Direito Constitucional

Humanização da Justiça e Cidadania

 

    O jornal Decisão de agosto/2007, da Associação dos Magistrados Mineiros – AMAGIS, traz uma entrevista com a magistrada JANE RIBEIRO SILVA, ilustre Desembargadora do TJMG, da qual extraí o seguinte trecho para breves comentários:

 

…nos últimos anos, eu tenho lidado na área criminal e buscado entender que aquelas pessoas que cometeram atos terríveis são maiores que os seus defeitos. Acredito que o ser humano deve ser mais valorizado que os erros que cometeu e que ele pode, a qualquer momento, se voltar para uma vida íntegra, pois o Espírito de Deus nele habita.

 

A forma de pensar adotada pela magistrada mineira, para muitos, soa como ingenuidade ou manifestação extemporânea de religiosidade…

 

Todavia, levando o tema para a área da racionalidade estrita, temos de levar em conta a idéia de cidadania, esta que é o conjunto de direitos e deveres inalienáveis ligados a toda e qualquer pessoa.

 

Pelo fato de alguém ter cometido falta grave não deixa de ser cidadão da comunidade onde vive. Não pode ser destituído dessa qualidade, como acontecia em tempos passados e ainda hoje acontece, suprimindo-se sua dignidade.

 

Se a pessoa faltosa se recuperar para a boa convivência social terá sido uma vitória sua e da coletividade.

 

Se não se recuperar dever-se-á, mesmo assim, continuar investindo na sua recuperação, que poderá acontecer quando menos se espera, pois à comunidade interessa aumentar o número de pessoas úteis socialmente.

 

Não se pode transformar a penalização das faltas alheias em exercício de crueldade, punindo-se pelo secreto prazer de atormentar os outros a pretexto de preservar-se a comunidade da índole questionável da pessoa faltosa…

 

A humanização da forma de encarar as faltas alheias é uma tendência universal, de acordo com a constatação honesta de que não existe nenhuma pessoa isenta de faltas, sabendo-se que o que diferencia as pessoas é apenas a gravidade maior ou menor de suas falhas ou até de suas falhas serem conhecidas da Justiça ou não…

 

O conceito de cidadania tem de ser aperfeiçoado para que todas as pessoas sejam consideradas como dignas de um mínimo de respeito.

 

Os desvios de conduta desmerecem cada um de nós, mas não autorizam ninguém a nos tratar com desprezo absoluto.

 

É preciso reestudarem-se as questões da criminalidade à luz da Psicologia, da Pedagogia e ciências afins, com o fim de iluminarem-se as regras jurídicas, possibilitando uma visão mais humana, que vise a recuperação das pessoas que falharam no cumprimento dos deveres sociais.

 

Querermos a recuperação dos faltosos simplesmente à força de puni-los representa comodismo de nossa parte.

 

Uma das formas de conseguir-se a recuperação de faltosos é encarregar dessas funções pessoas dotadas dos conhecimentos teóricos específicos e do senso de humanidade, requisitos sem os quais a missão dificilmente daria bons resultados.

 

Deve-se investir na recuperação das pessoas equivocadas. A ninguém se deve fechar as portas de uma nova oportunidade.

 

 

* Luiz Guilherme Marques, Juiz de Direito da 2ª Vara Cível de Juiz de Fora (MG).

Como citar e referenciar este artigo:
MARQUES, Luiz Guilherme. Humanização da Justiça e Cidadania. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2009. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/direito-constitucional-artigos/humanizacao-da-justica-e-cidadania/ Acesso em: 28 mar. 2024