Direito Constitucional

O Princípio da Proporcionalidade e seus Fundamentos

 

Introdução

 

Originário do Direito Penal, onde se solidificou a idéia de que as sanções criminais devem ser proporcionais à gravidade dos delitos praticados, o princípio da proporcionalidade, também denominado doutrinariamente como princípio da vedação de arbítrio, princípio de avaliação de bens jurídicos, princípio de avaliação de interesses, princípio da vedação de excesso ou mandado de ponderação[1] (conforme leciona Robert Alexy), estabelece limitações à liberdade individual, dirigindo a ação do indivíduo na sociedade, evitando que se fira as liberdades proclamadas pelo espírito democrático, e “aferindo a conformidade das leis e dos atos administrativos aos ditames da razão e da justiça”[2]. Não é inconsistentemente que se afirma que este princípio assume prestígio de protetor das liberdades e de grande inimigo do líbito de administradores públicos.

 

 

Histórico

 

Reportamos ao período imediatamente posterior à Segunda Guerra Mundial, mais precisamente na Alemanha, para lembrarmos que o princípio da proporcionalidade foi constitucionalizado como reação às atrocidades cometidas pelo movimento nazista, principalmente no que tange ao poder legiferante  daquele Estado que corroborava e impulsionava o cometimento daquelas ações em que o poder público contrariou toda e qualquer idéia de proteção aos direitos dos cidadãos.

 

O artigo 29 da Declaração Universal dos Direitos Humanos estabelece que no exercício de seus direitos e liberdade, todo homem está sujeito apenas às limitações determinadas pela lei, exclusivamente com o fim de assegurar o devido reconhecimento e respeito dos direitos e liberdades de outrem e de satisfazer às justas exigências da moral, da ordem pública e do bem-estar da sociedade democrática.

 

A proclamação supra mencionada traz à baila o princípio da proporcionalidade, eis que da forma como foi estabelecido acima, a adequada proporção torna-se condição de legalidade. Quando a medida é excessiva ou injustificável, ela sai da proporcionalidade e por isso é inconstitucional. Assim, no dizer de Fernando Barcellos de Almeida, ao se fazer controle de constitucionalidade de uma lei, deve-se fazer também o controle da proporcionalidade, especialmente quando a questão envolve Direitos Humanos[3].

 

 

A Proibição do Excesso

 

Na atualidade, há a tendência a reforçar o método de controle do princípio da igualdade por meio do princípio da proporcionalidade, pelo qual dever-se-á abordar as seguintes questões: a legitimidade do fim do tratamento desigualitário, a adequação e necessidade deste tratamento para a prossecução do fim e a proporcionalidade do tratamento desigual relativamente aos fins obtidos[4].

 

Para Gomes Canotilho, o princípio da proporcionalidade representa a proibição do excesso, em sede de restrição de direitos. Corroborando tal entendimento, Almiro do Couto e Silva adverte que “as providências adotadas pelos particulares ou pelo Estado com relação aos interesses das demais pessoas ou dos administrados, devem ser adequadas a esses mesmos interesses, proibindo-se medidas excessivas” [5]. Essa orientação, conforme Pieroth e Schlink, permitiu converter o princípio da reserva legal no princípio da reserva legal proporcional.[6]

 

A proibição do excesso foi considerada muitas vezes pelo Supremo Tribunal Federal como uma das facetas do princípio da proporcionalidade, que segundo Humberto Ávila, proíbe a restrição excessiva de qualquer direito fundamental[7].

 

Assim, onde um direito fundamental estiver sendo restringido com excesso, presente estará o postulado da proibição de excesso.

 

A doutrina alemã, onde o princípio em comento demonstra maior importância ao ser analisado e desenvolvido, por força da jurisprudência da Corte Constitucional, decompõe o princípio da proporcionalidade em três subprincípios ou “máximas parciais”, ofertando-lhe um caráter trifásico: a adequação ou pertinência, a necessidade e a proporcionalidade em sentido estrito (ponderação). Resta claro que, dessa forma, qualquer limitação legal, no âmbito dos direitos fundamentais deve ser adequada (apropriada), necessária (exigível) e proporcional (com justa medida). Esses três princípios parciais podem ser explicados da seguinte forma:

 

a) pertinência, adequação ou princípio da idoneidade – se examina a adequação, a conformidade ou a validade do fim, podendo ser confundido com o da vedação do arbítrio; “um meio é adequado se promove o fim” [8]. Analisa-se a possibilidade de a medida levar à realização da finalidade. Por meio desta forma, examinamos se o meio é apto, útil, idôneo ou apropriado para atingir ou promover o fim pretendido[9]

 

b) necessidade – o meio não será necessário se o objetivo almejado puder ser alcançado com a adoção de medida que se revele a um só tempo adequada e menos onerosa[10]. “Um meio é necessário se, dentre todos aqueles meios igualmente adequados para promover o fim, for o menos restritivo relativamente aos direitos fundamentais” [11], o menos gravoso, o menos prejudicial..

