Direito Constitucional

A função do Advogado como árbitro de seu comportamento para uma pacífica coexistência com os Juízes

A função do Advogado como árbitro de seu comportamento para uma pacífica coexistência com os Juízes

 

 

J. A. Almeida Paiva (1)

 

 

Com a proliferação das Faculdades de Direito colocando no mercado anualmente, milhares de Advogados sem a mínima condição de exercer o “munus” que a Constituição da República lhes confere, em defesa da sociedade e como guardiões do Judiciário e da própria República, fato que reflete diretamente na escolha de Juízes totalmente despreparados para o mister de lidar com os conflitos de interesses que lhes são apresentados e com a alta missão divina de Julgar, o Judiciário vive dias cruciantes, conflitantes e desoladores para os operadores do Direito e para a sociedade em geral, muito embora alguns procuram tapar o sol com a peneira, dando a impressão que há exageros por parte dos críticos.

 

Chegamos a um quadro real e inusitado com processos levando 10, 20, 30, 40 e até mais de 50 anos para serem concluídos com a prestação jurisdicional efetivamente concedida, onde se tem procurado soluções, retirando das partes muitas vezes o Direito a recursos indispensáveis, contra decisões totalmente divorciadas do Direito questionado e até tomando-se medidas que ferem Direitos e Garantias constitucionais; no Estado de São Paulo, v.g., uma Apelação normalmente leva 5 (cinco) anos para ser julgada; há Câmaras compostas por Juízes de instância inferior, presididas por um Desembargador, já consideradas inconstitucionais pelo STJ.

 

Advogados que não sabem peticionar e nem conhecem seus Direitos e Deveres; Juízes sem, vida forense, inexperientes ou sobrecarregados de processos que aceitam “despachos” e até “sentenças” pré-elaboradas por cartorários mais vividos e prepotentes numa máquina Judiciária obsoleta e enferrujada, que torna a vida forense um verdadeiro inferno para os Advogados e para todos os jurisdicionados que dependem, esperam e acreditam na distante JUSTIÇA que imploram.

 

Compreendemos que os tempos mudaram, que o Judiciário de hoje não é mais o de 50 (cinqüenta) anos atrás, que não usamos mais máquina de escrever, mas temos os computadores com todos os seus benefícios e malefícios, inclusive o “copiar-colar” que faz de petições e sentenças verdadeiras aberrações jurídicas, com inserções de julgados, citações doutrinárias e argumentos que nada têm a ver com a questão sob julgamento.

 

Citam-se em arrazoados e sentenças EMENTAS totalmente divorciadas do conteúdo dos Acórdãos; aliás, há Revistas Especializadas que já substituem as EMENTAS OFICIAIS dos Tribunais por EMENTAS PRÓPRIAS mais interpretativas do julgado e mais próximas de seu conteúdo, para facilitar pesquisas, entendimentos e citações.

 

Fazendo um estudo retrospectivo do passado, consideramos oportuno algumas reflexões ao que já foi escrito sobre a função e comportamento dos Advogados e sua relação com os Juízes, objetivando uma melhor harmonia entre eles para a boa convivência da vida forense, que só poderá engrandecer o Judiciário e beneficiar os milhões de brasileiros que dependem de uma Justiça rápida e eficaz, que nunca chega….

 

De um lado, Eduardo Couture ditou o decálogo do advogado, como sendo: estuda; pensa; trabalha; luta; sê leal; tolera; tem paciência; tem fé; esquece e ama tua profissão.

 

Por outro, Carnelutti ditou os mandamentos do juiz: sê honesto; sê sóbrio; sê paciente; sê trabalhador; sê imparcial; sê respeitoso; sê justo; ama o direito; sê independente e defende a liberdade.

