizar mero aborrecimento, em princípio, não configura dano moral, salvo se da infração advém circunstância que atenta contra a dignidade da parte”.

 

Claro que é possível cogitar de situações pontuais em que o inadimplemento contratual causará, sim, danos morais ao cliente/consumidor. Basta imaginarmos a hipótese em que um buffet é contratado para uma festa de casamento, a ser realizada em determinado dia e hora, e chegado o momento, nenhum de seus prepostos comparece ao local. É inegável que situações como essas causam enorme frustração às famílias dos noivos, além de constrangimento perante os convidados, ensejando, destarte, um pedido de indenização por danos morais.

 

Mas no que concerne especificamente à situação do roubo ou furto ocorrido em cofres de segurança, a jurisprudência tem se mostrado dividida. Para alguns julgados, inexistem danos morais a serem compensados, conforme transcrito a seguir:

 

“DANO MORAL – ABORRECIMENTO PELO ROUBO DE BENS EM COFRE ALUGADO – INOCORRÊNCIA. Concedida a reparação material pela reposição dos valores dos objetos subtraídos pelos meliantes, em razão de roubo, descabe a condenação do banco à reparação de danos morais. A frustração pelo ilícito não se afigura suficiente para caracterizar lesão de natureza imaterial reparável judicialmente, inserindo-se como aborrecimento normal de quem possui objetos de valor guardados em cofre locado de banco. Recurso não provido” (TJRJ – 5ª Câmara Cível – Apelação Cível 2006.001.02642 – Rel. Des. Paulo Gustavo Horta – julgado em 07.02.2006).

 

“CIVIL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS. ROUBO A BANCO. CONTRATO DE ALUGUEL DE COFRE. NATUREZA JURÍDICA DE DEPÓSITO. RESPONSABILIDADE OBJETIVA. APLICAÇÃO DO CDC. DANOS MATERIAIS COMPROVADOS. DEVER DE INDENIZAR. DANOS MORAIS NÃO CONFIGURADOS. AGRAVO RETIDO. ILEGITIMIDADE ATIVA. NÃO PROVIMENTO.

1. DEVE SER CONSIDERADO VÁLIDO O CONTRATO APRESENTADO PELO BANCO, TENDO EM VISTA A AUTENTICIDADE DA ASSINATURA DA SEGUNDA AUTORA. CONFIGURADA A ILEGITIMIDADE ATIVA DO PRIMEIRO AUTOR, CABÍVEL A SUA EXCLUSÃO DO PÓLO ATIVO DA AÇÃO. AGRAVO RETIDO CONHECIDO E NÃO PROVIDO.

2. O CONTRATO DE LOCAÇÃO DE COFRE TEM NATUREZA DE DEPÓSITO, TORNANDO O BANCO RESPONSÁVEL PELOS VALORES ALI DEPOSITADOS. OUTROSSIM, PACÍFICO O ENTENDIMENTO DE QUE O CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR DEVE SER APLICADO ÀS INSTITUIÇÕES FINANCEIRAS.

3. TRATANDO-SE DE RESPONSABILIDADE CONTRATUAL E, PORTANTO, OBJETIVA, O INADIMPLEMENTO DA OBRIGAÇÃO DE GUARDA E SEGURANÇA IMPLICA EM EVIDENTE RESPONSABILIDADE DA INSTITUIÇÃO BANCÁRIA LOCADORA, POSTO QUE OCORREU FALHA NA PRESTAÇÃO DO SERVIÇO DE VIGILÂNCIA E PROTEÇÃO DEVIDA AOS BENS DEPOSITADOS SOB SUA GUARDA.

4. DIANTE DA AUSÊNCIA DE ATO ILÍCITO PRATICADO PELO BANCO E DE MÁCULA À IMAGEM E HONRA DA APELANTE, AFASTA-SE A INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS.

