Direito Constitucional

Os objetivos da República e a teoria dos atos estatais

Os objetivos da República e a teoria dos atos estatais

 

 

Marcio Alves Pinheiro

 

 

1 – Teoria dos Atos Estatais; 2 – Objetivos da República; 3 – Constitucionalidade negativa; 4 – Constitucionalidade positiva; 5 – Conclusão.

 

1 – Teoria dos Atos Estatais

 

O Estado se manifesta, politicamente ou juridicamente, mediante Atos Estatais. São eles o Ato Administrativo, a Lei e a Decisão Judicial. O Ato Administrativo, mais utilizado na seara do Poder Executivo, embora o seja também no Legislativo e no Judiciário (quando se auto-administram) serve para trazer normas específicas e concretas (regra geral), e precisa cumprir requisitos consagrados pela doutrina e jurisprudência: Competência (art. 2º, a, Lei 4.717/65), Forma (art. 2º, b, Lei 4.717/65), Objeto (art. 2º, c, Lei 4.717/65), Motivo (art. 2º, d, Lei 4.717/65), Finalidade (art. 2º, e, Lei 4.717/65). Podemos dizer também que o fundamento constitucional do Ato Administrativo está no art. 84, VI, (antes da EC 32/2001) e art. 84, VI, a, (depois da EC 32/2001), qual seja, dispor sobre organização e funcionamento da administração (federal, estadual, municipal e distrital).

 

Igualmente, a Lei serve para trazer ao país normas gerais e abstratas (regra geral), e precisa cumprir os requisitos constitucionais esculpidos no art. 59 a 69, CRFB, ou seja, o processo legislativo. Interessante notar que a Medida Provisória, de autoria do Chefe do Executivo, faz parte do rol de Leis do art. 59, demonstrando que, por exceção, o Executivo pode criar um tipo de Lei, que, no entanto, estará subordinado à deliberação do Poder Legislativo.

 

E as Decisões Judiciais, explicitadas principalmente nos Códigos Processuais, também possuem um fundamento constitucional no art. 93, IX, que explicitava que “todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade, podendo a lei, se o interesse público o exigir, limitar a presença, em determinados atos, às próprias partes e a seus advogados, ou somente a estes” e hoje, depois da EC 45, diz que “todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade, podendo a lei limitar a presença, em determinados atos, às próprias partes e a seus advogados, ou somente a estes, em casos nos quais a preservação do direito à intimidade do interessado no sigilo não prejudique o interesse público à informação”. Esse fundamento nos alerta que o Processamento e Julgamento (art. 5º, LIII: ninguém será processado nem sentenciado senão pela autoridade competente) no Poder Judiciário, bem como todo o processo, tem dois principais princípios (perdão a redundância) das Decisões Judiciais, quais sejam a publicidade e a motivação.

           

            Temos então, os seguintes fundamentos constitucionais específicos para os Atos Estatais: a Organização e Funcionamento da Administração, para os Atos Administrativos; o Processo Legislativo para as Leis; e o Processamento e Julgamento Públicos e Motivados para as Decisões Judiciais.

 

 

2 – Objetivos da República

 

            Existe na nossa Constituição uma lista de quatro objetivos que devem ser observados. São eles: construir uma sociedade livre, justa e solidária; garantir o desenvolvimento nacional; erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.

 

            Construir uma sociedade livre, justa e solidária é uma criação de origem francesa (libertè, igualitè, fraternitè). O termo “livre” nos remonta aos direitos de 1ª geração, os direitos de liberdade; o termo “justa” tem ligação com a igualdade, que é o postulado dos direitos de 2ª geração; e a solidariedade é vinculada à fraternidade, que é o fundamento dos direitos de 3° geração.

 

            Garantir o desenvolvimento nacional tem relação primariamente econômica, no sentido de engrandecer o país para que o mesmo seja um pólo industrial, comercial, tecnológico e financeiro. A idéia do legislador nos parece um tanto intangível, mas deve ser implementada o mais concretamente possível. O desenvolvimento nacional também remonta ao âmbito externo, no país relacionado a outros países.

 

            Erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais tem relação com o âmbito interno, com o país relacionado a sim mesmo. Isso quer dizer que a República deve erradicar (destruir, desfazer, anular) a pobreza e a marginalização (mesmo que seja utópico, deve-se buscar) e reduzir (diminuir, minimizar) desigualdades. Temos um país de dimensões continentais, e cada estado-membro tem o tamanho de alguns países europeus. Reduzir as desigualdades sociais (ricos X pobres) e regionais (seca nordestina, enchentes em São Paulo, geadas no sul etc.) também é um “norte” a ser buscado pela República.

 

            Promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação é um postulado anti-racista padrão, no qual as discriminações injustas ou negativas devem ser evitadas. Os defensores da homossexualidade utilizam-se também desse inciso para defender sua escolha sexual.

 

 

3 – Constitucionalidade negativa

 

            Os Atos Estatais devem, sempre, sob pena de inconstitucionalidade, obedecer aos quatro objetivos da República. Isso quer dizer que, se um Ato Estatal (qualquer um) afrontar pelo menos um dos objetivos, ele estará eivado de inconstitucionalidade.

 

            Nenhum Ato Estatal pode ser contra a construção de um sociedade livre, justa e solidária, nem ser contra o desenvolvimento social, ou promover pobreza e marginalização, ou aumentar as desigualdades, ou ser preconceituoso.

 

 

4 – Constitucionalidade positiva

 

            Essa construção é mais difícil de promover. A constitucionalidade positiva diz que os Atos Estatais devem sempre promover pelo menos um dos objetivos. Ou seja, cada Ato Estatal deve construir uma sociedade livre, justa e solidária, ou garantir o desenvolvimento nacional, ou erradicar a pobreza e marginalização e reduzir desigualdades, ou promover o bem de todos, sem preconceitos.

 

            Cada Ato Estatal, além de não poder confrontar nenhum dos objetivos da República, deve promover pelo menos um deles.

 

            Reconheço que é difícil exigir que um despacho que ordena a citação em um processo tenha que garantir o desenvolvimento nacional. Por isso vamos nos utilizar da razoabilidade e da proporcionalidade.

 

            Proibir que os Atos Estatais afrontassem os objetivos é relativamente fácil. Para um despacho de citação num processo, basta que ele seja feito nos moldes legais. Mas exigir que eles promovam os objetivos é praticamente impossível fática e juridicamente.

 

            Por isso, creio que só se pode exigir a constitucionalidade positiva de um Ato Estatal implicitamente. Ou seja, o Ato Administrativo que concede licença para construir implicitamente está promovendo o quarto objetivo (promove o bem de todos). Ou a Decisão Judicial que repara o dano causado em “A” por parte de “B” implicitamente está promovendo o primeiro objetivo (construindo uma sociedade justa).

 

 

5 – Conclusão

 

            Pretendemos demonstrar aqui que os objetivos da República não foram colocados ali “à toa”, por mero capricho. Estão descritos ali para que efetivamente sejam promovidos pelo Estado, garantidor dos direitos e garantias fundamentais da pessoa, baseado nos princípios fundamentais da soberania, cidadania, dignidade da pessoa humana, valores sociais do trabalho e da livre iniciativa e do pluralismo político.

 

Como citar e referenciar este artigo:
PINHEIRO, Marcio Alves. Os objetivos da República e a teoria dos atos estatais. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2009. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/direito-constitucional-artigos/os-objetivos-da-republica-e-a-teoria-dos-atos-estatais/ Acesso em: 16 abr. 2024