 

c) proporcionalidade em sentido estrito – a escolha recai sobre o meio que, no caso concreto, levar mais em conta o conjunto de interesses em jogo[12], ou seja, uma espécie de controle de sintonia fina (Stimmigkeitskontrolle), indicando a justeza da solução encontrada ou a necessidade de sua revisão[13]. “Um meio é proporcional se as vantagens que promove superam as desvantagens que provoca” [14].

 

Robert Alexy nos ensina que quanto maior é o grau de não satisfação ou de afetação de um princípio, tanto maior deve ser a importância de satisfação do outro.[15]

 

Sobre a proporcionalidade em sentido estrito, releva ressaltar a lição de Humberto Ávila, verbis:

 

Se a proporcionalidade em sentido estrito for compreendida como amplo dever de ponderação de bens, princípios e valores, em que a promoção de um não pode implicar a aniquilação de outro, a proibição de excesso será incluída no exame da proporcionalidade. Se a proporcionalidade em sentido estrito compreender a ponderação dos vários interesses pessoais dos titulares dos direitos fundamentais restringidos, a razoabilidade como eqüidade será incluída no exame da proporcionalidade.[16] Isso significa que um mesmo problema teórico pode ser analisado sob diferentes enfoques e com diversas finalidades, todas com igual dignidade teórica. Não se pode, portanto, afirmar que esse ou aquele modo de explicar a proporcionalidade seja correto, e outros equivocados.[17]

 

Também interessante se mostra a colocação de Walter Claudius Rothenburg que sugere a adoção da proporcionalidade não como um princípio, mas como um critério, pois como princípio estaria potencialmente sempre em concorrência com qualquer outro princípio, devendo ambos comporem-se para adequada solução, o que de fato não ocorre. Ademais, havendo concorrência ou conflito de dois princípios, por exemplo, a proporcionalidade não seria um terceiro que devesse também ser ponderado e sim, a própria ponderação a resolver o conflito ou concorrência, ou a aferir cada aplicação normativa, determinando o modo de incidência.[18]

 

Ainda que não se observe expressamente nas constituições dos Estados a proporcionalidade como norma positivada, a doutrina e a jurisprudência mencionam a necessidade de sua aplicação e demonstram seu caráter implícito seguindo, para tanto, a influência do direito alemão. Em alguns países, como a Itália, o princípio da proporcionalidade é denominado de razoabilidade (ragionevolezza). Já Portugal admite-o constitucionalmente em seu artigo 18.2 (Constituição de 1976), ao afirmar:

 

Artigo 18º-

[…]

2. A lei só pode restringir os direitos, liberdades e garantias nos casos expressamente previstos na Constituição, devendo as restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos.

 

No Brasil, alguns doutrinadores afirmam que o princípio da proporcionalidade na Constituição Federal teria arrimo no § 2º do art. 5 º:

Art. 5º-

[…]

§ 2º – Os direitos e garantias expressos nesta Constituição nõ excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte.

 

 

Conclusão

 

A Jurisprudência dos Tribunais brasileiros tem demonstrado com constância cada vez maior a aplicação do princípio da proporcionalidade em seus julgados, ampliando sua importância em todos os ramos do Direito pátrio, embora Luís Roberto Barroso nos demonstre que o princípio da proporcionalidade no Brasil tem percorrido trajetória modesta. Da mesma forma, Daniel Sarmento debita à lenta aplicação daquele princípio a visão rígida e esquemática da jurisprudência a propósito da separação de poderes[19]. Antes da Constituição de 1988, tal princípio vinha sendo acolhido sem ser expressamente abordado, em diversas decisões do Supremo Tribunal Federal (Rep. 1077, RTJ 112:34; Rep. 1054, RTJ 110:937), só sendo explicitamente reconhecido a partir do julgamento da ADIN 855-2, pelo qual admitiu-se expressamente a violação ao princípio da proporcionalidade. Hoje o princípio da proporcionalidade vem sendo utilizado, pelas decisões do Supremo Tribunal Federal, sobretudo como instrumento para solucionar colisão de direitos fundamentais.

 

No âmbito das liberdades da comunicação, onde é mais utilizado, o princípio da proporcionalidade nos leva a crer que só podem ser restringidas na estrita medida em que isso seja necessário para salvaguardar direitos ou interesses constitucionalmente protegidos, de natureza individual ou coletiva.[20] Por isso é que os profissionais da comunicação devem fazer a valoração, o juízo da proporcionalidade, entre o direito e o dever de informar e os eventuais danos sofridos por outrem pela divulgação da informação.