5. AGRAVO RETIDO CONHECIDO E NÃO PROVIDO. RECURSO DE APELAÇÃO CONHECIDO E PROVIDO EM PARTE” (TJDF – 3ª Turma Cível – Apelação Cível 2002.01.1.029194-5 – Rel. Des. Nídia Corrêa Lima – julgado em 14.02.2007).

 

“RESPONSABILIDADE CIVIL. INSTITUICAO BANCARIA. CONTRATO DE COFRE DE SEGURANCA. ASSALTO. FURTO. DANO MORAL. PROVA. ONUS DO LOCATARIO. NO INADIMPLEMENTO OU ADIMPLEMENTO DEFEITUOSO DAS OBRIGACOES DE VIGILANCIA E INTEGRIDADE, ASSUMIDAS PELO BANCO NO CONTRATO DE COFRE, O DANO MORAL NAO ESTA IN RE IPSA. A RESPONSABILIDADE OBJETIVA SO ATUA NO PLANO DA CULPA, RAZAO PELA QUAL, MESMO A LUZ DA TEORIA DO RISCO PROFISSIONAL, EXIGE A PRESENCA DE DANO ETIOLOGICAMENTE RELACIONADO COM A CONDUTA DO AGENTE, CUJA PROVA E ONUS DA PARTE QUE ALEGA A OFENSA. SENTENCA MANTIDA. APELACAO DESPROVIDA. (TJRS – 9ª Câmara cível – Apelação Cível nº 70001783422 Rel. Des. Mara Larsen Chechi – julgado em 09.10.2002).

 

Para outra corrente, que vem se mostrando majoritária, haverá, sim, obrigação do banco de arcar com os danos morais sofridos pelo cliente de cofre de segurança violado em roubo ou furto:

 

“Apelação cível. Indenização. Danos morais. Assalto a cofre de banco. Roubo de jóias. Responsabilidade do banco. Dano moral caracterizado in re ipsa. Valor indenizatório fixado dentro dos princípios da razoabilidade proporcionalidade. Desprovimento dos recursos. Sentença que se mantém em sua integralidade” (TJRJ – 6ª Câmara Cível – Apelação Cível 2007.001.52666 – Rel. Des. Carlos José Martins Gomes – julgado em 19.03.2008).

 

“CONSUMIDOR. RESPONSABILIDADE CIVIL. INSTITUIÇÃO FINANCEIRA. FALHA NA PRESTAÇÃO DO SERVIÇO. ARROMBAMENTO DE COFRE. DANO MORAL. Ação indenizatória de dano moral pela falha na prestação de serviço da instituição financeira, cujos cofres alugados pelos consumidores foram roubados. (…). Manifesto o dano moral do Autor derivado da perda dos objetos de valor econômico e sentimental que estavam sob a custódia do Réu. O valor da reparação do dano moral deve considerar a capacidade das partes, o evento e suas conseqüências. Atende ao princípio da razoabilidade reduzir a verba fixada pela sentença. Recurso provido em parte” (TJRJ – 17ª Câmara Cível – Apelação Cível 2008.001.238032 – Rel. Des. Henrique de Andrade Figueira – julgado em 10.09.2008).

 