 

A vocação do advogado ditada por Rui Barbosa, em sua “Oração aos Moços”, desenvolve uma missão de paz, amor à pátria, e respeito aos postulados sagrados do direito:

 

“Legalidade e liberdade são as tábuas da vocação do advogado. Nelas se encerra, para ele, a síntese de todos os mandamentos. Não desertar a justiça, nem cortejá-la. Não lhe faltar com a fidelidade, nem lhe recusar o conselho. Não transfugir da legalidade para a violência, nem trocar a ordem pela anarquia. Não antepor os poderosos aos desvalidos, nem recusar patrocínio a estes contra aqueles. Não servir sem independência à justiça, nem quebrar a verdade ante o poder.

 

Não colaborar em perseguições ou atentados, nem pleitear pela iniqüidade ou imoralidade. Não se subtrair à defesa das causas impopulares, nem a das perigosas, quando justas. Onde for apurável um grão, que seja, de verdadeiro direito; não regatear ao atribulado o consolo do amparo judicial. Não proceder, nas consultas, senão com imparcialidade real do juiz nas sentenças.

 

Não fazer da banca, balcão, ou da ciência, mercancia. Não ser baixo com os grandes, nem arrogante com os miseráveis. Servir aos opulentos com altivez e aos indigentes com caridade. Amar a pátria, estremecer o próximo, guardar fé em Deus, na verdade e no bem.”

 

A vida do advogado é um sacerdócio. Antes do juiz da causa ele desenvolve uma espécie de magistratura, serena, imparcial, equânime e justa.

 

O advogado deve agir segundo os ditames que o próprio Couture lembrou aos juízes, quando disse que o juiz tem de se ater ao processo, em que atua como uma partícula de substância humana, com dignidade, hierarquia espiritual, independência, autoridade e responsabilidade, princípios basilares da função judicante.

 

Independência, para que suas decisões não sejam uma conseqüência da fome ou do medo; autoridade, para que suas decisões não sejam simples conselhos, divagações acadêmicas capazes de atender a simples caprichos; e, responsabilidade, para que a sentença não seja um ímpeto de ambição, do orgulho ou da soberbia e sim da consciência do homem frente ao seu próprio destino. (COUTURE, in “Las garantias constitucionales deI proceso civil”).

 

Por imperativo constitucional “o advogado é indispensável à administração da justiça” (CF/88, art. 133), motivo pelo qual a OAB não mantém qualquer vínculo de subordinação ou hierarquia com quem quer que seja (EOAB, art. 44, § 2º), muito menos aquelas impostas por Magistrados que recusam receber Advogados ou tratando-os como se subordinados fossem.

 

A função do advogado “é defender a Constituição, a ordem jurídica do Estado democrático de direito, os direitos humanos, a justiça social, e pugnar pela boa aplicação das leis, pela rápida administração da justiça e pelo aperfeiçoamento da cultura e das instituições jurídicas” (EOAB, art. 44, II).

 

O advogado é o primeiro guardião da democracia, do Estado de direito, da ordem e das garantias constitucionais e como tal deve se fazer respeitar e ser respeitado, acima de tudo. Ninguém tem poder ou direito de barrar a missão do advogado, quando age em defesa dos postulados legais.

 

O primeiro advogado, segundo Rui Barbosa, foi o primeiro homem que, com a influência da razão e da palavra defendeu os seus semelhantes contra as injustiças e violência, a fraude e a arbitrariedade.

 

Já com grande ênfase, o desembargador André Faria Pereira, responsável pela criação da OAB (Dec 19.408, de 18/11/1930) em pronunciamento anterior à própria criação da OAB vaticinou:

 

“A instituição da Ordem virá assim proclamar o privilégio da inteligência, da dignidade, da sabedoria e da independência, que são os títulos distintivos da nobre classe dos advogados brasileiros”, cabendo a nós advogados, a árdua missão de sustentar esta bandeira e conservá-la, para que sejam preservadas não só nossas garantias, mas e principalmente a de todo o povo brasileiro.