 

Jonatas Machado, constitucionalista lusitano, afirma com sapiência:

 

O princípio fundamental neste domínio é de que aqueles que exercem o direito e o dever de informar, embora não tenham de abdicar de uma informação completa, devem procurar minimizar o dano sobre as dimensões não imediatamente relevantes para o interesse público. […] Quer dizer, a medida em que, por exemplo, um jornalista está concretamente vinculado pelo princípio da proporcionalidade em sentido amplo no tratamento que dá à reputação ou à privacidade de uma figura pública, está dependente da proporcionalidade do impacto restritivo que daí resulta para a garantia do direito à informação nas suas diversas vertentes.[21]

 

Por outro lado, não olvidemos que, ainda que a proporcionalidade enseje a realização da justiça, há ocasiões em que sua aplicação pode, paradoxalmente, inibir o debate público que deveria ser amplamente exposto, tornando “desproporcional exigir-se um absoluto respeito pelo princípio da proporcionalidade”.

 

Percebemos, portanto, que a idéia da proporcionalidade, consubstanciada em princípio, critério ou postulado, conforme o tratamento a ela ofertado, está em constante evolução, expansão e observação, sempre nos trazendo à baila a metáfora do publicista Walter Jellinek: “não se deve usar canhões para matar pardais”[22].

 

* Andréa Neves Gonzaga Marques, Analista Judiciário  do TJDFT. Diretora de Secretaria Substituta da Auditoria da 6ª Circunscrição da Justiça Militar da União. Bacharela em Direito pela Universidade de Brasília. Especialista em Direito Público



[1] ALEXY, Robert. Teoria de los Derechos fundamentales. Madrid: Centro de Estúdios Políticos y Constitucionales, 2002. p. 112.

[2] SARMENTO, Daniel.  A Ponderação de Interesses na Constituição Federal. Rio de Janeiro: Editora Lumen Júris. 2003.p. 77.

[3] ALMEIDA, Fernando Barcellos de.  Teoria Geral dos Direitos Humanos. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris Editor, 1996. p. 39.

[4] CANOTILHO, José Joaquim Gomes. . Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 3ª ed. Coimbra: Editora Almedina, 1999.  P. 1216.

[5] SILVA, Almiro do Couto e. apud ALMEIDA, Fernando Barcellos de. Op. Cit. p. 41.

[6] PIEROTH, Bodo; SCHLINK, Bernhard apud MENDES, Gilmar Ferreira. Op. Cit. p. 49.

[7] ÀVILA, Humberto. Teoria dos Princípios – da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 4ª ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2005. p. 97.

[8] ÀVILA, Humberto. Op. Cit. p.110.

[9] STEINMETZ, Wilson – A Vinculação dos Particulares a Direitos Fundamentais 1ª ed. São Paulo:Malheiros Editores, 2004. p. 212.

[10] PIEROTH, Bodo; SCHLINK, Bernhard apud MENDES, Gilmar Ferreira. Direitos Fundamentais e Controle de Constitucionalidade – Estudos de Direito Constitucional.3ª ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2004,  p. 50.

[11] ÀVILA, Humberto. Op. Cit. p. 110.

 [12] Classificação feita por ALMEIDA, Fernando Barcellos. Op. Cit. p. 40.

[13] PIEROTH, Bodo; SCHLINK, Bernhard apud MENDES, Gilmar Ferreira. Idem. P. 51

[14] ÀVILA, Humberto. Op. Cit. p. 110.

[15] ALEXY, Robert. apud STEINMETZ, Wilson – A Vinculação dos Particulares a Direitos Fundamentais 1ª ed. São Paulo:Malheiros Editores, 2004. p. 214.

[16] BARROSO, Luís Roberto apud ÀVILA, Humberto. Op. Cit. p. 111.

[17] ÀVILA, Humberto. Op. Cit. p. 113

[18] ROTHENBURG, Walter Claudius. Princípios Constitucionais.Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris Editor, 2003. p. 42-43.

[19] BARROSO, Luís Roberto apud SARMENTO, Daniel. A Ponderação de Interesses na Constituição Federal. 1ª ed. Rio de Janeiro: Lumen Júris, 2002. p. 90.

[20] MACHADO, Jonatas Eduardo Mendes. Liberdade de Expressão – Dimensões Constitucionais da Esfera Pública no Sistema Social. Coimbra: Coimbra Editora – Universidade de Coimbra, 2002. p. 728.

[21] MACHADO, Jonatas Eduardo Mendes. Op. Cit. p. 739.

[22] JELLINEK, Walter apud SARMENTO, Daniel. A Ponderação de Interesses na Constituição Federal. 1ª ed. Rio de Janeiro: Lumen Júris, 2002. p. 77.

Como citar e referenciar este artigo:
MARQUES, Andréa Neves Gonzaga. O Princípio da Proporcionalidade e seus Fundamentos. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2009. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/direito-constitucional-artigos/principio-da-proporcionalidade/ Acesso em: 28 mar. 2024