“APELAÇÃO CÍVEL EM AÇÃO INDENIZATÓRIA. FURTO DE JÓIAS EM COFRE DE ESTABELECIMENTO. RESPONSABILIDADE OBJETIVA DA INSTITUIÇÃO BANCÁRIA. DANO MORAL CONFIGURADO. O dano moral decorre do inegável abalo advindo da perda de jóias pessoais, que estavam sob a guarda da instituição financeira, em flagrante falha do dever de vigilância e segurança, acarretando evidente dano moral, eis que comprovada a ação, o nexo causal e o dano, ensejando a indenização arbitrada na sentença. Trata-se de serviço defeituoso, nos termos do que dispõe o § 1º do artigo 14 do Código de Defesa do Consumidor, na medida em que não foi fornecida a segurança que o consumidor dele poderia esperar, levando-se em consideração que o banco apelante é a maior instituição financeira do país e está no raio de ação de criminosos voltados para a dilapidação do patrimônio alheio. Todavia, o valor arbitrado a título de dano moral deve observar a proporcionalidade entre o ato lesivo e o dano moral sofrido, considerando na sua fixação os seguintes critérios: o fato, as circunstâncias envolvidas, as condições pessoais, econômicas e financeiras das partes, o grau da ofensa moral. Diante de tais considerações, o valor arbitrado se mostra excessivo, merecendo ser reduzido. Recurso parcialmente provido” (TJRJ – 6ª Câmara Cível – Apelação Cível 2006.001.08072 – Rel. Des. Francisco de Assis Pessanha – julgado em 07.11.2006).

 

“Apelação. Ação de indenização por danos morais. Jóias roubadas em cofre de banco. Sentença que julgou extinto o feito pela ocorrência de coisa julgada. Ação civil pública que condenou o réu em danos materiais, ressaltando que os danos morais deveriam ser buscados individualmente. Reforma da sentença. Defeito do serviço. Autores que alugam cofre de banco pela segurança. Perda de bens de valor sentimental inestimável. Abalo psíquico e angústia patentes. Dano moral in re ipsa que se arbitra em R$ 20.000,00, observando-se os princípios da razoabilidade e proporcionalidade. Provimento do recurso” (TJRJ – 11ª Câmara Cível – Apelação Cível 2007.001.05283 – Rel. Des. Mauro Martins – julgado em 04.06.2007).

 

“INDENIZATÓRIA. DANO MORAL. ARROMBAMENTO DE COFRE BANCÁRIO ALUGADO PELAS AUTORAS. (…). Descabimento de verificação minuciosa do conteúdo do cofre arrombado, presumindo-se, segundo as regras de experiência comum (art. 335 do CPC), que ninguém contrata a locação de cofre bancário se não para obter a máxima proteção de bens de grande valor material, e, principalmente, de relevante importância histórica ou sentimental. Reconhecimento de dano moral indenizável, ante o sofrimento causado pela perda de objetos quem fazem parte da memória de uma família e da história pessoal de seus membros. Redução do quantum em respeito ao princípio da proporcionalidade, ao caráter punitivo-pedagógico da compensação almejada, aos parâmetros jurisprudenciais deste Tribunal e à vedação ao enriquecimento sem causa. Provimento parcial do recurso” (TJRJ – 13ª Câmara Cível – Apelação Cível 2006.001.44719 – Rel. Des. Ismênio Pereira de Castro – julgado em 01.11.2006).

 

O Min. César Asfor Rocha, da 4ª Turma do STJ também considerou cabível, em tese, a condenação do banco a pagar indenização por danos morais ao contratante do cofre de segurança, conforme visto quando da transcrição da ementa do REsp 767.923/DF no item 4 supra.

 

De nossa parte, entendemos de acordo com a corrente que sustenta a existência de danos morais in re ipsa em caso de roubo ou furto do conteúdo do cofre de segurança bancário.

 

Em que pese a regra segundo a qual o mero inadimplemento contratual não provoca danos morais, e não obstante a circunstância de o banco ignorar a natureza e o valor dos bens guardados pelo cliente no cofre que lhe fora disponibilizado, há a nosso sentir obrigação por parte da instituição financeira contratada de promover o devido ressarcimento a esse título.

 

Ainda que se alegue que os bens guardados no cofre somente possam ter expressão econômica, sendo desprovidos de valor moral e/ou sentimental, não se pode negar que qualquer cliente sofreria um forte impacto psicológico ao saber que seus pertences foram roubados ou furtados da agência – o que certamente transbordaria os limites do “simples aborrecimento” e do mero prejuízo material.