 

Por isso é que se impõe a necessidade da coexistência pacífica, harmoniosa, respeitosa e digna entre advogados e juízes, que lutam pelo mesmo ideal de Justiça, lembrando a título de amostra, a finura de trato com a qual o grande jurista, desembargador Rafael de Magalhães, professor de Direito e presidente do Tribunal de Justiça de Minas Gerais teceu sobre os advogados:

 

“O advogado precisa da mais ampla liberdade de expressão para bem desempenhar o seu mandato. Os excessos de linguagem que porventura comete na paixão do debate, lhe devem ser relevados. São, muitas vezes, recursos de defesa que a dificuldade da causa justifica ou pelo menos atenua. O juiz deve ter a humildade necessária para ouvir com paciência as queixas, reclamações e réplicas que a parte oponha a seus despachos e sentenças. Apontar os erros do julgador, profligar-lhe os deslizes, os abusos, as injustiças em linguagem veemente é direito sagrado do pleiteante.

 

O calor da expressão há de ser proporcional à injustiça que a parte julgue ter sofrido. Nada mais humano do que a revolta do litigante derrotado. Seria uma tirania exigir que o vencido se referisse com meiguice e doçura ao ato judiciário e à pessoa do julgador que lhe desconheceu o direito. O protesto há de ser, por força da própria situação, em temperatura alta. O juiz é que tem de se revestir da couraça e da insensibilidade profissional necessárias para não perder a calma e não cometer excessos.”

 

Em resposta, outro grande jurista mineiro, o professor Milton Campos, parafraseando o grande juiz disse: “Se Rafael de Magalhães fosse um “bâtonnier”, o espírito franciscano o levaria a prestigiar o juiz em prejuízo do advogado, aconselhando a este: a veemência da defesa não exclui o acatamento que se deve ao juiz e sem o qual não teria forças para desempenhar sua árdua missão. Os erros se são do entendimento e não da vontade, devem ser reparados pelos recursos e não pelas más palavras.”

 

O advogado precisa ter a polidez necessária para praticar a censura sem excluir o respeito. Errar é humano e seria crueldade exigir do juiz que acertasse sempre. O erro é um pressuposto da organização judiciária que, por isso mesmo instituiu sobre a instância da sentença, a instância da revisão, razão da existência de recursos para que a decisão monocrática seja revista por Juízes mais antigos, mas vividos, mais serenos, com mais cultura (espera-se) e mais expedientes. Uma das partes há de estar descontente com o julgamento. E o advogado tem de se revestir da moderação e cortesia para não transformar a controvérsia em duelo de convívios e a pessoa do juiz em queixada de pugilista.

 

Noé Azevedo, lembrando a harmonia propugnada por Ruy Sodré, visando estabelecer normas artísticas de bem advogar e de boa convivência entre juiz e advogado, recorda, mais uma vez, Milton Campos: “Se o juiz procedesse com o pensamento na consideração devida ao advogado e se o advogado agisse com o espírito voltado para o acatamento devido ao juiz, a harmonia da vida forense seria perfeita e os textos poderiam ser dispensados”.

 

Por isso é que se pode concluir com Maurice Garçon: só o advogado regula a sua conduta e é o único árbitro de seu comportamento (L’ Avocat et la Morale), razão de ser da grande responsabilidade pela construção de uma sociedade cada vez mais justa e igualitária, velada pela eterna, altiva e constante vigilância dos advogados e protegida pela imparcialidade, equilíbrio e sobriedade dos juizes sob o manto sagrado do Judiciário.

 

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(1) J. A. Almeida Paiva é Advogado em São Paulo, Professor de Direito Processual Civil, Pós-Graduado com Mestrado na PUC/SP; foi Magistrado, Professor da Escola Superior de Advocacia, proferindo palestras, cursos e aulas, com artigos publicados em Revistas e Sites Jurídicos.

 

 

 

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Como citar e referenciar este artigo:
PAIVA, J. A. Almeida. A função do Advogado como árbitro de seu comportamento para uma pacífica coexistência com os Juízes. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2008. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/direito-constitucional-artigos/a-funcao-do-advogado-como-arbitro-de-seu-comportamento-para-uma-pacifica-coexistencia-com-os-juizes/ Acesso em: 29 mar. 2024