 

Afinal, é intuitivo que qualquer pessoa que se propõe a contratar a utilização de um cofre tem interesse em guardar objetos de grande valor (econômico ou sentimental) – valor esse tão grande que o cliente optou por não guardá-los em sua própria residência, confiando em que a estrutura profissional do banco, com todo o seu aparato de segurança e confiabilidade, fosse capaz de proporcionar à incolumidade desses bens. Então, nada mais natural que o cliente faça jus à correspondente indenização pelos danos morais sofridos, cujo arbitramento, a ser feito de acordo com o prudente arbítrio do juiz, deverá tomar em consideração os mesmo fatores de ordem subjetiva adotados para a fixação do quantum do prejuízo material – em especial a condição social, profissional e econômica do cliente.

 

 6 – Da extinção do contato de cofre de segurança bancário

 

Sendo um contrato atípico, o cofre de segurança admite as mais variadas hipóteses de extinção, podendo as partes estipular livremente as situações que irão ensejar o desfazimento do ajuste. De um modo geral, tem-se que as situações mais comuns são as seguintes:

 

Expiração do prazo contratualmente ajustado, sem renovação

 

O contrato de cofre de segurança celebrado entre o banco e o cliente foi ajustado por prazo determinado. Findo este, sem que as partes manifestem interesse em dar prosseguimento ao ajuste, e tendo sido adimplidas reciprocamente todas as obrigações, o contrato se encerra normalmente.

 

Resilição unilateral (denúncia do contrato por uma das partes)

 

Na hipótese de estar o contrato vigorando por prazo indeterminado, pode qualquer das partes manifestar perante a outra a intenção de não mais dar continuidade à avença, devendo para tanto proceder à notificação de que trata o art. 473 do CC. Na maioria das vezes, a extinção do contrato, nessa hipótese, não se opera automaticamente com o simples recebimento da notificação pela outra parte, sendo comum a inserção de uma cláusula contendo previsão de que o contrato não mais vigorará dentro de, por exemplo, 30 dias a partir daquela data.

 

Também nada impede que se pactue a possibilidade de extinção de um contrato de cofre de segurança por prazo determinado através de resilição unilateral, mesmo que tal prazo não tenha ainda fluido totalmente. Mas nesse caso é comum (embora não obrigatória) a estipulação de alguma cláusula penal que impute a quem tomou a iniciativa de resilir o contrato a obrigação de arcar com algum tipo de compensação financeira à outra parte.

 

Resilição bilateral (distrato)

 

Estando o contrato de cofre de segurança vigorando por prazo determinado ou indeterminado, nada impede que as partes, por mútuo acordo, decidam pela extinção do contrato, assumindo cada uma delas os ônus daí decorrentes, tal como previsto no correspondente instrumento do distrato.

 

Resolução por inadimplemento

 

É o que se dá, basicamente, na situação de falta de pagamento por parte do cliente, incorrendo este em manifesta mora ex re (CC, art. 397, caput).

 

Nessa hipótese, cumpre analisar se seria cabível o exercício, por parte do banco, do direito de retenção de que trata o art. 644 do CC, atinente ao contrato de depósito.

 

Não nos parece adequada essa conduta. Conforme visto no item 2, o cofre de segurança não possui natureza de autêntico contrato de depósito, parecendo-nos impróprio que se aplique pura e simplesmente o referido preceito em favor do banco, no caso de inadimplemento da remuneração que incumbe ao cliente prover.

 

De igual modo, não consideramos juridicamente viável que o banco se aproprie dos bens eventualmente encontrados no interior do compartimento, tampouco que proceda à sua alienação, a fim de se pagar da dívida do cliente pelo período em que permaneceu inadimplente.

O ordenamento jurídico vigente veda a autotutela, bem como a execução privada. O que se nos afigura correto, nesse caso, é que o banco simplesmente dê por encerrado o contrato (abrindo-se previamente um prazo razoável para a purgação da mora do devedor), e proceda conforme explanado no item 7 infra, sem que se chegue ao ponto de manter consigo, seja a título de direito de retenção, seja a título de expropriação para pagamento, os bens guardados pelo cliente.

 

Resolução por força maior (fortuito externo)

 

Como regra, um acontecimento totalmente fora de uma margem minimamente razoável de probabilidade faz com que os bens guardados no cofre se percam ou se deteriorem (queda de avião sobre o prédio onde funciona a agência bancária, inundação desta provocada por terremoto ou furacão, etc.), conforme insculpido no art. 393 do CC.

 

Morte do contratante

 

Partindo-se da premissa de que o cofre de segurança não representa, em regra, um ajuste intuitu personae, a morte do cliente não acarreta, necessariamente, a extinção do contrato, que poderá ter regular prosseguimento nas pessoas de seus sucessores, aos quais deverá ser feita a partilha dos bens guardados, de acordo com os critérios estabelecidos no Direito Sucessório.

 

Falência de uma das partes

 

A falência de uma das partes, por sua vez, também não importa obrigatoriamente na extinção do contrato, eis que o administrador judicial poderá considerar interessante para a massa a manutenção do ajuste, nos termos do art. 117 da Lei 11.101/05. De toda sorte, tem o falido a obrigação de revelar ao juízo falimentar a relação dos bens guardados no cofre, para os devidos fins de arrecadação do ativo da massa e subsequente pagamento do passivo.

 

Por outro lado, nada impede que se convencione expressamente no instrumento do contrato que a falência do cliente acarretará automaticamente a extinção do ajuste.

 

7 – Destinação dos bens guardados no cofre após a extinção do contrato

 

A questão que se impõe deslindar agora diz respeito à destinação a ser dada aos bens guardados pelo cliente no interior do cofre após o desfazimento do ajuste.

 

Seja qual for o motivo que levou o contrato a ser extinto, pode e deve o cliente providenciar a remoção dos pertences guardados no cofre. Para tanto, deverá comparecer à agência com a sua chave e, juntamente com a chave-mestra em poder do banco, proceder à abertura do compartimento e retirar tudo o que lá se encontrava, levando consigo tais objetos.

 

Se, o cliente não comparecer para retirar seus pertences, tampouco fornecer a chave que se encontra em seu poder, deve o banco proceder à sua notificação, que pode ser judicial ou extrajudicial, oportunizando-lhe um prazo para desocupar o cofre até então utilizado. Findo esse prazo sem que o cliente tenha se dirigido à agência – seja em razão de sua simples inércia, seja em razão de sua não-localização no endereço constante de seu cadastro – o banco, amparado em cláusula inserida no contrato de adesão, promove a abertura compulsória do cofre mediante arrombamento na presença de duas testemunhas, colocando-se os objetos encontrados em um invólucro ou recipiente que ficará à disposição do cliente para retirada quando lhe aprouver.

 

E se, mesmo assim, o cliente não toma qualquer iniciativa para recolher os seus pertences após sua retirada do cofre? Como deve o banco proceder?

 

Pensamos que a melhor opção seria a entrega desses bens, através de empresa especializada de segurança, no endereço conhecido do cliente, mediante recibo assinado por este de próprio punho, ou, caso não se saiba o seu paradeiro, o ajuizamento da competente ação de consignação em pagamento (CPC, arts. 890 e seguintes), citando-se o réu por edital, e destinando os bens, se for o caso, para o depósito judicial, a fim de afastar qualquer responsabilidade do banco sobre a guarda dos bens retirados do cofre.

 

* Procurador do Banco Central do Brasil no Rio de Janeiro

Como citar e referenciar este artigo:
THOMAZ, Afranio Carlos Moreira. Cofre de Segurança Bancário. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2009. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/direito-do-consumidor/cofre-de-seguranca-bancario/ Acesso em: 16 abr. 2024